História Filmada: uma oficina de audiovisual para a terceira idade

June 6, 2017 | Autor: Guilherme Cruz | Categoria: Cinema, Audiovisual, Educação, Educomunicação, Identidade, Cidadania, Envelhecimento, Cidadania, Envelhecimento
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História Filmada: uma oficina de audiovisual para a terceira idade 1 Luciele COPETTI2 Guilherme CRUZ3 Resumo Esse trabalho se mune das interações criativas dentro de uma oficina audiovisual realizada, proposta e focada ao público da terceira idade. Noções como identidade, cidadania e envelhecimento humano refletem a opção dirigida no convívio e construção de um curta-metragem produzido e atuado pelos alunos, numa reflexão perante o processo artístico constitutivo e análise de uma reafirmação de sujeito.

Palavras-chave: terceira idade; identidade; cidadania; audiovisual; envelhecimento humano.

Introdução

As formas de representações audiovisuais se mostram múltiplas pela ampliação dos suportes infocomunicacionais, passando da tela do cinema para o televisor, ao monitor do computador e aos diferentes dispositivos tecnológicos móveis. Tal processo relaciona-se principalmente com a expressão audiovisual que revolucionou as formas de interação entre produtores e espectadores. A oficina História Filmada objetivou a produção audiovisual no Departamento de Apoio à Terceira Idade (DATI), instituição ligada a Prefeitura de Passo Fundo – RS, que mantém uma comunicação entre as comunidades da terceira idade nos bairros, vilas e distritos da cidade. O DATI foi criado em 1996, e dentro de suas ações traz nas oficinas a possibilidade de integração com a sociedade, a chance da prática de atividades físicas e culturais por parte dos idosos, na busca por uma reinserção social e resgate da cidadania. Dessa forma, o DATI objetiva propiciar uma velhice saudável, articulando ações e comprometimentos dos bairros onde há um núcleo do grupo.

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Trabalho apresentado na modalidade Relato de Experiência na IV Conferência Sul-Americana e IX Conferência Brasileira de Mídia Cidadã. 2 Jornalista. Mestre em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]. 3 Jornalista. Bacharel em Comunicação Social pela Universidade de Passo Fundo. E-mail: [email protected].

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Por observar ações desse projeto, que estavam ligadas ao direcionamento das escolas de cinema e de linguagem audiovisual espalhados pelo Brasil, com exclusivo enfoque aos jovens, tomamos como ponto central a necessária inserção de vozes que não tiveram oportunidades de acompanhar os meios de expressões através da imagem. Assim, a oficina História Filmada teve a intenção de aproximar a população da terceira idade com a linguagem cinematográfica/audiovisual. Deslocamos nosso público-alvo, por acreditarmos numa adequação de um olhar de sua vivência e por possuírem a característica de contadores de histórias; por suas experiências e atitudes. Quesitos importantes que complementariam a dinâmica deste trabalho, tornando visível o seu potencial de atuação no grupo. Portanto, apresentamos a oficina nesse artigo como um diálogo entre a compreensão do envelhecer, bem como, as conexões entre questões sobre a cidadania, identidade e as formas de inclusão e exclusão dessa parcela da população. A partir desse relato indicam-se os meios de ação da oficina, a proposta e as condições didáticas que foram centralizadoras do trabalho. E finaliza-se com um relato que expõe as percepções dos autores sobre o curta-metragem “Uma luz em nossos caminhos”, roteirizado e produzido pelos alunos, bem como, a vivência e trocas ocorridas durante o processo criativo.

1. Compreender o envelhecer

A compreensão do objeto de estudo consiste na diversidade de vozes e discussões que traçam o perfil dos indivíduos idosos na atual sociedade. Assim, pretende-se apresentar esse perfil pela constatação de sua identidade e cidadania, incluindo a proposta de inclusão sociocultural da população idosa, vivenciada através da linguagem audiovisual. Logo, o processo de envelhecimento trata-se de uma investigação perante as aceitações que esse estado da vida lhe impõe, as limitações que ocorrem, a busca do entendimento e resolução dos problemas contidos durante a evolução humana. Quando se fala em envelhecimento pode-se também citar o termo senescência. Como discorre Giannetti (2005), trata-se de um processo natural da vida.

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A senescência não é uma doença ou condição patológica, como a frieira, a enxaqueca ou o câncer. Ela é um processo perfeitamente natural da vida mortal (pace De Gaulle e Trotski), geneticamente programado e que independe, em larga medida, das variações do ambiente externo e do modo de vida dos indivíduos, tal como a segunda dentição ou a reprogramação hormonal da puberdade (GIANNETTI, p. 31-32, 2005).

Segundo Giannetti (2005, p. 40) a senescência, que não passava de uma ocorrência rara nos milênios anônimos que antecedem a escrita e o nosso calendário, tornou-se um fenômeno de massa. O fator social, transfere, ao medir de uma balança humana os valores de uma sobrevivência aos idosos, numa sociedade contemporânea que possuiu um discurso predominante de super valorização da juventude. Estes processos acarretam uma desvalorização da maturidade e uma descrença de suas potencialidades.

[...] a velhice e o envelhecimento em nossa sociedade, dita moderna, são partes de um processo contraditório gestado pelo sistema social em que o velho transita entre ser e não ser parte integrante das relações sociais, ter e não ter um lugar e um papel que diga de si e diga de sua experiência consolidada pela maturidade (GUSMÃO In: LIBERALESSO, p.129, 2001).

Outra visualização dos conflitos, entre valores tradicionais e intenções modernas, se contradiz pelo espaço e ação, contida nos artefatos tecnológicos imbricados no cotidiano das sociedades. Assim, temos no exemplo de uma simples nomenclatura sobre a velhice uma discussão de signos com trejeitos mercadológicos, ou de discursos políticos, como levantam alguns teóricos. Debert (1999) incita esse debate e vê na cultura contemporânea uma “criação de uma série de etapas no interior da vida” (1999, p.65), marca de uma desfragmentação entre a vida adulta e/ou o espaço que figura entre juventude e velhice, intituladas variadamente como “ ‘meia-idade’, a ‘idade da loba’, a ‘terceira idade’, a ‘aposentadoria ativa’ ”. Inclui-se ainda nesse emaranhado de designações o da “melhor idade”, disseminado em larga escala pelas políticas de inclusão direcionada para os idosos. Enfim, a problemática social dessa parcela da população passa longe da discussão nominal, perante a sua marginalização e condição. Munari e Rodrigues (apud Vasconcelos, Lima e Costa, 2007) discorrem que, conviver dentro de grupos que congregam pessoas com necessidades semelhantes, possibilita a criação de experiência contendo um valor terapêutico. Dessa forma, observa-se que os grupos específicos da terceira idade trazem benefícios diretos aos idosos, por possibilitar a sua inserção em um meio onde possam desenvolver habilidades 3

e talentos. Mattos (2008), afirma que independente dos tipos de grupos, o incentivo à participação social dos idosos, vem desenvolver sua cidadania e suas habilidades. Considerando o envelhecimento de forma saudável, favorecendo neles a sensação de agentes que participam e tornam-se protagonistas no andamento de sua história de vida. Portanto, o que se busca nessa discussão é a visualização de uma maior liberdade e autonomia para essa população já segmentada. Incluindo uma construção sobre si, através da manutenção, ou criação, em muitos casos, de sua cidadania. 1.1. Identidade e Cidadania

Foram nas antigas comunidades que deu-se a estruturação do homem “velho” como um sábio e, muitas vezes, responsável pela educação dos mais novos, assim como, da perpetuação da memória do seu povo. Eram estes homens que detinham o poder da memória, da história e da manutenção dos processos de disseminação e manutenção da cultura do seu povo. Com a evolução de preceitos e a introdução de novos valores, observam-se outras formas de “apelo” social de vigência e sobrevivência. Atualmente a estabilização da identidade, segundo Stuart Hall (2006), está na comparação com o declínio das velhas identidades que estão originando indivíduos modernos e fragmentados (Hall, p.7, 2006). Um dos flagrantes modelos de construção desse sujeito são as tecnologias infocomunicacionais, as diferentes redes sociais e as inúmeras ferramentas de comunicação em que ele insere-se (muitas vezes obrigado) - sem nada saber. É no meio da tecnologia que o idoso vive entre caixas eletrônicos de bancos, eletrodomésticos e tantos outros aparatos tecnológicos que ele é, obrigatoriamente, inserido.

Um aprendizado para a autonomia dessa geração, em nosso entendimento, é a oportunidade de essas pessoas aprenderem por si mesmas a construírem, a buscarem sua própria aprendizagem trilhando seus próprios caminhos. Nessas trilhas poderão adquirir conhecimento criticando-o, reavaliando o que foi adquirido [...] (TRINDADE E GICO, p.4, 2009).

No entanto, a terceira idade se mostra cada vez mais ativa em meio as suas atividades, estabelece novos enlaces para o seu cotidiano e tenta reintegrar-se aos novos espaços. Ainda 4

estamos distantes de um veredicto concreto, e o “novo velho” ecoa vontade e anseios cidadãos. Então, é através da memória que anexamos outro elemento para a estruturação da identidade desse novo perfil da velhice. No trabalho direcionado para o Desenvolvimento Humano de ALMEIDA E CUNHA (2003), são observados pelos autores as comparações e analogismos enfrentados pelo “grupo da velhice”. Numa amostragem na cidade de Brasília (DF), um levantamento realizado dentro da Subsecretaria para Assuntos do Idoso (SAI), ficou a reflexão própria de conceitos sobre a representação da terceira idade.

Pode-se, ainda, supor que o Grupo Velhice, por ter sido constituído por adultos e idosos, apresenta uma representação caracterizada pela negação da identidade socialmente construída para o idoso. Indivíduo decadente. Porém, ao mesmo tempo que se opõem à idéia de idoso como sujeito decadente, vitimizam-no, na medida em que o tratam como um sujeito abandonado e carente (ALMEIDA E CUNHA, p.7, 2003).

São ideias mescladas a ideários mal concebidos que se repetem a cada fala dos entrevistados nos trechos citados pelos autores. A debilitação e a exclusão são marcas caras e, aparentemente, aceitas nos diálogos publicados e propagados socialmente. Portanto, a emancipação do idoso precisa se reconhecer através de outros elementos de ação e constituição identitário.

2. Comunicação e Educação: meios de ação

A comunicação possibilita o envolvimento e a interação entre os sujeitos sociais que, em sua comunidade, formam fluxos de informação. As interações comunicacionais fortificam as relações interpessoais na comunidade, reafirmando aproximações de imagem e tempo perdido nas diluições trazidas pela comunicação de massa. A educação influencia e demarca as atuações perante o processo comunicacional, que nesse trabalho é membro na relação entre oficineiros e alunos. O campo da comunicação e educação constroem uma forma de mediação e intercâmbio cultural permanente. E, portanto, torna-se um processo que pode acontecer independente da idade, faixa etária ou condição social. Nesse trabalho foi utilizado como ferramenta comunicacional: o audiovisual. E sendo 5

um produto cultural ele, o cinema, se faz (e se deixa fazer) de diversas maneiras, porém destaca-se duas correntes em seus “inventores”. As histórias cotidianas receberam um tratamento mágico com o “cinema fantástico” de Georges Méliès, e a outra corrente mais orgânica trouxe as amostragens de “atualidades” de uma vida exótica com os irmãos Lumières e o seu cinema documental. Desta forma, o cinema traduz detalhes de um olhar e percepções que vivemos cotidianamente. E desse olhar ocorrem trocas que passam para a publicidade, para literatura, para exposições, para a internet, etc. E desse hibridismo de alternativas se deparam com um espectador eletrônico saindo da passividade e querendo confundir-se produtor, adentrando em novos espaços de criação.

3. História Filmada: desenvolvimento e conclusão

O trabalho de desenvolvimento integrado entre as duas gerações envolvidas, alunos e oficineiros, se deteve num estabelecimento contínuo de comunicação e de acréscimo na estrutura do projeto. Simone de Beauvoir (1965) transcende a compreensão da condição da velhice para a reivindicação “radical” de mudança da vida (Beauvoir, p. 665, 1965), esse diagnóstico demonstra uma atual preocupação em reinserir a parcela idosa na sociedade. A preocupação de socialização, saúde e cultura de Beauvoir vão de encontro com a intenção deste projeto de disponibilizar um novo mecanismo de comunicação para a terceira idade. A escolha do audiovisual, um meio de comunicação relativamente “novo”, deve-se a estrutura que se vale de histórias, lembranças e personagens sociais. Requisitos que foram encontrados no público-alvo do DATI. Esse mesmo público que ficou à margem do acelerado processo tecnológico e intelectual que esse suporte se enquadrou, por tentar dialogar com uma sociedade veloz, trazendo outras sensações para o idoso. Os encontros semanais, num apanhado de oito alunos fixos, ainda com a população flutuante que a oficina teve, verificou-se diversas portas de saída para o sujeito inativo dos alunos. Foi no dia-a-dia, pelas percepções pessoais e aceitações coletivas que afirmamos a intenção do trabalho pelo seu processo. Algo que ficou exposto nas aulas de expressão corporal, roteiro, criação, trabalho cênicos e outras tantas formas que buscou-se agregar ao ideário do projeto. 6

Todas as aulas foram planejadas para o período de uma hora e meia, no entanto, percebemos a quantidade de informações trazidas pelos próprios alunos e a importância de deixar com que eles se comunicassem e contassem estas histórias – o que gerou uma ampliação da carga horária. Desta forma, o trabalho alcançou o objetivo no sentido de estabelecer uma comunicação entre as gerações e possibilitar o conhecimento das técnicas do cinema. A cada encontro, percebia-se que a oficina estava mudando um pouco as percepções sobre as técnicas de interpretação, a comunicação entre o grupo e as técnicas não conhecidas do cinema. A curiosidade foi elemento diferencial nesse grupo, eram pessoas que tinham uma ligação artística e precisavam se expressar. O coletivo foi cercado por criações que gestaram o curta-metragem produzido pelos alunos. O curta “Uma luz em nossos caminhos” transportou para a tela os temas trabalhados em sala de aula, como por exemplo: religião, educação, saúde, respeito e humanidade. Os alunos traziam poesias, contos, letras de músicas, histórias narradas e improvisadas que auxiliaram na criação do roteiro. Os trabalhos de improvisação entrelaçavam-se com as histórias que eram criadas por eles, assim surgiram personagens, novos rumos para a história e conjuntamente a aplicação de um olhar crítico sobre os temas. Todo o processo de gravação demanda tempo, quanto a isso eles se demonstraram pacientes e empolgados para ver o produto final. Dessa forma, o produto final da oficina História Filmada, realizada em 2009, foi o curta-metragem criado, produzido e encenado pelos alunos. O tempo contido para esse resultado se fez pela dificuldade e pelo prematuro trabalho de experimentação de ações e assuntos abordados. Há a necessidade de uma maior amplitude para um resultado consequentemente vasto e contundente, considerando os fatores técnicos e logísticos que apareceram, que em sua totalidade não foi possível chegar até ao resultado esperado de produção e atuação. Essa afirmação vem sustentar a manutenção e oferecimento dessa oficina, numa visão de adequação de seu cronograma. As expectativas dessa oficina transformaram-se em trocas de experiências e descobrimento de algo aparentemente novo, com potencial de resgate da memória e de um envelhecimento ativo. Entretanto, acredita-se que a reafirmação cidadã que o projeto trouxe, podem exemplificar um trabalho simples que se une fortemente ao processo de inclusão social. A terceira idade, taxada por alguns estudiosos como a “melhor idade” necessita de um 7

balizamento concreto para justificar os fluxos comunicacionais, com a garantia de uma estrutura político-social que não venha omitir nenhuma parcela da sociedade.

Referências Bibiliográficas

ALMEIDA, Angela M. O.; CUNHA, Gleicimar G. Representações sociais do desenvolvimento humano. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16. Disponível em: . Acesso em: 28 nov 2009.

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DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1999.

GIANNETI, Eduardo. O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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TRINDADE, Liane F.; GICO, Vânia V. Tecnologias da Informação, Terceira Idade e Educação. . In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 32, Curitba, 2009. Disponível em: . Acesso em: 28 nov 2009. VASCONCELOS, Kelly Rejanny B. de. LIMA, Narúbia A. de. COSTA, Kemle Semerene. O Envelhecimento Ativo na Visão de Participantes de um Grupo de Terceira Idade, 2007. Disponível em: . Acesso em 03 dez 2009. 8

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