História, Memória e Testemunho

July 5, 2017 | Autor: Bianca Guida | Categoria: Walter Benjamin
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Universidade Federal de São Paulo
Professor: Dr. Henry Burnett

















Avaliação:
História, Memória e Testemunho












Bianca Molinas Guida
Filosofia – Vespertino
8º Termo.











Guarulhos
2013


Memória, Benjamin, Testemunho.


Nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo
tempo, um documento da barbárie.
(Benjamin, W. 2005, p. 70)




Duas grandes questões permeiam o pensar de Benjamin: a discussão da
narração e da história, consequentemente da memória, e as transformações
das práticas artísticas, da função do artista e da função da obra de arte,
na modernidade e na contemporaneidade. Com efeito, a questão da narração
desemboca na de nossa apreensão do passado e do futuro: como podemos
transformar nosso presente histórico.



Walter Benjamin. Filósofo vítima do nazismo.


A crítica à relação com o passado, por Benjamin, se resume ao
apontamento da interpretação e análise limitadas da história pelo homem
moderno, podendo ser aplicado também ao contemporâneo, onde a memória não é
mais um instrumento de realização de uma tradição narrativa, que permite
uma retomada da experiência, ou seja, é uma crítica ao silêncio e
desaparecimento da testemunha.
É imprencindível, para que se compreenda o cerne da crítica, a ideia
da reitificação do homem, que o desvia da experiência individual para então
sufocá-lo na coletividade da história nacional, neutralizando a
possibilidade da construção de uma experiência coletiva através do que
Adorno chamaria mais tarde de Indústria Cultural.
Nela, o progresso transforma toda a cultura em propaganda e o sujeito
se vê incapaz de diferenciar-se, reduzindo-se então à massa. A
comercialização da cultura seria uma afronta à memória, uma vez que
converte todo sentido real de história em espetáculo e entretenimento.
Em suas teses Sobre o conceito de história (1940), Benjamin diz ser
um "perigo" tomar o passado como um simples fato consumado. A admissão da
história como algo acabado e imutável, a história dos vencedores,
direcionaria a humanidade à ruína.

Articular o passado historicamente não significa conhecê-
lo "tal como ele propriamente foi".[...] O perigo ameaça
tanto o conteúdo dado da tradição quanto os seus
destinatários. Para ambos o perigo é único e o mesmo:
deixar-se transformar em instrumento da classe
dominante. Em cada época é preciso tentar arrancar a
transmissão da tradição ao conformismo que está na
iminência de subjugá-la.




Mas por que levaria à ruína da humanidade admitir a história como a
dos dominntes?
Ora, a história, para Benjamin, é aquela que deve dar esperanças para
as gerações seguintes, reconhecendo seus opressores. E é com o testemunho,
com a memória das gerações passadas, na intrínseca da história de um povo e
sua identidade, que poderia nos ajudar a não repetir as atrocidades do
passado. Nas palavras de Jeanne Marie Gagnebin: "somente esta retomada
reflexiva do passado pode nos ajudar a não repeti-lo infinitamente, mas a
ousar esboçar uma outra história, a inventar o presente."
Para Benjamin, o presente não está morto pelo passado. A história da
opressão se apresenta repetidamente quando há, pelo sujeito, a
identificação afetiva com o dominante, pois é uma forma que lhe garante um
lugar privilegiado no presente. O assentimento individual a um determinado
procedimento, confabulando a escolha e a liberdade.
E é, portanto, assim que Benjamin vê: "Todo aquele que, até hoje,
obteve a vitória, marcha junto no cortejo de triunfo que conduz os
dominantes de hoje [a marcharem] por cima dos que, hoje, jazem por terra."
(Benjamin, Tese VII). Nessa ilusão de liberdade, a esperança daqueles que
precisam da história para a possibilidade de revolução do presente, é
condenada.
A partir daí, a memória descaracteriza-se da vida, para então,
aparecer numa concepção determinista do tempo e da história como um mero
instrumento de auxílio para a reafirmação da história como hábito. Não
precisamos mais da atividade do lembrar aqui. É a volta ao passado,
trazendo suas significaçãoes em termos de acontecimentos, para justificar o
presnte atual, ou para garantir, de forma absurda, a ideia da possibilidade
de reconstruir o presente. "Assim, o lembrar do passado torna-se uma
acumulação de dados, fardo que pesa nos ombros dos homens vivos de hoje e
pode até impedi-los de agir com inventividade e liberdade." (Gagnebin, p.
63)
Benjamin pretende salvar do passado não a imagem eterna da vitoriosa
e, também falsa, história, justamente o contrário, quer o algo frágil,
porém verdadeiro, aquilo mesmo que está sempre sendo negligenciado,
ignorado, entretanto, salvamente este não por compaixão, mas para que a
importância daquele que ficou para trás seja reconhecida dentro da
história. Ele quer uma desconstrução das versões oficiais da narrativa, ou
seja, uma memória sempre ativa que permitiria o despontar de novas
lembranças para uma nova história.


Rembrandt, Tímoteo e sua avó, 1648. A tradição nos é transmitida pela
linguagem, assim como tudo que sabemos da história que nos antecede e que
dá sentido a nossa chegada nesta vida.


O filósofo francês, Paul Ricoeur, também partilha deste intuito, pois
diz que, antes de tudo, temos para com nossos antepassados, uma dívida que
pagaríamos através da retomada e transformação de seus anseios.
Entretanto, outro fator crucial, motivo também do declínio do
testemunho, é a dificuldade de expressão dos próprios sobreviventes. A
incapacidade de assimilar à experiência à linguiagem para o legado
narrativo. O choque que separa a memória do acesso ao simbólico coeso.
O choque (trauma para Freud) esvazia o sujeito de experiência, pois
sem tornar-se inteligível (acima de tudo, um saber social e socializável),
dotado de um sentido possível de ser transmitido, é a mera vivência. Numa
realidade onde o progresso capitalista sufoca o indivíduo com as constantes
transformações, torna-se cada vez mais difícil estabelecer identificações
para uma ação, assim, a tradição como narrativa de conhecimento perde
rapidamente a validade dentro do amontoado de vivências. Dessa forma, o
indivíduo é obrigado a acomodar abruptamente os acontecimentos, e é nesse
sentido que o efeito de choque é a manifestação de uma degradação da
própria experiência. Em seguida, o indivíduo é levado a "contentar-se com
pouco", com o inédito sempre no solo devastado do presente.


ANGELUS NOVUS, Paul Klee, 1920. Em Sobre o conceito de história, Benjamin
descreve a tela, com o anjo "que parece querer afastar-se de algo que ele
encara fixamente."


Diante de um mundo cada vez mais destituído de significações humanas,
cujas sustentações estão na experiência, a arte responde desumanizando-se,
pensada somente no âmbito matemático e lógico. Por fim, a arte moderna
(atual) expõe a pobreza de experiência.
O choque, em termos gerais, diz respeito (na estética e arte) a uma
sensibilidade moderna, em contrapartida, a modernidade (no que se refere à
experiência) torna as pessoas cada vez mais indiferentes ao efeito, ou
seja, o choque converge para uma expectativa, assim, um público acostumado
a se chocar é um público menos propenso a reconsiderar seus valores.
No excepcional testemunho do italiano Primo Levi, sob o título É isto
um homem?, é narrado todo o ocorrido, desde sua deportação ao campo de
Auschwitz, em 1944. Fala sobre seu recorrente sonho enquanto estava no
campo: numa reunião familiar, tenta contar seu sofrimento, mas sempre é
ignorado. "Por quê? Por que o sofrimento de cada dia se traduz,
constantemente, em nossos sonhos, na cena sempre repetida da narração que
os outros não escutam?" (Levi. 1988, p. 60).


Judeus no campo de concentração de Buchenwald, Alemanha, abril de 1945. O
zakhor hebraico, "lembra-te", significa lembrar dos mortos e das esperanças
não cumpridas que eles tiveram em vida.


O genocida sempre visa a total execução do grupo inimigo para impedir
narrativas do terror e qualquer possibilidade de vingança e, também
procuram apagar as evidências de seus crimes. Isto assombra o sobrevivente
como testemunha, pois na situação onde todos deveriam morrer, um sentimento
de culpa se instaura no sobrevivente, a sensação de impossibilidade de tal
fato ter ocorrido, emerge com a encoberta dos locais e marcas de
atrocidades, para então, consolidar-se na frase: "não foi verdade." A
narrativa, portanto, seria este desafio de restabelecer a interação com
aqueles que carregariam a função de ouvinte.
A dificuldade de um rearranjo da memória para a significação
linguística tem como base gradativa o efeito do choque de acordo com o tipo
de envolvimento no acontecido. Levi parece compreender essa gradação na
introdução de Os afogados e os sobreviventes (1990), onde aponta as
limitações do testemunho: "a história do Lager foi escrita quase
exclusivamente por aqueles que, como eu próprio, não tatearam seu fundo.
Quem o fez não voltou, ou então sua capacidade de observação ficou
paralisada pelo sofrimento e pela incompreensão." (Levi. 1990, p. 5)
Em última instância, o trauma (usando o termo de Freud) é
caracterizado por ser uma memória de um passado que não passa. Para o
sobrevivente, sempre restará esse estranhamento do agora, pois há a lacuna
deixada pela atrocidade que, a memória, muitas vezes, nega-se a preencher.
É com esse esforço de valorização das tradições orais, da procura por
testemunhar a história dos derrotados, que inseriríamos os sobreviventes
novamente na memória da história. A esperança da criação de uma nova
história.






















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz. São Paulo: Boitempo, 2008.

BENJAMIN, Walter. Teses. São Paulo: Brasiliense, 1985.

GAGNEBIN, Jeanne Marrie. O enigma do passado. Ricoeur e a "justa memória".
Ed. Duetto. São Paulo. nº 11. pp. 44-49.

GAGNEBIN, Jeanne Marrie. Walter Benjamin. Memória, história e narrativa.
Ed. Duetto. São Paulo. nº 7. pp. 58-67

LEVI, Primo. É isto um homem? Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1988.

LEVY, David. A identidade narrativa. Conhecer o si-mesmo é narrar sua
história. Ed. Duetto. São Paulo. nº 11. pp. 50-57.


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