História e literatura: no curso do (dis)curso

July 27, 2017 | Autor: Krisley Oliveira | Categoria: History, Literature, Narrative, Intercultural dialogue
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HISTÓRIA E LITERATURA: NO CURSO DO (DIS)CURSO Krisley Aparecida de Oliveira 1

RESUMO A necessidade da reflexão acerca dos limites e possibilidades que cercam a História e a Literatura se faz de extrema importância para ambos os campos. Portanto, o presente trabalho em exposição tem como objetivo discutir os aspectos teórico-metodológicos que dão margem a discussão de como ocorrem os processos de produção e escrita da narrativa histórica e do discurso literário. Destacaremos Hayden White com suas críticas epistemológicas à historiografia, que ocupa um lugar de atenção entre os teóricos da história contemporânea, por fazer adaptações de categorias originárias da teoria literária para a análise historiográfica, apontando que, o que o discurso histórico produz são interpretações acerca de dadas informação ou o conhecimento do passado de que o historiador dispõe, tais interpretações podem assumir diferentes formas. No que diz respeito à contraposição da ideia de que a História seja “mera” interpretação na reconstrução do passado, destacaremos como principal confrontador Jörn Rüsen, apontando o processo de pesquisa regulamentada metodicamente para decidir o conteúdo cognitivo que a historiografia necessita demonstrar quando atua, como constituidora do saber histórico. Portanto, travar o debate acerca desse assunto, nos possibilita ver dois lados. De um, os pesquisadores que defendem a racionalidade metódica de seus trabalhos cognitivos, e de outro, aqueles que veem o pensamento histórico como somente constituição narrativa de sentido, sem ver seu disciplinamento metódico. PALAVRAS-CHAVES: Literatura. Diálogo. História. Narrativa. Jörn Rüsen

Pois não imagino para um escritor, elogio mais belo do que saber falar, no mesmo tom, aos doutos e aos escolares. Marc Bloch

O presente texto em exposição tem como objetivo abordar alguns aspectos acerca da problemática relação entre a narrativa histórica e o discurso literário. Para tal abordagem, deixamos claro desde o início que sabemos da complexidade do tema, tendo em vista uma ampla e “antiga” discussão que é travada sobre o mesmo. A reflexão acerca dos limites e possibilidades entre a Literatura e a História, em sua tarefa de como ser fundamentada passou por importantes transformações no decorrer do século XX, estando no centro do debate nas últimas quatro décadas, em especial no que diz respeito de a narrativa (forma de veiculação tanto da História quanto da Literatura) ser uma ferramenta eficaz nesse intuito.

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Graduada em História na Universidade Federal de Goiás; [email protected]

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Esse trabalho será fundamentado em dois principais expoentes, destacaremos Hayden White com suas críticas epistemológicas à historiografia, que ocupa um lugar de atenção entre os teóricos da história contemporânea, por fazer adaptações de categorias originárias da teoria literária para a análise historiográfica, apontando que, o que o discurso histórico produz são interpretações acerca de dadas informação ou o conhecimento do passado de que o historiador dispõe, ou seja, tais interpretações podem assumir diferentes formas. E, no que diz respeito à contraposição da ideia de que a História seja “mera” interpretação na reconstrução do passado, destacaremos como principal confrontador Jörn Rüsen, apontando o processo de pesquisa regulamentada metodicamente para decidir o conteúdo cognitivo que a historiografia necessita demonstrar quando atua, como constituidora do saber histórico. Portanto, para começar a nossa discussão, iniciaremos pelo final, sim, nosso ponto de partida será a narrativa, nos referimos a ela como ponto final, pois é por meio da narrativa, que temos a objetivação do que foi pensado e elaborado ao longo do processo de fundamentação tanto da história quanto da literatura. Refazer os laços da história enquanto disciplina do conhecimento com a narrativa é trazer a luz a intencionalidade do pensamento histórico, o que obviamente causa desconforto a alguns, o que faz com que o debate acerca desses laços se arraste por mais de quatro décadas, estendendo-se até nossos dias. É importante considerarmos que há uma persistência na tradição da narrativa histórica, sendo a narrativa, presente na tentativa de orientação do homem ocidental frente ao tempo, o que podemos notar na seguinte citação: Os historiadores sempre contam estórias. De Túcidides a Gibbon e a Macaulay, a composição da narrativa em prosa vívida e elegante sempre foi tida como sua maior ambição. Considerava-se a história um ramo da retórica. Nos últimos cinqüenta anos, entretanto, essa função de contar estórias adquiriu má fama entre os que se viam como a vanguarda da profissão, os praticantes da chamada ‘nova história’ do período após a Segunda Guerra Mundial. (...) Contudo, atualmente detecto sinais de uma corrente subterrânea, que arrasta muitos dos proeminentes ‘novos historiadores’ de volta a alguma forma narrativa. (STONE, 1989, p. 8). (Tradução do autor).

Deixamos claro que o intuito com essa citação não é utilizar as palavras de Lawrence Stone para resumirmos toda a trajetória do discurso historiográfico desde seus primórdios no Ocidente, mas sim, destacarmos a presença da narrativa no fazer histórico desde o início. Para Rüsen, o pensamento é visto como cientifico. E a História como ciência deve ser vista como uma realização particular do pensamento histórico que está inserido em fundamentos da vida corrente. O agir é um modo corriqueiro na vida humana, o homem está em um ininterrupto processo de interpretação do mundo e de si. 2

O pensamento histórico mantém relação com a administração da experiência temporal, uma inter-relação entre as intenções do futuro e as experiências do passado: Para agirem e sofrerem de acordo com intenções formadas a partir das representações que cultivam acerca da natureza e do mundo social, os seres humanos sempre estão diante de carências existenciais de orientação cultural. Para Rüsen, o pensamento histórico surge precisamente em resposta a essas carências. (ASSIS, 2010, p. 15)

De acordo com Rüsen, no pensamento histórico há outro tipo de orientação que transcende a tradição. Que seria uma forma especifica cultural de orientação que se liga a gestão da experiência temporal da contingência. Contingência essa, que é uma das formas mais inquietantes e corriqueiras da vida humana. Logo, esse outro tipo de posição do pensamento histórico para além da tradição, surgi como uma forma especifica de orientação da subjetividade humana ao mesmo passo que multiplica os recursos da contingência. Quando há uma transformação do pensamento histórico no âmbito intelectual, de “tempo” para “sentido” há uma ampliação substantiva da cultura. Portanto, como podemos notar em Rüsen, existe um processo desde a constituição da consciência histórica, por meio do tempo e da memória nos quadros de orientação da vida prática do ser humano onde a narrativa faz com que o passado torne-se presente. A narrativa constitui o pensamento histórico ao representar as mudanças temporais do passado lembrado no presente como processo continuo no qual a experiência do tempo presente pode ser inserida de forma interpretativa e extrapolada em uma perspectiva de futuro. A narrativa tem o poder de rememorar o passado sempre com respeito à experiência do tempo presente. A narrativa histórica tem, portanto, o dever de organizar a relação estrutural das três dimensões temporais (passado, presente e futuro) com representações de continuidade, e não somente isso, nesse mesmo processo deve-se inserir o conteúdo experiencial da memória, para que com isso possa-se interpretar as experiências do tempo presente e abrir as expectativas de futuro em função das quais se pode agir intencionalmente. “A narrativa histórica constitui a consciência histórica como relação entre interpretação do passado, entendimento do presente e expectativa do futuro (...)” (RÜSEN, 2001, p. 65), ou seja, essa mediação deve ser unicamente pensada como uma especificidade histórica, por ser capaz de operar a inclusão da interpretação do presente e do futuro na memória do passado. Para avançarmos em nossa análise vamos agora lançarmos mão da análise de alguns aspectos apontados por Hayden White, o termo meta-história, um dos títulos dos livros de White, é entendido como a apresentação e investigação das pressuposições necessárias para a crença em um determinado modo de pensamento denominado histórico, e o termo também inclui as relações que esse pensamento pode ter com as ciências humanas e sociais. Nessa 3

obra (Meta-historia), White diz que todo trabalho histórico utiliza como veiculação a narrativa (como apontamos ao inicio de nossa exposição), ou seja, utiliza uma representação ordenada e coerente de eventos/acontecimentos em tempo seqüencial. Ele conclui que toda explanação histórica é retórica e poética por natureza (WHITE, 1995, p. 11). De forma sucinta, abordaremos como White faz suas colocações acerca da historiografia como narrativa, ele faz a análise de

quatro historiadores, são eles: Jules

Michelet, Leopold von Ranke, Alexis de Tocqueville, e Jacob Burckhardt, e quatro filósofos da história, G. W. F. Hegel, Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Benedetto Croce. Por meio do estudo desses quatro autores ele identifica quatro estilos retóricos, o que chama de tropos, considerando-os como estratégias poéticas que os historiadores usam para construir seus textos, e divide-as em quatro: metáfora, metonímia, sinédoque e ironia. E, ele também identifica quatro gêneros literários pelos quais os historiadores entendiam o processo histórico em seus trabalhos: estória romanesca, tragédia, comédia e sátira. Com essas noções, White tece uma crítica radical a historiografia e a consciência dos historiadores, o conceito que formula e adota de história-narrativa coloca em cheque a noção de objetividade e pretensão de verdade no trabalho dos historiadores. Para ele entendido, as narrativas históricas seriam ficções verbais, seus conteúdos seriam tanto inventados quanto comprovados, e, com isso, tais narrativas (do passado), teriam mais em comum com a literatura do que com a ciência. Para White, essa ciência histórica é falha se a intenção for a reconstrução objetiva do passado, porque o processo envolvido é interpretação da narrativa literária, e não trata-se de empirismo objetivo ou teorização social. Portanto deve-se levar em conta as estratégias retóricas, ideológicas e metafóricas que os historiadores empregam para explicar o passado, ou seja, as narrativas são explicativas porque efetivamente aconteceram, mas são dominadas pelas suposições dos historiadores que as escreveram, as narrativas são subjetivas, portanto, como apontado por White, obrigatoriamente influenciada pelo seu narrador: contexto histórico ao qual o narrado vive, classe social, sexo, cultura, localização, circunstancias políticas, e etc. Com isso, ainda que os fragmentos de dado evento sejam totalmente verdadeiros, a reconstrução de sua história são mais que sua soma. Com isso, voltamos então a questão colocada primeiramente, a narrativa. Podemos apontar a narrativa como a operação mental que transforma a informação das fontes em alguma coisa com sentido e significado, acontece que no momento da atividade hermenêutica promovida pelo historiador, ele é colocado diante da necessidade de adotar determinados 4

procedimentos estéticos relativos à forma da narrativa/escrita que está escrevendo, isso consiste no que White chama de armação de uma intriga. E é justamente nessa parte que é permitido que o texto supere a mera crônica tornando-se história propriamente dita: O modo como determinada situação histórica deve ser configurada depende da sutileza com que o historiador harmoniza a estrutura específica de enredo com o conjunto dos acontecimentos históricos aos quais deseja conferir um sentido particular. Trata-se essencialmente de uma operação literária, criadora de ficção. (WHITE, 1994, p. 102).

Colocar em confronto, portanto, autores com pontos de vistas diferentes, nos possibilita uma ampla visão acerca de como é complexa a tarefa do historiador ao fazer história, e os problemas enfrentados com a questão da verdade e da ficcção. Os teóricos narrativistas não defendem a não existência de diferenças entre a escrita ficcional e a escrita histórica, mas sim que ambas utilizam-se de artifícios comuns, no decorrer de sua escrita. O que ocorre é como esses atributos performáticos comum tanto em uma obra de Literatura quanto uma obra de História, é colocado de forma objetiva no decorrer da construção do texto de diferentes formas, enquanto o historiador se sente preso ao valor documental imputado à sua interpretação, o que dá a esse um caráter de veracidade; o ficcionalista (aquele que escreve literatura) conta com uma liberdade em relação a essa veracidade, sendo-lhe permitido criar situações e personagens imaginários sem ter a necessidade de uma comprovação documental (não que não o possa fazer). Ainda que historiadores e literários utilizem de artifícios de escrita semelhantes, existe a diferença de atitude frente a esses recursos. Segundo Paul Ricoeur é justamente que distingue o historiador de um mero narrador: É por isso que o historiador não é um mero narrador: dá as razões por que considera tal fator, mais que tal outro, como causa suficiente de tal curso de acontecimentos. O poeta cria uma intriga que também se mantém em virtude de seu esqueleto causal. Mas este não constitui o objeto de uma argumentação. Nesse sentido Northop Frye tem razão: o poeta precede a partir da forma, o historiador em direção à forma. Um produz o outro argumenta. E argumenta porque sabe que se pode explicar de modo diverso. (RICOEUR, 1994, p. 266).

A História é direcionada por atributos, ou seja, convenções disciplinares diferentes da literatura, já que o historiador tem como objetivo apresentar relatos sobre eventos históricos, enquanto o literato preocupa-se em apresentar uma narrativa verossímil algo que poderia ter ocorrido, ou mesmo, de estórias. No que podemos fazer referencia às semelhanças entre ambas as escritas, podemos destacar algumas, tais como: o uso de estruturas discursivas semelhantes, isso torna-se compreensível na medida em que consideramos que o Ocidente aprendeu a narrar sob certos tipos discursivos, fazendo assim o uso desses tipos para qualquer intenção narrativa. E, para 5

ressaltarmos algumas diferenças, podemos retornar a Rüsen, de que a narrativa histórica tem a intenção de orientação do homem frente às dificuldades impostas pelo tempo, sendo a morte a mais temível delas, nos impulsionando à frente. Portanto, não somente por esse texto exposto aqui, mas pela vasta produção acerca do referido tema, que existe uma moeda de dois lados que sempre é lançada ao ar quando um historiador se coloca a postos de seu oficio, e, o lado dessa moeda que for exposto, será sempre alvo de críticas e, bem mais que isso, de estudos e revisões. Como há um lado da mesma que é exposto, o outro fica sempre para baixo, o que não quer dizer que não exista, muito pelo contrário, acreditamos na inexistência de uma diferença qualitativa entre narrativa ficcional e narrativa histórica, porque cada uma tem um propósito diferente. Sendo ambas fundamentais para a orientação humana frente às dificuldades impostas pelo tempo. Dos limites e possibilidades entre a história e literatura, devemos deixar claro que, a forma de veiculação final de ambas é a narrativa, mas o processo de sistematização de idéias e conceitos ate esse resultado, é diferente. Como exposto em Hayden White com suas críticas epistemológicas à historiografia, ocupando assim um lugar de atenção entre os teóricos da história contemporânea, e fazendo adaptações de categorias originárias da teoria literária para a análise historiográfica, apontando que, o que o discurso histórico produz são interpretações acerca de dadas informação ou o conhecimento do passado de que o historiador dispõe, tais interpretações podem assumir diferentes formas, é de uma contribuição imensa para a teoria da história, enquanto campo que visa estudar os pressupostos da produção do conhecimento histórico, estimulando o debate acerca da natureza da história enquanto pensada de forma cientifica, chamando atenção para questões teórica de suma importância, como a objetividade e verdade, afinal, é de extrema importância para o historiador questionar e apresentar como o que ele produz. No entanto, como modelo aprofundado por Rüsen, existe um processo de pesquisa regulamentada metodicamente para decidir o conteúdo cognitivo que a historiografia necessita demonstrar quando atua, como constituidora do saber histórico. Os historiadores devem defender a racionalidade metódica de seus trabalhos cognitivos, ate porque, a mesma existe e é colocada em prática em todo processo de pesquisa. Desde a seleção e manuseio das fontes, passando por todos os critérios hermenêuticos, analíticos e dialéticos, heurísticos, críticos e interpretativos de suas pesquisas.

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Vimos, portanto, que a discussão é grande, necessária, acalorada, bem fundamentada e principalmente, ainda está longe de se esgotar, até por isso destacamos aqui a necessidade de se estudar toda a discussão para uma melhor compreensão do ofício do historiador. E podemos então, concluir que, referente à escrita da História existem inúmeras razões de controvérsias, com isso, entendemos que é de extrema importância estudar a linguística para uma melhor compreensão da elaboração do resultado final do trabalho do historiador que é a narrativa histórica, entretanto, não acreditamos que esse trabalho esteja condicionado meramente a isso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Arthur. A teoria da história de Jörn Rüsen: uma introdução, Goiânia: Editora UFG, 2010.

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RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Campinas SP. Papirus, 1994.

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RÜSEN, Jörn, Razão Histórica: teoria da história: fundamentos da razão histórica, Trad. Estevão de Rezende Martins. – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

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