História de Arzila - A conquista e ocupação portuguesa

August 5, 2017 | Autor: José Pedro Mendes | Categoria: African History, História Da Expansão Portuguesa
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História de Arzila
A conquista e ocupação portuguesa





1-Qual o objectivo da conquista?

A campanha portuguesa no Norte de África teve o seu ínicio em 1415 com a conquista da Ceuta. A cidade foi atacada e facilmente conquistada. A tomada desta praça marroquina justifica-se pela sua posição estratégica no estreito de Gibraltar assim como pela sua importante posição comercial. O rei de Portugal, D. João I, conhecia a fragilidade do reino de Fez, e soube tirar partido das informações de que dispunha, para obter uma vitória relativamente fácil.
Mas a conquista isolada da praça de Ceuta e a sua manutenção não se revelava proveitosa, pois exigia um esforço bélico constante, dado que era, frequentemente alvo de assaltos, roubos e palco de escaramuças. Embora fosse uma base naval importante no combate à pirataria, encontrava-se num território hostil e isso punha em causa as suas qualidades comerciais. A permanência nesta praça exigia um grande esforço financeiro à coroa portuguesa que tinha que promover continuamente a sua defesa.
Por outro lado , Ceuta, servia como base de treino militar para nobres e soldados. Os senhores da guerra preparavam-se para novas conquistas.
De facto, a conquista de Ceuta só ganhava relevância quando inserida numa politíca expansionista de nível mundial. O rei português, procura afirmar a sua imagem perante Roma e a Cristandade como um novo Cruzado. Dada a próximidade e ameaça crescente dos turcos do oriente e do Islão, mais tarde reforçada pela queda de Constantinopla em 1453, o rei procura assumir a liderança perante a Europa Cristã. Sentindo-se, assim, imbuido do espírito de cruzada, o Reino de Portugal inicia uma nova fase expansionista, na qual, Ceuta seria o primeiro passo de um plano que abrangia várias praças marroquinas.
Outra motivação a considerar é o da carência crónica de cereais do reino. Marrocos era um bom produtor de cereais e Portugal pretendia tirar dividendos desse facto. Os cereais eram produzidos essencialmente no sul do território e sendo escassos no norte, obrigando à importação de cerais da Andaluzia, dos Açores, da Flandres e até de Marrocos do Sul para abastecer a cidade de Ceuta.
O segundo momento da expansão só teria lugar em 1437 na tentativa da conquista da cidade de Tânger. Esta expedição só ocorreu depois da morte de D. João I (1433), que apesar da avançada idade ainda pensava comandar a expedição. Foi o seu filho mais velho, D. Duarte, que decidiu proseguir com a expedição e, provavelmente, com a aprovação do Infante D. Henrique. Mas esta aventura revelou-se desastrosa. O confronto com as tropas muçulmanas infligiu pesadas baixas nas hostes lusitanas. Uma sucessão de erros táticos e a inadequação do equipamento bélico, deixou as tropas de D. Henrique á beira da capitulação. Restou a assinatura de Paz, tendo o infante D. Fernando ficado como refém dos muçulmanos. Inicialmente cativo em Arzila, D. Fernando seria transferido para Fez, de onde nunca seria resgatado.
Em 1448, D. Afonso V seria coroado rei de Portugal, e assumiu a guerra contra os muçulmanos como uma das prioridades do reino. Ceuta continuava a ser a única praça forte em Marrocos, e era necessário reforçar a presença portuguesa no Norte da África. Uma praça isolada não trazia grandes beneficios ao reino. Assim, D. Afonso V, planeia o regresso a Marrocos. Após a bula de cruzada de 1443, que concedia várias posses ao reino, como Alcácer Seguer e Tetuão, o rei decide pela conquista de Alcácer Seguer. Em 1458, parte uma armada de Lagos em direcção a Tânger. Esta expedição foi comandada pelo rei D. Afonso V e contou com a presença do infante D. Henrique, apesar da sua idade avançada. O objectivo desta campanha relaciona-se com a posição estratégica de Alcácer Seguer que servia de apoio à praça de Ceuta. Por outro lado, Alcácer Seguer era uma base naval marroquina que servia de apoio aos constantes ataques de pirataria à costa do Algarve.
A expedição foi bem sucedida e no dia 23 de Outubro, D. Afonso V entrou a pé na vila conquistada. Apesar dos constantes ataques perpetrados pelo Reino de Fez, com destaque para um cerco de 53 dias em 1459, a vila manteve-se portuguesa.
Do lado do reino de Fez, durante a década de 60 do século XV, muitas mudanças iriam abalar a sua estabilidade. Em 1465, ocorreu a revolução idríssida que, veio a ditar o fim da dinastia meríndia. Conhecedor destes acontecimentos, D. Afonso V, ambiciona de novo a conquista de Tânger, de modo a vingar as derrotas ai sofridas. Mas o rei é aconselhado a optar pela conquista de Arzila, vila vizinha de Tânger, de dimensão menor e com maiores probabilidades de sucesso na conquista. Seria uma empresa de menor esforço financeiro e, uma vez conquistada e, dado a sua proximidade com Tânger, viria a desvalorizar a importância desta para o reino de Fez.
Começam os preparativos para a expedição de conquista. O rei envia dois espiões para a vila de Arzila, de modo a obter informações para a investida final. Na cidade do Porto, o duque de Guimarães prepara a frota naval, enquanto em Lisboa, o rei encarrega-se de fazer o mesmo. No dia 15 de Agosto de 1471, as duas frotas reunem-se em Lagos. A frota constitui-se com cerca de 477 embarcações e 30 mil homens. Fazem parte do contigente o rei D. Afonso V, o infante D. João (futuro rei D: João II) D. Henrique de Menezes (capitão de Alcácer Ceguer), D. Álvaro de Castro (conde de Monsanto), D. Fernando Coutinho (conde de Marialva e Marechal do reino) entre outros nobres do reino.
A frota portuguesa chega a Arzila no dia 20 ao fim da tarde, numa altura em que o mar apresentava fortes vagas que empurravam os navios para a costa. Apesar da intempérie , D. Afonso V decide fazer o desembarque, receando que chegassem reforços do reino de Fez. As tropas precipitam-se para as barcas e, desordenadamente, chegam à praia. Mas esta movimentação caótica no mar revolto provoca desde logo avultados prejuizos materiais e humanos. Estima-se, que no desembarque tenham morrido afogados cerca de 200 homens. Apesar de tudo, o rei não esmorece, e no mesmo dia, monta cerco a Arzila, dando-se inicio aos primeiros combates.
Ao fim de dois dias de intensa contenda, os muçulmanos pediram tréguas, mas, as hóstes portugueses, estavam inflamadas pelo sabor da vitória que se avizinhava. Assim, o exército, só ficou saciado quando entrou na vila, no dia 24 de Agosto.
Na mesquita de Arzila, agora convertida em igreja, D. Afonso V rezou e deu graças pela vitória obtida e tendo de seguida armado cavaleiro o infante D. João. No mesmo local de culto, rebatizado de igreja da Nossa Senhora da Assunção, celebrou-se uma missa de requiem pelos defuntos, nomeadamente, o conde de Monsanto e o conde de Marialva, que tombaram durante a batalha. O rei nomeou capitão de praça conquistada D. Henrique de Menezes, conde de Valença e capitão de Alcácer Ceguer.





2-A narrativa da conquista.

A narrativa da conquista foi elaborada a partir da análise dos Anais de Arzila-Crónica inédita da século XVI, por Bernardo Rodrigues. Os Anais de Arzila foram escritos em 1561 e são uma obra em dois tomos. O seu autor, Bernardo Rodrigues foi um militar e cronista português que, nasceu e viveu em Arzila até esta ser tomada pelos Mouros em 1549.
O objectivo a que nos propomos é o de analisar o discurso narrativo, não perdendo de vista o seu propósito. Sendo uma descrição dos feitos de guerra das tropas portuguesas, esta narrativa tem como finalidade enaltecer os actos de bravura dos nobres cavaleiros que partiram para a conquista do Norte de África. Assim, esta crónica é um relato crú e realistico das duras batalhas que se travaram pela conquista de Arzila. No entanto a questão da realidade é sempre um pouco distorcida, de forma a valorizar os duros combates que se travaram. A imagem que nos é transmitida dos seus intervinientes está próxima dos heróis de cavalaria. O número de soldados dos exércitos adversários é, sempre muito superior à dos portugueses, mas estes conseguem derrota-los com grande esforço e sacrifício e com valorosos actos de bravura. O empenho na entre ajuda (camaradagem) e de entrega à causa cristã (espírito de cruzada) caracteriza as tropas lusitanas, que com esforço quase sobre humano dizimam os exércitos muçulmanos.
Por outro lado, o muçulmano é caracterizado como impuro, cruel, vingativo e um sem número de defeitos que compôem a sua imagem diabolizada aos olhos dos cristãos. A sua religião, o islão, e a sua prática está conotada com a adoração do mal. Em oposição, as tropas cristãs vão derrotar o mal, e procurar o triunfo do bem e a benção de Deus. Esta dictomia entre o bem e mal serve de justificação metafísica para as acções que se desenvolvem no terreno. A expansão da fé cristã, outorgado por bula papal, procura rechaçar o inimigo muçulmano e otomano que se aproxima de forma crescente às portas da Europa mediterrânica.
Na análise dos Anais de Arzila, verificamos que este documento relata-nos vários momentos de confrontos físicos em batalhas e, como tal, está repleto de elementos de violência e pormenores sangrentos.
Tomemos por exemplo o relato de página 5 do Tomo I, que descreve essa violência entre o Xeque Omar e outros marroquinos na questão das terras de Alcácer Quibir.
*Este mouro, sendo pesoa principal e honrada, era xeque de uas aldeas ou aduares; veio a ter deferença com o alcaide d'Acacere Quebir, e mandando-o prender e roubar se vingou nos ministros desta execução, matando-os; e tomando seus cavalos e o milhor de sua casa se veio pera Arzila, donde avia muitos anos que vivia em sua lei de mouro*
Ainda outro exemplo na página 6 do Tomo I, onde os portugueses intimidam os marroquinos no caso da decapitação e exbição das cabeças dos reféns.
*Sabido por el-rei de Féz a nova, como tivese muita gente junta, logo correo Arzila pola parte do Rio Doce, e entrando a gente pola praia se mesturou com o conde, da qual mestura ficarão antre os nossos cinco mouros, os quaes logo fôrão descabeçados polos rapazes e trazidos suas cabeças á vila; e não contentes com isso, sendo el-rei recolhido ao Rio Doce, os levarão arrastrando ao outeiro de Fernão da Silva, e apanhado cardos e tojos os queimarão em presença d'el-rei de Féz*
No campo de batalha, os pormenores descritos são abundantes e de ambas as partes, como será natural numa situação de confronto directo. As descrições são realistas e procuram enaltecer, exageradamente, os feitos de bravura das tropas portuguesas.
Vejamos outro excerto da página 11 do Tomo I, referente ao cerco de Arzila pelo rei de Fez.
*e sendo menhã, parecêrão ao derrador da vila muitas batalhas e bandeiras de jente de cavalo e de pê, que tomavão de mar a mar, e logo, sem ordem nem concerto, se viérão ao muro, começando a minar e a cavar nele com enxadas e picões e arteficios pera desfazerem e derribarem o muro, sem os nossos poderem afastar, ainda que dos nossos recebêrão muito dano de muitas pedras e azeite fervendo, que de cima lhes deitávão, e asi de alguas béstas e espingardas que na vila avia, ainda que muito poucas, e esas que avia não perderam tiro, por os mouros estarem ao pé do muro e descubertos; mas tudo era nada, que, como na vila não avia artelharia de que ouvesem medo, as béstas e espingardas erão tão poucas que não pasavão de seis espingardeiros, e estes érão muito bons,…;estes afirmão que neste cerco matarãm mais de mil mouros.*
Os Anais de Arzila, de Bernardo Rodrigues, seguem a prática corrente da época, ao fazer o relato de acontecimentos que irá constituir a história dos diversos reinos europeus que se constituem como nações. Os cronistas submetem-se à vontade da coroa, que encomendava a crónica e financiava a sua elaboração. No caso dos Anais de Arzila, temos o relato da conquista da praça marroquina, de forma a enaltecer a acção dos portugueses e de modo a afirmar a portugalidade. É um exercicio que procura vincar a identidade de um pais, assim como da coroa e dos nobres que nela intervêm. Procura fixar a acção dos portugueses num determinado espaço, assumindo essa mesma acção como referência para posteriores intervenções noutras latitudes. Deparamos com a tentativa de construção de identidade forte e guerreira perante a Europa e o mundo do século XVI.
Em nenhuma crónica está pressuposta a ideia de originalidade, visto que, para os cronistas, narrar significa rescrever. As crónicas não valorizam o nome do escritor do texto, pois o texto resulta de um gesto de escrita no qual o acto de contar é anônimo, porque o que importa é a conservação dos acontecimentos notáveis, e não o destaque para quem, sucessivamente, os relata na forma histórica.
Nos Anais de Arzila, o cuidado do autor com a forma escrita não são muitos, a narrativa é extensa e irregular, por vezes pouco cuidada e revelando pouco sentido literário. Decididamente o autor teria maior apetência para as artes da guerra, do que para as artes da literatura. No entanto, julga-se que Bernardo Rodrigues, teria reunido vários textos sobre Arzila, mas sem intenção de publicar. Terá sido motivado pelo último capitão da praça, D. Francisco Coutinho para fazer a compilação e elaboração da crónica e posterior publicação.
Bernardo Rodrigues, recorre a diversas fontes orais para elaborar os Anais de Arzila. Temendo que a sua memória não seja suficiente, ou porque não esteve presente em todos os acontecimentos narrados, procura fundamentar-se nos relatos de Luis Valente, em quem deposita grande confiança.
Esta obra do século XVI é imprescindível para melhor compreender a História da expansão portuguesa no norte de África, dando-nos uma apaixonante e envolvente visão da conquista da praça de Arzila.


Nota:
*Citações da obra "Anais de Arzila-Crónica inédita da século XVI", Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1910.
Bibliografia
Lopes, David (1924)-"História de Arzila durante o dominio português" (1471-1550 e 1577-1589), Imprensa da Universidade, Coimbra.
Rodrigues, Bernardo (1561)-"Anais de Arzila-Crónica inédita da século XVI", Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa.
Farinha, António Dias (1990)-"Portugal e Marrocos no século XV", 3 vol.
Costa, João Paulo Oliveira e Rodrigues, Vitor Luís Gaspar, "A Batalha Dos Alcaides", Tribuna da História, 2007, Lisboa.
Serrão, Joel e Marques, A. H. de Oliveira (Dir.), Nova História da Expansão Portuguesa-A Expansão Quatrocentista, Vol. II, Editorial Estampa, 1998, Lisboa.




Aluno: José Pedro Mendes
Nº48827

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