Historia dos Bombeiros na Cidade do Porto

September 13, 2017 | Autor: Artur Dias | Categoria: Cultural History
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Licenciatura em História Ano lectivo 2009/2010

História da cidade do Porto

Os Bombeiros na Cidade do Porto Uma abordagem Histórica e Geográfica

Aluno: António Artur Pires Dias

Docente: António Barros Cardoso

António Artur Pires Dias – Lgeogr07102 Agosto de 2010

-Licenciatura em História Ano lectivo 2009/2010

Historia da Cidade do Porto

ÍNDICE Índice…………………………………………………………………………………….1 Resumo …………………………………. ……………………………………………...2 Abstract……………………………………………………………………. ……………2 Aos bombeiros do Porto.……………………………………………………...…………3 1. Introdução…………………...…………………………………………………...……4 2. Os Bombeiros em Portugal…………...…………………. …………………………...6 3. Os Bombeiros no Porto…..………………………………...……...…….…...………13 Bibliografia..………………….…………………..………….…………………………34

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Licenciatura em História Ano lectivo 2009/2010

História da Cidade do Porto

Os Bombeiros na Cidade do Porto Uma Abordagem Histórica e Geográfica

Resumo O presente trabalho insere-se no âmbito do plano curricular da Licenciatura de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto na disciplina de História da Cidade do Porto. Os bombeiros na cidade do Porto têm uma longa história; são conhecidas alusões ao serviço de incêndios da cidade desde o século XV. É uma história que acompanha a evolução histórica dos bombeiros portugueses na sua plenitude, sendo muitas vezes protagonista dessa mesma história. Palavras-chave: História, Bombeiros, Cidade do Porto

Abstract This work falls within the curriculum of the Degree of History in Faculty of Letters, University of Porto in the discipline of History of Oporto City. Firefighters in the city of Porto have a long history; are known allusions to the fire service in the city since the fifteenth century. It’s a story that accompanies the historical evolution of Portuguese firefighters in its fullness, many times the protagonist of that story. Keywords: History, Fireman, Oporto City

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AOS BOMBEIROS DO PORTO Têem sempre no lábio as grandes notas francas Das almas virginaes, das consciências brancas, Dos rijos corações; No peito sempre a flôr ideal da caridade, E o braço sempre aberto a bem da Humanidade, - A mil dedicações! São o bando leal das almas generosas, Seguindo ardentemente as normas gloriosas Dos soldados do bem! Pois muita e muita vez do fogo – nos abysmos Excedem, a sorrir, os loucos heroísmos Athleticos da mãe! Ainda hoje este punhado heróico de rapazes, De tudo quanto houver de Grande e Bom – capazes, Como almas sempre em flôr! Foi que teve primeiro o pensamento santo, De ir esmolar o pão de quem suffoca em pranto, E se desata em Dôr! Trilhai gloriosamente a senda começada De ir entregar ao pobre a esmola abençoada, – Que é dar ao cego a luz! – Que o prémio vos será – um hymno surprehendente: As lágrimas do triste, os risos do contente, E as bênçãos de Jesus! Agosto de 1881 Ernest Hémery

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1. Introdução “…perante o fogo, o homem primitivo se maravilhou primeiro, depois se assustou – e finalmente se queimou. Nessa altura, terá descoberto também que a agua apagava o fogo. Havia nascido o primeiro bombeiro…” Guilherme Gomes Fernandes O fogo é um fenómeno natural que existe desde a formação da Terra e um elemento constante na sua evolução. Para a humanidade, o fogo foi sempre uma ameaça. No início o Homem fugia do fogo, pois não necessitava de o enfrentar. Contudo, a sua curiosidade e inteligência fez com que observasse melhor as chamas ao ponto de as controlar e manter acesas, dominando-as e utilizando-as para aquecimento, segurança e transformação de alimentos. O domínio do fogo evidenciou-se quando conseguiu produzir fogo a partir da fricção entre duas pedras de sílex, sendo esta, provavelmente, uma das suas primeiras e principais grandes descobertas. Terá sido também, neste processo que o Homem terá descoberto que a água apagava o fogo e surgisse então o primeiro bombeiro. Como ser gregário, o Homem na sua vida comunitária, apesar do seu domínio, reconheceu que o fogo por vezes se voltava contra ele, obrigando-o a criar regras para o seu uso com o objectivo de defender as suas casas e outros bens da destruição causada pelo fogo. Terá assim começado, nos primórdios da humanidade, a luta organizada contra os incêndios1. Entre os povos antigos, os gregos tinham organizado sentinelas nocturnas para vigilância de suas cidades e faziam soar um alarme em caso de incêndio. Em todas as cidades do Império Romano também estavam regulados estes serviços. Quando a capital do império Romano foi devastada por um grande incêndio no ano 22 a.C., o Imperador César Augusto, preocupado por este acontecimento, decidiu criar o que se pode considerar como o primeiro corpo de bombeiros, cujos elementos se chamavam “vigiles”, responsáveis pela segurança de Roma. Este corpo serviu até à

1 - Um incêndio é Fogo sem controlo no espaço e no tempo e que provoca danos – Terminologia utilizada nos manuais da Escola nacional de Bombeiros.

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queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.). Este é o primeiro corpo organizado que se conhece dedicado exclusivamente à função de bombeiro. Com o passar dos séculos, as organizações dedicadas ao combate a incêndios evoluiriam muito pouco. Durante a Idade Média o conceito de incêndio era muito relativo, considerava-se um dano quase inevitável, como hoje se consideram as catástrofes provocadas pelos fenómenos naturais. No século XIV, em França, no reinado de Carlos V (O Sábio), no ano de 1371, e após sucessivos incêndios dramáticos, elaboraram-se determinados regulamentos no sentido de prevenir contra incêndios. Estes obrigavam os proprietários a ter vasilhas com água à porta de casa e a usar lanternas – e não candeias ou velas – nas cavalariças e proibia queimar palha nas ruas e disparar armas de fogo. Em Portugal, o rei D. João I (O da Boa Memória), em 1395, também determina regras de combate a incêndios na cidade de Lisboa. A partir do século XVI os artesãos espalham por toda Europa numa modesta industrialização. Os incêndios eram mais frequentes e a necessidade de combatê-los de forma prática aguça o engenho e a arte. O material para combate a incêndio era constituído por machados, enxadões, abafadores, baldes, e outras ferramentas. Fomentam-se novas regras e regulamentos como é o caso da cidade do Porto em 1513. No século XVII, em 1618, quem deitasse foguetes em Paris seria condenado à morte. Os países mais avançados contavam com rudimentares máquinas hidráulicas (as precursoras das primeiras bombas), datadas de 1669, que eram ligadas a poços que enchiam baldes que por sua vez eram passados de mão em mão até a linha do fogo. Em 1681, havia em Paris, baldes de água distribuídos pela cidade e, nas esquinas, cartazes que indicavam onde eles se encontravam. No século XVIII o holandês Van Der Heyden inventa “a bomba de incêndio”, abrindo uma nova era na luta contra o fogo. O mesmo Van Der Heyden também ganha notoriedade ao inventar a “mangueira” de combate a incêndios. Estas primeiras mangueiras foram fabricadas em couro, e tinham quinze metros de comprimento com uniões de bronze nas extremidades. O novo sistema põe fim a época dos baldes e marca o começo de uma nova era no “ataque” aos incêndios, com o lançamento de jactos de água em várias direcções, o que não era possível no sistema antigo. A aparição destas bombas de incêndio fez com que se organizasse em Paris uma companhia de “sessenta guarda-bombas”, uniformizados e pagos que estavam sujeitos à disciplina militar. É destes “guarda bombas” que surge a palavra Bombeiro – do francês “Pompier”. À 5

semelhança de Paris, a cidade do Porto cria a Companhia do fogo ou da Bomba. Estes foram dos primeiros Corpos de Bombeiros organizados, nos moldes dos sistemas actuais, de que há notícia. No século XIX, em 1810, Napoleão Bonaparte, remodelou completamente o serviço de incêndios em França e em pouco tempo todas as grandes cidades do mundo ocidental foram possuindo, seja por disposição legal ou por iniciativa das companhias de seguro, (como por exemplo na Escócia e Inglaterra) serviços de bombeiros remunerados e na falta destes, Bombeiros Voluntários.

2. Os Bombeiros em Portugal “…E ʠ em caso ʠ se alguũ fogo leuantasse oʠ ds nõ ʠira ʠ todos os carpenteiros e calafates , venham aaƥl lugar cada huũ cõ seu machado ƥ auerẽ de atalhar o dito fogo…” Excerto da Carta Régia de D. João I Em Portugal, e à semelhança dos outros lugares do mundo, os incêndios sempre foram um flagelo e a eles acorriam as populações de uma forma mais ou menos ordenada, isto é, empírica. Data de 25 de Agosto de 1395 a Carta Régia de D. João I que, correspondendo a solicitações do Senado da Câmara de Lisboa, estabeleceu as primeiras directivas escritas, preventivas e de combate, tendo em vista os numerosos incêndios que ocorriam em Lisboa: “ Dom Joham pela graça de deus Rei de portugal e algarve … ʠ por ʠnto ƥ uezes se leuanta fogo em essa cidade considerando sobrelo , alguũ boõ remedio . Acordastes ʠ era bem ʠ os ƥgoeiros dessa cidade ƥ freguesias , ẽ cada hũa noute depois do signo da colhença andem ƥ a dita cidade aƥgoando ʠ cada huũ guarde , e ponha guarda ao fogo em suas casas. E ʠ em caso ʠ se alguũ fogo leuantasse oʠ ds nõ ʠ ira ʠ todos os carpenteiros e calafates , venham aaʠl lugar cada huũ cõ seu machado ƥ auerẽ de atalhar o dito fogo. E ʠ outº ssi todas as molheres ʠ ao dito fogo acodirem tragam cada huã seu cantaro ou pote pa carretar auga pa apagar o dito fogo. E outº ssi por ʠ muitos acudem e veem aelo para roubar, acordastes ʠ Cem corretores ʠ ha na dita cidade , cheguẽ hi cõ suas armas pa auerem de guardar ʠ se nõ faça roubo … E mandamos ʠ as casas ʠ se assi de ribarẽ pa atalhar o dito fogo , e se nõ fazer mayor dagno ʠ esse Cº nẽ outº nenhuũ nõ seja tehudo fazela s , pois se faz por prol comunal…” Excerto da Carta Régia de D. João I 6

Estava assim criado o primeiro grupo de homens a quem incumbia, em Lisboa, enfrentar o terrível flagelo dos incêndios e, simultaneamente, a sua primeira organização operacional. Esta Carta Régia é tida pelos bombeiros portugueses como o marco para o inicio da história dos bombeiros em Portugal. Raro é o discurso comemorativo do dia dos bombeiros portugueses que se não evoca esta carta.

Figura 1 - Página da Carta Régia de D. João I de 25 de Agosto de 1395

Não se conhecem quaisquer outras medidas de prevenção, organização e funcionamento dos grupos de extinção de incêndios no nosso país no século XV mas certamente que terá havido normas com o objectivo de prevenir os incêndios provocados por fogueiras, manuseamento de pólvora ou chamas domésticas. No século XVI, em 1513 na cidade do Porto, a Vereação da Câmara, aprova um contrato municipal com fiscais encarregados de verificar se o “lume” era apagado à noite. Na cidade de Braga, todos os munícipes, cujo mester fosse de utilidade para o combate aos incêndios, eram obrigados a acudir com os seus instrumentos de trabalho, sob pena de sanções. 7

No século XVII, em 1612, a Câmara do Porto toma a decisão de fornecer machados aos carpinteiros e bicheiros a outras pessoas para acudir aos incêndios e em Lisboa, também no princípio do século, o Senado da Câmara tomou algumas medidas relativamente ao fabrico e venda de pólvora. Em 1646 os serviços de incêndios de Lisboa conheceu uma reorganização quando o rei D. João IV (O Restaurador) concordou que a Câmara adquirisse diverso material e equipamentos, e concedendo prerrogativas a nível de remunerações e de habitações ao homens incumbidos de acudir aos incêndios, tentando introduzir o sistema usado em Paris. Em 1677, no reinado de D. Afonso VI (O Vitorioso), são promulgadas disposições que visavam o aperfeiçoamento do serviço de incêndios de Lisboa e é apresentado ao Príncipe D. Pedro, Regente do Reino, uma consulta que mereceu em 1678 um despacho favorável para a abertura de três armazéns, nos bairros da cidade, providos de instrumentos necessários para combater o fogo e a compra, na Holanda, de material mais adequado para combate a incêndios; assinalando-se assim o inicio das relações internacionais dos bombeiros portugueses. Em 1683 é publicado, num contexto geral de reformas, e já no reinado de D. Pedro II (O Pacifico), o primeiro “regulamento do pessoal que, por obrigação, deveria acorrer aos incêndios”. O século XVIII pode-se denominar o século do inicio da expansão dos bombeiros em Portugal. Em 1701, existiam três bombas em Lisboa a cargo do correeiro João Rodrigues que tinha como obrigação de as manter sempre prontas para acudir aos incêndios sob pena do pagamento de 30.000 reis caso não cumprisse com essa obrigação. Em 1722, no Porto, é dada uma Concessão de Privilégios, por parte do Governo Militar, aos cidadãos eleitos pela Câmara para acudir aos incêndios e em 1728, através da Provisão Régia de D. João V (O Magnânimo), é criada a Companhia do Fogo ou da Bomba, sendo a organização portuense, o primeiro corpo de bombeiros organizado, dentro dos moldes actuais, de Portugal. Em 1734 foi adoptada e regulamentada uma nova estrutura em Lisboa, que, como novidade, escreve e atribui pela primeira vez o termo Bombeiros aos trabalhadores dos serviços de incêndios:

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“… juiz do povo tome entrega de todas as bombas que se acham dispersas em poder dos bombeiros e as distribuirá pelas pessoas que entender capazes para semelhante ministerio e acudir com elas promptamente, fazendo-se preciso, e isto enquanto o Senado não mandar o contrario…” A preocupação da organização dos serviços de incêndios começa a generalizarse por todos os municípios do País: - Em 1766, por provisão “de sua Alteza Real o Sereníssimo senhor D. Gaspar, Arcebispo Primaz e Senhor desta cidade”, é criada em Braga a Companhia da Bomba do Fogo. - A Câmara de Viana do Castelo por providências, junto da Nobreza, constitui a Companhia da Bomba em 22 de Março de 1780. - A Concessão Régia de D. Maria I (A Piedosa) cria em 13 de Março de 1781 o Serviço de Incêndios de Coimbra. - O dia 21 de Fevereiro de 1786 é o marco para o inicio do “Corpo de Bombeiros Municipaes” de Setúbal. - Em Lamego, a mais antiga referência conhecida ao Serviço de Incêndios data de 1787. - Em Guimarães, no ano de 1788, o Juiz de Fora faz uma encomenda a Inglaterra de três bombas de incêndio, o que leva a crer da existência de uma Companhia de Municipais em preparação ou já existente. - Em Angra do Heroísmo, nos finais do Século, existiam duas bombas de Incêndio que eram “trabalhadas” pela Guarnição Militar, a qual tinha a incumbência do serviço de incêndios. - Em 1799, o Príncipe Regente de Portugal e futuro D. João VI (O Clemente), por determinações régias de 8 de Junho e 17 de Setembro, acedeu que as Câmaras de Braga e Guimarães formassem Companhias de Bombeiros de 100 e 60 homens respectivamente. O século XIX foi como que a continuidade da proliferação dos corpos de bombeiros municipais pelo País. As Câmaras Municipais de Penafiel (1815), Abrantes (1817), Barcelos (1826), Viseu (1827), Funchal (1837), Vila Nova de Gaia (1839), Valença (1839), Leiria (1850), Bragança (1850), Angra do Heroísmo (1851), Aveiro (1852), Belém (1852), Horta (1853), Ponte de Lima (1860), Vila Real (1854), Figueira da Foz (1865), Vila do Conde (1871), Peso da Régua (1873), Portalegre (1875), Chaves 9

(1878), Castro D’Aire (1878), Famalicão (1879), Celorico da Beira (1879), Tomar (1879), Póvoa de Varzim (1879), Beja (1880), Ponta Delgada (1882), Mirandela (1883), Oliveira de Azeméis (1885), Ribeira Grande (1891) e Benavente (1900), constituíram os respectivos serviços de incêndios. A prevenção de incêndios foi sempre uma preocupação dos responsáveis dos municípios. De acordo com o decreto de 16 de Maio de 1832, competia ao Provedor do Concelho, o que corresponde actualmente o cargo de Presidente da Câmara, no cumprimento das obrigações de superintendência da polícia e evitar os incêndios, entre outros. Daí o grande empenho dos municípios em constituir os respectivos serviços de incêndio. O Código Administrativo de 18 de Março de 1842 cometeu ao Administrador do Concelho a tarefa de “providenciar nos casos d’incendio, innundações, naufragios e semelhantes” e às Câmaras Municipais a incumbência de “regular o deposito de combustiveis e a limpeza das chamines e fornos”. A Lei da Administração Civil promulgada em 26 de Junho de 1867 inclui normas que atribuíam às Câmaras Municipais competência para a “resolução sobre (…) socorros para a extinção dos Incêndios e inundações”. Em Lisboa, o serviço municipal de incêndios passou por dificuldades financeiras e devido a acontecimentos relevantes da época caiu em descrédito, o que levou a Câmara Municipal a exonerar o inspector de incêndios e a nomear Carlos José Barreiros para o cargo, que propôs uma nova reorganização aprovada em 9 de Dezembro de 1869. O deficiente estado em que se encontrava o serviço de incêndios de Lisboa foi tema de conversa de um grupo de amigos que se reunia na farmácia dos irmãos Azevedo em Lisboa, onde, na tarde do dia de 17 de Outubro de 1868, se encontravam várias individualidades. Guilherme Cossoul, director do conservatório e chefe de orquestra do Real Teatro de S. Carlos, sugeriu a ideia da criação de uma “companhia de voluntários bombeiros”, logo favoravelmente acolhida. No dia seguinte – 18 de Outubro de 1868 – em reunião presidida pelo Barão de Mendonça, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi deliberado criar uma “Companhia de Voluntários Bombeiros”, constituída por 26 sócios, que ficou adstrita ao Corpo de Bombeiros Municipais. Estava constituída a primeira associação de bombeiros voluntários que em 1880 se separou dos bombeiros municipais e se transformou na Associação dos Bombeiros Voluntários de Lisboa. O associativismo nos bombeiros tinha começado: em 29 de Outubro de 1871 surgia a “Associação Humanitária Bombeiros Voluntários de Santarém, depois em 21 de Junho de 1875 a “Associação Humanitária Bombeiros Voluntários da Covilhã e logo 10

a seguir em 25 de Agosto de 1875 a “Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto. Até final do século, foram fundadas mais 79 associações de bombeiros voluntários. O movimento associativo deu lugar ao aparecimento de um novo grupo de homens e mulheres que abraçaram a causa dos bombeiros portugueses e que, integrando os corpos gerentes, dão o seu contributo administrativo às associações de bombeiros. São os vulgarmente designados “bombeiros sem farda”. Entretanto as companhias de incêndios do Porto, Braga, Viana do Castelo, Coimbra, Setúbal, Lamego e Guimarães iam cumprindo a missão para que foram criadas, reorganizando-se e melhorando os meios de combate aos incêndios. O inicio do século XX representa um momento muito especial para os bombeiros portugueses. Foi no dia 18 de Agosto de 1900 que um piquete de bombeiros do Corpo de Salvação Pública do Porto, sob o comando de Guilherme Gomes Fernandes, conquistou em Vincennes, nos arredores de Paris, o Concurso Internacional de Bombeiros, mostrando a outros países mais tecnicamente evoluídos, estarem aptos para fazer frente aos incêndios em qualquer situação. Durante as primeiras décadas o movimento associativo nos bombeiros continuou, fundaram-se muitas mais associações de bombeiros voluntários e aparece também o lema de todos os bombeiros portugueses – Vida por Vida. Na área religiosa, o santo padroeiro e protector dos bombeiros é S. Marçal. Em 1904 é fundada por 16 corpos de bombeiros voluntários a Federação dos Bombeiros Portugueses que foi extinta em 1929. Aparece então a Liga dos Bombeiros Portugueses (L.B.P.) em 1930, a que foram aderindo quase todos os corpos de bombeiros portugueses - profissionais, voluntários e privativos. Com o estabelecimento de muitas indústrias, desde finais do século XIX, em vários pontos do País, foram criados, em algumas empresas, corpos de bombeiros privativos, com elementos pertencentes às próprias empresas, para assim responderem mais rapidamente a uma eventual ocorrência. Aconteceu o mesmo em algumas repartições públicas, palácios e em serviços alfandegários. Com o passar do tempo muitos destes corpos de bombeiros foram desaparecendo. Em 1995 existiam em Portugal, reconhecidos pelo Serviço Nacional de Bombeiros, 19 corpos de bombeiros privativos. Os mais antigos em actividade são o Corpo de Bombeiros Privativos da Fábrica de Porcelanas Vista Alegre, Lda, fundado em 1 de Outubro de 1880 e o corpo de Bombeiros Privativos da Fábrica Robinson Bros, de Portalegre, criado em 1903. 11

Durante o decorrer do século foram-se extinguindo algumas corporações de bombeiros e aparecendo outras. Corpos de bombeiros municipais deram lugar a associações de bombeiros voluntários e vice-versa. O dia do Bombeiro foi assinalado, pela primeira vez, em 18 de Agosto de 1923, precisamente 23 anos depois da conquista em Vincennes do Concurso Internacional de Manobras de 1900. Os bombeiros portugueses, reunidos em congresso no ano de 1986, entenderam porém alterar o dia para o último domingo do mês de Maio, passando a denominar-se “Dia Nacional do Bombeiro”. A Associação Nacional dos bombeiros Profissionais (A.N.B.P.), fundada em 5 de Julho de 1991, instituiu o Dia Nacional dos Bombeiros Profissionais, que se comemora no dia 11 de Setembro, em memória dos bombeiros falecidos na sequência do atentado terrorista em Nova Iorque, no dia 11 de Setembro de 2001. No decorrer do século foram entretanto publicados vários diplomas legais no sentido de regulamentar, nos mais variados aspectos, a estrutura e as actividades dos bombeiros em Portugal. Em 1979 foi Criado o Serviço Nacional de Bombeiros (S.N.B.) que evoluiu para o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (S.N.B.P.C.), sendo posteriormente integrado na criada Autoridade Nacional de Protecção Civil (A.N.P.C.) pela lei de bases de protecção civil de 2006. A Escola Nacional de Bombeiros (E.N.B.) surgiu em 1994, tendo como associados o S.N.B. e a L.B.P. Portugal foi também encetando acordos bilaterais com outras estruturas de bombeiros. Os bombeiros portugueses encontram-se integrados no Comité Técnico Internacional do Fogo (C.T.I.F.). A Liga dos Bombeiros Portugueses está filiada no National Fire Protection Association (N.F.P.A.) e a Escola Nacional de Bombeiros encontra-se integrada no European Fire Service Colleges Association (E.F.S.C.A.). No plano interno tem havido uma estreita colaboração com o Instituto de Socorros a Náufragos (I.S.N.) e o Instituto Nacional de Emergência Médica (I.N.E.M.). O século XXI, é a continuidade da evolução dos bombeiros portugueses. Em Agosto de 2010 existem em Portugal 476 corpos de bombeiros constituídos por 24 de profissionais (6 de sapadores e 18 de municipais), 439 de voluntários e 13 de privativos. Estes corpos de bombeiros contabilizam, entre homens e mulheres, mais de 30.000 elementos, sem contar com “os bombeiros sem farda”, equipados com mais de 8.000 veículos (combate a incêndios, ambulâncias, socorros a náufragos, embarcações e outros) e um vastíssimo conjunto de diverso de material adequado e específico. 12

100 km

Figura 2 – Corpos de bombeiros em Portugal

3. Os Bombeiros no Porto “…Hei por bem , que a Camara da dita Cidade eleja outros tantos homens como os que numero havia para acudir aos incendios , que seccedem nella repartindo-os para os ministerios , que apontão , e lhe encarrego muito a fação em pessoas aptas , e capazes…” Excerto da Provisão Régia de D. João V Ao lerem-se as paginas dedicadas, e são imensas, à cidade do Porto e sua história, é com alguma frequência que se lêem relatos de factos que envolvem guerras, conflitos, revoltas, acidentes, fogos, incêndios, inundações, naufrágios, catástrofes e calamidades. Em todos esses relatos, raro é aquele que faz alusão às pessoas que abnegadamente socorrem as vítimas dessas vicissitudes. Contudo, decerto que as havia sempre.

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Desde a formação do Burgo que os conflitos gerados entre as populações provocam vítimas, incêndios e outros males a que é preciso socorrer. Como exemplo as várias lutas e guerras ao longo dos tempos: - O episódio, em 1474, da revolta do povo do Porto contra “os Pereira”, que querendo fazer valer o privilegio da proibição dos fidalgos viverem no Porto, “não podendo permanecer nela mais que três noites e os Pereira não querendo sair, chegaram fogo à casa onde se encontrava, na rua Nova” (História do Porto, 2010). - Sempre em defesa do privilégio contra a fidalguia, “as gentes do porto se revoltavam em cenas de pancadaria pelas ruas e o arremesso de tochas acesas pelas janelas adentro” (História do Porto, 2010). - “Em 1491 a Ribeira do Porto é um atarefado palco de negócios e contactos, de partidas e chegadas, onde dezenas de portuenses são testemunhas de um violento incêndio, que consome grande parte das casas contíguas à praça” (História do Porto, 2010). - Em 1580, o prior do Crato “instalou-se em Vila Nova de Gaia, no mosteiro do Salvador, onde montou a artilharia e bombardeou o Porto (História do Porto, 2010). - Na revolta do papel selado em 1661 “a turba atirou-se às folhas, rasgando-as, e logo surgiu a carqueja para lhes atear o fogo, que só não se propagou às casas por intervenção dos padres dominicanos” (História do Porto, 2010). - “Os populares ainda incendiaram uns palheiros da casa principal, que escapou por ser contígua à Misericórdia” (História do Porto, 2010). - “O teatro (Teatro S. João) ardeu na noite de 11 para 12 de Abril de 1908” (História do Porto, 2010). - Durante as invasões francesas, o Porto sofreu bombardeamentos, pilhagens, saques e incêndios. Aconteceu a tragédia da ponte das barcas, onde houve inúmeras vítimas. - Durante o cerco do porto também aconteceram inúmeros incêndios derivados dos bombardeamentos das tropas de D. Miguel. Estes, são pois, alguns exemplos de referências a situações em que era necessário prestar socorro. Exceptuando a intervenção dos padres dominicanos, em todas elas, à semelhança de outras, não se faz qualquer referência aos homens e mulheres que agem no socorro a estas ocorrências.

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A actividade mercantil, acompanhada pela construção naval, tinha feito o Porto prosperar. O comércio com a Inglaterra florescia. Fora criada a Misericórdia do Porto, muitos hospitais foram fundados, o comércio do vinho aumentava com exportações para o Brasil e Inglaterra. Foi a criação da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756). Foi a expansão da cidade par fora dos muros e a destruição da muralha dita “Fernandina” para dar lugar ao urbanismo encetado pelos “Almadas”. Era o desenvolvimento próprio de uma cidade que se industrializava e se tornava moderna. Com este desenvolvimento o risco de incêndio também aumentava e para isso era necessário tomar medidas. A história dos bombeiros do Porto, acompanha a história dos bombeiros portugueses na sua plenitude e é em muitos casos protagonista dessa história. É de 14 de Julho de 1513 a primeira providencia conhecida, tomada na Cidade do Porto, relativa a incêndios. A Vereação da Câmara do Porto decide eleger diversos cidadãos para fiscalizar se os restantes moradores do burgo apagavam o lume das cozinhas à hora indicada pelo sino da noite. A segunda referencia data de 9 de Setembro de 1612 em que a Câmara do Porto ordenou que fossem notificados os carpinteiros da cidade de que iriam receber machados e que outras pessoas entrariam na posse de bicheiros, para que,” havendo fogo acudissem a ele com toda a diligência”. Existem referências a um incêndio na Ribeira, em 1686, onde arderam sete casas e morreram seis pessoas. É também sabido que em 1722 já existia no porto uma companhia do fogo, que entretanto fora organizada em 5 de Fevereiro e era constituída por 62 elementos e um chefe ao qual era dada a designação de Cabo. Era o primeiro serviço de incêndios organizado do país, dentro dos moldes actuais. Dessa organização é dada uma Concessão de Privilégios, por parte do Governo Militar, aos cidadãos eleitos pela Câmara para acudir aos incêndios que os isentava dos cargos do concelho de guerra. Esta isenção foi entretanto retirada pelo Tenente-coronel Bento Félix da Veiga, Provedor das armas do Partido do Porto. Esta retirada de privilégios provocou revolta no seio do serviço de incêndios, o que deu origem à Provisão Régia de D. João V de 29 de Janeiro de 1728, que a seguir se reproduz.

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Figura 3 – Página da provisão Régia de D. João V

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JUIZ VEREADORES DA ILLUSTRISSIMA CAMARA DESTA CIDADE DO PORTO. &c.

FAzemos saber aos que a presente Carta de Privilegio virem , que representando este Senado a Sua Majestade , que Deos guarde , pelo seu Tribunal do Concelho de Guerra , que nesta cidade havia huma Bomba , com que se acudia aos incendios com certo numero de homens para o seu exercicio , eleitos pelo mesmo Senado , os quaes todos tinhâo Privilegio , que os isentava dos encargos do Concelho , e guerra , por premio deste tão grande trabalho , a que não só estavão promtpos , mas viviam sujeitos ao castigo , quando faltavão ; no que se continuára até o tempo , que o tenente Coronel deste Partido governára as armas, que por não querer conservar a izenção dos ditos homens , largáram todos as ocupações, causa porque nesta parte ficára esta Cidade em notavel desamparo ; pelo que pedirão ao dito Senhor em nome de todo o Povo desta Cidade lhe fizesse mercê ordenar que o Coronel , que governava as armas do Partido della , e seus successores , não obrigassem aos ditos homens, pelo militar , e encargos de guerra , para por este trabalho , terem este Privilegio por premio ; e foi o mesmo Senhor servido mandar a Provisão do theor seguinte:

PROVISÃO Dom João por garça de Deos , Rei de Portugal , e dos Algar ves d’aquem , e d’além mar em África , Senhor da Guiné &c. Faço saber aos que esta minha Provizão Virem , que tendo considera17

ção a Me representarem os Officiaes da Camara da Cidade do Porto, que na dita Cidade havia uma Bomba com que se acudia aos incêndios , remedio mais efficaz a atalhar aquelle damno , e esta estava depositada em casa de hum homem intitulado Cabo , que a tinha prompta sempre , e capaz de servir , e ao primeiro toque do sino mais vizinho ao lugar do fogo , que fazia signal de o haver , acudião á casa do dito Cabo oito homens , que erão obrigados a ir buscalla e a conduzião á parte onde havia de servir , e depois ficavão com os mais ocupando-se do que era necessario para uso della: havia mais quarenta homens com quarenta baldes , para lhes conduzirem agoa , hum com um lampião para estar alumiando , e dous para ter huma tina d’agoa , dous com cordas para guindarem o cano da Bomba ás partes onde conviesse , e hum para assistir ao sacco da Bomba para despejar os baldes , e oito com machados , e fouces , os quaes todos tinham Privilegio , que os isentava dos encargos do concelho , e guerra , por premio daquelle grande trabalho a que não só estavão promptos , mas viviam sujeitos ao castigo quando faltavão ; para que o que tomava conta delles em toda a ocasiaõ o Cabo , e de tudo dava parte na Camara , cuja direcção , e bem commum se continuára até o tempo , que governava as Armas daquelle Partido o Tenente Coronel Bento Felix da Veiga , que por não querer conservar a isenção aos ditos homens , largarão todos as ocupações, causa por que nesta parte ficára a dita Cidade em notavel desamparo ; porque muitas ruas dellas saõ de casas de tres sobrados , do primeiro para cima de frontaes , e por isso mais perigosas , com as escadas , que dão pouco lugar a subir com os cantaros , e experimentando-se no Regimento e Ministros de Justiça grande zelo , e promptidão no acudir aos fogos , se reconhecia ser gente utilissima para evitar os descaminhos , e dar as disposições , que convem em similhantes apertos , não he apta , nem trás os instrumentos necessarios para atalhar ao damno , e como o mais proprio seja a Bomba , machados , fouces , e agoa , e para este serviço se requerião homens práticos , me pedião em nome de todo aquelle Povo lhe fizesse mercê ordenar , que o Coronel que governa as Armas do Partido da dita Cidade , e seus sucessores não obriguem aos ditos homens pelo Militar , e encargos de guerra , para por aquelle trabalho terem este Privilégio por premio ; o que visto , e informação , que se houve do Coronel Antonio Monteiro de Almeida , que governa as armas do Partido da dita Cidade: Hei por bem , que a Camara da dita Cidade eleja outros tantos homens como os que numero havia para acudir aos incendios , que seccedem nella repartindo-os para os ministerios , que apontão , e lhe encarrego muito a fação em pessoas aptas , e capazes ; e sendo approvadas pelo dito Coronel , as matriculem com a declaração de obrigação que lhes toca; e sendo assim eleitas , approvadas e matriculadas , serão isentas dos encargos da Guerra , enquanto eu o houver por bem , e não mandar 18

o contrario ; e nunca poderão eleger quem já foi Soldado pago , nem tambem metter homem por outro , salvo fallecendo algum dos eleitos , mudando-se , ou estando incapaz do serviço que lhe foi destinado ; e ao arbtrio da mesma Camara deixo o castigo , que hão de ter os que , sem justificada causa , faltarem à sua obrigação. E a esta Provisão darão cumprimento o dito Coronel , e os Officiaes de Guerra , a quem pertencer o conhecimento della. El-Rei nosso Senhor o mandou pelo Conde do Rio Grande , Almirante da Armada Real , e pelo Mestre de Campo General Conde de Atalaya , do seu conselho de Guerra , Manoel Duarte de Carrião a fiz. Lisboa Occidental aos cinco dias do mez de Fevereiro de mil setecentos e vinte oito annos. José Pereira da Cunha a fiz escrever. O CONDE ALMIRANTE DA ARMADA , O CONDE DA ATALAYA. Por despacho do Conselho de Guerra de vinte e nove de Janeiro de mil setecentos e vinte e oito. Registada no livro setenta e tres da Secretaria de Guerra a fol. Cento e setenta e tres. Manuel Duarte Carrião. Transcrição da Provisão Régia de D. João V

- Nos apontamentos para a História das Companhias de Incêndios da Cidade do Porto e Vila Nova de Gaia, do Coronel de Artilharia Henrique de Campos Sousa Lima, Director do Arquivo Histórico Militar, datado de 1943, no que se refere à cidade do Porto, lê-se: “ Na Provisão de 29 de Janeiro de 1728, documento adiante descrito, consta que na Cidade do Porto, havia desde data não indicada, uma bomba, servida por um certo número de homens, eleitos pela respectiva Câmara, com que se acudia aos incêndios. - Estes homens gozavam de privilégio de isenção de cargos de Concelho de Guerra, privilégio que o Tenente-Coronel, Bento Félix da Veiga, Provedor das armas do partido do Porto, não quis conservar. Por este facto foi expedida, por El-rei D. João V, a referida Provisão. - Desta Companhia do Fogo, conforme a denomina o citado documento, foi primeiro Comandante, com a patente de Capitão, José de Azevedo.

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- Durante o cerco do Porto deve ter sido militarizada esta Companhia, a fim de ser empregada no ataque aos numerosos incêndios produzidos pelas bombas e foguetes à Congreve lançados pelos Miguelistas.” Isto se depreende do que escreveu, Henrique Duarte de Sousa Reis, a pág. 94 dos seus apontamentos para a História do governo militar do Porto até ao século XIX, que a Câmara Municipal do Porto, fez publicar em 1941, com prefácio e notas do investigador António Cruz: “Durante o heróico cerco do Porto e desde o desembarque do Exército Libertador até ao presente muitos outros corpos militares se criaram e organizaram nesta cidade, quer por defesa, quer para sua polícia, dos quais apenas lembraremos os nomes: Companhia de incêndios que também tomou as armas criando outra de bombeiros e Companhia da Bomba.” - Num dos livros de matrícula constam os emolumentos que, pelas suas nomeações, pagavam aos oficiais e praças da Companhia de Incêndios: “Capitão, 4.000 réis, tenente e ajudante, 3.600 réis; alferes, 2.4700 réis; tesoureiro, escriturario e sargento de ordens, 1.000 réis, sargento das secções, 1.200 réis; cabos, 800 réis e soldados, 600 réis.” - Noutro dos livros de matrícula da Companhia de Incêndios, lê-se: “Creada pela provisão de 9 de Setembro de 1728, com autorga de privilegios, a nomeação de Comandante é do governo sob proposta, em lista triplice, da Camara Municipal, a dos oficiais é da Camara, sujeita a aprovação d o governo Militar.” - Segundo um pequeno livro de Guilherme Gomes Fernandes, dedicado pelos Bombeiros Municipais do Porto, aos seus camaradas do estrangeiro e editado pela Typographia a vapor de José da Silva Mendonça a qual existia na Rua do Almada, 96 e Praça D. Pedro, 95, em 1901, pode ler-se: “ A primitiva organização dum Serviço de Incendios no Porto, data do século XV. A Municipalidde não possuía mais que uma bomba de braços que, em caso de incendio, era conduzida e manobrada por oito serventes. Existia tambem uma companhia composta por 54 homens dos quais 40 estavam encarregados da condução de baldes para a alimentação da bomba, um para o lampião de iluminação em caso de 20

perigo, 2 para manobrarem a bomba braçal, 2 com cordas para guindar a mangueira da bomba, 8 com machados e gadanhos e o ultimo tinha por missão encher os barris.” Perante estes testemunhos, não restem duvidadas de que a Provisão de D. João V, efectivamente marca o inicio oficial do Corpo de Bombeiros Municipais na cidade do Porto. O efectivo desta Companhia foi gradualmente aumentando mas não sendo o serviço remunerado, o Governador concedia os mesmos privilégios a todos os que a constituíam. Na ausência de qualquer controlo e por não haver regras rígidas de disciplina, poucos homens entravam neste serviço com intenções sérias. A maior parte deles, pretendendo apenas a obtenção de privilégios, a troco de pequenos salários faziam-se substituir nas suas obrigações não exercendo qualquer acção efectiva na protecção da cidade contra o perigo de incêndios. A Câmara compreendeu que tinha que modificar tal situação e resolveu contratar equipas de operários que, em caso de incêndio, deviam de apresentar-se nos quatro locais fixados para conduzirem e manobrarem as bombas. As Igrejas e Capelas da cidade possuíam no seu exterior uma caixa de ferro fundido, chamada Caixa de Sinais, dentro da qual estava um dispositivo ligado a um sino do campanário, que permitia dar as badaladas que serviam de alarme de fogo, correspondendo a cada freguesia um número determinado de toques, que se encontrava gravado na tampa da caixa. Data de Maio de 1853 uma deliberação camarária verdadeiramente arrojada: organizaram-se toques nas torres das igrejas e algumas capelas, diferentes para cada zona em que a cidade havia sido dividida para o efeito. Instalaram-se, a dois metros do pavimento, caixas de ferro fundido, com uma portinhola. De cima de cada uma dessas caixas, saía um tubo de ferro com ligação directa a uma corda ou corrente, com a ponta recolhida na caixa. Havendo incêndio, uma pessoa corria a avisar o encarregado da caixa (guardas municipais ou sacristães dos templos), que, com a chave que estava em seu poder, abria a portinhola e puxava a corrente. Os toques das torres mudaram de acordo com as conveniências. Numa notícia de «O Bombeiro Português» de 15 de Junho de 1888, (quando já havia telefone) pode ler-se: 21

“Alarme de fogo” “Agora que vão ser alterados os sinais das torres para chamamento dos socorros Públicos, julgamos conveniente publicar a nova tabela de toques nos sinos das torres, que começará a vigorar depois do dia 1 de Janeiro próximo. A nova tabela foi assim organizada pelo Sr. Inspector-geral dos Incêndios para chamar especialmente o pessoal que não está aquartelado, porque os avisos e chamamentos serão feitos telefonicamente: Trindade, 4 badaladas; Praça de D. Pedro, 5; Sé '6; Santo Ildefonso, 7; Órfãs, 8; Bonfim, 9; Campanhã, 10; Santa Catarina 11; Aguardente, 12; Paranhos, 13; Lapa, 14; Carvalhido, 15; Cedofeíta, 16; Campo Pequeno, 17; Carmo, 18; Vitória, 19; S. Nicolau, 20; Guíndaís de Baixo, 21; Miragaia, 22; Massarelos, 23; Ouro, 24; Lordelo, 25; Foz, 26. Segundo acordo feito com a corporação de bombeiros de Gaia – visto morarem no Porto alguns dos seus bombeiros, - os toques para aquela importante localidade serão os seguintes: Praia ou casa da Câmara, 30 badaladas; Bandeira, 31; Candal, 32. Quando haja ali necessidade do concurso dos bombeiros do Porto, serão reclamados telefonicamente, para cujo fim já foi colocado na casa da guarda o respectivo aparelho.” Existem ainda hoje duas dessas caixas no Batalhão de Sapadores Bombeiros (uma no museu e outra numa das paredes do muro do quartel) e outras na Capela de Nossa Senhora da Esperança, nas igrejas dos Grilos, de S. Nicolau, da Vitória e Largo da Maternidade. Ouvido o alarme era dada uma Tença ao primeiro que chegasse ao local. Como já foi referido atrás, nos apontamentos de Henrique Duarte de Sousa Reis, em 1832, durante a Cerco do Porto, os bombeiros foram militarizados e formou-se outra companhia no seio do corpo de bombeiros. A Companhia da Bomba. Acerca desta Companhia da bomba, em 30 de Agosto de 1832, comunicara a Agostinho José Freire, ministro da Guerra, o governador das armas do Porto, Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, que, tendo oficiado à Comissão Municipal da Cidade do Porto acerca da necessidade de estar bem organizada a Companhia das Bombas, aquele lhe respondeu que, da melhor vontade, se prontificou a escutar as suas ordens, mas que era preciso constituir as três antigas companhias de galegos e que a estes se lhes conservassem os seus privilégios. Em 3 de Setembro, Bernardo de Sã Nogueira (o futuro Marquês de Sã da Bandeira), ajudante de campo de Sua Majestade Imperial, o Duque de Bragança e governador militar do Porto, dirigia o ministro da Guerra, 22

Agostinho José Freire, um ofício onde informa ter-se dirigido à Câmara Municipal do Porto e à Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que, prontamente, se prestaram a fornecer as bombas que possuíam. Também diz ter nomeado, de acordo com a mesma Câmara Municipal, o capitão da guarda real da marinha Joaquim José da Silva para dirigir a Companhia da Bomba. Entende ser de “urgente necessidade conservar aos galegos alistados na referida companhia os privilégios concedidos no edital de l7 de Agosto de 1831.” Nesse edital, adiante reproduzido, estabelecem-se as regras a que deverão obedecer os aguadeiros, a fim de “se acharem prontos para em auxílio da Companhia da Bomba desta mesma Cidade acudir aos incêndios, que por desgraça succederem ... “. O serviço de abastecimento da água aos bombeiros, até 1820, era da obrigação dos taberneiros com exclusivo de venda de vinho da Companhia, mas em 17 de Agosto de 1831, tal tarefa passou a competir aos aguadeiros, quase todos naturais de Tuy e outras localidades galegas. O Edital referido foi publicado pela Câmara de Lisboa, mas foi integralmente adaptado pelo Porto, que resumidamente tem as seguintes disposições: - Os diferentes chafarizes da Cidade, com os seus respectivos aguadeiros e competentes capatazes, seriam organizados em três companhias: 1ª, da Senhora da Batalha, 2ª, de Santa Teresa; e 3.a, de S. Domingos, correspondentes aos respectivos chafarizes. - A 1ª Companhia seria constituída pelos aguadeiros dos chafarizes da Batalha, Santa Catarina, ruas Chã e de S. Sebastião; a 2.a, pelos dos, chafarizes da Praça de Santa Teresa, rua do Almada, rua das Oliveiras, fábrica do tabaco, Praça Nova e Porta do Olival; e a 3.ª pelos chafarizes de S. Domingos, Taipas, Congostas, Praça da Ribeira, fonte da Areia e fonte da Colher. - Os aguadeiros usariam de barris iguais e uma chapa de latão, ao peito, do lado direito, com a numeração competente e a designação dos chafarizes a que pertencerem; os capatazes-mor, na ocasião dos incêndios, usarão de bastões com castões de latão com as armas da cidade. - Todos os capatazes e aguadeiros ficarão sujeitos às obrigações estabelecidas no edital do Senado da Câmara de Lisboa de 13 de Agosto de 1794, que adiante vai 23

transcrito. Nele se faz menção do capitão Mateus que o mesmo Senado de Lisboa nomeara inspector de Incêndios. - Reprodução do Edital: “O Senado da Camara, Providenciando a boa ordem dos Chafarizes, e Agoadeiros, que nelles trabalhão, para que não só o façaõ em paz, e socego; mas se achem promptos para acudirem aos fogos, que por desgraça succederem, creou para Inspector dos Incendios, ao Capitão Matheus Antonio, por conhecer o seu grande préstimo, actividade, e zelo em simílhantes occasíões, e para que debaixo do seu mando, cumprâo todos os seus respectivos deveres, ordena o seguinte: Os Capatazes terão estreita obrigação, de fazer encher as vezes regulares, sem interpolação os Agoadeiros nas bicas, que lhes forem destinadas, e fazendo o contrario, serão multados os Capatazes em 2$000 réis, e os Agodeiros em 1 $000 réis para o Cofre das multas, e pela segunda vez (alem da pena pecuniaria ) serão prezos por tempo de dez dias, e pela terceira vez, vinte dias, e expulsos. Farão os Capatazes com que os Agoadeiros estejão em boa ordem e disciplina, sem dissenções, e o que o contrario praticar, cahirá no commisso das ditas penas. Terão os Capatazes grande vigilancia em que os moços de servir, e privilegiados, enchão nas suas bicas competentes, não podendo esta acção impedir os mesmos Cabos, e Agoadeiros, pena de serem presos por dez dias, e pela primeira vez, e pagarem 1 $000 réis para o mencionado Cofre. E as mesmas penas, terão os moços de servir, e privilegiados, quando enchão nas bicas, que lhes não pertenção, e o Capataz ficará igualmente incurso com penas dobradas, não dando parte. Os Capatazes terão indispensavel obrigação de não ter dissenções entre si, e caso que pratiquem o contrario, serão multados com despedimento. Nenhum Agoadeiro poderá tirar a vez a seu Companheiro por malícia, pena de pagar 500 réis, e a mesma terão os moços de servir, ou privilegiados, isto pela primeira vez, e pela segunda em dobro, e cadêa, e os Capatazes penas dobradas, não dando parte ao Inspector. Os Capatazes, e Agoadeiros, deixarão encher bilhas a mulheres, ou meninos, e ás pessoas que as hajão de conduzir, para gastos das suas casas. E caso aconteça, que alguma pessoa debaixo deste titulo, tire agoa em quarta, e a vá vender, o Capataz dará parte ao Inspector, para este proceder á prizão e á multa de 1 $000 réis, e não dando parte o dito Capataz, incorrerá em penas dobradas. Não consentirão os Capatazes, que se quebre bilha alguma, e contravindo-se, darão logo parte ao Inspector, do nome, e morada do aggressor, para ser punído arbitrariarnente, segundo a occorrencía do caso. Nenhum Agoadeíro, ou Capataz, se poderá mudar das Casas em que assistia 24

quando se foi matricular, sem que primeiro dê parte ao Inspector ao menos ao seu Capataz, para este o fazer saber, e se lhe por verba, e o que o contrario fizer, será expulso do chafariz, o que se ausentar do chafariz sem dar parte, terá a pena de que quando queira tornar não ser admitido. Não poderá Agoadeiro algum, encher sem primeiro mostrar ao Capataz hum bilhete assinado pelo Inspector, levando a marca da nova regulação, pena de pagarem 1 $000 réis e quinze dias de Cadêa. Não consintão os Capatazes, que pessoa alguma encha nos Tanques, tres dias depois que este Edicto for affixado, e fazendo o contrario, darão parte ao Inspector, para mandar prender os aggressores, e serem condemnados em 1 $000 reis para o mesmo Cofre, e não dando parte os Capatazes, sejão igualmente prezos pelo dito excesso e condemnados em 2$000 réis, e expulsos, exceptuando porém, se for agoa para Obras Reaes. Não deixem os Capatazes a pessoa alguma lavar nos Tanques, e contravindose, darão parte, para o Inspector mandar prender, além da multa de 1 $000 réis para o Cofre dellas. E não dando parte os Capatazes, serão capturados por tempo de dois mezes, e condemnados em 2$000 réís. Nenhum Agoadeiro poderá andar com dous barris, pena de ser prezo, e pagar 1$000 de comdemnação, metade para o mencionado Cofre, e a outra para quem o apanhar, ou denunciar, e além da diligencia, perderá o barril que trouxer de mais, e os Capatazes, que por malícia os encobrirem, serão punidos com penas dobradas, o que se entenderá depois que este Edicto for affíxado, até tres dias primeiros seguintes, e passados elles, incorreráõ nas sobreditas penas. Nenhum Aqoadeiro poderá fazer praça em parte alguma, desta. Cidade, pena de que sendo encontrado, ser prezo, e alem da Cadêa pagar 2$000 reis, metade para o mencionado Cofre, e a outra para quem o apanhar, ou denunciar, isto he pela primeira vez, e pela segunda será em dobro, com perca dos barris, e ser expulso do Chafariz, e os Capatazes, que souberem, que algum Agoadeiro chega a transgredir nesta parte, não dando estreita conta ao Inspector, incorrerá nas mesmas penas. Todo o Agoadeiro, que faltar à subordinação dos seus Capatazes, serão inviolavelmente. prezos, e condemnados em 2$000 réis para o dito Cofre, e além da diligencia, que tanto esta, como as mais que se fizerem, ainda a diversos respeitos, serão á custa dos Transgressores, e bem assim .serão prezos, e multados em dobro os Capatazes, que sem razão, ou motivo justo, hajão de ter desordens com os Agoadeiros. Nenhum moço de servir, ou privilegiado, poderá dar agoa, senão a seus amos, em cujas casas assistão, e de contrario constando, que dão agoa a dífferentes pessoas, pagaráõ a condemnação de 1$000 réis, e dez dias de Cadêa, e a diligencia á custa dos Transgressores, isto pela primeira vez, e pela segunda em dobro, e assim mesmo alternativamente, e os Capatazes sabendo-o, e não derem parte, terão penas dobradas, e expulsos. O primeiro, e segundo Capataz de qualquer Chafariz que seja, o Senado da 25

Camara, lhe concede encher o seu barril de privilegio, em remuneração ao tempo que perdem em accomodar desordens, e dar dellas parte ao seu Inspector, e observarem as suas ordens, e juntamente dar parte das faltas dos Agoadeíros dos seus Chafarizes, e de tudo o mais, que neste Edicto fõr declarado, cujas partes serão por escripto, e assignadas pelos Cepatazes, e não dando estes parte com indíviduação ao seu inspector, este os poderá expulsar, e nomear outros. Os Capatazes terão toda a vigilãncia de não consentirem, que nos seus Chafarizes se paguem patentes, e nem consintão que haja Agoadeiros que as peça; e todo o que o contrario fizer, pagará 2$000 réis para o dito Cofre, e vinte dias de Cadêa, e o Capataz que consentir, ou não der parte incorrerá em penas dobradas, e expulso. Todo o Agoadeiro terá a obrigação de se recolher com o seu barril cheio para sua casa á noite, e todo o que fôr achado com elle vazio, pagará 2$000 reis de condemnação para o Cofre e dez dias de cadêa, alem da diligencia pela primeira vez, e pela segunda, penas dobradas e expulso. O Capataz, assim que tocar a fogo, terá obrigação de se ajuntar com os seus homens das suas companhias, no sitio que lhes estiver determinado, sendo o dito Capataz o primeiro, que lá se ache, e em primeiro lugar, examinará se todos trazem os barris cheios, e sendo assim, com a maior presteza se conduzirá ao lugar do Incendio, fazendo falla aos seus homens, que se não desunão, e os fará vazar nas bombas, que o Inspector lhe determinar, dandolhe logo parte dos que faltão, ou não trouxerão o barril cheio, para serem apontados, e andará com estes de giro em giro, fazendo encher nos Tanques dos Chafarizes, Bicas, ou Poços, que mais perto estiverem, ou no Mar, sendo mais perto, para com melhor presteza, se acudir ou invadir o mesmo Incendio. E se algum Agoadeiro se extraviar, ou que lhe não queira obedecer de encher em qualquer destas partes, os apontará, e dará parte verdadeira por escripto, para estes pagarem 2$000 réis na Cadêa, aonde estarão vinte dias, cujas penas em dobro incorrerá o Capataz, se acaso não der parte verdadeira, ou desculpar qualquer dos seus homens, além de perder os premios que o Senado lhe manda dar, por este cuidado, cujo premio, lhes será conferido, dando parte ao Inspector, de terem estes cumprido com as suas obrigações. O Inspector terá todo o cuidado, e vigilancia de passar as Ordens necessarias, para serem assim executadas todas estas determinações, neste Edital expedidas, para boa economia dos mesmos Chafarizes, e socego delles, tudo na forma, que lhe he encarregado, e observarão invíolavelmente. O mesmo Inspector, fará, ou mandará fazer revistas nas Casas, e moradas dos Agoadeiros, os quaes o Senado não obriga a que assístão, se não em parte, que lhe seja patente todas as vezes que o Inspector com os Meirinhos do Tribunal, e Cidade, e mais Officiaes, for examinar as Casas, que os Agoadeiros derão das suas assistencias. E chegando o dito Inspector (ou quem por elle for determinado) com os ditos Meirinhos, e mais Officiaes, não lhes abrindo as portas, para verem se os Agoadeiros tem os barris cheios, que por elles se justifique estarem promptos para acudir aos Incendios, que hajão de acontecer, o dito Inspector os poderá expulsar fóra dos Chafarizes, e apparecendo qualquer delles, será prezo, para pagar a condemnação de 2$000 26

réis, além da diligencia, e nunca mais será Agoadeíro. Fica portanto ao arbitrio do Inspector, para bem conciliar aquella harmonia destas Corporações, determinar com as suas ordens, tudo o que for preciso, e necessario, para assim poder resultar hum bem commum, e geral. E naquelles casos omissos, a que este Edital não acautélla, segundo a ocorrencia delles, poderá o mesmo Inspector providenciar com as suas determinações, dando depois parte a este Tribunal, quando seja de qualidade, que assim se faça preciso. Os Capatazes terão em seu poder huma copia deste impresso, para ser lido todos os meses aos Agoadeiros, para naõ arguirem. Ignorância, e naõ o fazendo assim, serão condemnados por cada vez em 1$000 réis. E para que chegue a noticia de todos, se affixaráõ Edítaes em lugares Publícos, para ter todo o expendido a sua devida observancia. Lisboa 13 de Aqosto de 1794. Francisco de Mendonça Arraes e Mello.”

Figura 4 – Um dos típicos aguadeiros - precursores das actuais bocas-de-incêndio Figura 5 – Em 1878, ainda os Bombeiros Municipais usavam esta bomba de picotas, puxada à mão.

Sempre que se manifestava um incêndio, os membros da Companhia do Fogo que faltavam à chamada eram detidos na antiga prisão eclesiástica durante alguns dias, conforme as circunstâncias. Caso reincidissem, eram mais severamente punidos e viam 27

se temporária ou definitivamente privados dos seus privilégios. Mais tarde estas prerrogativas foram caindo em desuso e a Câmara, que entretanto tinha estabelecido uma remuneração para cada vasilha colocada na bomba, viu-se na necessidade de cercear os direitos dos aguadeiros que se haviam tornado verdadeiros monopolistas da água da cidade. Esta organização manteve-se sem grandes alterações até 1875. A falta de uma regulamentação disciplinar adequada, da formação técnica necessária, de comandantes competentes e conhecedores de incêndios e a inexistência de um manual de manobras fazia com que o serviço fosse pouco eficaz e tal estado de coisas provocou uma reacção da população que, acompanhando o movimento do associativismo vivido na época, com Guilherme Gomes Fernandes como um dos protagonistas, se criou um Corpo de bombeiros voluntários – A Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto. Este Corpo de imediato granjeou o respeito de toda a cidade e, logo se conseguiu o dinheiro necessário ao seu apetrechamento. Os equipamentos foram adquiridos em França, Inglaterra e Alemanha e o Serviço de Incêndios Municipal ficou em desvantagem em relação a este Corpo de formação particular. Era nessa altura presidente da Câmara, o Engenheiro José Augusto Correia de Barros que tinha sido chefe do Serviço de Incêndios em Lisboa onde deixara grande prestígio, o qual compreendeu que havia necessidade urgente de reorganizar completamente os serviços municipais. Para isso adquiriu máquinas e equipamentos, elaborou regulamentos, enviou a Lisboa alguns elementos para se familiarizarem com as manobras e nomeou um oficial de engenharia, o Capitão Eduardo Augusto Falcão, comandante do Corpo o qual tomou posse em 1880. Esta foi a base do adequado Serviço de Incêndios da cidade já que a disciplina militar introduzida e a instrução que se passou a ministrar criaram a eficiência indispensável ao serviço dos bombeiros. * Há quem diga que o naufrágio do vapor “Porto”, em 1852, à entrada da Barra do Douro, e no qual se perderam 61 vidas, foi um dos motivos que levaram à criação da Real Sociedade Humanitária, pois aquando do naufrágio, os bombeiros municipais, sem qualquer material de socorros a náufragos, ficaram impotentes. Da Real Sociedade Humanitária depois aprovada por alvará em 6 de Fevereiro de 1854, nada mais se sabe, excepto o facto dos bombeiros voluntários do Porto serem detentores de uma medalha de ouro de uma instituição com aquele nome. 28

O que é certo é que a Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto nasceria 23 anos depois da tragédia do vapor “Porto”, a 25 de Agosto de 1875. Foi Alexandre Theodoro Glama o fundador da Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto. Perante a decadência da Companhia de Incêndios, comprovada com factos de penúria e desorganização, era natural que surgisse um grupo de pessoas, á semelhança do que aconteceu em Lisboa perante o mesmo facto, se insurgisse no sentido de garantir a segurança pública contra o risco de incêndio no Porto. Uma notícia nos jornais, em Dezembro de 1872, com o título “Corpo de Bombeiros Voluntários” apelava aos cavalheiros da cidade do Porto para se inscreverem para formar um corpo de bombeiros à semelhança do que havia na Alemanha. Eram signatários deste apelo, Alexandre Theodoro Glama, Abílio Augusto Monteiro, Hugo E. Kopke e Walter C. Kendall. As listas iam-se enchendo de voluntários e uma das pessoas que se inscreveu foi Guilherme Gomes Fernandes, em Janeiro de 1873, numa tabacaria na Praça de D. Pedro. Depois de reunidas as condições necessárias, foi no Pátio do Paraíso, a 25 de Agosto de 1875, instalado o corpo de bombeiros voluntários com a denominação de Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto, cuja primeira Direcção era presidida pelo Visconde da Ribeira Brava e no lugar de 1º Secretário Guilherme Gomes Fernandes cuja nomeação efectiva para comandante data de 11 de Julho de 1877.

Figura 6 – Guilherme Gomes Fernandes

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GUILHERME GOMES FERNANDES Nasceu na Baía, em 6 de Novembro de 1850 e morreu em Lisboa, em 3 I de Outubro de 1902. Veio para Portugal com 3 anos. Estudou em Inglaterra, em Everton e Ascott. Fixou residência no Porto, onde casou com D. Corina Seabra da Cruz. Herdou do pai considerável fortuna, dedicando-se a caçadas, corridas, práticas atléticas e ginástica. Foi um elegante homem da sociedade do Porto. Em 1875, fundou, com outros, a Real Associação dos Bombeiros Voluntários do Porto de cuja chefia passou, em 1885, para a Companhia de Incêndios do Porto. Estudou em Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Bélgica e outros países as melhores organizações para o combate aos incêndios, conhecimentos que aplicava nas Corporações que chefiava. Foi proprietário de uma casa de comércio de artigos de incêndios. Fundou um jornal "O Bombeiro Português" (18771890), escreveu vários livros e artigos sobre a técnica do combate do fogo. Era de extraordinária dedicação a esta actividade. Custeou sozinho, as despesas da deslocação dos nove participantes ao Congresso de Londres, bem como o material. As suas raras qualidades humanas, o seu filantropismo, a sua dedicação a tão nobre causa justificaram que lhe tivesse sido conferida a mais alta das condecorações portuguesas - A ORDEM DA TORRE E ESPADA, DO VALOR, LEALDADE E MÉRITO. * Sendo precária a saúde do Capitão Eduardo Augusto Falcão, a Câmara do Porto entendeu convidar para o substituir Guilherme Gomes Fernandes que sendo civil possuía, no entanto, as qualidades de competência, dinamismo e sentido de disciplina indispensáveis ao cabal desempenho desse cargo. Guilherme Gomes Fernandes apresentou em 1890, o plano de reestruturação do Serviço de Incêndios que se passou a denominar Corpo de Salvação Pública e tinha os seguintes efectivos: - 1 Comandante, Inspector do Serviço de Incêndios - 2 Comandantes de Brigada - 1 Médico - 1 Capelão - 1 Chefe de Secretaria - 2 Adjuntos do Chefe de Secretaria - 1 Porteiro - 2 Instrutores - 4 Comandantes de Companhia - 20 Chefes de turno - 20 Bombeiros de l ª classe 30

- 20 Bombeiros de 2.a classe - 20 Bombeiros de 3ª classe - 100 Bombeiros de 4.a classe - 16 Quarteleiros - 10 Cocheiros efectivos - 1 Banda de Música, com Maestro e 28 componentes. O quartel principal situava-se no próprio edifício da Câmara Municipal, na então Praça de D. Pedro, e englobava o comando e estado-maior, a secretaria, o depósito de material, a central telefónica, a escola de instrução, o ginásio e as oficinas. Havia ainda espalhados pela cidade 16 quartéis dos quais cinco de primeira, nove de segunda e dois de terceira classe, respectivamente. Nos quartéis de 1ª classe a ordenança de "Primeiro Socorro" era constituída por um carro de cavalos, tal como acontecia com todos os carros do Quartel Principal. Nos restantes os carros eram puxados à mão. Cada um dos bairros da cidade era protegido por uma das Brigadas que por sua vez se dividiam nos Quartéis já descritos. Todos os alarmes eram recebidos no Quartel Principal que ordenava a saída do diverso material e equipamento e reforçava o material existente, se necessário. A incorporação do pessoal fazia-se através dos recrutas que tinham instrução durante três a quatro meses e durante a qual aprendiam a nomenclatura e o uso de todo o equipamento após o que prestavam provas de exame perante um júri presidido pelo seu Comandante de Brigada, a fim de ingressarem como bombeiros de 4.a classe. O acesso aos lugares superiores fazia-se por concurso mas, apesar disso, o serviço não era profissional, havendo apenas uma compensação monetária que ia desde 28.800 réis para o bombeiro de 4.a classe até 64.800 réis para o de l." classe, além de um prémio de 100 réis para os primeiros a comparecerem e outro de 500 réis para cada 24 horas seguidas de serviço. Foi, sob o comando de Guilherme Gomes Fernandes e com base na preparação atlética e na disciplina imposta por si que o Corpo de Salvação Pública do Porto se cobriu de glória nos diversos congressos internacionais de bombeiros em que participou entre 1893 e 1900, sendo de salientar os de Londres, Lyon e Paris. Só depois da sua morte, em 31 de Outubro de 1902, é que surgiu a tracção 31

automóvel e com o gradual desaparecimento da tracção manual, foram-se extinguindo as estações espalhadas pela cidade e, já em 1950, apenas existia uma na Rua de Diu (Foz do Douro) fechada por falta de pessoal e o quartel da Rua de Gonçalo Cristóvão que 30 anos antes, aproximadamente, tinha sido transferido da Praça de D. Pedro por demolição do prédio onde estava instalado, para abertura da Avenida dos Aliados. * Desde a sua fundação, em 25 de Agosto de 1875, e durante cerca de 50 anos, os Bombeiros Voluntários do Porto prestaram valiosos serviços à sua cidade, juntamente com o Corpo de Salvação Pública, no socorro de vidas e haveres. No inicio da década de 20 viveram-se momentos de conflito no seio dos bombeiros, motivados por uma conjuntura político-social originada pelas diferenças ideológicas entre os adeptos da Monarquia e os que aderiram à República, implantada em 5 de Outubro de 1910, e que levaram a que a sociedade civil fosse também atingida por estas convulsões. Esta dualidade de opiniões era mais sentida no seio da Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto, a que entretanto tinha sido conferido o título de Real Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto. Entre os seus elementos existiam adeptos das duas ideologias e que, não raras vezes, travaram querelas entre si. Além desta oposição política, a corporação vivia na instabilidade pois uns apoiavam a Direcção, na pessoa do seu presidente, José Machado Pinto Saraiva, e outros a contestavam, dominados pelos irmãos Saldanha, estes dotados de forte personalidade, e que tentavam impor a sua vontade aos demais. Tais divergências levaram a que se formassem dois grupos distintos, no seio da corporação: Os “Saias”, liderados por Joaquim Vieira e Arnaldo Leite e os “Saldanhas”, liderados por Abílio e Álvaro Saldanha. Nos primeiros meses de 1924, realizaram-se as eleições para a Direcção o que agudizou ainda mais as relações entre as facções rivais, a tal ponto que durante o acto eleitoral, bastante tumultuado, a urna foi quebrada e os votos espalhados pelo chão. Tais factos levaram o grupo dos “Saias” a decidir-se pela cisão. Poucos dias depois os “Saias” formaram uma Comissão Organizadora e alugam um edifício na Rua do Bolhão. Escolhendo o dia 9 de Abril - dia do aniversário da Batalha de La Lys – para fundarem a Associação Humanitária Dos Bombeiros Voluntários Portuenses. 32

Assim se formava mais um corpo de homens prontos a dar a sua vida pela cidade e pelos seus semelhantes. O primeiro Comandante deste novo Corpo de Bombeiros Voluntários foi o Capitão de Artilharia Bernardo Gabriel Cardoso Júnior, que depois de ser convidado para tal cargo aceitou a nomeação. * Em 1926, houve novas divergências no seio da Associação Humanitária Bombeiros Voluntários do Porto que levou a mais um grupo de dissidentes. Este grupo fundou a Associação Humanitária dos bombeiros voluntários da Invicta em 20 de Outubro de 1926 e teve a sua sede no majestoso Edifício Vizela, na rua Cândido dos Reis. Em 5 de Junho de 1928 foi solenemente inaugurada a Associação, tendo-se também procedido à inauguração de viaturas. Após um período relativamente florescente, entrou em declínio, vindo a fundir-se em 1937 com a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Portuenses. * A coexistência das três associações de bombeiros voluntários, por vezes não era pacífica. O que levou em 30 de Agosto de 1933 o Governador Civil do Porto a propor a uma fusão dos três corpos de bombeiros. Os “invictos” concordaram. Os do “porto” concordariam se essa fusão fosse a adopção de todos pelo nome, pela bandeira e pelo quartel da associação mais antiga. Os “portuenses” recusaram e a proposta não venceu. Resultou mais tarde a fusão dos “invictos” com os “portuenses” em 1937 como já foi referido. Desde estão, têm coexistido, na cidade do Porto, estes três corpos de bombeiros que têm assegurado o socorro, ao mais alto nível, à sua população. * Já neste trabalho se fez referência a corpos de bombeiros privativos. Existe também na cidade do Porto, um corpo de bombeiros privativos que actua exclusivamente no Hotel Tiara, Park Atlantic. Este corpo de bombeiros privativo foi fundado em 20 de Novembro de 1982 pela administração do grupo empresarial dos hotéis Le Meridien para responderem mais rapidamente a uma eventual ocorrência no sentido de proporcionarem aos seus clientes uma maior segurança quanto ao risco de incêndio. É constituído por 30 trabalhadores locais da empresa. Tem a designação de Corpo de Bombeiros Privativos do Hotel Le Meridien – Porto.

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* Na Reforma Administrativa de 1937, o Corpo de Salvação Pública passa a denominar-se Batalhão de Sapadores Bombeiros. Contudo o pessoal continua a intitulálo com o antigo nome, dado que as suas estruturas se mantinham da mesma forma. Só em 1946, ano em que foi novamente organizado o Serviço de Incêndios em Portugal, sob o Decreto-Lei n." 35 857,de 27 de Setembro, é que se fixou, realmente, o nome que ainda hoje possui: Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto. Com a publicação do Decreto-Lei nº 293/92, de 30 de Dezembro, o Batalhão

de

Sapadores

Bombeiros

do

Porto

deixou

de

ser

uma

força

militarizada, passando os bombeiros profissionais a reger-se pela legislação geral em vigor para o pessoal da administração local. A história dos bombeiros no Porto é muito vasta, pelo que ficou muito por escrever. Não foram mencionados os grandes incêndios, catástrofes e calamidades que aconteceram nesta cidade, heróica e corajosamente defrontados pelos valorosos bombeiros da cidade. Foram mencionados poucos nomes de bombeiros nestas páginas o que não quer dizer que as centenas ou talvez milhares de homens e mulheres que serviram e servem a cidade do Porto estejam aqui esquecidos. Para todos eles, que abraçaram a causa do espírito altruísta de bombeiro, o meu louvor e apreço. É com lágrimas que escrevo esta últimas linhas, pois como bombeiro que sou, sinto na alma esta causa que abracei há 32 anos, primeiro como bombeiro voluntário e depois como bombeiro profissional no Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto Como nota final quero deixar aqui uma menção honrosa a todos os meus colegas bombeiros que neste mês de Agosto de 2010 têm combatido os incêndios florestais, que são um flagelo que infelizmente assola com frequência o nosso Portugal, transformando este pais, de um jardim à beira mar plantado numa paisagem negra de floresta queimada. António Artur Pires Dias Lgeogr 07102 . 34

Bibliografia ANDRADE, Ferreira de (1969). Lisboa e os seus Serviços de Incêndios. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa. BOMBEIROS PORTUGUESES (VV AA) (1995), Seis Séculos de História 1395-1995. Serviço Nacional de Bombeiros/Liga dos Bombeiros Portugueses. Lisboa: Grafteam – Artes Gráficas. CORPO DE SALVAÇÃO PÚBLICA, (vários anos) Livros de actas. Porto. Câmara Municipal FERNANDES, Guilherme Gomes (1887). O serviço de incêndios antes e depois da era cristã. Jornal “ O BOMBEIRO PORTUGUEZ”, 15 de Junho de 1887. Porto FERNANDES, Guilherme Gomes (1891). O serviço de incêndios do Porto no Anno de 1890. Porto: Typogrphia de José da Silva Mendonça. FERNANDES, Guilherme Gomes (1895). O serviço de incêndios do Porto no Anno de 1894. Porto: Typogrphia de José da Silva Mendonça. GUERRA, A. Matos et al (2006). Fenomenologia da combustão e extintores. Manual de Formação Inicial do Bombeiro, vol. VII. Sintra: Escola Nacional de Bombeiros. HISTÓRIA DO PORTO (VV AA), 2010. Porto. Edições Jornal de Notícias MONOGRAFIA DO B S B (1985). Batalhão de Sapadores Bombeiros. Porto SOUSA REIS, Henrique Duarte e (1984). Apontamentos para a Verdadeira História Antiga e Moderna da Cidade do Porto, Porto, Biblioteca Pública Municipal do Porto, vols. I e VI (fixação do texto, introdução e notas e índices por Maria Fernanda C. de Brito) (original manuscrito datado de 1866).

Sítios da internet consultados http://fogo-historia.blogspot.com http://www.bombeiros.pt/ http://www.google.pt/search?q=historia+dos+bombeiros+no+porto&hl=pt http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_monarcas_da_Fran%C3%A7a http://www.arqnet.pt/portal/portugal/temashistoria/index.html

Fontes

Arquivos do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto Arquivo Histórico Municipal do Porto Biblioteca Pública Municipal do Porto

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