História em Foco: as questões do tempo presente

June 8, 2017 | Autor: E. André de Souza | Categoria: History, Historia, História do Brasil, Historia Cultural
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CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, nº 1.040, Bairro Benedito 89130-000 - INDAIAL/SC www.uniasselvi.com.br

HISTÓRIA EM FOCO UNIASSELVI 2016 Organização Evandro André de Souza (Coordenador do Curso de História/ EAD – Uniasselvi) Thiago Rodrigo da Silva (Docente do Curso de História/ EAD-Uniasselvi) Autoria Rafaela Duarte Silvana Montibeller Burg Silvio Luiz Fronza Luciane Da Luz Jean Carlos Morell Adolfo Ramos Lamar Eduardo Guilherme de Moura Paegle Graciela Márcia Fochi

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Reitor da Uniasselvi Prof. Hermínio Kloch Pró-Reitora de Ensino de Graduação a Distância Prof.ª Francieli Stano Torres Pró-Reitor Operacional de Graduação a Distância Prof. Hermínio Kloch Editor-Chefe Prof. Evandro André de Souza Editoração e Diagramação Djenifer Luana Kloehn Capa Djenifer Luana Kloehn Revisão Final Harry Wiese Propriedade do Centro Universitário Leonardo da Vinci

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Ficha catalográfica Elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri – UNIASSELVI – Indaial.

907 S719h Souza, Evandro André de

História em foco/ Evandro André de Souza; Thiago Rodrigo da Silva (Orgs) Indaial : UNIASSELVI, 2016.

82 p. : il.

ISBN 978-85-7830-946-6

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1. História – Estudo e Ensino. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

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PREFÁCIO HISTÓRIA EM FOCO: AS QUESTÕES DO TEMPO PRESENTE A história é uma ciência humana profundamente ligada aos eventos contemporâneos mundiais. Tal afirmação pode soar estranha aos ouvidos dos leigos na temática, que relacionam os historiadores aos empoeirados arquivos e pomposos museus, porém se trata de um verdadeiro “lugar comum” para os já iniciados na literatura teórica referente a esta área do conhecimento a frase: “a compreensão do presente é a missão dos estudos históricos”. Pois, como apresentava o historiador francês Marc Bloch (tragicamente fuzilado pelas tropas nazistas durante a Segunda Guerra Mundial), o método de trabalho do historiador é regressivo, isto é, as respostas às questões do presente é que motivam as pesquisas sobre o passado da humanidade. Como a cada momento novas questões culturais, sociais e políticas são levantadas, a história humana sempre acaba sendo reescrita. Uma das inovações da historiografia do século XX foi se aproximar das demais ciências sociais, como a sociologia e a antropologia, na busca de novas metodologias de análise das dinâmicas humanas nas diferentes temporalidades. Neste sentido, temas do tempo presente acabaram por se tornar interdisciplinares, pois ao mesmo tempo em que historiadores pesquisam o presente, sociólogos e antropólogos realizam pesquisas sobre o passado da humanidade, realizando uma sociologia e antropologia histórica. Uma das principais influências dos historiadores brasileiros que trabalham com temáticas relativas ao tempo presente é a historiografia francesa. Em especial, o Instituto de Estudos do Tempo Presente, da Universidade de Paris – Panteão Sorbonne. Porém, mais do que influências estrangeiras, podemos pensar que as análises relativas à História do Brasil no último meio século é ainda um tema de debate público. Eventos históricos como a Ditadura Militar, o processo de Redemocratização, a Segunda Guerra Mundial, a construção de Brasília, as migrações internas simbolizadas pelo êxodo rural, além da revolução em que

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vivemos ofertada pela internet e demais avanços nos meios de comunicação, apontam para eventos históricos de grande relevância, cujas principais fontes são as memórias das pessoas que as testemunharam, sendo partícipes ou agentes passivos das ações sociais.

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Assim, nesta perspectiva, apresentamos os artigos que compõem o número em três grandes linhas temáticas: Política, Educação e Patrimônio Cultural. Em relação à História Política, contamos com o prestigioso auxílio dos professores Eduardo de Moura Paegle, do Instituto Federal de Roraima e da Mestra em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, Rafaela Duarte. Eduardo Paegle escreveu sobre as manifestações de julho de 2013, enquanto Rafaela apresentou uma reflexão sobre a campanha política “Diretas Já” em Santa Catarina. Por sua vez, os docentes do curso de História Sílvio Luiz Fronza e Jean Carlos Morel, em parceria com o educador cubano, Lamar, apresentaram reflexão sobre as alterações da dinâmica educacional na contemporaneidade. Por fim, a professora Graciela Márcia Fochi apresentou uma reflexão sobre as questões do patrimônio histórico na atualidade. Também se relacionando a questões do tempo presente, patrimônio e região, a professora Silvana Montibeller Burg nos apresenta um exemplo de texto sobre história regional, ao analisar a história da cidade de Itajaí, em Santa Catarina. As diferentes abordagens e enfoques levantam a sempre aberta e polêmica questão da dificuldade de compreensão do tempo em que vivemos. Tempo no qual a uniformidade sede espaços à diversidade nos mais amplos e distintos campos da atuação humana. Desde modo, desejamos excelente leitura a todos! Os organizadores, Evandro André de Souza (Coordenador do Curso de História/ EAD – Uniasselvi) Thiago Rodrigo da Silva (Docente do Curso de História/ EAD-Uniasselvi)

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SUMÁRIO AS CHARGES JORNALÍSTICAS NA CAMPANHA DIRETAS JÁ EM SANTA CATARINA ....................................................................................................... 9 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 23 ITAJAÍ UM BREVE RELATO ........................................................................... 25 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 25 2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ........................................................... 27 3 O PORTO ...................................................................................................... 28 4 A PESCA ....................................................................................................... 29 5 TURISMO ...................................................................................................... 30 6 CONCLUSÃO ............................................................................................... 31 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 33 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E MERCADO DE TRABALHO ........................... 35 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 35 2 TRAGETÓRIA DO EAD ................................................................................ 37 3 O EAD E A AUTONOMIA DO ACADÊMICO ................................................ 38 4 O CARÁTER FLEXÍVEL DO EAD E O MERCADO DE TRABALHO .............. 39 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 41 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 43 ENTRE A TÉCNICA E A TECNOLOGIA: uma abordagem histórico-filosófica ............................................................................... 45 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 45 2 INICIANDO A DISCUSSÃO SOBRE A TECNOLOGIA ................................ 46 3 ALGUMAS PERSPECTIVAS HISTÓRICAS ................................................. 49 4 ENTRE A HISTÓRIA E A FILOSOFIA .......................................................... 53 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 57 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 59

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(RE)LEITURAS DAS JORNADAS DE JUNHO DE 2013 ................................ 61 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 61 O sentido das jornadas de junho de 2013 ..................................... 62 Considerações finais ............................................................................. 69 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 71 Patrimônio & sociedade: algumas reflexões .............................. 73 1 PATRIMÔNIO E ESPAÇOS PÚBLICOS ....................................................... 73 2 CONCEPÇÕES DE PATRIMÔNIO E QUESTÕES LEGAIS ......................... 76 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 79 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 81

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AS CHARGES JORNALÍSTICAS NA CAMPANHA DIRETAS JÁ EM SANTA CATARINA Rafaela Duarte1 Resumo: O artigo analisa diversas charges jornalísticas publicadas no periódico catarinense O Estado, entre os meses de janeiro a abril de 1984, durante as manifestações pelo retorno das eleições diretas no Brasil. Por meio das charges é possível perceber o poder imagético na fomentação de uma opinião pública acerca da campanha pelas Diretas Já. Palavras-chave: Diretas Já. Charges. Jornal O Estado. Ao longo do tempo, a imagem tornou-se uma forma privilegiada de comunicação na sociedade contemporânea pela sua multiplicidade e versatilidade, tanto na produção quanto no consumo. É uma tendência da historiografia contemporânea, a revalorização das imagens como fontes de representação, tanto social quanto cultural. O seu estudo tem contribuído para o saber histórico, mostrando-se uma fonte bastante informativa, e não apenas como simples ilustração. Assim, configura-se um dos desafios do historiador, em perceber o potencial dessas fontes, incorporando-as ao seu trabalho. São hoje caracterizadas como expressão da diversidade social, capazes de alcançarem todas as camadas sociais, pois se identificam com diferentes grupos. A imagem nem sempre teve grande importância para a historiografia, pois durante muito tempo foi considerada um elemento ilustrativo, não fundamental para a explicação da história. Segundo Paulo Knauss (KNAUSS, 2006, p. 97-119), por séculos a historiografia, centrada na fonte escrita, desprezou o fato de que as imagens são os vestígios mais antigos que conhecemos, demarcando assim o seu universo à hegemonia da fonte escrita, restringindo seu uso às situações em que os textos não se evidenciavam suficientes. 1 Mestre em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Atualmente professora na mesma instituição. Este artigo é resultado de pesquisas realizadas durante a produção da Dissertação de Mestrado, financiada pela CAPES, intitulada Diretas Já em Santa Catarina: o movimento de redemocratização nos textos e imagens dos jornais O Estado, A Notícia e Jornal de Santa Catarina (1984) sob orientação do Prof. Dr. Waldir José Rampinelli, no Programa de Pós-Graduação em História-UFSC. E-mail: .

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As charges, que tiveram presença garantida nos principais jornais da imprensa durante o período da história brasileira marcada pela ditadura militar, são fontes muito apropriadas que nos fazem refletir sobre diversos assuntos de uma maneira irônica, mas também, bastante crítica. A charge, como texto imagético e humorístico, atrai mais a atenção do leitor e permite mais rapidamente um posicionamento crítico sobre personagens e fatos políticos e sociais. No entanto, ela não será compreendida se não levarmos em conta os diversos contextos necessários para que a mensagem transmitida pela charge seja recebida e decodificada.

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O poder satírico das charges foi, ao longo da história da imprensa, um canal alternativo para a expressão de descontentamentos com a política do país. Por meio de uma linguagem simples e direta, a charge consegue que a mensagem atinja o leitor tendo como atributo seu poder de crítica que é transmitida por meio do humor e da ironia. Essa forma de expressão representa uma fonte sarcástica, que adquire importância devido ao seu potencial de expressão, quando provoca discussões sobre situações vividas pela sociedade, bem como a atuação e posicionamento dos políticos. Diante do compromisso assumido com o povo pelo retorno da democracia eleitoral, “palavras de ordem” são traduzidas pelas charges. “As imagens são dotadas de alto poder mobilizador, como verdadeiros ícones prenhes de significado e que impulsionam a ação”. (PESAVENTO, 2005, p. 87). A charge pode ser compreendida como uma manifestação artística do presente, marcada por fatos que carregam um forte discurso satírico, não sobre um sujeito em particular ou uma situação singular, mas sobre ambos combinados. Trata, portanto, de acontecimentos diários com personagens conhecidos a partir de traços que desejam ironizar atitudes, questionar ideias e comportamentos. É um tipo de gênero textual muito interessante, pois integra aspectos da linguagem verbal e não verbal, despertando no leitor uma curiosidade intrínseca. Para compreender o conteúdo de uma charge é necessário fazer uma associação entre a situação explicitada e os acontecimentos atuais, buscando identificar os personagens descritos no cenário da charge. O presente artigo analisa charges publicadas no jornal catarinense O Estado, nos primeiros meses de 1984, durante a campanha pelo retorno das eleições diretas no Brasil. A proposta é pensar a charge enquanto um texto jornalístico que se relaciona com o cotidiano retratado. Abordando temas do carnaval ou de

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figuras políticas, as charges faziam apologia ao movimento que, cada vez mais, ganhava adesão com o seu desdobramento. Segundo a historiadora Tania Regina de Luca, a História por meio da caricatura e da própria representação do humor tem se adensado ao longo do século XX. (PINSKY, 2008, p. 136). Com o passar das décadas, a imprensa tem se utilizado dessa linguagem visual para motivar os leitores e produzir uma percepção mais rápida na opinião de determinado assunto. Uma leitura que contribui para a compreensão desse tipo de fonte é o livro Charge jornalística: intertextualidade e polifonia, de Edson Carlos Romualdo, que através da análise de charges da Folha de S. Paulo, apresenta um estudo das relações intertextuais da charge jornalística. O autor mostra as possibilidades de relações intertextuais com textos verbais e visuais (presentes ou não no jornal), que auxiliam na interpretação das charges. Para Romualdo, o texto chárgico, além de uma leitura mais acessível, diferencia-se dos demais gêneros opinativos por fazer sua crítica sempre utilizando o humor. A campanha por eleições diretas deu um novo significado para a política do Brasil, naquele momento marcada por vinte anos de ditadura e pela falta de liberdade de expressão. Além de pressupor o envolvimento da sociedade civil como peça fundamental para seu desencadeamento, é notável também a participação da imprensa brasileira junto à fomentação de uma opinião pública acerca da campanha por eleições diretas. No caso do jornal O Estado, sempre nas primeiras páginas estava o espaço destinado ao editorial, reservado as charges, que trazia a assinatura do chargista Clovis Medeiros, a opinião do leitor e as informações gerais. Através de um conjunto de representações, que surgiam em forma de imagens e discursos, registradas e disseminadas pelos órgãos de imprensa, diversos elementos foram incorporados a campanha Diretas Já, com o intuito de legitimar e viabilizar o movimento. Basta observar alguns exemplos de charge para perceber que se trata de uma das formas mais apropriadas de comunicação. Através do carnaval, do futebol ou de outros eventos de caráter nacional ou internacional, as charges nos remetem ao pensamento de uma época, sendo elas mesmas construtoras de um discurso próprio sobre o movimento. Analisemos algumas dessas manifestações nas charges a seguir:

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FONTE: OE, 30/03/1984, p. 4

FONTE: OE, 10/03/1984, p. 4

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Em Santa Catarina, a edição do jornal O Estado do dia 30 de março, veicula a mensagem “Florianópolis Já! Quero votar pra presidente”, clara e direta a frase incita a insatisfação popular, representada por um personagem que se demonstra feliz e que apela para a redemocratização do país, segurando um guarda-chuva, que parece o proteger de algo. É curioso notar que o uso do complemento “Já” no slogan do movimento, indicava a necessidade imediata que a população tinha de modificar as regras eleitorais do país naquele momento, ou seja, não podemos mais esperar, o momento é esse. Indicava a negação de uma dinâmica histórica constante, que se pautou pela eterna conciliação, onde as manifestações da sociedade sempre foram desqualificadas pelas elites. A palavra “Já”, esteve presente no título de algumas charges, fazendo referência ao movimento pelas Diretas. Em outra charge, veiculada no dia 10 de março, intitulada “Unidos da Coloninha Já!”, através do folião que, ao segurar a placa, faz alusão a uma escola de samba de Florianópolis, Unidos da Coloninha, que havia ganho o título de campeã daquele ano, mostrando mais uma vez que o carnaval de 1984 foi a festa mais representativa da campanha das Diretas. Sem deixar o caráter festivo de lado, um dos carnavais mais apropriados para a discussão política que o Brasil já vivenciou. Ainda referente às analogias que as charges estabelecem com determinadas datas e eventos que fazem parte de um repertório comum, nos deteremos em dois casos que apresentam essa relação:

FONTE: OE, 11/04/1984, p. 4

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FONTE: OE, 12/04/1984, p. 4

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O OE apresenta em todas as páginas a data na qual é publicada. O leitor, para compreender as informações da charge, pode buscar no próprio jornal a data em questão. Ao se deparar com o dia, e sabendo que ele é considerado especial, vai relacioná-lo com seu conhecimento de mundo. Vinculando a charge com um determinado evento festivo, e assim, com o seu conhecimento de mundo, o leitor estabelece relações e chega ao humor do texto. A força da caricatura se torna explícita quando, às vésperas da votação da Emenda Dante de Oliveira, o caricaturista do jornal O Estado, utilizou motes festivos para representar o momento político do país. Um exemplo disso está na charge onde a estatueta do Oscar levanta seu voto a favor das Diretas Já, pois naquele mesmo mês, havia acontecido a premiação anual do cinema internacional. Na edição d’O Estado do dia 12 de abril de 1984, o coelhinho da Páscoa foi retratado pelo cartunista, fazendo referência às Diretas. Com a bandeira da campanha na mão e expressão feliz, seguia em direção a Brasília, sem dúvidas, para também dar seu apoio ao movimento. Até mesmo o coelho da Páscoa compreendia que as eleições diretas eram uma exigência nacional.

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O posicionamento dos políticos em torno das Diretas Já estampou diversas edições na coluna jornalística dedicada às charges. Desde a antiguidade o riso tem sido usado como arma política: “Apresentar um líder em traços ridículos ante o público é uma forma de desacreditá-lo e desmoralizá-lo”. (MOTTA, 2004, p. 181). Por isso, os alvos das charges, em sua maioria, são a situação política, econômica e social do país, em especial, políticos e suas declarações fatídicas. Raramente o artista dedica sua arte aos líderes que admira. Portanto, as charges são armas de ataque, que procuram acentuar ou revelar certos aspectos marcantes de uma pessoa ou fato. “Geralmente são produzidas tendo em vista a publicação com destino a um público para quem o modelo original, pessoa ou acontecimento é conhecido”. (FONSECA, 1999, p. 17). Chamam a atenção do leitor aquelas charges relativas ao então governador catarinense Esperidião Amin. Já em agosto de 1983, este demonstrava simpatia pelo retorno das eleições diretas em 1985, juntamente com outros governadores, como Roberto Magalhães, de Pernambuco e Luiz Rocha, do Maranhão (LEONELLI, 2004, p. 210). Mas, ao longo da campanha, suas declarações acompanhavam as decisões do PDS, o partido da situação.

FONTE: OE, 12/01/1984, p. 4

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FONTE: OE, 13/01/1984, p. 4

As charges acima, desenhadas pelo artista Bonson, trazem Amin como jogador em uma mesa de sinuca e em uma quadra de basquete, onde o adversário é caracterizado com a camiseta do PMDB e a bola, como objeto principal desses esportes, é nomeada como diretas. Tanto a primeira quanto a segunda charge apresentam cenas de jogos. A política pode ser definida como a arte de quem ganha o quê, quando, onde e como. Ou seja, é um jogo onde vários atores disputam influências e interesses. De acordo com as publicações no jornal, a posição de Amin em relação as Diretas sempre foi incerta. Em março de 1984, o governador declarava-se favorável às eleições diretas, mas nunca abandonou o discurso de entendimento. Para ele, as negociações entre PDS e oposição seriam a melhor forma de transição política no Brasil naquele momento e que o Governo deveria tomar uma iniciativa de diálogo com os demais partidos políticos. Amin também defendia a apresentação pelo Governo, de uma nova emenda constitucional alternativa, que previa eleições diretas em 1988.

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Outras personalidades e temas políticos também se tornaram caricaturas ao longo das publicações jornalísticas do O Estado. Segundo Edson Carlos Romualdo, a charge é compreendida como “o texto visual humorístico que critica uma personagem, fato ou acontecimento político específico. Por focalizar uma realidade específica, ela se prende mais ao momento, tendo, portanto, uma limitação temporal”. (ROMUALDO, 2000, p. 21). Observemos a charge que segue:

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FONTE: OE, 09/04/1984, p. 4

A imagem acima que apresentava Tancredo Neves como tema, na edição do dia 9 de abril, expunha exatamente como esse político se colocou com relação as Diretas, um impasse constante, ora apoiando claramente a campanha, ora esperando uma transição negociada com o governo do presidente Figueiredo. Com o título “Uma vez PP, sempre PP!”, justificava que o político nascido da direita será sempre do partido de direita. Tancredo aparece com expressão indecisa, com olhar embaraçado, demonstrando não saber o que fazer. O político se tornou símbolo da campanha pelas Diretas Já, mas, segundo estudiosos do período, desde 1983, delinearam-se duas orientações no PMDB, para superar os limites impostos pelo regime de acordo com a sucessão presidencial. Uma corrente liderada pelo presidente nacional do partido, Ulysses Guimarães, que

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defendia as eleições diretas e outra liderada pelo governador mineiro Tancredo Neves, pertencente a ala moderada do partido sempre demonstrou proximidade com o PDS, buscando o consenso e visando mais espaço para a atuação das oposições na eleição indireta (BERTONCELO, 2007). A charge acima expõe de forma inteligente a posição titubeante de Tancredo. Ao analisarmos as charges já expostas, percebemos que é por sua característica humorística que esta se consolida como uma produção crítica e dissertativa. Através do humor, “a charge destrona os poderosos e busca revelar o que está oculto em fatos, personagens e ações políticas”. (BERTONCELO, 2007). Às vésperas da votação da emenda, o jornal intensificou o noticiário sobre as manifestações políticas e culturais das Diretas. A pressão sobre os políticos com voto ainda incerto e a organização de eventos nos estados, aumentaram as expectativas da população, como se percebe nas charges a seguir:

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FONTE: OE, 21/04/1984, p. 4

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FONTE: OE, 25/04/1984, p. 4

Nos dias que antecederam o tão esperado 25 de abril, as charges expostas no OE representadas pelo desenho de um ovo, mostravam o nascimento de algo, 19 uma expectativa diária para os leitores do jornal. É interessante perceber a evolução desse ovo, que, durante quatro dias, foi retratado nas charges através de um crescimento do seu tamanho. De acordo com Rodrigo Patto Sá Motta, a metáfora consiste em apresentar uma ideia sob o signo de outra ideia mais evidente ou mais conhecida, o que permitiria, então, a produção de mensagens de alto poder comunicativo, capazes de sintetizar argumentos complexos e fazê-los chegar aos olhos do público com rapidez e eficiência (MOTTA, 2004). Estando prestes a ser chocado, o nascimento foi frustrante, o ovo não vingou, não no momento esperado por todos que se envolveram e que acreditaram na campanha das Diretas como sinônimo de esperança e de retorno à democracia. As charges que se seguiram após a votação no Congresso demonstram esse sentimento de decepção:

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FONTE: OE, 26/04/1984, p. 4

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FONTE: OE, 28/04/1984, p. 4

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As charges acima traduzem o desapontamento por aqueles que depositaram suas expectativas na aprovação da emenda. O ovo “chocado” por meses, desde o início da campanha, acordou pisoteado por pés humanos no dia 26 de abril. Na charge do dia 28 de abril, a imagem que traz uma tarja preta sobre o desenho do Congresso Nacional provoca no leitor a ideia de luto, vivida por grande parte dos brasileiros e ocasionada pelos deputados que votaram negativamente, se abstiveram ou se ausentaram. Ainda que não tenha obtido o sucesso almejado em 1984, o movimento Diretas Já foi um indiscutível fato histórico. Primeiro porque promoveu uma “bagunça” das cartas postas em jogo para a sucessão de Figueiredo. Foi também o grande momento do retorno da capacidade de intervenção da sociedade organizada sobre a política institucional, propiciando um novo ciclo de mobilizações e de incorporação de novos atores sociais ao processo político. A charge revela-se como um traço da história, na medida em que capta o ocorrer do processo no seu acontecer. De forma sagaz, sintetiza o fato transmitindo às futuras gerações o modo de ver, pensar, definir de uma época, que se modifica com o passar do tempo. É como denúncia de seu tempo que a charge política encontra sua especificidade, pois sua força está em revelar as fissuras de um dado contexto no seu 21 acontecer. Mas ela é transitória, instantânea. Sua ação permanece viva até que outra situação se estabeleça. As conjunturas são movediças, a política e os políticos estão em constante movimento e é nessa dinâmica que transita a charge. O estudo das charges publicadas nos órgãos de imprensa nos oferece uma perspectiva interessante da época. A forma como os chargistas representavam as manifestações, os eventos e personagens, nos ajuda a compreender como as polêmicas do contexto foram vistas pelos contemporâneos. De modo geral, esses profissionais sintetizam ideias que faziam parte do debate político, apropriando-se de temas já presentes nos discursos verbais. A charge focaliza uma determinada realidade, geralmente política, fazendo uma síntese de um fato. Somente os que conhecem essa realidade entendem essa arte. É utilizada como um importante instrumento de revelação das transformações ocorridas na sociedade. As imagens são importantes registros sobre um dado momento histórico, apontando o fato significativo de determinada época, e compõe, de certa maneira, um aspecto da personalidade do jornal. Por revelarem a tendência dos acontecimentos, as imagens sempre terão interesse e importância para o historiador.

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Referências Jornal O Estado, Florianópolis – janeira a abril de 1984. BERTONCELO, Edison. A Campanha das diretas e a democratização. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, FAPESP, 2007. FONSECA, Joaquim da. Caricatura: a imagem gráfica do humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999. KNAUSS, Paulo. Aproximações disciplinares: história, arte e imagem. Anos 90. Porto Alegre, vol. 15, nº 28, pp. 151-168, dezembro de 2008. ______. O desafio de fazer história com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, vol. 8, nº 12, pp. 97-119, jan/jun de 2006. LEONELLI, Domingos; OLIVEIRA, Dante de. Diretas já: 15 meses que abalaram a ditadura. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. MELO, José Marques de. Comunicação: Direito à Informação. Campinas, SP: Papirus, 1986. ______. Comunicação e transição democrática. Porto Alegre: Mercado Aberto/ Intercom, 1985. ______. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. 3. ed. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. João Goulart e a crise de 1964 no traço da caricatura. In: REIS, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru, SP: Edusc, 2004. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008. RODRIGUES, Alberto Tosi. Diretas Já: o grito preso na garganta. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. ROMUALDO, Edson Carlos. Charge jornalística: intertextualidade e polifonia. Maringá: Eduem, 2000.

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ITAJAÍ UM BREVE RELATO Silvana Montibeller Burg1 RESUMO: Embora só tenha sido fundada em 15 de junho de 1860, a colonização da cidade de Itajaí começou em 1658, quando o paulista João Dias D’Arzão chegou à região. Em 1750, colonos portugueses vindos da Madeira e dos Açores se instalaram na região. Em 1823 tornou-se um povoado. Em 4 de abril de 1859, a Lei nº 464 eleva Itajaí à condição de município, sendo que sua instalação oficial só aconteceu no ano seguinte. Antônio Menezes Vasconcelos de Drummond foi o seu principal fundador. Caracterizado por seu formoso e fértil vale, desde os primeiros registros históricos, atraiu habitantes para suas margens. Hoje o município vive uma economia bastante diversificada, destacando-se nas funções comercial, industrial, pesqueira, portuária e turística. Palavras-chave: Colonização. Porto. Desenvolvimento.

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--------------- [ 1 INTRODUÇÃO ] --------------Diversos levantamentos históricos sobre Itajaí dão conta de que o seu primeiro morador foi o sesmeiro João Dias de Arzão, sucedido de outros que, às margens do rio Itajaí, se estabeleceram com moradia e lavoura. A maioria dos autores cita Antônio Menezes Vasconcelos de Drummond como principal fundador do município. Mas todas as informações sobre o seu estabelecimento na região nada trazem de concreto a respeito dos componentes, as famílias que o compuseram, o administrador que o substituiu, número de pessoas, atividades que desenvolveram e assim por diante. Outra hipótese levantada sobre o povoamento que teria dado origem ao município, está relacionada à vinda, em 1823, de Agostinho Alves Ramos, que edificou na região, a primeira capela, dedicada à Nossa Senhora da Conceição. _____________ 1 Licenciada em História e Geografia pela Uniasselvi. Licenciada em Estudos Sociais pela Univalli. Professora– tutora do EAD/Uniasselvi. E-mail: [email protected]

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Agostinho Alves Ramos também delineou a área do futuro cemitério, providenciou a vinda de um religioso para funcionar como cura e encabeçou a petição popular visando à criação do curato que, em 1833, transformou-se em distrito. Elevado à condição de município, Itajaí desmembrou-se de Porto Belo e abrangeu os de Camboriú, Navegantes, Penha, Piçarras, Brusque, Ilhota, Gaspar e Blumenau. Sua instalação oficial se deu em 15 de junho de 1860. Controvérsias giram em torno do topônimo “Itajaí” que, originado do tupiguarani, já recebeu diferentes significados como “rio das pedras lascadas” e “rio que corre entre pedras”, entre outros. Segundo os estudiosos, no entanto, a explicação mais lógica seria “rio dos taiás”, levando-se em conta a primeira grafia “Tayah”, e por ser o taiá, uma herbácea muito comum nas ribeiras itajaienses.

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Com uma área total de 370 quilômetros quadrados e num território em geral plano, Itajaí situa-se junto à margem direita do rio Itajaí-Açu, espalhando-se na grande planície contida por este rio e por uma cadeia montanhosa formada, entre outros pelo morro do Atalaia, morro Cortado e o morro da Cruz. O rio Itajaí-Mirim, que corta a planície foi, segundo estudos realizados em torno do assunto, o fator de contenção do crescimento urbano. Atualmente, entretanto, não mais constitui qualquer obstáculo e as tendências, inclusive, apontam a área formada a oeste do rio, como a de mais promissor desenvolvimento. Seu povoamento foi se formando dentro de um processo natural de fixação de pequenos agricultores e pescadores artesanais. A concentração urbana se processou através do eixo de ligação da antiga estrada para Camboriú, alcançando a zona portuária. A população itajaiense foi formada por alemães, italianos e principalmente por portugueses. Regionalmente, Itajaí classifica-se como a cidade polo da Microrregião da Foz do Rio Itajaí-Açu, que é formada por dez municípios. São eles: Itajaí, Penha, Navegantes, Piçarras, Luiz Alves, Balneário Camboriú, Camboriú, Itapema, Porto Belo e Ilhota. Com sua privilegiada localização, é considerado o município mais bem servido de meios de transportes de Santa Catarina.

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No contexto urbano, Itajaí posiciona-se como uma cidade de porte médio. É reconhecida como um dos centros que atua decisivamente na acentuada tendência da população catarinense para a concentração urbana. A ocupação do espaço urbano se processou até 1940, principalmente, ao longo do antigo eixo rodoviário, ligando Florianópolis ao norte do estado, desde o Saco da Fazenda até a desembocadura do rio Itajaí-Mirim e, secundariamente através do eixo rodoviário Itajaí-Brusque. De 1940 a 1955, a maior ocupação se verifica na direção oeste, a partir do centro. Nos dias de hoje, a maior expressão na ocupação verifica-se ao longo da margem esquerda do rio Itajaí-Mirim. Itajaí possui um plano urbano que favorece a população, evitando problemas de congestionamento de tráfego e outros de saturação urbana. A ação governamental do município é dirigida para atuar diretamente no homem e também no meio onde ele vive, visando melhorar a sua condição de vida. Procurase melhorar o crescimento econômico sem prejudicar a qualidade de vida da população, harmonizar a criação de riquezas com a preservação dos elementos físicos indispensáveis ao bem-estar e ao pleno desenvolvimento. 27

--------------- [ 2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ] --------------Com uma industrialização em pleno desenvolvimento, o município conta hoje com diversas indústrias, entre pequenas, médias e de grande porte. São industrializados os mais diversos produtos, destacando-se: papel e papelão, cimento, construção naval, produtos têxteis e do mar, produtos alimentícios, vestuários, calçados e artefatos de tecidos, perfumaria, mobiliário, madeira, materiais de transportes, materiais elétricos e de comunicações, mecânica, produtos químicos e outros. Há diversos estaleiros bem equipados, com disponibilidade de fornecer serviços que vão desde os mais simples reparos até a sofisticada construção de navios pesqueiros e de pesquisa, rebocadores, empurradores, navios de apoio, chatas de emprego fluvial e lacustres, dragas, ferry-boats, navios de pequena e média cabotagem e demais embarcações construídas em sua maior parte, em aço naval. A produção destina-se, em grande parte, ao mercado externo e com crescente influência ao mercado interno. Em sua grande parte, as empresas foram

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atraídas pelos incentivos concedidos pela prefeitura, como isenções tributárias, implantação de infraestrutura e outros serviços. Historicamente dependente do beneficiamento da madeira, o município condicionou sua economia a essa atividade. Como consequência desenvolveu a função portuária e um comércio de atendimento, tornando-se um dos maiores portos brasileiros.

--------------- [ 3 O PORTO ] ---------------

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Relatos históricos mostram a importância do Porto de Itajaí desde o século XIX, não somente no que se refere ao ingresso de colonizadores estrangeiros, mas também ao forte comércio fluvial que acontecia em Itajaí.  Os primeiros estudos técnicos sobre o Porto de Itajaí datam de 1905, mas as obras do porto foram iniciadas efetivamente em 1938 com a construção do primeiro trecho de cais, em estrutura de concreto armado com 233 metros de comprimento, pátios pavimentados em paralelepípedos e o primeiro armazém. A complementação do cais, com mais 570 metros, foi feita na década de 1950. Em 1977 foi erguido o prédio administrativo do Porto e o terceiro armazém. No final dos anos 1960, o ritmo de extração da madeira começou a apresentar queda. Com a queda nas exportações de madeira, o Porto de Itajaí teve que se adaptar ao novo padrão de crescimento da economia catarinense e passou a diversificar suas operações. Para garantir o crescimento foi deflagrada a municipalização da gestão administrativa, que resultou na delegação do porto ao município pelo período de 25 anos, renovável por mais 25. A partir daí o município assumiu a gestão do porto. Principal porto de Santa Catarina e o segundo maior do país, escoa quase toda a produção do estado. Dentro do contexto da globalização da economia o porto de Itajaí vem procurando alternativas e parcerias para acompanhar as modificações impostas pelo mercado internacional. Este mercado exige decisões imediatas, caminhos mais curtos e seguros para que o elo da corrente logística seja trilhado em segurança, rapidez no prazo de entrega, proporcionando assim uma diminuição nos custos e permitindo a competitividade dos produtos no mercado interno.

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As unidades operacionais do Porto de Itajaí são totalmente informatizadas, empregando-se desde de cabeamento de fibra óptica até computadores de última geração. Foi o primeiro porto da América Latina a se conectar à Internet, tendo sua própria home page. Geograficamente bem localizado e, nos mesmos paralelos da região Oeste Catarinense, o porto de Itajaí representa o caminho mais rápido e econômico de produtos daquela região, que se dirijam para o mar, colocando-se ainda como escoadouro natural das riquezas do Vale e, da maior parte do Estado. Em sua função portuária, subdividida em três setores – comercial, de terminais e pesqueiro – Itajaí destaca-se no setor comercial estendendo sua área de influência a todo o Estado, extrapolando seus limites ao atingir o noroeste gaúcho e o sudeste paranaense, como porto exportador de carga geral, entre as quais: madeira e derivados, frangos congelados (maior porto exportador do Brasil), cerâmicos, papel kraft, máquinas e acessórios, tabacos, veículos, açúcar e carne congelada. No setor de terminais, o porto de Itajaí é responsável pela distribuição de petróleo e derivados, além de diversos produtos químicos, em quase todo o 29 Estado, sendo considerado o melhor terminal de carga geral do Brasil.

--------------- [ 4 A PESCA ] --------------No contexto industrial pesqueiro está instalado, no município, um expressivo número de indústrias que beneficiam o pescado e exportam para outros estados. A maioria desses produtos beneficiados é constituída pelo camarão, sardinha, bagre e moluscos, entre outros. Além destas, o município conta ainda com dezenas de empresas cuja principal atividade é a captura e comércio de pescado. Dentro do complexo pesqueiro, destaca-se ainda uma grande frota de caminhões apropriados ao transporte do pescado, às diversas regiões do país e exterior. A indústria pesqueira em pleno desenvolvimento é ainda a principal fonte de economia do município.

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--------------- [ 5 TURISMO ] --------------Um fator de relevante importância da economia local está relacionado ao turismo. Constitui-se como o maior centro de agrupamento populacional do Estado, com acentuada tendência turística, e situada no entroncamento das rodovias que ligam os principais centros econômicos e administrativos do Estado. O município de Itajaí integra a região de maior potencial turístico de Santa Catarina, pois está a poucos quilômetros das principais praias do litoral catarinense, tais como: Balneário Camboriú, Navegantes, Armação, Piçarras, Penha, Barra Velha, Itapema, Porto Belo, entre outras. Uma vez mais a privilegiada localização de Itajaí vem destacar os mais pitorescos pontos turísticos de visitação obrigatória. A Praia de Cabeçudas se inclui entre os pitorescos pontos de atração turística. É cognominada como “a sala de visitas de Itajaí”.

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Apostando no turismo náutico, o porto e a prefeitura construíram o Píer Turístico de Itajaí, na Praça Vidal Ramos, centro. Com a construção do terminal inaugurado em setembro de 2000, a meta é atrair navios e passageiros, como forma de incrementar a atividade turística na cidade e região. Outros pontos turísticos são: o Farol de Cabeçudas (inaugurado em 1902), Bico do Papagaio (uma pedra que liga Itajaí à praia de Cabeçudas, semelhante à cabeça de um pássaro), Relógio do Sol (construído em 1962, localizado na Praça do Expedicionário), Morro da Cruz (está a 168 metros acima do nível do mar, fornece belíssima vista panorâmica), Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento (inaugurada em 1955 em admirável estilo gótico), a Praia Brava, Atalaia, dos Amores e do Rio, o Palácio Marcos Konder, o Porto e o Mercado Público são outros locais de grande atração turística. O carnaval de Itajaí é outro evento turístico a se destacar. Figura entre os melhores do Estado, o carnaval itajaiense vem atraindo a cada ano, maior número de turistas, especialmente os do Cone Sul da América, que aproveitam a temporada de verão no litoral catarinense.

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Em Itajaí acontece um dos maiores festivais de música popular brasileira. O festival acontece sempre em setembro e reúne músicos do país inteiro. Estes encontros, além de atrair um grande número e turistas, são uma vitrine da riqueza da cultura local catarinense. A Marejada, festa portuguesa e do pescado, é a principal festa municipal. Mostra atrações relativas ao mar e aos Açores. Também atrai uma grande quantidade de turistas para a cidade.

--------------- [ 6 CONCLUSÃO ] --------------Colonização é uma palavra que nos leva à reflexão. Quantos queriam imigrar? Por que não imigrar? As razões que levaram as pessoas a saírem de suas pátrias e ingressarem para o Novo Mundo eram muitas, principalmente o fascínio pelas novas terras. A região era próspera no sul do Brasil e graças ao elemento português, entre outros, a cidade de Itajaí foi se desenvolvendo. A cidade é de clima agradável e apresenta um bom nível de vida. De 1500 31 a 1700, mais de 100.000 portugueses se deslocaram para o Brasil-colônia. Surgiu no Itajaí-Mirim o povoado de Itajaí. O porto foi central no processo de colonização do vale, mesmo antes da formação da cidade. Hoje é, sem dúvida, um expressivo agente promocional do desenvolvimento econômico e social, gerando empregos diretos e indiretos para mais de 5.000 pessoas. Incluindo-se entre os municípios catarinenses que possuem política de industrialização, os últimos anos foram decisivos para o desenvolvimento econômico de Itajaí, que vem se fortalecendo como um dos mais promissores parques industriais do Estado. Hoje o município vive uma economia bastante diversificada, destacandose nas funções comercial, industrial, pesqueira, portuária e turística. O acelerado desenvolvimento de Itajaí, vem exigindo do poder público municipal constante mobilização na busca de soluções e de atender aos anseios comunitários. Além de ações no campo do desenvolvimento social, tornou-se necessário um conjunto de medidas para melhorar a qualidade de vida da população.

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A estratégia de desenvolvimento na área sociocultural de Itajaí, principalmente nos últimos anos, vem se concentrando de forma integrada e dinâmica, visando à elevação do padrão de vida e bem-estar da população. Muitos incentivos têm sido feitos com relação à educação, cultura, esporte e promoção social. A criança começa a ser educada quando está no ventre materno, dependendo se ela está ou não sendo aceita ou rejeitada, se está sendo aceita como homem ou como mulher. A educação humana inicia na nossa concepção e termina com o fim da nossa vida. Educar é aprender, educar é aprender a viver, educar é aprender a ensinar, educar é ensinar a descobrir e valorizar as próprias qualidades, [...]. (FISTAROL, 1990, p. 34). Ao longo do século XX, o município foi, cada vez mais, se interligando umbilicalmente ao porto, como: movimentos políticos, atividades culturais, trabalhadores, ponto de encontro, passagem e intercâmbio. As décadas passam e Itajaí se torna cada vez mais internacional.

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REFERÊNCIAS FISTAROL, Pe. Lino. Itajaí: Colégio Salesiano, 1990. ITAJAÍ CIDADE NOSSA. Prefeitura Municipal de Itajaí, perfil edições, publicações e pesquisa Ltda., 1990. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2007. LALLEMANT, Roberto Avé. Viagem pelo sul do Brasil. Ministério da Educação e Cultura, Instituto Nacional do Livro, coleção de obras raras, Rio de Janeiro, 1953. TSCHUDI, Johann Jakob Von. As colônias da Província de Santa Catarina. Apresentação e anotações Walter Piazza, Blumenau: CNPq: Fundação “Casa Dr. Blumenau”, quarto capítulo, 1988.

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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E MERCADO DE TRABALHO Silvio Luiz Fronza¹ Luciane Da Luz² RESUMO: O presente artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica de abordagem histórica desenvolvida em nível de pós-graduação. Vivencia-se, atualmente, uma sociedade movida pela globalização e pelo desenvolvimento tecnológico. Esta nova sociedade que surgiu e que veio para ficar, exige dos indivíduos uma dinâmica de vida bem diferente daquela presenciada até há poucas décadas. Esta forma dinâmica de sobrevivência deu origem a um novo sistema de educação, o EAD, trazendo novas possibilidades aos acadêmicos que buscam uma formação que não comprometa o seu tempo, que vêm se tornar cada vez mais escasso. Criticado por alguns e valorizado por outros, o ensino a distância vem capacitando inúmeros profissionais que ingressam no mercado de trabalho constantemente, fazendo com que o seu conceito seja revisto. 35 Palavras-Chave: Educação a distância. Autonomia. Mercado de trabalho. Globalização.

--------------- [ 1 INTRODUÇÃO ] --------------As novas tecnologias de informação e o sistema globalizado que presenciamos na atualidade, pedem novas formas de informação e de capacitação profissional. O ensino a distância surgiu justamente para facilitar a formação acadêmica dos indivíduos, bem como, economizar tempo e dinheiro neste processo. O mercado de trabalho vem exigindo cada vez mais autonomia e capacidades tecnológicas dos indivíduos e esta necessidade acaba sendo refletida nos currículos das universidades. ____________________ ¹ Pós-Graduação em Práticas Políticas Multidisciplinares e Gestão Escolar – AUPEX. Professor Tutor Interno NEAD – Uniasselvi. E-mail: ² Mestre em Desenvolvimento Regional – Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB. Professora Tutora Interna NEAD – Uniasselvi. E-mail: .

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Através dos cursos fornecidos na modalidade a distância, muitos indivíduos que antes nem imaginavam ingressar no universo acadêmico, puderam concluir seus bacharelados e licenciaturas sem comprometerem o seu tempo. Nesta nova modalidade de ensino, o acadêmico é que ajusta o seu tempo, dedicando-se aos estudos conforme sua realidade cotidiana, adequando-se também aos veículos de comunicação, ferramentas essências no processo de ensino-aprendizagem no módulo Educação a Distância. Apesar das críticas que a modalidade recebe de cidadãos pouco informados, ou até mesmo, de estudiosos mais conservadores, o EAD vem ganhando força e espaço nas universidades, e oportuniza a formação de diversos profissionais e indivíduos de classes sociais menos favorecidas que ingressam diariamente no mercado de trabalho, comprovando a eficácia deste novo processo de ensino.

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Tanto no ensino a distância como na modalidade presencial, sempre existirão os acadêmicos que buscam apenas um diploma e não os conteúdos e técnicas indispensáveis para desenvolverem uma carreira de sucesso. Comprovando isto, evidensiam-se os resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENAD), no qual, muitas vezes, os acadêmicos do ensino a distância sobrepõemse aos demais. Vale aqui ressaltar que os cursos presenciais têm suas vantagens, como o contato direto do acadêmico com o professor de cada disciplina específica. É indiscutível, que se bem aproveitado, o curso presencial facilita a vida do acadêmico, no entanto, o que se quer evidenciar neste texto, é que o ensino a distância permite um desenvolvimento tão eficaz quanto o ensino presencial, contudo, sempre dependendo do comprometimento dos acadêmicos. O EAD traz para o mercado de trabalho um profissional que aprendeu a administrar seu tempo e, na maioria das vezes, conciliando trabalho e estudo, tornando-se autônomo para buscar sua aprendizagem e desenvolver suas habilidades conforme as exigências de seu curso. É necessário, portanto, conhecer o processo de formação a distância antes de criticar ou desvalorizar esta modalidade de ensino que promete ser o futuro das instituições de ensino superior.

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--------------- [ 2 TRAGETÓRIA DO EAD ] --------------Ao contrário do que se imagina, o ensino a distância já é desenvolvido em diversos países e sua história conta longa data. Conforme descreve Barros (2011), o início do ensino a distância foi marcado no século XVIII, quando um jornal dos Estados Unidos enviava as matérias anexadas ao mesmo. Entretanto, segundo o relato de muitos pesquisadores, o ensino superior a distância iniciou-se em 1881, desenvolvido pela Universidade de Chicago, através do curso de Língua Hebraica. No Brasil, o início da educação a distância é um pouco mais recente, conforme esclarece Barros (2011). Em nosso país, o ensino a distância apareceu somente nos anos sessenta. Nesta época, as aulas eram transmitidas por rádio com algum material impresso. Neste período, a modalidade era uma inovação e contemplava apenas o ensino fundamental e médio, contudo, já era uma solução para os que não podiam frequentar a escola diariamente. Foi somente em 1986, com a reformulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que o Brasil deu um verdadeiro passo rumo à concretização do ensino a distância no país. Neste período, o Ministério da 37 Educação e Cultura (MEC), consolidou inúmeros cursos de Educação superior, oferecidos pelo EAD. E, segundo Batista, (2011) o EAD tem crescido muito no Brasil, em razão da era da informatização e as facilidades que esta proporciona. Entre 2004 e 2005, o aumento se deu em torno dos 32%, com aproximadamente duzentos cursos reconhecidos pelo MEC no país. Em razão a seu sucesso, a Educação a Distância é realidade em diversos países do primeiro mundo, inclusive nos Estados Unidos. Nestes países onde a modalidade já se consolidou, os mitos foram superados e o profissional formado neste modelo de ensino não sofre discriminação, pelo contrário, muitas vezes, é melhor visto que outro acadêmico do ensino presencial. Mesmo assim, ainda existem inúmeras formas de preconceito frente aos formandos dos cursos das modalidades a distância. Haguenauer (2005) acredita que o preconceito é fruto da desinformação. E que, além disso, a expressão “Educação a Distância” entrou na moda e possui muitas significações diferentes. Muitos veem a Educação a distância como aqueles antigos cursos, acima descritos,

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que forneciam formação através do rádio e da televisão. A autora afirma, que na verdade, quando se fala em educação a distância, fala-se em educação apoiada pelas novas tecnologias de informação e digitais. Além disso, para ela, EAD significa maior qualidade de vida visto que o profissional pode buscar capacitação e ao mesmo tempo, passar mais tempo com sua família. A educação a distância é um modelo sério, legalizado e amplamente amparado pelo Ministério da Educação, atualmente ele é adotado em muitas faculdades pelo Brasil e no mundo, sob esse aspecto não há com o que se preocupar, pois seus resultados são efetivos e garantem uma desenvoltura única nos seus acadêmicos.

--------------- [ 3 O EAD E A AUTONOMIA DO ACADÊMICO ] ---------------

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É notável, que as mudanças que vem ocorrendo no universo educacional estão acontecendo em ritmo muito acelerado e direcionando os modelos de ensino para práticas pedagógicas atualizadas e, sobretudo, globalizadas. As tendências atuais apontam para um modelo educacional que desenvolva a autonomia do aluno, bem como, que viabilize uma formação profissional conciliada ao mercado de trabalho. Para Moraes, (1997), não se pode ignorar as possibilidades do EAD para a inclusão educacional de uma parcela considerável da população brasileira. O mercado de trabalho, por sua vez, também aponta para a necessidade de um novo perfil profissional; o profissional de hoje precisa estar interligado às novas tecnologias e sempre buscar novos conhecimentos e habilidades indispensáveis para enfrentar a concorrência oriunda da globalização e da evolução constante que se vivencia na atualidade. Parafraseando Barros (2011), nós temos visto uma forte valorização dos cursos a distância no mercado de trabalho, pois grandes empresas têm acreditado que o aluno que consegue se formar a distância tem muito mais compromisso, levando com mais seriedade seus estudos e seu lado profissional. A própria metodologia do ensino a distância exige maior autonomia do acadêmico. Afinal, os conteúdos lhes são fornecidos através dos materiais didáticos e de apoio, mas a aprendizagem depende de seu esforço e dedicação para buscar novos conteúdos e assimilar os que são fornecidos pela instituição na qual realiza seu curso.

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Segundo Moraes (1997), essa abordagem do EAD, pressupõe que o papel do orientador ou tutor seja organizar situações de aprendizagem, planejar e propor atividades, identificar as representações de pensamento, atuar como mediador e orientador, fornecer informações relevantes, incentivar a busca de distintas fontes de informação, proporcionando a interaprendizagem. O acadêmico, por sua vez, precisa buscar estas fontes de conhecimento fornecidas pelos tutores, aumentando seu universo de informações e desenvolvendo sua autonomia de maneira significativa. A característica, da “autonomia”, será decisiva para uma possível disputa de emprego no mercado de trabalho concorrido que percebemos atualmente.

---- [ 4 O CARÁTER FLEXÍVEL DO EAD E O MERCADO DE TRABALHO ] ---A sociedade está se transformando a todo instante, a passos largos e, segundo Chisnais (1996), na base deste desenvolvimento, há uma forte relação entre os movimentos de globalização e de mudança estrutural dos sistemas de comunicação, começando pela rede mundial de telecomunicações. Esta nova 39 realidade modificou o mercado de trabalho, movido hoje pelas telecomunicações e pela agilidade de informação. Conforme define Fonseca (1999), as tecnologias e a nova situação mundial exigem a chamada educação continuada. Recorrendo a uma reformulação da educação de forma a possibilitar a adaptação do profissional às novas tecnologias e às necessidades do mercado, de modo ágil e em certo prazo. O EAD vem justamente ao encontro desta nova necessidade mundial; através do ensino a distância o profissional estuda, atualiza-se e busca seu conhecimento de forma constante, sempre utilizando as tecnologias de informação. Algumas empresas e instituições ainda mantém sua postura preconceituosa para quem fez uma faculdade a distância, mas isso não é uma regra, portanto, é necessário focar em outras questões como a formação de boa qualidade, fazendo a diferença no mercado de trabalho. Conforme descreve Fonseca (1999), a globalização é o ápice do processo de internacionalização. E, neste sentido, o EAD exerceu um papel essencial na

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emergência do mercado global, para competências e habilidades que contribuam para a valorização do próprio mercado. A forma com que o EAD dinamiza suas aulas, possibilita que o educando, desenvolva seu senso crítico e sua capacidade de assimilar conteúdos. A aprendizagem a distância se dá sempre através das novas tecnologias, fornecendo ao acadêmico o suporte teórico necessário para manipulá-las. Assim sendo, estas características desenvolvidas no acadêmico que opta pelo EAD, apontam para uma maior empregabilidade, visto a forma como desenvolveu seus conceitos e habilidades. Saber buscar os conceitos e técnicas indispensáveis a inserção profissional é uma das características marcantes do profissional da atualidade, e são também, metas primordiais dos cursos fornecidos pela modalidade a distância.

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Como vemos, as mudanças são constantes e através do EAD é possível acompanhar todo este desenvolvimento. Segundo Moraes (1997), o momento é propício para buscar novos caminhos que ajudem a repensar a educação em seu sentido mais amplo e recomendar ações direcionadas à transformação de um sistema educacional em um processo mais aberto e flexível, no qual acadêmicos e professores/orientadores se situem como sujeitos da ação educativa. As metodologias de ensino a distância apontam justamente para este modelo flexível, de interações de trocas entre tutores e acadêmicos. Entretanto, vale ressaltar, que como nas instituições de ensino presencial existem falhas, também no EAD existem instituições que visam apenas seu lucro financeiro e desconsideram a qualidade de ensino e o desenvolvimento dos acadêmicos. É importante, que ao buscar uma instituição de ensino, seja presencial ou a distância, o futuro acadêmico saiba diagnosticar as características que fazem da instituição uma entidade séria e comprometida com a qualificação de seus acadêmicos. No caso do ensino a distância, é importante que ele proponha através de sua metodologia uma relação entre tutor/aluno baseada no acompanhamento e na interação; que desenvolva estratégias e condições favoráveis à aprendizagem; material didático, orientações e avaliações significativas; uso dos meios de comunicação e conteúdos condizentes com a realidade atual.

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Uma formação baseada nos princípios acima descritos, com certeza estará capacitando profissionais com o perfil adequado para o mercado de trabalho que vem surgindo desde meados do século passado e que consolida a era da informação rápida e eficaz.

--------------- [ 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ] --------------A Educação a distância, apesar de ter uma entonação de novidade e inovação já é bem antiga. Em seu início era desenvolvida através de jornais, revistas e rádios que oportunizavam o conhecimento para os indivíduos que não possuíam condições financeiras ou memso tempo para saírem de suas casas. Hoje, a Educação a distância atingiu maiores proporções, mas seus objetivos não fogem totalmente daqueles vivenciados em outros tempos. A educação na modalidade a distância vem para proporcionar formação acadêmica e continuada aos indivíduos que não dispõem de tempo para buscá-la na metodologia presencial. Além disso, devido às características do curso, o seu custo é menor, atingindo maior parte da população. Observando a modalidade de ensino a distância, pode-se perceber que sua metodologia fomenta a autonomia do acadêmico e que esta autonomia está sendo estimulada e exigida no mercado de trabalho. Nas últimas décadas as mudanças tecnológicas e sociais estão acontecendo de maneira desenfreada, e é justamente esta realidade, que traz à tona a necessidade de profissionais com autonomia desenvolvida e com a capacidade de buscar o seu próprio conhecimento. Outro fator favorável do ensino a distância é o constante uso das tecnologias de informação que o acadêmico faz durante o decorrer de sua formação. Estas tecnologias renovam-se constantemente e através da formação inicial e continuada, o aluno tem a possibilidade de aprender a manuseá-las e posteriormente utilizá-las na sua profissão. O ensino a distância, portanto, vem ao encontro desta sociedade que está surgindo e disponibiliza ao mercado de trabalho, profissionais acostumados a buscar o conhecimento e atualizar-se constantemente. Sabe-se que ainda

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existe certo preconceito por parte de algumas poucas empresas aos formandos do modelo a distância em relação aos de cursos presenciais. Entretanto, este preconceito vem diminuindo constantemente, até atingirmos o ápice do EAD, e comprovarmos a todos a eficácia deste modelo educacional, como já acontece em muitos países desenvolvidos pelo mundo.

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REFERÊNCIAS

BARROS, C. N. O ensino a distância e as novas tecnologias. Disponível em: . Acesso em: 28 maio 2011. BATISTA, L. O EAD e a globalização. Disponível em: . Acesso em: 28 maio 2011. CHISNAIS, F. A. A mundialização do capital. Traduzido por Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996. FONSECA, M. O banco mundial e a educação a distância. Revista Educação e Sociedade Planetária. Ijuí: UNIJUÍ, 1999. HAGUENAUER, C. Panorama da educação a distância. Laboratório de pesquisas em tecnologias de informação, UFRJ, 2005. MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997. 43

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ENTRE A TÉCNICA E A TECNOLOGIA: uma abordagem histórico-filosófica Jean Carlos Morell1 Adolfo Ramos Lamar2 RESUMO: Desde os tempos da pré-história, as sociedades ágrafas investiram na obra técnica para sobreviver diante de carências e desafios impostos pela ordem natural e social. Tal produção técnica passou por revoluções que ampliaram o caráter racional, mecanicista e contraditório do modo de vida do homem. Nessa conjuntura, a tecnologia intensificou sua presença nos espaços mais vitais da sociedade e da pessoa. À tecnologia foram agregados valores morais e sociais como progresso, avanço, inovação, controle, eficiência e deslumbramento. O presente trabalho pretende uma abordagem conceitual e bibliográfica sobre questões pertinentes à técnica e à tecnologia. Aproximando aspectos da história e filosofia, o ensaio almeja evidenciar a necessidade do aprofundamento teórico de diferentes perspectivas, em especial, sobre questões éticas e políticas da 45 tecnologia frente aos desafios da história contemporânea. Ao final, o resultado do texto objetiva organizar um corpo de conhecimentos capaz de ser um ponto de partida para novos caminhos de leitura e pesquisa. Palavras-chave: História. Filosofia. Sociedade. Tecnologia.

--------------- [ 1 INTRODUÇÃO ] --------------O resultado da evolução histórica deu ao homem a civilização da máquina e um novo desenho sobre a visão mecanicista da realidade. Se somarmos neste contexto pormenores como: automação crescente, otimização do tempo, cultura da rotina, o materialismo, esgotamento dos recursos naturais, bens de consumo, vida mecanizada e a padronização dos comportamentos, certamente não ficaremos indiferentes. Cupani (2011) pergunta se esse modelo de cultura é realmente satisfatório. _________________ 1 Mestre em Educação pela Fundação Universidade Regional de Blumenau. Graduado em Filosofia pela PUC-PR. Professor da Uniasselvi. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Educação pela UNICAMP. Graduado em Filosofia pela Universidad de La Habana. Professor da Fundação Universidade Regional de Blumenau. E-mail: [email protected]

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A tecnologia tem consequências e, no tempo presente, a desempenhar uma questão ética indispensável à sobrevivência das futuras gerações. Na história contemporânea, poucos temas são realmente desafiadores quanto à tecnologia. Enquanto a maior parte da sociedade está maravilhada com o avanço tecnocientífico da medicina, engenharia e da informática, poucos profissionais se incumbem da difícil tarefa de problematizar as contradições ético-políticas do resultado tecnológico. O presente trabalho pretende uma discussão teórica e reflexiva, através de estudos bibliográficos, sobre algumas questões pertinentes à técnica e à tecnologia. A partir de uma abordagem crítica e histórica escolhemos um recorte em três etapas: uma contextualização inicial sobre a problemática da tecnologia, diferentes perspectivas históricas da técnica e tecnologia e uma aproximação temática entre a história e a filosofia. Almejamos uma atitude teórica e que tal esforço possa ampliar caminhos de discussão e pesquisa sobre o tema.

------------- [ 2 INICIANDO A DISCUSSÃO SOBRE A TECNOLOGIA ] ------------46

Desde os tempos mais remotos da pré-história, membros das comunidades ágrafas ensaiavam a construção de ferramentas e artefatos para sua sobrevivência frente aos desafios do mundo natural. Entretanto, na Idade Moderna, a produção industrial e científica deu novos rumos ao que atualmente chamamos de tecnologia. Na tradição literária ocidental, o entendimento sobre a tecnologia é bem antigo, controverso e heterogêneo. Existem diferentes olhares que descrevem a tecnologia segundo algum prisma específico. Desse modo, a medicina, engenharias, sociologia, filosofia, biologia e química terão diferentes perspectivas na compreensão sobre a tecnologia. Assim, o discurso do senso comum contemporâneo é atravessado por conceitos complexos que se misturam à nossa maneira de lidar com a tecnologia. Tal cenário abrange questões como a relação entre homem e máquina, o movimento de humanização das máquinas, a maquinização do homem, a supervalorização moral das tecnologias, a informatização das rotinas e a inteligência artificial (OLIVEIRA, 2006).

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Ao longo da história, homem e mulheres têm produzido conhecimentos e técnicas visando atender seus interesses e necessidades. Como produto de sua criação, na expressão evidente de sua humanidade, fabricaram ferramentas para o trabalho; armas para a defesa e para a caça; cultivaram a agricultura e a pecuária. Domesticaram animai e plantas. Dominaram o fogo e criaram máquinas. Formaram crenças e mitos que procuraram dar significados aos fenômenos da natureza. Religiões religaram e deram sentido à existência no mundo desconhecido. As artes fizeram de sentimentos expressões visíveis nas rochas, nos utensílios, nas telas e na própria pele tatuada e prolongada por adornos que lhe atribuem significado e identidade. A linguagem instaurou-se como forma de expressão e comunicação: ciência, filosofia, literatura e poesia. Os corpos comunicam em seus movimentos a emoção, o sentimento, a afetividade: na dança, no desporto, no jogo e no circo. Somos seres humanos, sujeitos criadores de cultura nos mais diversos domínios de nossa expressão. (GAYA, 2005, p. 324). Portanto, a atual concepção de tecnologia foi gradualmente instigada pelas revoluções através da história, mas sua gênese está numa produção humana denominada “técnica”. A origem da técnica não pode ser precisamente explicada, entretanto, sua gênese acompanha o ser humano desde a préhistória. O autor, ao aproximar as dimensões da técnica e da antropologia nos faz imaginar em que intensidade a tecnologia está inserida nas relações sociais e na própria existência do homem. Apesar de não encontrarmos uma atitude literária consensual sobre a compreensão da história da tecnologia, parte significativa da literatura estabelece relação com estudos sobre o conceito de técnica (CUPANI, 2011). Os termos tecnologia e técnica serão sinônimos em algum contexto e terão significados diferentes em outro. E a história dessas palavras é diferenciada segundo cada cultura ou língua. José Bonifácio de Andrada e Silva, em 1793, na Academia de Ciências de Lisboa, pode ter sido o precursor a usar o termo tecnologia em língua portuguesa. Nos Estados Unidos, a palavra “technology” apareceu nas aulas do Médico Jacó

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Bigelow em Haward por volta de 1850, uma década antes da fundação do MIT (Massachussets Institute of Technology) (GAMA, 1985). Em outra circunstância, Johann Beckmann foi considerado como o “pai da tecnologia” devido às suas publicações, em especial com a “Instrução sobre a Tecnologia” em 1777 (GAMA, 1985). Na Alemanha, Beckmann apresentou seu conceito de tecnologia descrito aqui na obra de Gama (1985, p. 6-7), eis o conceito nos três fragmentos: Para o conhecimento dos ofícios, fábricas e manufatura, especialmente daquelas que têm contacto estrito com a agricultura, a administração pública e as ciências cameralísticas. A história das artes pode dedicar-se a enumerações das invenções, ao progresso e ao curso habitual de uma arte ou de um trabalho manual, mas é a tecnologia que explica de maneira completa, clara e ordenada, todos os trabalhos, assim como seus fundamentos e suas consequências. Em seu último trabalho, datado de 1806, Beckmann ocupa-se com uma classificação das indústrias, não apenas segundo a estrutura da exploração, mas também segundo o entrosamento de seus processos de produção. Pretende assim fomentar a união de ‘sábios’ com ‘fabricantes’.

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Os fragmentos aludem ao fato de Beckmann ter forjado o termo tecnologia para designar a disciplina que descreve e ordena os ofícios e as indústrias existentes (GAMA, 1985, p. 8). O que inicialmente era chamado de técnica foi denominado de tecnologia aproximando o conhecimento científico da produção industrial. Tal aproximação também é presente na literatura de Bunge (1980), Vieira Pinto (2005) e Conceição (2007). Gama (1985) comenta que já em 1835 era possível encontrar em dicionários a descrição do termo “tecnologie” como uma ciência de processos para explorar matérias-primas oferecidas pela natureza para satisfazer necessidades e desejos. A disciplina, os controles de tempo e de produtividade passam a ser objeto, entre outros da nova tecnologia. Esta entra na fábrica, junto ou até antes das máquinas. É algo que se ensina nas escolas, fora das condições reais do trabalho ou, no máximo, um simulacro delas. Isto nos permitirá datar a tecnologia moderna. (GAMA, 1985, p. 10).

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No fragmento, Gama amplia o termo tecnologia com significados para além de um artefato, sistema ou máquina. Expõe a tecnologia frente aos aspectos de controle de tempo, regras organização, de produtividade e até a administração pública. “Tratar da coisa pública também é tecnologia, pois o Estado é uma máquina”. (GAMA, 1985, p. 10). Num trabalho mais atual e completo, Vieira Pinto, em sua célebre obra O conceito de tecnologia (2005), trata do conceito de tecnoestrutura. Sua obra contribui para a ampliação do debate sobre a tecnologia, em especial, quando exemplifica a ideologia que oculta os donos do poder financeiro através de uma cortina tecnológica, o que chamou de tecnoestrutura. A tecnoestrutura converte a ideia de negócios para a ideia de procedimentos racionalizados. Mecanismo representado pelo discurso em palavras como visão, missão, valores e metas. A organização de poder agora é representada por um modelo de relações institucionais (VIEIRA PINTO, 2005). Por isso, ampliar o entendimento sobre o conceito de tecnologia é estabelecer, não apenas uma definição de instrumentos, ferramentas ou técnicas, mas discutir o modo de ser que se impõe à sociedade através do resultado 49 tecnológico. Isto nos estabelece pergunta oportuna. A tecnologia sendo uma ferramenta, sistema, modo de governança (tecnocracia), produção ou ciência aplicada será mais autoritária que democrática?

--------------- [ 3 ALGUMAS PERSPECTIVAS HISTÓRICAS ] --------------A história estabelece fundamentos para a compreensão da trajetória da tecnologia na sociedade. Em algumas perspectivas distintas descrevemos a tecnologia segundo: (i) a caracterização idade da técnica, da tecnologia e suas inovações; (ii) e a relação entre as etapas da revolução industrial. Anunciamos a primeira visão a partir de um quadro que aponta para uma descrição sobre a técnica e a tecnologia no percurso da história. O ponto de transição da passagem do trabalho do artesão para a produção em série na fábrica. Nessa condição, a dimensão técnica perpetuou-se através dos tempos na base da produção do conhecimento científico e da produção industrial.

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QUADRO 1: IDADE DA TÉCNICA E DA TECNOLOGIA Fase da história

Invenções e inovações

Pré-história (até 4000 a.C.).

Domínio do fogo, primeiras ferramentas e artefatos, descoberta dos metais.

Idade Antiga e parte da Idade Moderna. (4000 a.C. - 1750 d.C.).

Surgimento do Estado e do Exército; invenção escrita, das obras de engenharia, arquitetura e energia hidráulica.

Transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. (aprox. 1750-1914).

Fábricas, energia elétrica, trem, máquinas, administração profissional, início da revolução industrial.

Idade Contemporânea (1914-hoje).

Início das telecomunicações, da microeletrônica, da informática, indústria química e da engenharia genética.

Caracterização

Idade da técnica ou da técnica primitiva.

Idade da técnica moderna ou da tecnologia.

Fonte: MORELL (2015)

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O quadro indica uma distinção entre duas etapas na história da tecnologia. A idade da técnica ocorre com os primeiros artefatos produzidos pelo homem na pré-história até o fim da Idade Média com a produção de ferramentas através de instituições como as corporações de ofício. Nesse meio tempo destacam-se inovações como o surgimento da escrita, agricultura, Estado, táticas militares, trabalho com metais. Além disso, destacamos o surgimento do racionalismo do mundo clássico, base para as engenharias como a química e a física (GAMA, 1985; MORAIS, 1988). Na segunda etapa, a idade da tecnologia, na transição entre a Idade Média e Moderna, surge o antropocentrismo, as alterações científico-culturais do renascimento e união das universidades com a pesquisa empírica. A revolução industrial teve participação central no processo de inovação e formação de um novo o homem. Ocorreu a expansão do mundo fabril e do capitalismo mundial, avanços na medicina e bioquímica. (GAMA, 1985; MORAIS, 1988). Na junção história das duas fases, a produção industrial, produção científica, técnica e tecnológica estão cada vez mais interligadas, o que já é chamado de tecnociência.

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Como a tecnologia é uma das principais fontes da dinâmica das economias capitalistas, do crescimento econômico e sua instabilidade, as inovações tecnológicas contribuem para a eterna incerteza e evolucionária perturbação, que são características do capitalismo, tendo as instituições papel fundamental neste processo. O crescimento das firmas capitalistas, indústrias e nações não é apenas crescimento quantitativo do produto e de fatores, mas sim transformações qualitativas das estruturas das economias, através de sucessivas ondas de mudança técnica. (CONCEIÇÃO, 2007, p. 41). Em outra perspectiva, Conceição (2007) se apropria do termo “ondas longas” para explicar um ciclo de cinco etapas do desenvolvimento industrial capitalista e simultaneamente, do desenvolvimento da tecnologia. Nessa ótica, as inovações tecnológicas não ficaram restritas apenas nas novas fábricas. A reestruturação produtiva, além de criar inovações administrativas constrói um modo de ser que altera o cotidiano das pessoas e das famílias (CONCEIÇÃO, 2007). A gênese da Revolução Industrial (1780-1848) é exclusivamente inglesa quando acontece a mecanização no setor têxtil através do uso da energia 51 hidráulica. As novas formas de organização industrial e as mudanças desta curta fase foram cruciais para alterar as relações do homem com a sociedade e com a natureza (CONCEIÇÃO, 2007). Na segunda etapa (1848-1895) ampliaram-se os transportes na superação dos canais fluviais para a máquina a vapor das locomotivas. A máquina a vapor foi empregada muito além das locomotivas, acarretando a qualificação tecnológica das fábricas da Inglaterra e para outros países da Europa (CONCEIÇÃO. 2007). A eletricidade e o uso do aço caracterizaram a terceira etapa do desenvolvimento industrial. Além da Inglaterra e Alemanha esta fase também se expandiu para (1895-1940). A eletricidade foi amplificada para todo o plano econômico doméstico e industrial. Surgem as teorias administrativas do Fordismo e Taylorismo somadas ao aumento da demanda mundial por energia elétrica e infraestrutura. São os fundamentos atuais da sociedade do consumo e do caráter programático da vida moderna.

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Duas inovações marcaram a quarta fase (1940-1990): a derivação química do petróleo e as políticas de administração econômica do pós-guerra. Foi consolidado o consumo de massa, os materiais sintéticos, o motor de combustão interna e a indústria automobilística. A partir dessa fase, firmou-se popularmente a noção de que cada vez mais a máquina irá assumir o fardo de trabalhos pesados (CONCEIÇÃO, 2007). Na quinta fase (1990-atual) advêm inovações das tecnologias da informação e comunicação (TICs), a “idade da informação”, o desenvolvimento da microeletrônica e informática. O crescimento econômico, agora mais ainda presente no discurso político passa a ser associado ao aumento e controle de mais informação. Sobressaem artefatos e sistemas como a computação eletrônica, softwares, chips, telefones celulares em serviços de multimídias.

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Uma terceira visão, sob um prisma mais histórico-filosófico, representada por autores como Martin Heidegger, Ruy Gama, J. F. Regis de Morais, Mario Bunge e Vieira Pinto, considera a transição entre o trabalho medieval para a revolução industrial como um ponto de transformação da história da tecnologia, separando em duas macroetapas. Da pré-história à Idade Média foram produzidas técnicas, artefatos e ferramentas. É a idade da produção técnica. Entretanto, a partir da Modernidade ocorre uma alteração. Com a primeira revolução das fábricas, o trabalho dos mestres das corporações de ofício foi transferido aos operários e aos modelos de produção. A técnica, antes restrita aos mestres de ofício, é transformada em produção tecnoeconômica com um resultado materializado na tecnologia. Heidegger (2007) optou por chamar essa nova fase de técnica moderna, embora a maioria dos autores a chamou de tecnologia. Ortega y Gasset (apud MORAIS, 1988), em sua abordagem histórica da tecnologia, também utiliza o termo técnica, dividindo a história da tecnologia em: técnica do acaso (os inventos primitivos com a descoberta do fogo); técnica do artesão (da Antiguidade à Idade Média, quando a função do trabalho técnico manual foi especializada); técnica do técnico, (na Idade Moderna e Contemporânea, com o surgimento e a especialização da máquina). Logo, Ortega y Gasset também preferiu o uso do termo técnica em sua abordagem, associando dimensões como ciência, indústria e tecnologia.

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--------------- [ 4 ENTRE A HISTÓRIA E A FILOSOFIA ] --------------Alguém poderia questionar se é possível haver um campo do conhecimento chamado “filosofia da tecnologia” da mesma maneira que é usual na filosofia da educação, filosofia da arte entre outros campos consagrados na literatura. Entre divergências e aproximações, este campo de estudo carece de mais espaço de discussão. Mário Bunge é considerado um precursor no uso do termo “filosofia da tecnologia”, enquanto Ernst Kapp já utilizou o título de “filosofia da técnica”, em 1877, em sua obra Grundlinien einer Philosophie der Technik (Esboço de uma Filosofia da Técnica). A palavra filosofia da tecnologia é apresentada como um grupo de conceitos que cercam a teoria e prática da tecnologia. A discussão sobre a tecnologia é inaugurada com a filosofia clássica grega e percorre pela história até o atual estágio da tecnociência (CUPANI, 2011; BUNGE, 1980; FEENBERG, 2003; POSTMAN, 1994). O uso acadêmico e literário do termo foi alicerçado a partir dos congressos internacionais da década de 1950, que enunciavam debates sobre questões éticas e políticas das mudanças tecnológicas. Em 1965, nos EUA foi realizado o primeiro simpósio (Toward a Philosophy of Technology). Nesse rumo ficaram marcados outros 53 eventos como as reuniões organizadas por Paul T. Durbin, na década de 1970, que resultaram na publicação de livros e na fundação da Society for Philosophy and Technology. Além de Kapp e Bunge, outros autores se consagraram nessa trajetória como: Heidegger, Ortega y Gasset, Arnold Gehlen, Hans Sachsse, Gilbert Simondon, Lewis Mumford, Andrew Feenberg, Neil Postman, Carl Mitcham entre outros. (CUPANI, 2011; BUNGE, 1980; FEENBERG, 2003; POSTMAN, 1994). Dessa conjuntura emerge uma tradição filosófica, uma linha de pensamento com vários títulos: filosofia da técnica, filosofia da tecnologia ou estudos sobre ciência e tecnologias sociais (CTS). A onipresença da técnica no mundo atual é incontestável. Para reforçar isso veja o processo que possibilitou a concretização deste texto, permitindo que ele possa ser agora lido, que implica um encadeamento de diversos atos técnicos; desde a escrita de um rascunho em um computador até a edição e montagem do texto, existe um conjunto de procedimentos sucessivos que podem ser considerados, com muita propriedade, como . (BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003, p. 35).

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Então, das discussões sobre o campo teórico e prático da tecnologia emergem trabalhos da história, filosofia, engenharias e demais campos do conhecimento, de forma que se faz necessário um olhar reflexivo que ultrapasse a cultura utilitarista ou triunfalista da tecnologia. Por outro lado, o conhecimento exclusivamente técnico não dá conta da complexidade dos maiores desafios da modernidade. (FEENBERG, 2003). Rosales (2013), sob um prisma antropológico, retrata o ser humano como um “ser carencial”. É destituído de órgãos especializados e instintivos em relação a outros seres vivos. Seu estado de carência diante do mundo natural impulsiona a produção de recursos físicos e intelectuais para superar sua condição. Portanto, a técnica contribui para o homem se sobrepor suas carências biológicas. Por essa razão que são construídas ferramentas, próteses, roupas, lentes óticas e todas as invenções imagináveis. Exemplificando, os meios de transporte simplificam a condição técnica de superação de “ser” andante do homem. Agora fica por resolver a questão de como foram construídas as ferramentas primitivas e os utensílios e como isto se dá, ainda hoje, em alguma medida nos povos culturalmente mais atrasados. Para responder, devemos esclarecer brevemente algumas questões terminológicas. A palavra grega “órganon” mencionava em primeiro lugar um membro corporal, em seguida, sua imagem, o instrumento, e logo inclusive o material, a árvore ou madeira com que havia sido fabricado. O idioma alemão costuma trocar, ainda que somente em seu uso fisiológico, as expressões “órgão” e “instrumento”, sem estabelecer diferença alguma entre “órgão da respiração” e “instrumento da respiração”, por exemplo, enquanto que no terreno do mecânico fala unicamente de “instrumentos”. Não cabe uma distinção precisa entre o “órgão da fisiologia” e o “instrumento da técnica”. Do mesmo modo que na divisão interna do corpo denominamos órgãos aquelas formações que se ocupam de proporcionar nutrição e sustente, assim também àqueles sensores que medeiam as passagens entre exterior e interior na percepção das coisas corresponde a denominação de órgãos da estrutura externa, das extremidades. (KAPP apud BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003, p. 51).

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Enquanto Kapp estabelece uma relação entre corpo humano e as ferramentas traçando um paralelo entre o corpo humano e a arquitetura, Cupani

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elucida sobre quanto o caráter mecânico da tecnologia na modernidade imprime sua onipresença nas mais diversas dimensões da vida. Um dos fatos mais curiosos de investigações mais recentes é a revitalização da noção do esqueleto humano, a redescoberta de algo teórico que havia sido declarado como alcançado e esgotado. O estudo tem revelado que recentemente estão sendo usadas certas regras da arquitetura (construção de grandes pontes e ferrovias) cujo projeto se assemelha ou se equipara a um modelo descoberto recentemente pela fisiologia e matemática da distribuição óssea nos corpos de animais. (KAPP, 1998, p. 114, trad. nossa). Além de Kapp (1998),  Rosales (2013) e Feenberg (2003), outras perspectivas específicas ou interdisciplinares apresentam abordagens particulares sobre a técnica e a tecnologia. A abordagem mais recente sobre estudos de ciência e tecnologia (CTS) e ainda com pouca tradição, constrói um prisma que aproxima as engenharias, filosofia analítica, história e a sociologia. Nesse mesmo caminho conceitual, Carl Mitcham (apud CUPANI, 55 2011) pondera que a discussão sobre a tecnologia pode aportar em três focos complementares: é o caso da visão mais analítica das engenharias, da visão humanística e da visão histórico-filosófica. Ainda afirma que sob aspectos mais gerais, a problemática filosófica da tecnologia se diferencia em duas tradições históricas, uma formada por engenheiros e outra por humanistas). Embora instrumentos, ferramentas, utilidades e aparelhos tenham existido desde a mais remota Antiguidade, a civilização moderna caracterizase notoriamente pelo seu caráter mecânico, pela importância adquirida pela invenção e uso de todo tipo de dispositivos, particularmente máquinas automáticas ou semiautomáticas. Essa ênfase nos processos mecânicos se reflete na organização social disciplinada e na padronização crescente dos produtos, modos de ação e formas de pensamento. A mecanização parece submeter de maneira inevitável todos os processos orgânicos. (CUPANI, 2011, p. 75). Assim, a condição técnica acaba sendo justificada em quase todos os aspectos do cotidiano por seu caráter de eficiência. Por outro lado, além de uma

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visão antropológica de análise da técnica e da tecnologia, pode se somar o caráter de eficiência e triunfalista da tecnologia. Postman (1994) adverte e afirma: a tecnologia altera nossa visão de mundo. Ela dita o que pensamos sobre o real, vital e o inevitável. A tecnologia, supostamente inofensiva, estabelece nossa capacidade de julgar o desempenho de qualquer objeto, pessoa ou sistema. Tanto Postman (1994) quanto Cupani (2011) e Heidegger (2007) insistem na necessidade que questionarmos a tecnologia. Isto representa evitar um passo cego para o futuro. Para Postman (1994) o senso comum imprime a ideia triunfalista de que a tecnologia é uma amiga de lealdade inquestionável, torna a vida mais fácil, mais limpa, mas seu preço incondicional é a confiança e a obediência.

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Marcuse (1972) equipara a tecnologia à noção antropológica positiva de bem-estar. De forma que, ao senso comum, a tecnologia cumpre seu dever inevitável para que a vida seja vivida o melhor possível. Vieira Pinto (2005) supõe a existência de uma “era tecnológica”, em que ocorre o “maravilhamento” do homem pela tecnologia. O deslumbramento diante de uma época promissora e espetacular como nunca houve antes. Um tempo em que são empregados valores morais à tecnologia e vinculam-se adjetivos com progresso, avanço e eficiência. O produto tecnológico moderno se moldou na principal forma de poder, exercido na administração pública ou privada, bem como no controle de qualquer atividade social e individual. A racionalidade da tecnologia se impõe absoluta, em especial, pela justificativa da eficiência (FEENBERG apud CUPANI, 2004). Feenberg (2003) alerta que tentamos a todo custo controlar o mundo, mas não controlamos e não temos consciência sobre nossa obsessão pelo controle. Nessa circunstância, a visão clássica da ciência e tecnologia na sociedade contemporânea enraíza o pensamento essencialista e triunfalista do desenvolvimento, tipificada pelo positivismo lógico dos anos 20 e 30 (século XX). O pensamento dominante presume que mais ciência resulta sempre em mais tecnologia, riqueza e bem-estar (BAZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003).

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--------------- [ 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ] --------------O esforço do presente artigo é endereçado aos profissionais de qualquer área do conhecimento que, diante do atual resultado ético e político das tecnologias, não ignoram suas inquietações. Deixando de lado uma postura de escolha entre o bem e o mal, a história nos fornece evidências da necessidade de aprofundamento teórico sobre o tema em questão. Enquanto determinadas estruturas sociais corroboram para que somente uma parcela da população mundial desfrute dos benefícios da tecnologia, ainda haverá trabalho historiográfico e filosófico. Nessa trilha, a discussão teórica enseja a superação da aplicação ingênua da tecnologia na sociedade, em especial no campo socioeconômico. E, por conseguinte, as diversas perspectivas teóricas poderão contribuir para a intensão de tornar a produção tecnocientífica mais plena de valorização da vida. Superar a ignorância e o sofrimento humano já não é mais uma questão predominantemente de subsistência, como foi para as sociedades ágrafas. A história contemporânea impõe ao homem questões éticas ainda mais desafiadoras 57 sobre o resultado tecnológico e modo de ser do tempo presente. Nosso recorte teórico propõe um caminho cujo horizonte ainda oculta sua outra margem. À vista disso, é imprescindível a promoção de novas leituras e pesquisas. Que nossas palavras sejam um ponto de partida nesta causa.

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REFERÊNCIAS

BAZZO, Walter Antônio; LINSINGEN, Irlan von; PEREIRA, Luiz Teixeira do Vale. Introdução aos estudos CTS: (ciência, tecnologia e sociedade). Madrid: OEI para a Educação, a Ciência e a Cultura, 2003. 170 p. (Cadernos da IberoAmérica). BUNGE, Mario. Epistemologia: curso de atualização. São Paulo: Editora da USP, 1980. CONCEIÇÃO, César Stallbaum. Divergência e convergência nas ondas longas: uma perspectiva teórica evolucionária. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Economia, PUCRS: Porto Alegre, 2007. Disponível em: . Acesso em: 3 set. 2013. CUPANI, Alberto. Filosofia da tecnologia: um convite. Florianópolis: Editora UFSC, 2011. CUPANI, Alberto. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques. Scientiae Studia, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 493-518, out/dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 18 abr. 2012. FEENBERG, Andrew. O que é filosofia da tecnologia? Conferência na Universidade de Komaba, junho de 2003. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2012. GAMA, Ruy (org.). História da técnica e da tecnologia. São Paulo: EDUSP, 1985. GAYA, Adroaldo. Será o corpo humano obsoleto? Rev. Sociologias, Porto Alegre, ano 7, n. 13, jan/jun. 2005, p. 324-337. Disponível em: . Acesso em: 9 nov. 2014. HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. São Paulo: Scientiae Studia, v. 5, n. 3, p. 375-98, 2007. Disponível em: . Acesso em: 4 set. 2012.

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KAPP, Ernst. Líneas fundamentales de la filosofía de la técnica. Teorema – Revista internacional de filosofia, vol. 17, n. 3, 1998, pp. 111-18. Disponível em: . Acesso em 16 set. 2014. MARCUSE, Herbert. El hombre unidimensional: ensayo sobre la ideologia de la sociedade industrial anvazada. 9ª ed. Traducción de Antonio Elorza. Barcelona: Editorial Seix Barral, 1972. MORAIS, João Francisco Regis de. Filosofia da ciência e da tecnologia: introdução metodológica e crítica. 5ª Ed. Campinas: Papirus, 1988. MORELL, Jean Carlos. Mídias eletrônicas na educação: uma abordagem a partir da filosofia da tecnologia. Novas Edições Acadêmicas: Saarbrücken (Alemanha), 2015. OLIVEIRA, Maria Ester. Le Breton David: Adeus ao corpo - antropologia e sociedade. Estudos de Sociologia. Rev. do Prog. Pós-graduação em Sociologia da UFPE, v.1. n. 12, 2006, p. 181-189. Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2014. 60

POSTMAN, Neil. Tecnopólio: a rendição da cultura à tecnologia. Trad. Reinaldo Guarany. São Paulo: Nobel, 1994. ROSALES, Amán. Una antropología de la técnica: perspectivas de una antropología de la técnica. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2013. VIEIRA PINTO, Álvaro. O conceito de tecnologia. vol. I. Rio de Janeiro: Contraponto. 2005.

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(RE)LEITURAS DAS JORNADAS DE JUNHO DE 2013 Eduardo Guilherme de Moura Paegle1 RESUMO: O presente artigo pretende abordar os múltiplos sentidos das jornadas de junho de 2013 no Brasil. Através de uma reflexão sobre as possíveis (re)leituras do evento tanto na questão dos manifestantes quanto na questão da mídia, bem como na busca de apropriação das diferentes interpretações dos atores políticos nas relações de poder. Palavras-chaves: jornadas de junho; mídia; relações de poder.

--------------- [ Introdução ] --------------As análises que são feitas por parte dos historiadores são mais fáceis quando existe um distanciamento histórico sobre um determinado objeto de 61 pesquisa. A tendência é que quanto maior o distanciamento histórico e maior relevância do fato estudado enquanto objeto histórico, maior é a produção bibliográfica com as diferentes interpretações de acordo com as lentes no qual o historiador utiliza. A proximidade temporal das jornadas de junho de 2013 e o fato de os atores políticos ainda se apropriarem desse evento histórico dificulta, portanto, a análise que fazemos. É muito mais fácil lidar com personagens históricos mortos do que com personagens que continuam a escrever a história. Criou-se inclusive uma abordagem histórica para eventos recentes intituladas como “História do tempo presente”. Entendemos ser importante fazermos essas ressalvas inicialmente.

1 Graduado e mestre em História. Doutor em Ciências Humanas. Todos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor de História do Instituto Federal de Roraima (IFRR). E-mail: .

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--------------- [ O sentido das jornadas de junho de 2013 ] --------------Outras expressões tornaram-se sinônimas das “jornadas de junho de 2013”, tais como, protestos de junho e primavera brasileira. Não é de estranhar que a inexistência de um consenso da terminologia para um fato histórico que se inicia com uma bandeira histórica do Movimento Passe Livre (MPL) na cidade de São Paulo – SP que foi abaixar a tarifa de ônibus em R$ 0,20 (de R$ 3,20 para 3,00), embora como o próprio nome diz, a ideia era transporte coletivo gratuito como um dos direitos básicos constitucionais pelo ir e vir, ou seja, o direito de locomoção. Não tardou, é verdade, para que as manifestações ganhassem novas reivindicações, tais como: pela redução da tarifa de ônibus, contra a PEC 37 (que retirava o poder de investigação do Ministério Público, restringindo as polícias), contra os altos gastos da Copa do Mundo de 2014, contra o programa “Mais médicos”, contra a corrupção, em defesa de mais investimentos na saúde e na educação, até, num certo momento, pela volta da ditadura militar1!

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Os slogans nos cartazes dos manifestantes também eram compostos de reivindicações variadas, entre elas, podemos citar: “Copa do Mundo, eu abro mão, quero dinheiro pra saúde e educação”, “Queremos hospitais padrão FIFA”2, “O gigante acordou”, “Ia ixcrever augu legal, maix fautô edukssão”, “Não é mole, não. Tem dinheiro pra estádio e cadê a educação”, “Era um país muito engraçado, não tinha escola, só tinha estádio”, “Todos contra a educação a corrupção”, “Fora Dilma! Fora Cabral! pt = pilantragem e traição”, “Fora Alckmin”, “Zé Dirceu, pode esperar, a tua hora vai chegar”. (SINGER, 2013, p. 2). Não foi à toa que um dos articulistas escreveu que “a rua é o púlpito de todas as liturgias”. (PEREIRA, 2013, p. 43). Neste sentido, as jornadas de junho foram provavelmente a manifestação popular mais ecumênica de toda a história brasileira. Provavelmente um dos maiores especialistas na questão de manifestações em rede é o sociólogo espanhol Manuel Castells. Num livro que trabalhou justamente com essa questão, o referido intelectual, num posfácio, assim se referiu as manifestações de junho de 2013: 1 A contradição básica é que numa ditadura militar existe a impossibilidade de livre manifestação, bem como de livre associação, como feito nos próprios protestos de junho de 2013. 2 O termo “Padrão FIFA” ficou sinônimo de algo feito com excelência em 2013. Em virtude dos escândalos financeiros da entidade que rege o futebol em 2015 com a prisão de diversos dirigentes, essa expressão atualmente poderia soar como algo negativo ou irônico.

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Aconteceu também no Brasil. Sem que ninguém esperasse. Sem líderes. Sem partidos nem sindicatos em sua organização. Sem apoio da mídia. Espontaneamente. Um grito de indignação contra o aumento dos transportes que se difundiu pelas redes sociais e foi se transformando no projeto de esperança de uma vida melhor, por meio da ocupação das ruas em manifestações que reuniram multidões em mais de 350 cidades. Passe livre. Porque a mobilidade é um direito universal, e a imobilidade estrutural das metrópoles brasileiras é resultado de um modelo caótico de crescimento urbano produzido pela especulação imobiliária e pela corrupção municipal. E com um transporte a serviço da indústria do automóvel, cuja venda o governo subsidia. Tempo de vida roubado e pelo qual, além de tudo, deve-se pagar. (CASTELLS, 2013:178). Manuel Castells (2013) se mostra claramente favorável às manifestações, trazendo um estudo sobre as manifestações recentes, incluindo a primavera árabe3, a revolução das panelas na Islândia4, o movimento dos Indignados na Espanha5 e o Occupy Wall Street6 nos Estados Unidos. Devido às possíveis relações com a primavera árabe (a ideia, por exemplo, de usar as redes de informática e comunicações para mobilizar um grupo de pessoas para reivindicações nas ruas), 63 muitos se referem às manifestações de junho de 2013, como a “Primavera Brasileira”. De fato, a experiência dos protestos pela questão do preço das passagens não surgiu em São Paulo em 2013 pelo MPL, mas já haviam ocorrido experiências que tinha levado essas questões em outras capitais brasileiras, tais como: a “revolta do Buzu”, em Salvador em 2003; a “revolta da Catraca”, em Florianópolis, 3 A primavera árabe resultou na queda de três presidentes (Ben Ali na Tunísia, Mubarak no Egito e Kadaffi na Líbia, em 2011. Protestos ocorreram também no Iêmen, Bahrein, Marrocos e Síria, sendo que este último entrou numa guerra civil ainda não concluída. 4 A referência do movimento foi devido aos panelaços ocorridos em frente ao parlamento islandês em 20 de janeiro de 2009, quando a sociedade civil exigiu a renúncia do governo e a adoção de uma nova constituição devido à inabilidade dos conservadores de lidar com a crise econômica no país. De fato, o governo caiu, a oposição conseguiu tomar o poder e o país conseguiu sair da recessão econômica. 5 Movimento também conhecido com 15-M, referência à data do seu início que ocorreu em 15 de maio de 2011. Críticas em relação à ausência de representatividade política e contra a austeridade que levou a crise econômica espanhola aparecem como pano de fundo do movimento, embora semelhante ao Brasil, os slogans e reivindicações sejam bem difusos. 6 Crítica ao sistema financeiro estadunidense. A indignação ao sistema financeiro que levou os EUA para uma crise econômica devido à especulação imobiliária e a bolha especulativa que fez com milhares de estadunidenses tivessem que entregar seus imóveis. O Estado então decidiu socorrer o sistema financeiro. Obviamente Wall Street é o símbolo do sistema financeiro dos EUA, daí o seu impacto simbólico. Iniciou-se em 2011 com uma convocação da revista canadense Adbusters para uma insurreição popular em 2 de fevereiro. Em 17 de setembro, de fato, ocorreu a primeira manifestação nas ruas.

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em 2004; além de Vitória (2006), Teresina (2011), Aracaju (2012), Natal (2012), Porto Alegre (2013) e Goiânia (2013) (MARICATO, 2013). Embora, o surgimento oficial do MPL tenha ocorrido no Fórum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre (DOWBOR; SZWAKO, 2013). Uma das interpretações possíveis do movimento é valorizar a ideia da importância da internet e dos dispositivos eletrônicos (celulares, Ipods, smartphones, pcs) nos movimentos sociais. O senso comum apontava que aqueles que desejavam as mudanças e atuavam apenas na internet “eram denominados jocosamente pelos contrários de plantão como ‘ativistas de sofá’, ‘só cliqueativismo’, ‘agitadores de redes sociais’, ‘militantes do twitter”. (PRADO, 2015, p. 11).

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A concepção da comunicação em rede com a facilidade da difusão e produção de conteúdos proporcionados pela internet e sistemas de comunicação como o SMS e o What´s app permitiam amplificar as vozes e a capacidade de mobilização como vista nas jornadas de junho de 2013, rompendo a ideia de que o mundo virtual não tem implicações no mundo real e aqueles que se manifestavam virtualmente eram preguiçosos e acomodados para saírem às ruas. Quebrou-se a barreira que dividia, de um lado os produtores de notícias e de outro, os consumidores das notícias, ou para colocar numa linguagem mais acadêmica entre os produtores e os receptores dos bens simbólicos (BOURDIEU, 2013; PRADO, 2015). Foi justamente quando uma nova arquitetura comunicacional que passou de um ou poucos produtores de notícias para muitos receptores, como via de mão única para muitos produtores de notícias e muitos receptores de notícias, numa via de mão dupla que os grandes conglomerados midiáticos (Globo, Abril, Bandeirantes, Folha de SP, Estado de SP, entre outros) perderam a capacidade de pautar as manifestações frente às novas interpretações surgidas na internet. Para ser mais claro, foi a partir do momento que experiências como Mídia Ninja7, bem como diversos coletivos, entre outros, passaram a fazer um jornalismo independente como manifestantes e produtores de conteúdo através da ideia “faça você mesmo”. A cobertura dos grandes conglomerados midiáticos foi colocada em xeque, ampliada ainda mais com o papel das redes sociais, principalmente o facebook. 7 Abreviação de “Narrativas Independentes Jornalismo e Ação” e que está ligada ao Circuito Fora do Eixo que trabalham em setenta e dois pontos do país com produção cultural, comunicação colaborativa, pensar sustentabilidade e políticas culturais. Nos protestos de junho de 2013, a Mídia Ninja se destacou por produzir conteúdos, sendo que os jornalistas eram também manifestantes e produziam conteúdo ao vivo, sem edição. Para maiores detalhes ver (PRADO, 2015, p. 103-115).

História em foco

Obviamente, a internet e os meios de comunicação digitais não produzem por si só, as manifestações sociais, mas tiveram um papel importantíssimo de serem utilizados em rede para as jornadas de junho de 2013, algo não absolutamente novo em termos globais, mas que já havia ocorrido na Primavera Árabe e na “Revolta das Panelas”, na Islândia. Nesta concepção de rede, destacamos a ideia do ciberativismo, que “[...] consiste em ações continuadas realizadas com a internet ou, exclusivamente, via internet, visando aos objetivos específicos ou a transformação geral da realidade”. (PRADO, 2015, p. 3). E o citado autor continua: “O ciberativismo pode ficar restrito à internet ou funcionar como um meio de articulação entre os movimentos sociais”. (PRADO, 2015, p. 3). Concordamos com a ideia de que: Essas tecnologias de comunicação não são apenas ferramentas de descrição, mas sim de construção e reconstrução da realidade. Quando alguém atua através de uma dessas redes, não está simplesmente reportando, mas também inventando, articulando, mudando. Isto, aos poucos, altera também a maneira de se fazer política e as formas de participação social. 65 (SAKAMOTO apud MARICATO, 2013, p. 95). Ocorreu, sem dúvida, um ponto de virada da análise da grande mídia em relação aos movimentos. Inicialmente, colocados como vândalos e baderneiros nos primeiros atos convocados pela MPL para 6, 7 e 11 de junho de 2013 contra o aumento da passagem ocorrido em 2 de junho de 2013 (PRADO, 2015, p. 84-86). O MPL afirmava-se como “autônomo, apartidário, horizontal e independente, que luta por um transporte público de verdade, gratuito para o conjunto da população e fora da iniciativa privada” (PRADO, 2015, p. 84). Observe a análise do jornalista da TV Globo, Arnaldo Jabor no início das Jornadas de junho de 2013: A grande maioria dos manifestantes são filhos da classe média, isso é visível. Ali não havia pobres que precisassem daqueles vinténs não. Os mais pobres ali eram os policiais apedrejados, ameaçados com coquetéis molotof e que ganham muito mal. No fundo, tudo é uma imensa ignorância política. É burrice misturada a um rancor sem rumo... Justamente, a causa, deve ser a ausência das causas. Ninguém sabe mais por que lutar... Esses caras vivem no passado de uma

HISTÓRIA em foco

ilusão. Eles são a caricatura violenta da caricatura de um socialismo dos anos cinquenta que a velha esquerda ainda quer implantar aqui. Realmente esses revoltosos da classe média não valem nem vinte centavos.8 Após a repressão policial, que fez o movimento ganhar as ruas, além do fato dos jornalistas da grande mídia ser agredidos9 e terem dificuldade de realizar a cobertura do fato, os manifestantes passaram de arruaceiros, baderneiros ou de uma classe média sem causa (socialistas!), como explicitado por Jabor para jovens que haviam dado uma lição, como deixara claro após a virada midiática, que passou a apoiar a mídia, como relatado no trecho a seguir: À primeira vista este movimento parecia uma pequena provocação inútil que muitos criticaram erradamente, inclusive eu. Nós temos democracia desde 1985, mas a democracia se aperfeiçoa, senão decai. Entre nós quase tudo acabava em pizza ou em paralisia entre os três poderes. O Brasil parecia desabitado politicamente, de repente, apareceu o povo, de repente o Brasil virou mar. Uma juventude que estava calada desde 2002; uma juventude que nascia quando Collor caía, acordou. Se tudo correr bem, estamos vivendo um momento histórico lindo e novo. Os jovens terão nos dado uma lição....10

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A mea culpa de Jabor expôs a virada espetacular da grande mídia aos clamores vindo das ruas. Os governos nas esferas federal, estaduais e municipais mostravam a sua fragilidade em face da incapacidade de dialogar com a sociedade de forma horizontal. O turning point da grande mídia da forma como os manifestantes passaram de baderneiros para pessoas que lutam pelos seus direitos estava claro e permitiu um espaço para que a mídia independente tentasse pautar as manifestações frente à ausência de credibilidade na grande mídia evidenciado na citação do jornalista Arnaldo Jabor do antes e depois do quarto ato (13 de junho de 2013). 8 Arnaldo Jabor condena os protestos. . In: GERMANO, Marcelo Gomes. Somente um protesto. In: SOUSA, Cidoval Morais de; SOUZA, Arão de Azevêdo (organizadores). Jornadas de Junho: repercussões e leituras. Campina Grande: Eduepb, 2013, p. 94. 9 O fotógrafo Sérgio Silva foi atingido por um policial com bala de borracha e perdeu a visão no olho esquerdo. Maiores detalhes ver (PRADO, 2015, p. 87-88). 10 Arnaldo Jabor assume o erro e enaltece os protestos.
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