HISTÓRIA E CIBERCULTURA: MANIFESTAÇÕES CONTRA O GOVERNO FEDERAL A PARTIR DOS \"REVOLTADOS ON LINE\"

May 30, 2017 | Autor: Matheus Sussai | Categoria: History, Cibercultura, Historia, História do Brasil, Historia Contemporánea
Share Embed


Descrição do Produto

HISTÓRIA E CIBERCULTURA: MANIFESTAÇÕES CONTRA O GOVERNO FEDERAL A PARTIR DOS “REVOLTADOS ON LINE”

Matheus Henrique Marques Sussai Orientadora: Profa. Dra. Márcia Elisa Teté Ramos (Universidade Estadual de Londrina)

Resumo O presente trabalho visa apresentar os resultados parciais de uma pesquisa de História realizada no ciberespaço. Para realizar um estudo histórico sobre o contexto político contemporâneo no Brasil, nos interessamos em investigar uma comunidade virtual da rede social online Facebook chamada “Revoltados ON LINE”. Essa nova forma de cultura que se estabeleceu no ambiente virtual, denominada de “cibercultura” (LÉVY, 1993, 1999), é onde se dão diversas discussões sobre política, religião, lazer, e etc. Com o interesse em pesquisar o pensamento da parcela da sociedade que tem afinidades com a direita política no Brasil, sem tomar posições partidárias, utilizamos dessa comunidade virtual para um levantamento de dados e de temáticas discutidas na página. A partir da “Netnografia” (KOZINETS, 2014), analisamos quantitativamente e qualitativamente as publicações da comunidade no ano de 2014 (de julho a dezembro). Aqui não pretendemos apenas discutir o ciberespaço como um acervo gigantesco para o historiador se aventurar, mas também apresentar e refletir sobre alguns resultados dessa pesquisa. As manifestações da comunidade contra o governo federal brasileiro vêm em diversas formas de mídia (imagens, sons, textos, vídeos), uma característica da web 2.0. Assim, vemos diversos discursos contra a corrupção, contra o Partido dos Trabalhadores (PT), apoiadores da página, pedidos de intervenção militar, entre outros. Estudar o cotidiano do brasileiro no ambiente virtual se mostrou um trabalho de interesse da História do tempo presente. Palavras-chave: História; Cibercultura; Política; Manifestações.

O presente texto apresenta resultados parciais de uma pesquisa que tem como objetivo investigar a comunidade virtual “Revoltados ON LINE” do Facebook, e tem como fonte o ambiente virtual, no qual chamaremos de ciberespaço, termo frequentemente utilizado pelos pesquisadores desse ambiente. Claramente é uma fonte completamente nova que se apresenta para o estudo de diversas áreas, mas como é o nosso caso, temos o propósito de realizar um trabalho no campo investigativo da História. Dito isso, uma breve discussão sobre o ciberespaço e sobre essa nova cultura que surge dentro dele, a cibercultura, se torna necessária.

Pensar esse gigantesco acervo de documentos para o estudo da História é relevante, uma vez que são poucos os trabalhos historiográficos que se aventuraram a tomar o ciberespaço enquanto documento. Especificando a nossa fonte, esta se encontra em uma página de rede social online chamado Facebook1. Dentre tantas funcionalidades, o Facebook possibilita que uma pessoa crie, além do seu próprio perfil, eventos, grupos ou comunidades. Ou seja, uma página criada por um perfil de uma pessoa. Por exemplo, posso ter a minha conta na rede social e também criar uma página (da qual eu categorizo como comunidade) sobre raças de cachorros. Esta página, ou melhor, comunidade, passa a ser acessível a todos que se interessarem pelo tema, onde essas pessoas podem curtir a minha página, consequentemente, fazer parte daquilo, receber notificações das publicações, e também publicar na minha “linha do tempo” 2. O exemplo parece ser insignificante, mas serve para aludir ao funcionamento de uma comunidade do Facebook. Como dito, tomamos como objeto de estudo a comunidade virtual: “Revoltados ON LINE”. A comunidade foi criada em 2010 para se manifestar contra o governo federal. Foi neste ano que ocorreram eleições onde Dilma Rousseff foi eleita pela primeira vez e o Partido dos Trabalhadores (PT) deu continuidade no poder. No ano de 2014 essa comunidade ganhou corpo, o seu número de participantes aumentou significativamente e fez com que a página ganhasse representação nacional nos últimos dois anos (2015 e 2016). Aqui, vamos nos ater a uma breve discussão sobre esse tema e como a comunidade foi se criando, se manifestando e ganhando repercussão, ou seja, apresentamos um

1

Facebook é uma rede social lançada em 2004, fundado por Mark Zuckerberg, Eduardo Saverin, Andrew McCollum, Dustin Moskovitz e Chris Hughes, estudantes da Universidade Harvard. Este termo é composto por face (que significa face também em português) e book (que significa livro), o que indica que a tradução literal de facebook pode ser "livro de caras". O Facebook é gratuito para os usuários e gera receita proveniente de publicidade, incluindo banners e grupos patrocinados. Os usuários criam perfis que contêm fotos e listas de interesses pessoais, trocando mensagens privadas e públicas entre si e participantes de grupos de amigos. A visualização de dados detalhados dos membros é restrita para membros de uma mesma rede ou amigos confirmados, ou pode ser livre para qualquer um, dependendo da escolha do usuário. O Facebook possui várias ferramentas, como o mural (linha do tempo), que é um espaço na página de perfil do usuário que permite aos amigos postar mensagens para ele ver. Ele é visível para qualquer pessoa com permissão para ver o perfil completo, e posts diferentes no mural aparecem separados no "Feed de Notícias". O "Face", como é mais conhecido, possui também aplicativos, com os mais diversos assuntos, e eventos, onde a pessoa pode convidar todos seus amigos para um determinado evento. Disponível em Acesso em 16 de abril de 2016. 2 Termo utilizado pelo Facebook para a página perfil de cada pessoa, comunidade, etc.

mapeamento inicial do objeto com o qual trabalhamos, bem como sobre a natureza das fontes utilizadas que dão o tom da História do Tempo Presente. A partir de aparatos metodológicos buscados na “Netnografia” (KOZINETS, 2014), e no “Discurso do Sujeito Coletivo” (DSC) (LEFEVRE; LEFEVRE, 2012), metodologias que serão melhor apresentadas posteriormente, e após discussões sobre a História do Tempo Presente (HTP) e essa nova fonte que se mostra relevante, apresentaremos a análise parcial que fizemos dos “Revoltados ON LINE” no ano de 2014, entre os meses de julho e dezembro. Com o intuito de buscar o fortalecimento inicial desse movimento (pois os anos de 2015 e 2016 tiveram acontecimentos que se apresentaram em cenários nacionais), o segundo semestre de 2014 se mostrou propício a essa análise historiográfica. Perceber esse novo lugar, o mundo virtual, que ocupa grande parte de cotidiano de muitos brasileiros, lugar onde os usuários discutem e opinam sobre política (como é o caso da comunidade estudada) entre os mais diversos assuntos, é de nosso interesse. Portanto, nossa problemática insere-se em uma discussão que circula bastante na sociedade no contexto histórico atual, e em especial, na cibercultura. E, por isso mesmo esperamos contribuir de alguma forma para a explicação da História do Tempo Presente. A atual conjuntura política no Brasil é muito interessante para o historiador pensar o tempo presente. Uma onda de manifestações contra os governos (em âmbitos federais, estaduais, etc.) vêm se acentuando ao longo desse século XXI em vários países, e o Brasil também se tornou palco desses acontecimentos, onde o ambiente virtual se mostrou um lugar propício não apenas para a organização de manifestações, mas também para a própria manifestação de caráter virtual (que acontece no ciberespaço). Para falar desse espaço virtual como um lugar de lutas políticas, das manifestações, temos como exemplo os acontecimentos que foram denominados de “Primavera Árabe”, ocorridos no Oriente Médio. Estes eclodiram principalmente em 2011, onde os manifestantes de vários países dessa região se organizaram por redes sociais online (principalmente o Twitter3 e o Facebook), e se posicionaram 3

Twitter é uma rede social e servidor para microblogging, que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos, em textos de até 140 caracteres. Os textos são conhecidos

contra as ditaduras em que viviam. O que ocorreu foi uma onda de manifestações e difusão da informação para a população, o que se desdobrou em renúncias de muitos ditadores. Foi essa difusão de informações sobre as revoltas em países islâmicos, tais como Tunísia, Egito, Síria, etc., e posteriormente a queda de alguns regimes, que ficaram mundialmente conhecidos como “Primavera Árabe”. Sendo a “Primavera Árabe” um dos exemplos em que se utilizaram das redes sociais online e que mais repercutiram na história recente, temos grupos de discussões políticas, organizações e manifestações também no cenário brasileiro atual. Sendo uma fonte de características novas, essas mídias hoje fazem parte da vida de um alto número de brasileiros. No final do ano de 2015, cerca de 103 milhões4 de brasileiros estavam cadastrados na rede social online Facebook. Esse número representa aproximadamente 50% da população total do país. Vemos como essa página de rede social online tem uma notável participação de usuários brasileiros, o que torna interessante ao olhar do historiador que objetiva compreender um pouco mais o dia-a-dia das pessoas que se relacionam online. Ainda mais quando o contato das pessoas com suas comunidades online se tornou praticamente um hábito diário (KOZINETS, 2014, p. 20). Mais especificamente sobre o ciberespaço, Pierre Lévy (1999) nos explica que:

O ciberespaço [...] é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, 1999, p. 17).

como tweets, e podem ser enviados por meio do website do serviço, por SMS, por aplicativos específicos do Twitter para smartphones, tablets e etc. A palavra inglesa tweet significa “pio de passarinhos”, simbolizando os vários “pios” (pequenas mensagens) que se acumulam na timeline do Twitter. A partir deste conceito, foi desenvolvido também o logótipo da rede social: um pássaro azul, que representa justamente a comunicação por meio de tweets, ou seja, “pios”. As atualizações são exibidas no perfil de um usuário em tempo real e também enviadas a outros usuários seguidores que estejam seguindo a pessoa de seu interesse para recebê-las. Disponível em Acesso em 16 de maio de 2016. 4 Sobre estatísticas da população geral e os usuários da internet: . Acesso em 18 de junho de 2016.

Assim, vemos como o ciberespaço não é composto apenas pelos dados e o material dessa comunicação digital, mas também por pessoas, pois são essas que leem, assistem, escutam, produzem e difundem os vários formatos midiáticos que estão presentes no ciberespaço. O historiador Marc Bloch (2001) dizia sobre o ofício do historiador, que este tem como objeto principal o estudo do homem no tempo, da humanidade. “Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça” (BLOCH, 2001, p. 54). Nesse ambiente podemos observar a emergência de relações pessoais, de discussões, eventos online, etc. O ciberespaço possui outra peculiaridade interessante, da qual podemos observar no Facebook, que é a mistura de uma variedade de mídias em um mesmo território, sendo algumas delas: áudio, textos escritos, audiovisual e imagético (LÉVY, 1993, p. 113). Essas que nem sempre estão separadas, podendo uma informação se utilizar das ferramentas de mais de um tipo de mídia. É esse conjunto novo de práticas e relações no ambiente virtual que é chamado de “cibercultura”. É uma nova forma que as pessoas constroem a cada dia de lidar com a própria informação, não só difundindo, mas também produzindo. Pierre Lévy entende por “cibercultura” o “[...] conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, p. 17). Para Robert V. Kozinets (2014), a “cibercultura” é como: Um tipo distinto de cultura que se desenvolveu juntamente com as tecnologias de comunicações e informação digital, especialmente a internet; sistema de significado aprendido, que inclui crenças, valores, práticas, papéis, e línguas, que ajuda a direcionar e organizar determinadas formações sociais online ou relacionadas à tecnologia. (KOZINETS, 2014, p. 176).

Estudar a história do desenvolvimento da tecnologia é possível, mas também podemos atentar para as transformações que a tecnologia e as novas mídias passam devido ao uso das pessoas. São os usuários que influenciam grandes transformações nas tecnologias, pois “[...] as pessoas acabam por fazer delas algo completamente diferente daquilo pelo qual haviam inicialmente sido concebidas. A

internet [...] é o produto da apropriação social de uma tecnologia pelos usuários produtores” (CASTELLS apud PISANI; PIOTET, 2010, p. 104). Na cibercultura, e especificamente após o advento da web 2.0, os usuários possuem o principal papel nas relações estabelecidas online. A web 2.0 foi um conceito criado por Tim O’Reilly no ano de 2004, feito justamente para acentuar as diferenças da web 1.0 para a web 2.0 (COUTO JUNIOR, 2013, p. 21-22). Na web 2.0, todos os usuários são colaboradores. Não são grandes empresas que monopolizam a produção e difusão da informação no ciberespaço, mas sim os próprios usuários que também possuem esse papel, o que diferencia muito o ciberespaço, a internet, das outras mídias. É por isso que concordamos com o termo “web ator”, utilizados por Francis Pisani e Dominique Piotet nos seus estudos sobre a web. Segundo os dois autores: “os internautas utilizavam a internet. Os web atores trabalham com o conteúdo que geram e com a capacidade de organizá-lo. [...] Em lugar de simplesmente receber, nós produzimos, publicamos, agimos” (PISANI; PIOTET, 2010, p. 120). De muitos problemas ao se trabalhar com a HTP, um deles é a enorme quantidade de fontes. Como nos ensina Eric Hobsbawm (2013): “[...] o problema fundamental para o historiador contemporâneo em nosso tempo infinitamente burocratizado, documentado e inquiridor é mais um excesso incontrolável de fontes primárias que uma escassez das mesmas” (HOBSBAWM, 2013, p. 329). Saber lidar com esse emaranhado de fontes que se coloca à sua frente é um desafio complicado, pois é preciso ter cuidado para não afogar a pesquisa (FIORUCCI, 2011, p. 115). Outro ponto relevante é que os historiadores estudiosos da contemporaneidade não possuem o “aval da sequência” (RÉMOND, 1999, p. 55), devido aos processos históricos inacabados, o que o faz atentar-se mais ao evento em si. Muito da discussão em torno de estudar o presente como objeto da história se deu pela preocupação com o recuo, onde já se pensou que o historiador não poderia tomar o presente como objeto de estudo por não possuir um recuo no tempo, por estar inserido no seu tempo de estudo. Diante dessa incredulidade para com o ofício do historiador, Jean-Pierre Rioux (1999) nos mostra que esse argumento não se sustenta, pois, “[...] é o próprio historiador, desempacotando sua caixa de

instrumentos e experimentando suas hipóteses de trabalho, que cria sempre, em todos os lugares e por todo o tempo, o famoso ‘recuo’” (p. 46-47). Ou seja, é a cientificidade que constrói essa boa distância. Se o passado não é objeto apenas do historiador, apenas a metodologia da ciência da história, em última instância, define o ofício do historiador, pois ainda é “a operação cognitiva da pesquisa especificamente histórica” (RÜSEN, 2007, p. 27). Desta forma, o presente pode ser objeto do historiador, desde que a metodologia específica da ciência histórica sustente a análise. A comunidade virtual escolhida para este estudo possui o nome de “Revoltados ON LINE”, como já mencionado neste trabalho. Esta, que foi criada em 2010, ganha repercussão e participação principalmente no decorrer no ano de 2014. Com a chegada do período eleitoral, algumas pessoas buscaram (e ainda buscam) se informar no ambiente em que se relaciona boa parte do dia: a Internet. Se tratando de uma comunidade inserida na rede social Facebook, muito propício para se socializar e praticar a cibercultura diariamente, este se torna um lugar onde também se pode buscar informações sobre a política nacional. E foi o que aconteceu no ano de 2014 no Brasil. Um momento de propagandas eleitorais e de discursos dos mais diversos sobre os candidatos à presidência ocorridos no ciberespaço, mais especificamente, no Facebook. É quando a comunidade ganha usuários e cresce em quesito de repercussão midiática. Atualmente (Junho de 2016) ela possui 1.682.331 curtidas, ou seja, pessoas que recebem notificações dessa página, que entram em contato com as informações divulgadas pelos “Revoltados ON LINE”. Com a segunda vitória democrática de Dilma Rousseff e a sua continuidade na presidência da república no ano de 2014, a comunidade não parou de se manifestar contra a atual presidente do Brasil. Nos anos de 2015 e 2016 essa comunidade ganhou muita repercussão, aparecendo inclusive em citações de políticos nas discussões da Câmara dos Deputados. O segundo semestre de 2014 (de julho a dezembro) foi escolhido como espaço temporal justamente por conter as publicações de propaganda eleitoral, o pós-eleição, e o início do pedido de impeachment da presidente eleita, que hoje já está aprovado pela Câmara dos Deputados e espera os próximos resultados. Este período escolhido foi o momento onde as manifestações online da comunidade

ganharam força e nos interessaram como objeto de estudo histórico para dar luz a essa história recente do Brasil. Um grupo que se identifica como lutadores contra a corrupção, e que possuem embasamentos que nos pareceram relevantes de investigá-los. Feita a escolha da fonte e o delineamento temporal, os aparatos metodológicos da “netnografia” nos ajudam a lidar com os “Revoltados ON LINE”. “Netnografia” foi um termo cunhado em 1995 por pesquisadores norte americanos (AMARAL, et al, 2008, p. 34) e surgiu principalmente em pesquisas relacionadas as áreas do marketing e do consumo (KOZINETS, 2014, p. 10). A netnografia não é apenas a transposição da etnografia para o ambiente virtual, pois muitas de suas características são diferentes se tratando do ciberespaço. É um método que se altera, que se constrói a cada pesquisa, pois as interfaces que o ciberespaço nos oferecem são as mais diversas, sendo complicado haver apenas um método que abranja a todas. Por isso tomamos a netnografia como uma metodologia adaptativa (AMARAL, et al, 2008, p. 37). Tendo a possibilidade de fazer netnografia de várias maneiras, se torna necessária explicitar o nosso método de análise, onde não intervimos na comunidade com perguntas, entrevistas e etc. Nós analisamos aquilo que já está publicado, ou seja, não interferimos para conseguir a nossa fonte. São publicações e comentários que foram publicados sem pergunta alguma os mediando. É como se fosse aberta “[...] uma janela ao olhar do pesquisador sobre comportamentos naturais de uma comunidade durante seu funcionamento, fora de um espaço fabricado para pesquisa [...]” (AMARAL, et al, 2008, p. 36). A netnografia nos auxilia a compreender as práticas culturais complexas que se

desenvolveram/desenvolvem

no

ciberespaço,

lidando

com

“[...]

ideias

fundamentadas e abstratas, significados, práticas sociais, relacionamentos e sistemas simbólicos” (KOZINETS, 2014, p. 31). Essa metodologia também leva em conta “[...] os processos de sociabilidade e os fenômenos comunicacionais que envolvem as representações do homem dentro das comunidades virtuais (AMARAL, et al, 2008, p. 35). Vale lembrar que por a pesquisa trabalhar com o segundo semestre de 2014, ou seja, um recorte, ela não dá conta da comunidade inteira, dos seus avanços e transformações nos anos que se passaram, nem do seu início até 2014. O recorte se insere dentro desse processo histórico, e temos que estar

conscientes que analisamos “[...] um recorte comunicacional das atividades de uma comunidade online, e não a comunidade em si [...]” (AMARAL, et al, 2008, p. 39). Nesse recorte temporal no espaço virtual, selecionamos 10 publicações da página, abrangendo de julho a dezembro. Essas correspondem a maioria das postagens de cunho “público”

5

inseridas nesse recorte temporal. Sobre as

publicações, estamos no processo de categorização e análise dos comentários de todas elas. A parte quantitativa já foi realizada, e mostraremos logo mais. Mas as regularidades enunciativas serão consideradas não apenas quantitativamente, mas segundo um discurso-síntese (qualiquantitativamente). A técnica do discurso-síntese procura blocar opiniões. Ou seja, no discurso-síntese se reúnem “conteúdos e argumentos que conformam opiniões semelhantes” (LEFEVRE; LEFEVRE, 2012, p. 17). Assim, se remete às respostas semelhantes como se fosse um depoimento único (LEFEVRE; LEFEVRE, 2012, p. 19). Esta metodologia denominada Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), produzida na Universidade de São Paulo desde 1990, serve ao propósito de reunir depoimentos verbais e não-verbais em discursossínteses, entendendo que em qualquer sociedade os sujeitos compartilham e também divergem em ideias, noções, opiniões e representações, e por isso mesmo, estas podem ser percebidas conforme “padrões”, fazendo o pensamento coletivo “falar diretamente” (LEFEVRE; LEFEVRE, 2012, p. 24). O discurso-síntese não deixa de ser uma forma de categorização, uma forma de reconhecer, diferenciar e classificar aproximadamente as representações sociais. Até

o

momento,

selecionamos

as

publicações

e

categorizamos

quantitativamente todas elas. Estamos no processo de análise dos comentários para podermos colocar as regularidades enunciativas dos comentários de cada publicação em gráficos (ou seja, 10 gráficos, um para cada postagem, e um final que abrangerá todos). Após cada gráfico, faremos um discurso-síntese para cada um, teoria explicada anteriormente. Segue abaixo a tabela das publicações escolhidas para estudo analisadas quantitativamente: 5

Estamos nos referindo às publicações que se mantém na linha do tempo da comunidade. Não levando em conta as outras partes da comunidade, como os álbuns de imagens, vídeos e etc. Essas publicações da linha do tempo abrangem diversos formatos midiáticos (imagens, vídeos, textos), mas nem todas as fotos ou vídeos que ficam no álbum, estão visíveis na linha do tempo.

Tabela 1: Dados das publicações analisadas

Número

Data

Tipo

Curtidas

Compartilhamentos Comentários



08/07/2014

Vídeo

1,1 mil

20.004

196



13/10/2014

Vídeo

264

2.706

81



16/10/2014

Imagem

3,8 mil

31.313

528



24/10/2014

Vídeo

133

01

22



25/10/2014

Vídeo

1,5 mil

05

168



05/11/2014

Evento

3.824

95

217



07/11/2014

Evento

2.087

43

93



03/12/2014

Imagem

6.723

1.689

322



04/12/2014

Vídeo

19 mil

38.640

3.805

10ª

05/12/2014

Vídeo

24.896

233.117

3.846

Como vemos, as 10 publicações escolhidas possuíram números altos e variados de curtidas, compartilhamentos e comentários (apenas a quarta com 22 comentários e só 01 compartilhamento). A tabela explicita também o caráter de multimídia das postagens tomadas para estudo, onde temos seis vídeos, duas imagens, e dois eventos de Facebook. É importante frisar que todas as publicações mesclam as mídias citadas com textos escritos, também levados em conta. Ou seja, é um novo tipo de mídia que se reutiliza das mídias de outros veículos de comunicação, dando novos significados e objetivos para estas. Sobre o conteúdo das publicações, a primeira trata de um vídeo onde o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010), mais conhecido como Lula, comenta sobre as relações entre Brasil e Cuba. O vídeo foi publicado dia 08 de julho de 2014, mas é datado de 22 de fevereiro de 2010. Para criticar os argumentos de Lula, os autores do vídeo colocam os argumentos do presidente e posteriormente mostram imagens de um Brasil poluído, desgastado, fazendo referência às estradas abandonadas, a lugares alagados no Rio de Janeiro, e o Porto de Santos “sucateado”. Mesmo o vídeo tratando de alguns assuntos específicos, os comentários acabam se voltando para as mais diversas temáticas de insatisfações

dos web atores para com o governo, não se centrando nos apontamentos da publicação. Isso não é uma exceção, pois todas as publicações, mesmo alguns comentários referindo-se especificamente a elas, a maioria dos comentaristas se utiliza desse espaço para publicar as mais diversas opiniões sobre o governo. E são essas regularidades enunciativas que estamos no processo de levantamento para análise posterior. A segunda publicação trata-se também de um vídeo publicado no dia 13 de outubro de 2014. Documento que foi montado por um dos organizadores da página, denominado Daniel Barbosa, onde este critica uma fala de Tarso Genro (filiado ao PT) na qual o criticado denuncia a mídia que fica contra o PT. O vídeo deixa claro em uma fala que o PT foi quem derrubou o regime militar, o único que havia realmente feito alguma coisa por esse país, segundo Daniel Barbosa. A terceira é uma imagem publicada no dia 16 de outubro, onde mostra Dilma Rousseff de cabeça baixa, e os escritos acompanhando a imagem argumentando que o Brasil está prestes a se tornar uma “Ditadura Socialista”, e que no Brasil o povo não aceitaria um regime totalitário, que no caso, seria o governo do PT. A quarta publicação é uma propaganda eleitoral (em formato de vídeo) para o candidato opositor à Dilma, Aécio Neves (PSDB), postada dia 24 de outubro, dois dias antes às eleições do segundo turno. A quinta refere-se a mais um vídeo, do dia 25 de outubro (um dia antes das eleições finais), no qual mostra uma manifestação de pessoas cantando o hino nacional nas escadas rolantes do que parece ser um Shopping Center brasileiro6. As publicações seis e sete da tabela, referentes aos dias 05 e 07 de novembro, fazem alusão a um mesmo evento de Facebook: um encontro na cidade de São Paulo pedindo a anulação das eleições. O evento ocorreu no dia 15 de novembro, e as publicações eram convites que tiveram grande repercussão, como vemos na tabela. A oitava é uma imagem onde nela estão presentes centralmente: Marcello Reis (fundador da comunidade), Lobão e Ronaldo Caiado. Publicação com viés informativo (ocorre muito na página), mostrando o que fazem cotidianamente. Finalmente, as duas últimas são dois vídeos, o primeiro (04 de dezembro) com 6

Não dá para ter certeza, o vídeo nem o texto explicitam o local. É um lugar enorme e espaçoso, muito parecido com o ambiente interior de um Shopping Center.

protestantes falando de um “assalto” que os políticos teriam feito no povo brasileiro, e o segundo (05 de dezembro), uma carta aberta com autoria de Josimar Salum, onde este comenta sobre um suposto exército do PT, faz comparações de Dilma e terroristas, Hitler, e outros arquétipos que aludem um imaginário de mal, estereotipados. A análise de todas as publicações juntamente com seus comentários (aproximadamente 9.278) ainda está em processo, não cabendo aqui uma análise mais específica e detalhada de cada publicação comentada acima. Consideramos que a cibercultura proporcionou novas formas de se manifestar contra, fez da mídia um lugar de todos os usuários, onde estes podem ter repercussão. Os “Revoltados ON LINE”, brevemente apresentados aqui, influenciaram as discussões políticas de 2014 a partir das suas publicações, fazendo propagandas, pedidos, manifestações online, organizando manifestações de rua, etc. Saber as regularidades enunciativas dos comentários desse recorte temporal é um dos nossos objetivos. Hoje essa comunidade possui divulgação em âmbito nacional, mas 2014 foi o início de seu fortalecimento enquanto lugar de discussão política online. Compreender aquele contexto histórico e como se deram essas manifestações online, os embasamentos, o levantamento das opiniões presentes nas críticas que fizeram parte daquele imaginário, e que hoje se mantém muito forte, é de extremo interesse da História. Os documentos para a história das manifestações de 2014 também se encontram online, e analisá-los para procurar entender aquele momento é o nosso objetivo.

Referências AMARAL, Adriana; NATAL, Geórgia; VIANA, Lucina. Netnografia como aporte metodológico da pesquisa em comunicação digital. Revista FAMECOS, Porto Alegre, Ano 13, n. 20, dezembro 2008, p. 34-40. BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. COUTO JUNIOR, Dalton Ribeiro do. Cibercultura, Juventude e Alteridade: aprendendo-ensinando com o outro no Facebook. Jundiaí, Paco Editorial: 2013.

FIORUCCI, Rodolfo. Considerações acerca da História do Tempo Presente. Revista Espaço Acadêmico, n. 125, outubro de 2011 (mensal). p. 110-121. HOBSBAWM, Eric. Sobre História. – São Paulo: Companhia das Letras, 2013. KOZINETS, Robert V. Netnografia. Realizando pesquisa etnográfica online. Porto Alegre: Penso, 2014. LEFEVRE, Fernando; LEFEVRE, Ana Maria. Pesquisa e representação social. Um enfoque qualitativo. Brasília: Liber Livro Editora, 2012. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento na era da informática. Trad. Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993. _____. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. PISANI, Francis; PIOTET, Dominique. Como a web transforma o mundo. A alquimia das multidões. Trad. Gian Bruno Grosso. São Paulo: Editora SENAC, 2010. RÉMOND, René. O retorno do político. In: CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe (Orgs.). Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999. p. 51-60. RIOUX, Jean-Pierre. Pode-se fazer uma história do presente?. In: CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe (Orgs.). Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999. p. 39-50. RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Trad. Estevão de Rezende Martins. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 2007.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.