HISTÓRIA REGIONAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA NO BRASIL: O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO (2006-2009)

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HISTÓRIA REGIONAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA NO BRASIL: O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO (2006/2009)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Josué Modesto dos Passos Subrinho Reitor Angelo Roberto Antoniolli Vice-reitor

O CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS Luiz Augusto Carvalho Sobral Coordenador do Programa Editorial Antônio Ponciano Bezerra Péricles Morais de Andrade Junior Mário Everaldo de Souza Ricardo Queiroz Gurgel Rosemeri Melo e Souza Terezinha Alves de Oliva

ITAMAR FREITAS ORGANIZADOR

HISTÓRIA REGIONAL PARA A ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA NO BRASIL: O LIVRO DIDÁTICO EM QUESTÃO (2006/2009)

São Cristóvão, 2009

Revisão Edvar Freire Caetano Editoração Adilma Menezes Capa Hermeson Menezes

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe

H673h

História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático em questão (2006/2009) / Itamar Freitas (org). - São Cristóvão: Editora UFS, 2009. 244p. ISBN: 978-85-7822-126-3 1. História - Ensino. 2. Educação básica - Conselho educacional - Livro didático. I. Freitas Itamar. CDU 93/94:37.011.33(075)

Sumário

- Apresentação

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PARTE I - As histórias que contam os livros didáticos de História regional

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- A fixação dos conteúdos históricos

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- As estratégias textual-discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

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- Escrevendo a História regional para as crianças

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- Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos

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- O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

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PARTE II - História da América nos livros didáticos de História regional

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- Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

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Considerações finais

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Apresentação

U

m livro didático de História é um artefato de papel e tinta de uso em situação didática, que veicula textos escritos e imagéticos auxiliando os alunos na construção de representações sobre a experiência humana no tempo (Cf. Munakata, 1997, p. 84). Ele tem sido instrumento fundamental na prática cotidiana do professor em todo o Brasil, ao longo do século XX, sobretudo. Os livros didáticos são, em muitos casos, o único impresso que o professor lê durante um ano e os únicos exemplares que constituem a biblioteca familiar da maioria dos alunos e dos pais ou responsáveis pelos alunos da escolarização básica no Brasil. Para o aluno, ele contempla a matéria a ser lecionada, as atividades que viabilizam a aquisição de capacidades necessárias ao convívio em sociedade, à sobrevivência no mundo do trabalho e à construção da cidadania. Para o

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professor, além desses atributos, o livro didático exerce a função de guia curricular e, ainda mais importante, de instrumento de formação continuada nas áreas de História e de Pedagogia, principalmente. Por sua relevância, o livro didático é um artefato prestigiado nas políticas públicas para a educação básica. Nosso país é o que mais investe no mundo. São, em média, R$ 600.000.000,00 anuais, despendidos com a compra de aproximadamente 40 milhões de exemplares, distribuídos para mais de 150.000 escolas em todos os estados brasileiros anualmente. (Cf. Freitas, 2007). Para 2010, a previsão de gastos ultrapassa a quantia de R$ 690.000.000,00. (Cf. FNDE, 2009). Não obstante a relevância do artefato, bem como a magnitude das políticas educacionais concretizadas por meio da ação do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, a difusão do livro didático no Brasil enfrenta alguns dasafios que afetam a eficácia dessa relevante iniciativa, no sentido de melhorar a qualidade na educação dos brasileiros. A produção de livros regionais de História é um desses problemas. O Ministério da Educação – MEC, com recursos provindos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, adquire milhões de exemplares de livros de História regional, mas o processo de avaliação dessas obras tem apontado que aí residem as maiores fragilidades no que diz respeito aos aspectos gráficos e de conteúdo. (Cf. Brasil, 2007). É nesse contexto que se insere esta obra. Ela aborda a questão da qualidade do livro didático de História regional e, de forma indireta, propõe estratégias para o aperfeiçoamento da sua produção. Mas, o que são livros didáticos de História regional? 8

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Os livros denominados de História regional são impressos que registram a experiência de grupos que se identificam por fronteiras espaciais e sócio-culturais – seja na dimensão de uma cidade, seja nos limites de um Estado ou de uma região do Brasil –, sendo costumeiramente utilizados em situação didática no ensino de História. No âmbito do PNLD, os livros regionais começaram a ser avaliados na edição 2004. Nessa ocasião, 41% dos 24 títulos apresentados por autores/editores foram reprovados (Cf. Brasil, 2006; Bezerra, 2004 e 2007), em grande parte, por não contemplarem os avanços da pesquisa histórica e da pesquisa pedagógica e por desprezarem as diretrizes para a escrita e a editoração dessa tecnologia educacional. No PNLD 2007, o número de exclusões diminuiu significativamente. Mas, na maioria dos livros, foram conservadas a periodização colônia, império, república, a ênfase na ação político-institucional e nos personagens ilustres, e as abordagens pedagógicas ultrapassadas. 1 Grande parte desses livros não incorporou inovações historiográficas e pedagógicas, manteve relativo descaso com o pro-

Em recente estudo sobre livros didáticos regionais, Flávia Caimi chegou a conclusões idênticas a respeito de 9 nove livros do Rio Grande do Sul, produzidos nas décadas de 1990 e 2000: abordagens intercaladas de Geografia física e História factual, capítulo específico de cultura gaúcha, cronologia linear institucionalizada (primeiros habitantes, missões jesuíticas, colonização açoriana, imigração européia, Revolução Farroupilha, Rio Grande do Sul na época republicana, cultura e símbolos do “nosso estado”), imagens elogiosas da província e de alguns de seus homens e tipos, visão ufanista da história regional. (Caimi, 2007, p. 177). 1

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jeto gráfico e desprezou o papel que o manual do professor representa no processo ensino-aprendizagem (Cf. Brasil, 2006). Outro problema que também afeta a produção dos livros didáticos regionais é a concentração de títulos em alguns espaços da federação. Entre 2004 e 2007, o número de livros aprovados ampliou-se de 14 para 27, um crescimento de 93%. O número de estados contemplados, entretanto, ficou bem longe dessa marca, ampliando-se de 10 para 14, ou seja, 29%.2 (Cf. Caimi, 2007, p. 174). A marcante presença das imperfeições no livro didático de História regional – ao contrário do que ocorre com as coleções de História (Brasil e geral) – foi, inicialmente, atribuída à submissão da História à área de Estudos Sociais (Cf. Bezerra, 2004) que vigorou no Brasil entre 1971 e o início da década de 1990 (Cf. Martins, 2002, p. 105, 191). Segundo Holien Bezerra (2004), no processo de transição do livro de Estudos Sociais para o livro de História como disciplina autônoma nas séries iniciais, vários resíduos da antiga rubrica foram mantidos. (Cf. Bezerra, 2004; Bezerra e De Luca, 2006). Tais vícios do recente regime militar são justificativas relevantes. Entretanto, podemos atribuir outras razões para esses problemas de qualidade na literatura didática regional, entre as quais, o fato

PNLD 2004 – Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo; PNLD 2007 – Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina. 2

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de muitos estados não serem considerados espaços significantes em termos mercadológicos para as editoras que trabalham com livros didáticos. Essa justificativa – a do mercado –, explicaria, também em parte, o desestímulo dos editores e a ausência de investimento no gênero História regional, posto que as universidades públicas têm a sua parcela de responsabilidade. Seus cursos de História e de Pedagogia têm demonstrado pouco interesse na produção do livro didático regional. O profissional multidisciplinar, que dá conta da produção do livro, ainda é raro nessas instituições e as iniciativas de boa qualidade, transitando entre a Linguística, História, Design e Pedagogia, ainda são raríssimas, quando não migram imediatamente dos centros acadêmicos para as grandes editoras.3

Cabe aqui, mais uma vez, citar as conclusões de Flávia Caimi, especificamente, sobre o Rio Grande do Sul: “(...) verifica-se um distanciamento entre a produção acadêmica de história regional e os conteúdos escolares veiculados nos programas e nos livros didáticos (...) ao que nos parece, dentre as principais razões, estão: a) a excessiva ingerência do movimento tradicionalista gaúcho na escrita e na disseminação de uma certa visão da História e da cultura do estado, apoiada no ufanismo, na ideologia e no orgulho de ser gaúcho; b) a acolhedora recepção que as escolas fazem a essa visão históricocultural, reproduzindo-a em festividades, gincanas, invernadas artísticas, caféde-chaleira etc.; c) a pouca preocupação dos professores universitários de História com a produção de livros didáticos regionais e com a formação de professores para atuar qualificadamente nas séries iniciais do ensino fundamental; d) a insuficiente frequência de conteúdos da História regional na organização curricular das escolas, os quais são relegados, na maior parte dos casos, a apenas uma série no Ensino Fundamental, sendo raramente contemplados no Ensino Médio; e) a tendência existente no âmbito acadêmico de produzir conhecimentos para consumo e deleite entre os próprios pares, descuidandose da sua divulgação e recepção no seio da sociedade”. (Caimi, 2007, p. 178). 3

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Não bastassem esses entraves, verificamos também que a maioria dos historiadores universitários demonstra certo desprezo pelo artefato, dominantemente, considerado como uma literatura de segunda ordem. Um bom indicador são as obras de síntese da História da historiografia. Desde a primeira metade do século XX, quando estas começaram a vir a público, não foi produzido, sequer, um trabalho que contemplasse, no todo ou em parte, essa literatura historiográfica específica, respeitando-a em seus traços dominantes – de escrito didático (Cf. Rodrigues, 1949 e 1952; Holanda, 1951; Campos, 1961; Canabrava, 1972; Lacombe, 1973; Mota, 1977; Lapa, 1981 e 1985; Silva, 1983; Gomes, 1996; Reis, 1999, Arruda e Tengarrinha, 1999). O trabalho de maior envergadura sobre a História da historiografia brasileira, produzido no início da década de 1990 – A História no Brasil –, não incluiu o livro didático como fonte. Carlos Fico e Ronald Polito assim justificaram a exclusão: cremos que a veiculação de conhecimento especializado em textos didáticos da maioria das áreas de conhecimento ocorre com relativo atraso. Levantamentos nessas áreas provavelmente demonstrariam que o que hoje é divulgado pela produção didática em História nos primeiro e segundo graus não equivale ao que é lido e discutido pelos grupos mais especializados e pelos leitores em geral. (Fico e Polito, 1992, p. 27-28).

Evidentemente, as razões de Fico e Polito foram de ordem metodológica: o processo de seleção das fontes enfatizou as “esferas mais especializadas de produção do 12

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conhecimento histórico”. No entanto, o desprestígio da historiografia didática entre os profissionais da História que não dedicam maior parte do tempo à docência no ensino básico é amplamente reconhecido no meio. O depoimento da historiadora Claudia Wasserman é bastante revelador neste sentido: Ao ser convidada para participar do simpósio de Teoria e Metodologia, senti um grande orgulho de pertencer a essa seleta elite que estuda não apenas a História, mas também o desenvolvimento do processo de produção do conhecimento, ou melhor, que discute a própria ciência. Porém, logo que me foi designada a mesa de ensino, me senti frustrada (temos a tendência a menosprezar os temas da educação). Com tantos temas importantes, pulsantes, novos e polêmicos (biografias, novas tendências, História no fim do milênio), eu teria que me contentar com a discussão do livrodidático, lamentar as mazelas da educação brasileira, etc. (Wasserman, 2000, p. 249, grifos da autora).4

Certamente, a pesquisa educacional produzida na Universidade não tem condições nem ambição de resolver

4 Segue o restante do texto, onde a autora anuncia a relevância dos estudos sobre o livro didático de História: “Mas, logo que comecei a refletir sobre o tema proposto, percebi o privilégio único de debater sobre o verdadeiro ofício do historiador. Ou seja, pensar nos conteúdos teórico-metodológicos do nosso cotidiano acadêmico-universitário é muito menos desafiador do que pensar nesses conteúdos no âmbito da escola e dos instrumentos envolvidos no processo ensino-aprendizagem”. (Wasserman, 2000, p. 249).

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em curto tempo o problema da desqualificação dos profissionais, o desprezo dos universitários ou a questão do mercado colocada por algumas editoras. No entanto, ao menos, em um campo pode-se intervir imediatamente, de forma a melhorar a qualidade das obras de História regional: na descrição das suas características, indicação de virtudes e vícios e no acompanhamento sistemático das suas reedições. A avaliação de livro didático no Brasil tem sido bastante criteriosa e, por isso mesmo, legitimada pelo campo acadêmico, pelos professores do ensino básico e por grande parte dos autores e editores de textos escolares. A prática da avaliação está sempre em mudança. A cada PNLD lançado, há um esforço das equipes avaliadoras para tornar o processo e os instrumentos muito mais atualizados em termos dos indicadores de qualidade do livro didático. O resultado das mudanças no processo avaliativo repercute positivamente no meio editorial. Ajustes nos critérios significam, na maioria dos casos, mudanças no projeto editorial, gráfico, historiográfico e pedagógico. É sintomático, portanto, que as propostas curriculares e o trabalho pedagógico difundidos pelos livros didáticos tenham ganhado maior sofisticação nos últimos 10 anos. É perceptível também que tenha havido uma diminuição do tempo médio de transferência da pesquisa acadêmica para o livro didático; beneficiando a qualidade da educação básica. Os impactos das recentes políticas sobre livros didáticos (incluídas as iniciativas de avaliação), como afirma Holien Bezerra (2004), têm incidido positivamente nas comunidades científica e educacional e no meio editorial, 14

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embora em relação ao livro didático regional, os avanços não sejam tão animadores quanto os resultados das coleções de História para as séries/anos finais. Assim, pensamos que o exame do conjunto de 27 títulos de livros didáticos regionais (LDR) distribuídos pelo PNLD 2007 pode, ao mesmo tempo, dar a conhecer essa variante da escrita da História aos historiadores, aperfeiçoar os instrumentos de mensuração e contribuir para a melhoria da qualidade dos livros. Tais foram, portanto, as principais metas e justificativas dessa empreitada, efetivada entre agosto de 2007 e julho de 2009 pelo Grupo de Pesquisas sobre Ensino de História – GPEH, contando com três professores e sete alunos dos cursos de História e de Pedagogia da Universidade Federal de Sergipe, dentro do projeto “História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático em questão (2006/2009)”5. O projeto partiu de um programa de estudos mínimos baseados nas áreas que incidem sobre as dimensões nas quais os livros são costumeiramente avaliados, a saber: História (Teoria e História da historiografia), Pedagogia (psicologias da aprendizagem e do ensino), Linguística (textual e análise do discurso), e Design (gráfico), além da observância de algumas demandas sociais incorporadas

5 Os alunos de graduação foram auxiliados pelo Programa de Auxílio ao Recém-Doutor (2007), Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal de Sergipe, com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (2007/2008) e da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe FAPITEC (2008).

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recentemente pelo Estado (inclusão da experiência e melhoramento da imagem das sociedades indígenas) e também de interesses da política exterior brasileira (as representações sobre a América). Os procedimentos metodológicos que viabilizaram esta empreitada compreenderam ações de pesquisa bibliográfica e de análise estatística. A pesquisa bibliográfica teve o seu papel no inventário das questões e soluções mais recorrentes sobre a natureza do livro didático de História para crianças, em uso por historiadores, pedagogos, linguistas e designers gráficos. A análise estatística foi empregada para testar as hipóteses de linguistas, historiadores, pedagogos e designers, tendo como fonte primordial os livros didáticos de História regional aprovados no PNLD 2007.6 No campo da Linguística, selecionamos indicadores que permitiram examinar o processamento textual do ponto de vista de sua produção. Analisamos, prioritariamente, as estratégias textual-discursivas que têm por finalidade facilitar a compreensão, introduzir esclarecimentos e exemplificações, aumentar a força teórica do texto, e dar relevo a certas partes dos enunciados. Quais as escolhas operadas pelos produtores dos textos de livros didáticos de História regional, sobre o material linguístico à sua

6 É preciso esclarecer que a pesquisa não fez descrição/avaliação de títulos em particular ou de grupos de títulos por autoria ou editora. Parte deste trabalho é da competência dos avaliadores do PNLD e está disponível no Guia do livro didático do PNLD 2007. O projeto ocupa-se da descrição do conjunto das obras para a construção de bases referenciais que, num futuro próximo, poderão indicar tendências no perfil do gênero.

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disposição, objetivando orientar o interlocutor na construção do sentido? São as mesmas estratégias utilizadas em todos os anos do ensino fundamental e do ensino médio? A abordagem linguística, portanto, ofereceu os indicadores que permitiram responder a estas questões com o intuito de demarcar os recursos utilizados pelo produtor textual para negociar com seu interlocutor os sentidos que pretende veicular. Em termos de Design, selecionamos os indicadores responsáveis pelo exame da linguagem visual, discutindo os parâmetros de produção gráfica, confrontando as indicações do PNLD 2007 e os projetos gráficos apresentados nos livros de 1ª a 4ª séries das editoras que tiveram livros contemplados pelo Programa. Para tanto, submetemos cada um dos 27 títulos de LDR a uma “Matriz de análise de projetos gráficos de livros didáticos” com o intuito de traçar um perfil dos recursos gráficos utilizados e de identificar as contribuições do planejamento visual na elaboração dos livros didáticos. Esta ferramenta orientou a investigação dos recursos visuais presentes nos livros didáticos para capturar as relações destes com os processos de ensino-aprendizagem, a partir da forma e disposição dos elementos na diagramação das páginas, das técnicas de composição utilizadas; das tonalidades, matizes e funções das cores; dos tipos e funções das imagens; e dos aspectos tipográficos, além do nome da obra, volume, série/ano a que se destina, formato, número de páginas, encadernação, número de cores de impressão e tipo de papel utilizado. No que diz respeito às questões pedagógicas e historiográficas, selecionamos indicadores para o exame das so17

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luções e desvios mais recorrentes em termos de paradigmas da Psicologia da aprendizagem e do ensino, da Teoria da História e da História da historiografia recente. Em termos pedagógicos, examinamos a escolha de capacidades, o entendimento do fenômeno aprendizagem e seus condicionantes no ensino de História implícitos nas estratégias de elaboração das atividades destinadas aos alunos. Em termos historiográficos, analisamos as formas de recortar o tempo, a eleição de personagens e cenários, a seleção e uso de conceitos meta-históricos e substantivos e o tratamento concedido às temáticas indígenas e de História da América.7 Sobre as formas de apresentação das sociedades indígenas e da História da América, examinamos textos escritos e imagéticos, buscando responder: que representações são construídas e dadas a ler às crianças dos anos iniciais? O que explica a raridade ou a recorrência de determinadas imagens? O texto final ganhou a seguinte estrutura: Parte I elementos estruturantes da escrita da história, atividades destinadas aos alunos nos LDR, estudo sobre estratégias textual-discursivas, soluções linguísticas dos pro-

7 O projeto previa a análise historiográfica a partir dos elementos constituintes da narrativa. A desistência de alguns alunos e os ajustes nos projetos de iniciação científica impediram a concretização das metas iniciais, ficando a análise restrita ao recorte do tempo, tipificação dos sujeitos históricos e extração dos conteúdos conceituais. O mesmo ocorreu em relação à análise da orientação pedagógica dos LDR. Não examinamos os manuais do professor, como estava previsto na primeira versão do projeto de pesquisa.

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dutores de LDR, matriz de análise de projeto gráfico, soluções gráficas dos produtores de LDR; Parte II - abordagem da História da experiência indígena e da História da América nos LDR; Parte III – considerações finais. Resta, por fim, agradecer aos principais atores deste trabalho. Aos alunos de iniciação científica, graduandos de História e de Pedagogia, que aceitaram o desafio de ir além das suas áreas de formação para ampliar a compreensão sobre esse objeto multifacetado que é o livro didático: Ana Maria Garcia Moura, Analice Marinho Santos, Bárbara de Barros Olim, Carla Karinne Santana de Oliveira, Kléber Luiz Gavião Machado de Souza, Kléber Rodrigues Santos e Max Willes de Almeida Azevedo. É também necessário agradecer à Universidade Federal do Rio Grande do Norte que, antes de inaugurar o Memorial do Livro Didático – sob a direção da Profa. Maria Margarida Dias de Oliveira –, abriu o seu acervo à consulta dos pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe. Por fim, agradecer aos professores Christianne de Menezes Gally e Hermeson Alves de Menezes, ambos responsáveis pela construção de modelos analíticos, respectivamente de linguística textual e de projeto gráfico.

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PARTE I

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As histórias que contam os livros didáticos de História regional1

Escrita didática é também escrita da História

A

ntes de contar como tem sido escrita a História regional para crianças, é necessário desfazer um mal-entendido: a ideia de que a escrita escolar (veiculada pelos livros didáticos e paradidáticos) não é escrita da História. No final deste tópico, declaramos os motivos dessa negação. Agora, basta apontar as semelhanças e as singularidades desse gênero em relação às escolhas dos his-

Escrito por Itamar Freitas com a colaboração de Kleber Rodrigues Santos, que redigiu o tópico “Atores e cenários da experiência regional”, a partir dos seus relatórios de Iniciação Científica apresentados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/UFS (2007/2008), e de Bárbara de Barros Olim, que inventariou os conceitos meta-históricos. 1

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toriadores, principalmente, que trabalham em instituições universitárias de pesquisa. A escrita histórica escolar é escrita da História, não temos dúvidas. E são várias as razões para esta afirmação. Em primeiro lugar, ela se ocupa da experiência do homem no tempo. Ao escrever um texto escolar, o autor relaciona presente (uma questão) e passado, constrói uma narrativa que se serve da memória e em memória se converte com o passar dos anos (Cf. Rusen, 2001, p. 66-67 e 149; Catroga, 2001, p. 40 e 57). A construção dessa narrativa obriga o seu autor a fazer uso das mesmas operações prescritas pelo trabalho da maioria dos historiadores. Ele parte de uma questão, seleciona fontes, utiliza-se das hipóteses dos autores de ponta, reúne e critica fontes, submete os resultados a uma teoria explicativa e sintetiza. (Cf. Rusen, 2007, p. 115, 118, 123 e 127; Laville, 1999). Assim, escrita dentro dos mesmos domínios da ciência de referência, a abordagem também situa-se nos âmbitos cultural, social, econômico, político, das mentalidades, cotidiano entre outros, aplicando as mesmas escalas (micro e macro), ritmos (lento e rápido) e durações (longa, conjuntural e breve) inventadas pela historiografia acadêmica. A História escolar é escrita por literatos, professores do ensino básico, mas também é produzida por historiadores eruditos (responsáveis pela pesquisa histórica nas universidades). São os casos, por exemplo, de Sérgio Buarque de Holanda, Jobson Arruda e Marco Antônio Vila. E não poderia ser diferente. Estes nada mais fazem e fizeram que cumprir uma relevante função da ciência da História, cunhada entre teóricos do século XIX e do século XX: a orientação da 26

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vida prática, exercida, sobretudo, na dimensão do ensino. (Cf. Droysen, 1983; Rüsen, 2007, p. 85-133). Vê-se, então, que a escrita para as crianças obedece a idênticas regras do ofício do historiador. Mas, como afirmamos no início do texto, ela é um gênero, entre os vários existentes na corporação dos historiadores (dicionário, biografia, quadrinhos etc.). E, como gênero, possui as suas especificidades. A primeira delas é a obediência às finalidades do ensino de História, que estão relacionadas às demandas internas e externas à escola. Finalidades são produzidas em meio aos jogos de interesse do Estado, da corporação de professores, pais de alunos, dos movimentos sociais que refletem nas decisões do Congresso Nacional. São traduzidas em conceitos-chave como formação para a cidadania e construção de identidades (individuais, de gênero, étnicas, locais e nacionais) e expostas em parâmetros nacionais, currículos e programas estaduais e municipais, e nos projetos pedagógicos de cada instituição escolar. A necessidade de atender a essas demandas interfere diretamente na escolha dos temas, da orientação interpretativa e até mesmo na ideia de conteúdo histórico. É certo que os autores da escrita didática colhem informações e conceitos junto à ciência de referência. Mas nem tudo o que eles produzem pode ser transposto para o texto didático. Só aquilo que auxilia no cumprimento das finalidades do ensino de História ganha relevância. Essa espécie de filtro justifica, por exemplo, a omissão de temas sofisticados como o valor da História contrafactual nos EUA ou o debate alemão sobre as antagônicas ideias de explicação e compreensão que, na década de 27

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

1990, orientaram a formatação de uma nova epistemologia para a História (Cf. Blanke, 2006, p. 38). Idêntico condicionante também justifica a ampliação do espaço e o tratamento diferenciado, nos últimos anos, em relação à história e cultura indígena e afro-brasileira, à história das mulheres e das crianças na historiografia escolar, mesmo que a maior parte dos historiadores acadêmicos não tenha avançado ou não demonstre interesse em direcionar suas pesquisas em tal sentido. Acrescente-se, ainda, que as finalidades do ensino, prescritas por jogos de interesses (repetimos), não se modificam ao sabor das tendências, correntes e escolas historiográficas. Com isso queremos afirmar que alguns conceitos e informações permanecerão nos escritos para as crianças por anos a fio (a chamada vulgata histórica), mesmo que os historiadores já os considerem pouco importantes (Cf. Serrano, 1937, p. XVIII). A própria ideia de conteúdos é diferente. Enquanto os historiadores eruditos estruturam suas histórias por meio de proposições e conceitos (ditos) especificamente históricos (inventados ou empregados no campo da História), os autores de histórias para crianças incorporam valores e procedimentos, atividades de retenção, aprofundamento ou verificação da aprendizagem, veiculados por conceitos e proposições relacionadas aos campos do ensino e da aprendizagem, originárias da Sociologia, Ética, Semiótica e Psicologia, por exemplo. Isso remete diretamente a outra singularidade da escrita didática. Na produção do texto, os autores consideram as estruturas cognitivas dos alunos que, em geral, obedecem a certa progressão. Os historiadores eruditos 28

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

escrevem para indivíduos maduros e não enfrentam essa dificuldade. Tal característica condiciona a distribuição dos temas e a diferenciação dos escritos segundo a faixa etária, que deve obedecer a mais antiga das lições didáticas: partir do simples para o complexo, do conhecido para o desconhecido, do menos abstrato para o mais abstrato. O trabalho de síntese ou a exposição didática propriamente dita incorpora, por fim, três características pouco presentes nos trabalhos eruditos. Em primeiro lugar, ela é construída, majoritariamente, sobre fontes bibliográficas (de segunda ordem) disponibilizadas pelos historiadores universitários. Dificilmente um autor de texto didático busca as fontes coetâneas (documentos cartorários, por exemplo) para a elaboração da sua narrativa (excetuando-se o seu emprego em atividades e ilustrações). Como depende da pesquisa básica e também das finalidades do ensino, não raro, o autor da escrita didática mescla textos orientados por teorias diversas para cumprir as demandas de currículos e de professores. Exemplo: se o cotidiano dos “anônimos” não foi objeto de pesquisa dos historiadores “marxistas” (que orientam o texto principal de determinada obra em construção) e os professores solicitam a incorporação de novos objetos e abordagens, escritores de textos didáticos incorporam proposições de um modelo “rival”, a micro-História Por fim, em muitos casos, com o objetivo de informar aos seus leitores sobre os “segredos internos” da profissão do historiador, textos didáticos oferecem mais de uma versão sobre os temas enfocados e exploram diversos domínios da História numa mesma obra. A composição resultante ganha forma de um mosaico – contraditório (para 29

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

alguns historiadores) e/ou plural (para alguns professores do ensino fundamental e médio). É provável que as três últimas características sejam as principais responsáveis pela negação do texto didático como escrita da História. Mas, insistimos que as diferenças são apenas singularidades que marcam um gênero em relação à História-tese produzida no interior das universidades. O fato significativo, que afirma a escrita regional para as crianças como escrita histórica, é o trabalho com a experiência dos homens no tempo, partindo da estrutura (teórica) da História, em forma de narrativa, cumprindo uma relevante função social: a orientação da vida prática de todos os humanos. Assim, no exame dos 27 títulos de História regional distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático PNLD 2007, levamos em conta alguns elementos estruturais das narrativas históricas, tais como: as formas de tornar o passado presente – modos de recortar o tempo, de encerrar, desenvolver e finalizar histórias, e as funções orientadoras do real sugeridas pelos modelos expositivos. Além desses elementos, categorizamos os sujeitos históricos e seus cenários e os conteúdos conceituais substantivos e meta-históricos veiculados.2

Dois outros procedimentos aqui adotados. O primeiro foi a leitura focada no autor (Koch e Elias, 2006, p. 9-10). Em primeiro lugar, foi fundamental diferenciar texto principal de texto complementar. Identificado o texto principal, promovemos sua divisão em “unidades de sentido” (um parágrafo, uma sub-unidade, uma unidade, um capítulo – desde que enunciasse um “pensamento completo”). No segundo, “análise temática”, promovemos a identificação e quantificação dos elementos principais da narrativa e extração das conclusões a partir da quantificação. 2

30

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Partindo desses elementos estruturantes, construímos um perfil que cumpre dois objetivos. Em primeiro lugar, dar a conhecer um gênero da historiografia: a escrita didática regional. Em seguida, a análise põe em questão algumas hipóteses (ainda que não registradas por escrito) colhidas entre os historiadores, ao longo dos últimos quatro anos, nos eventos científicos – regionais/nacionais –, quando vieram à tona, indiretamente, a escrita da História didática regional: 1. os livros didáticos recortam o tempo de maneira tradicional (tripartite); 2. os grandes homens dominam as ações nas histórias regionais; 3. a escrita da História regional é uma reprodução abreviada da experiência político-administrativa brasileira; 4. a experiência local é minoritária no espaço narrativo das histórias regionais; 5. a escrita histórica didática regional mantém os “quadros de ferro” de Varnhagem, ou seja, ela distancia-se dos novos problemas e abordagens introduzidos na historiografia de referência nos últimos vinte anos no Brasil.

Recortando o tempo e distribuindo conteúdos conceituais Se escrever História é contar história, então, pensar em escrever a História é recortá-la, é estabelecer um início e um fim e, em seguida, o antes, o durante e o depois. É dar sentido à experiência humana depositando-a em intervalos a que chamamos de períodos. Pensar em escrever História é periodizá-la. (Cf. Rodrigues, 1969, p. 112; Topolsky, 1985, p. 465-472). 31

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

Além de dar sentido à História, além de realizá-la (levando em conta a determinação temporal – início/fim, antes, durante e depois), a periodização dá ritmo à narrativa (e, consequentemente, à leitura da narrativa). Na análise historiográfica dos LDR cabem então as seguintes perguntas: como os autores iniciam e encerram suas narrativas? Como periodizam? Quais os critérios mais recorrentes no ato de periodizar? Quais os principais condicionantes? No caso dos LDR, não é difícil identificar certa homogeneidade nas referências temporais de início e fim das narrativas. Metade dos títulos optou por iniciar a experiência brasileira/regional pelo ano da chegada do europeu na América. Sete demarcaram com a chegada de Cabral e os demais optaram pela descoberta de um rio ou a instituição de feitorias e capitanias hereditárias. Alguns livros fazem referências à Pré-História, mas não exatamente como tempo de experiência brasileira ou local. Grande parte das referências arqueológicas é apresentada na condição de informação meta-histórica (reflexões sobre a História-ciência), ou seja, artefatos colhidos e manipulados pela arqueologia são fontes para a escrita da História. O encerramento da narrativa é de datação incerta. Mas três deles retroagem à última década do século XX. A maioria dos títulos, entretanto, encerra com informações datadas entre 2000 e 2004, muito próximos às datas de edição – 2001, 2003, 2004, 2005 e 2006. Como conclusão, não se pode dizer (como é comum) que os LDR desprezem eventos do tempo presente (que encerram a narrativa com acontecimentos da primeira 32

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

metade do século XX). Por outro lado, nota-se um atrelamento (às vezes, não justificado) entre a experiência político-administrativa da História do Brasil e a experiência do lugar, já que a maioria relaciona a chegada do europeu na América ao início da vida local. Sobre a segunda questão, “Como periodizam as narrativas históricas”, é importante distinguir dois tipos de procedimento: periodização e plano de distribuição dos conteúdos conceituais. A periodização está inserta no plano, mas nem todo o plano se resume à periodização, em outras palavras, não foi norma empregar a periodização com o critério maior para a separação em unidades e/ou grupo de capítulos como alguns estudiosos pensam ser norma nos livros didáticos (ainda que não registrem por escrito). Essa característica do LDR pode ser explicada pela própria natureza do gênero: em sua elaboração, os autores não levam em conta apenas a dimensão temporal (eixo da narrativa). LDR é também constituído pelo conceito de espaço, por conceitos caros à propedêutica da História e da Pedagogia, informação demográfica (inclusa a formação étnica), desenvolvimento de atitudes e valores, construção de identidades regionais, símbolos pátrios, inventário de problemas sociais, de bens culturais e ambientais, e lista de figuras locais ilustres. De onde vêm essas demandas? Parte delas é prescrita nos editais do PNLD, que reproduzem exigências legais, tais como: Constituição de 1988, Diretrizes para o ensino fundamental, Estatuto da Criança e do Adolescente. É possível, por outro lado, que algumas unidades dos LDR correspondam a uma representação que editores e autores construíram das necessidades dos professores das 33

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

séries iniciais. Talvez sejam sobrevivências do ensino de História para a escola primária, calcado na Educação Moral e Cívica e em uma das variações dos Estudos Sociais (Geografia Física e Humana + História Política e Econômica). Vejamos agora os tipos mais recorrentes e os casos residuais. Para aqueles que submeteram, explicitamente, o plano de redação à periodização, o critério dominante foi o político-administrativo. Um tipo admite recortar o tempo em Colônia, Monarquia e República e outro acrescenta o período independência (1808/1822) ao recorte tripartite. Como o diagrama n. 1 apresenta um tipo ideal, reunimos os demais títulos que, apesar de não anunciarem esse recorte tripartite, adotam-no para narrar a experiência local. Um terceiro tipo, mais curioso, deixa delineado o período colonial e indefinido o período seguinte: pode ser um trecho que vai até o século XX ou uma divisão em séculos sem, necessariamente, identificar-se com a experiência monárquica, provincial, republicana etc., entre outras. Diagrama n. 1 – Formas de periodizar nos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Colônia

Monarquia

República

Colônia

Independência

Monarquia

Colônia

34

12 títulos República

1 título 3 títulos

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

É importante ressaltar que a adoção do clássico critério político-administrativo para recortar o tempo (resultando em três ou quatro períodos) não significa dizer que as histórias somente registram experiências do nível do político. Como poderemos observar no último segmento deste texto, a periodização não determina o sentido produzido sobre a experiência regional. Ela oferece referências temporais, espaciais e de nomes próprios para facilitar a localização em tempos e espaços muitas vezes já conhecidos pelos alunos e, principalmente, pelos pais e professores: são referências relativas à experiência/memória dita nacional. Quanto aos 11 títulos desconsiderados no Diagrama n. 1, não conseguimos categorizar periodizações. E a razão pode ser encontrada naquela distinção que fizemos entre periodização e distribuição dos temas no plano da obra. O plano de um LDR contempla muitas demandas que norteiam a divisão e quantificação de unidades/capítulos de cada obra. Tabela n. 1 – Quantidade de unidades/capítulos nos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Unidades/capítulos* 03-05 06-10 16-31 11-15

Quantidade de Títulos Absoluta Relativa 15 05 04 03

56% 19% 15% 11%

(*) Os números referem-se às maiores unidades de leitura. Quando só havia capítulos, consideramos o capítulo como maior unidade de leitura. Aqui foram desconsideradas as introduções e os elementos pós-textuais, tais como os glossários e as referências bibliográficas. 35

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

A abundância de intervalos e de recortes não indica, obrigatoriamente, a multiplicidade de temas e períodos. Um período cronológico pode muito bem abarcar vários capítulos e até unidades. O que nos referimos aqui é ao atendimento das demandas que resultam em um livrorepertório, para usar a linguagem arquivística. O livrorepertório veicula informações (entre as quais e para além das quais o conhecimento histórico sobre o local) que, muitas vezes, não guardam relações entre si. O fato de muitas vezes não guardarem relações entre si (um repertório difere de uma série documental, onde os documentos “dialogam”) provoca a quebra da linearidade do texto, e a linearidade e a sequencialidade são características predominantes no gênero didático em História. A distribuição dos temas no plano da obra apresenta alto índice de dispersão. Excetuando-se os casos em que vários estados são cobertos por um mesmo projeto editorial (Cf. Capítulo 6), podemos afirmar que cada título apresenta-se como modelo. As demandas atendidas são as mais diversas. Omitindo aqui as unidades inicial e final, podemos exemplificar alguns planos típico-ideais de distribuição dos temas. Observem que na Tabela n. 1 a maioria dos livros divide o texto entre 3 e 5 partes. Há casos em que as partes 2, 3 e 4 respondem pelos períodos Colônia, Monarquia e República. Neste tipo, cabe aos capítulos o intricado jogo de distribuição dos temas (História Política Brasileira, História Política Regional, Formação Étnica, História Econômica Brasileira, História Econômica Regional, Demografia, História do Cotidiano, Formação Cívica, entre outros). 36

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Há o tipo que divide o texto em séculos (XVI, XVII, XVIII, XIX e XX). Em cada século, são expostas as experiências: econômica, política e social. Mas, há também situações onde inexistem unidades e os capítulos se derramam numa micrologia de temas, com idas e vindas à colônia e aos últimos anos do século XX. Registre-se, ainda, que são raros os casos em que o tema, os eventos e a periodização não estão condicionados pela periodização política emanada do poder central (do que sucedia na Bahia, Rio de Janeiro e Brasília). Apesar da dispersão, dois elementos aparentam certa constância: a primeira unidade e a última. A primeira veicula alguns desses elementos (geralmente): 1. conceitos meta-históricos (História, fonte, tempo, continuidade e mudança); 2. situação política e/ou espacial do Estado na região e no país (localização, limites, adjetivo pátrio, traços identitários); 3. noções de Pré-História e/ou do trabalho arqueológico; 4. descrição dos modos de vida indígenas no passado e no presente. A última unidade, em geral intitulada de “cultura”, “aspectos culturais” ou “identidade”, veicula informações sobre danças e folguedos, festas, figuras ilustres (artistas, escritores), artefatos do patrimônio histórico ou ambiental e pontos de visitação turística.

Atores e cenários da experiência regional Quem faz a historia? Obviamente, o homem: mulheres, adultos, crianças. Eles recebem os nomes de sujeito histórico, ator e protagonista. Protagonista era o principal ator 37

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

entre os três elementos clássicos do teatro grego (protagonista, coro e figurante). Ele encenava o papel mais importante. Em torno dele construía-se o enredo. (Cf. Houaiss, 2007; Mosé, 2004, p. 266). Historiadores empregam protagonista com mesmo sentido de sujeito histórico, ou seja, não apenas que atua/age em sentido estrito. Sujeito histórico é aquele que tem a ideia, toma a decisão de executála e a executa efetivamente. O responsável pela ação, portanto, pode não ser o mesmo sujeito, pode mesmo migrar do pessoal ao coletivo e vice-versa. (Cf. Arostegui, 2000, p. 330). Conservando este último sentido, indagamos, então: quais são os produtores da História regional? Tabela n. 2 – Sujeitos históricos nos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 20073 Categoria Coletivo Indivíduo Outros Total

Quantidade de Títulos Absoluta Relativa 12701 2665 2564 17930

71% 15% 14% 100%

Fonte: Rodrigues, 2008, p. 18.

Pela Tabela n. 2, a resposta é clara: quem faz a História? Quem são os causadores ou motivadores dos acontecimentos? São os sujeitos coletivos que aparecem com

3 O quantitativo de personagens foi extraído mediante a análise de cada ação conclusiva, ou seja, uma frase organizada em torno de um verbo.

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

maior frequência. Responsáveis por 71% das ações, eles são, majoritariamente, grupos institucionais, etnias e classes sociais. Os indivíduos (pessoais) somam 15%, podendo ser considerada fraca a sua presença nos LDR. Como poderemos acompanhar no tópico a seguir, os sujeitos individuais/pessoais destacados existem, mas a sua experiência na História regional (em geral) não é abordada de forma elogiativa. Os destaques em termos de texto principal, por exemplo, são mínimos. Apesar da alta frequência de classes, etnias e grupos como protagonistas da experiência regional, em um título essa proporção chega próximo ao equilíbrio (individual 45%/coletivo – 50%). Esses dados, entretanto, só confirmam a sentença de que as ações individuais/pessoais são minoritárias no LDR. Na Tabela n. 2 pode-se ver também um expressivo número relacionado à categoria “outros”. Esse é um fato curioso. Foram assim categorizados por não chegarmos a um consenso a respeito dos personagens não humanos, tratados nos LDR como responsáveis por mudanças, permanências, origens e fins de fenômenos e instituições. Uma paisagem, um território ou um produto econômico podem ser considerados sujeitos históricos? Seria um caso exemplar de nominalismo ou uma prerrogativa dos seres inanimados, atribuída pela 2ª geração da Escola dos Annales? Independentemente da resposta a que cheguemos, paisagens/territórios, na forma de montanhas, serras, florestas, mares, rios e estradas representam 12%, e produtos agropecuários, minerais e extrativistas, tais como o algodão, ouro, prata, charque, 39

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

pau-brasil, petróleo entre outros, contabilizam 2% do total das ações. Por fim, os cenários. Onde se desenrola a experiência regional? Havia uma certa desconfiança em relação ao foco da História regional. Os LDR já foram acusados de serem simples reprodutores da História processada nos centros de poder – Salvador, Rio de Janeiro São Paulo e Brasília. Os resultados indicam, porém, que os municípios (24%) e os Estados (22%) são os grandes cenários da História chamada regional. Chama a atenção, entretanto, o significativo espaço concedido aos outros países. Isso indica que os LDR colocam em diálogo experiências e personagens nacionais, extranacionais, aliás, como obviamente foi elaborada a experiência brasileira (7%). Diferentemente do que afirmam os mais ferrenhos (embora anônimos) críticos dos LDR, os indivíduos coletivos predominam como sujeitos históricos e as ações majoritárias têm como fundo as experiências municipal e estadual.

Representando o real ou realizando a experiência humana O que faz o historiador? Ele conta histórias. Qual o material constituinte dessas histórias escritas? Frases constituídas por palavras, que veiculam conceitos e proposições. Em sentido genérico, fundado nos glossários de Filosofia e da Psicologia cognitiva, conceitos são atos ou objetos de pensamento que definem classes de seres, objetos ou entidades abstratas (Lalande, 1999). 40

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Pode soar estranho aos nossos ouvidos, mas o mundo é formado de conceitos e não de objetos, eventos e situações, ou seja, objetos eventos e situações são compreendidos (realizados) porque são filtrados, limitados, classificados, categorizados, definidos, enfim, conceituados e nomeados por nós (Cf. Ausubel, 1990). Em outras palavras, o mundo é “realizado” por intermédio de conceitos. Mas não é somente na ideia de identificar, realizar (representar, inventar) o mundo que se encerra a função dos conceitos. Eles são ferramentas básicas para comunicarmo-nos com as outras pessoas, para transmitir as nossas opiniões, posições, e versões sobre nossas vidas e sobre o mundo. (Eysenck e Keane, 2007, p. 287). Não sem razão o historiador Jörn Rüsen afirmou que “os conceitos são o mais importante instrumento lingüístico do historiador”. Evidentemente, com o auxílio dos operadores lógico-semânticos (se, caso, desde que, ou, como etc.) e argumentativos (e, mais, pois, portanto, etc.), os conceitos sintetizam a experiência humana pulverizada em milhões de acontecimentos, constroem as sentenças históricas (as afirmações, as teses), e constituem as teorias históricas que norteiam as perspectivas de interpretação da experiência humana. (Cf. Rüsen, 2007, p. 91, 94). Quais seriam, então, os conceitos empregados pelos LDR? Qual seria a vulgata histórica selecionada e explicitamente veiculada nos textos principais? Como estaria organizada a experiência humana na escrita histórica regional?

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As histórias que contam os livros didáticos de História regional

Conceitos meta-históricos Rüsen (2007) distingue nomes próprios, categorias e conceitos históricos. Neste texto não chegaremos a esse nível de refinamento. Trabalharemos com a ideia genérica de conceitos (atos e objetos de pensamento que definem classes de seres, objetos ou entidades abstratas), tipificando-os como meta-históricos e substantivos. (Cf. Cooper, 2000 e Lee, 2005). O objetivo é identificar a vulgata histórica empregada nos LDR e categorizá-la em termos de grandes níveis da experiência humana: cultura, sociedade, política, economia. Os conceitos meta-históricos são aqueles que medeiam a compreensão da atividade do historiador e da natureza da ciência da História. Nos LDR, geralmente, eles frequentam as unidades iniciais, representando 5% do total das, aproximadamente, 900 categorias (conceitos sob uma rubrica generalizante) recuperadas nos 27 títulos. “História” e “fonte” são as mais empregadas. Assim mesmo, não estão presentes em todos os títulos. “História” ocupa unidades de 17 títulos, “fonte” e “tempo”, respectivamente frequentam unidades de 13 e 11 títulos de LDR. “Passado”, “mudança”, “permanência” são discutidas em 4 títulos e “presente” em 2. Comparando (ainda que de forma exploratória) tal resultado ao conjunto obtido junto às coleções de História para 1ª a 4ª série (PNLD 2007), consideramos baixa e desequilibrada a exposição de conceitos meta-históricos nos LDR. Observe-se que nem sempre a tríade História, fonte e tempo está presente na mesma unidade. Outras constatações importantes foram os sentidos e as funções 42

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

anunciadas para a palavra “história” e conceitos correlatos. História é entendida como experiência e como saber (escrita da História, ciência da História). Como experiência, alcança 55% das citações. Experiência individual (do aluno), sobretudo, mas também da família e moradores do lugar. Nesse sentido, a História começa quando o aluno nasce. A História local e do Brasil são vistas (por um reduzido número de títulos) como o entrecruzamento de experiências individuais. Nessa alta incidência da História como memória, preocupa a possibilidade de recrudescimento dessa indiferenciação na aprendizagem histórica do professor. Se o livro didático não deixa claros os vários sentidos de História para o professor, as operações historiográficas, ou seja, se “o fazer do historiador” acaba por ser igualado às estratégias sugeridas para o trabalho com o aluno (converse, entreviste, peça para contar e, o mais permissivo de todos, lembre) é muito provável que os alunos avancem nos anos iniciais sem perceber as singularidades dos conceitos de História, passado e memória. Escrever História não é apenas “lembrar”. Lembrar é apenas uma possibilidade de evocação de uma parte do passado que, por sua vez, pode transformar-se em História. A ideia de História-escrita/saber, embora minoritária (45%), também está presente. Um saber que leva em conta a experiência coletiva, manipulada por intermédio de fontes, que por sua vez conservam o sentido ampliado da primeira geração da Escola dos Annales (todo e qualquer artefato ou fenômeno que informe ao historiador sobre o seu objeto de pesquisa). É um saber que analisa mudan43

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

ças e permanências dos homens no tempo, articulando presente, passado e futuro. A operação historiográfica e a relação com a Históriaexperiência são pouco referidas nas citações (selecionar fontes, pesquisar, escrever etc.). Quanto à articulação dos tempos históricos, ainda sobrevive em alguns títulos a ideia simplória de que produzir conhecimento histórico é ordenar os acontecimentos no tempo. Da mesma forma, colhidos junto às funções do saber histórico, compreender, entender, estudar, passado e presente, planejar e construir o futuro misturam-se com interagir, ativar, revelar e reviver o passado. O fim, também pouco referido, é o exercício da cidadania, a construção da(s) identidade(s), a compreensão do presente, o conhecimento e a transformação da sociedade. Mas, está implícita a ideia finalista e teleológica do conhecimento histórico – ainda que não literalmente como lições (de Cícero) ou previsões (de A. Comte ou H. Buckle) e sim como planejamento e construção do futuro. O conceito de historicidade (no e dos artefatos, pessoas, grupos, instituições) também está presente (5 citações), mas não está relacionado à ideia de História conhecimento. Como elementos residuais, constatamos as ideias equívocas de História como memória objetivada (História é lembrança, História é como nossa memória) e como passado (tudo o que ocorreu na vida de uma pessoa ou instituição). Em síntese, em termos de conteúdos meta-históricos, os LDR veiculam a ideia de fonte – objeto material do historiador –, incorporando orientações da historiografia 44

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ocidental contemporânea. História-vida e História-saber são citadas, mas não relacionadas entre si. Há confusões entre História, memória, passado e ainda se difunde o atributo de reviver e de revelar o passado para o aluno como inerente ao saber histórico acadêmico.

Conceitos substantivos Os conceitos substantivos são, literalmente, aqui, os substantivos que nomeiam seres, objetos, fenômenos e instituições. Dos aproximadamente 850 recuperados nos 27 títulos, e submetidos a uma recategorização, restaram 348. Tal conjunto (de 348 conceitos) está distribuído desequilibradamente. O período colonial responde por 34% dos conceitos (exemplos: capitania, bandeira, jesuíta, descobrimento), o monárquico por 21% (Canudos, Independência, família real, Revolução Pernambucana) e o republicano, 28% (coronelismo, imigrante, cangaceiros, urbanização). Os conceitos aplicados indistintamente representam 17% (herança, cultura, sincretismo, patrimônio ambiental). Tomando-se 1/3 do total de livros (9 citações) como ponto de corte, e excluindo os já analisados conceitos meta-históricos, constatamos que os conceitos mais recorrentes são os listados na Tabela n. 3.

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As histórias que contam os livros didáticos de História regional Tabela n. 3 – Conceitos substantivos mais recorrentes nos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Categoria Povoamento Trabalho escravo Indígenas Revoltas Imigrantes Cultura Viagens marítimas Economia Portugueses República Café Festas Independência Quilombos Espanhóis Símbolos pátrios Capitanias hereditárias Expedições exploratórias Limites territoriais Ouro

Quantidade de Títulos Absoluta Relativa 39 11% 30 09% 28 08% 26 07% 17 05% 16 05% 15 04% 13 04% 13 04% 13 04% 11 03% 11 03% 11 03% 11 03% 10 03% 10 03% 09 03% 09 03% 09 03% 09 03%

A Tabela n. 3 informa apenas os mais empregados. Ela omite, por exemplo, um conceito como o de revolta, que ganha grande importância (numérica inclusive) quando agrupados todos os movimentos assim nomeados, ocorridos nos períodos colonial e monárquico. Ela omite (outro exemplo) as dezenas de substantivos pátrios usados para nomear imigrantes (com 17 ocorrências, na Tabela n. 3), tais como: sírios, judeus, gregos e chineses. Para minorar essas distorções, classificamos os conceitos por nível de experiência humana. 46

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O resultado aponta que a experiência econômico-social rivaliza com a experiência político-administrativa, ambas com 27% do total. Da atividade econômico-social consideramos as atividades dinâmicas (por exemplo: pau-brasil, ouro, café, mate, borracha, petróleo), suas instituições correlatas (feitorias, companhia de comércio) e os fenômenos e relações sociais ligadas a essas atividades (contrabando, bandeirantismo, trabalho escravo, industrialização). A experiência político-administrativa, que responde pelo mesmo quantitativo (27%), incorpora os fenômenos de duração breve – sejam indicadores de relações diplomáticas (tratados de Madri, Tordezilhas, Santo Idelfonso), de situações de ruptura – como aqueles nomeados de revolta, motim, e revolução (Inconfidência Mineira, Cotaxé, Mata-maroto, Contestado), ou de curta permanência – como as sucessivas reconfigurações do Estado Brasileiro (capitania hereditária, Governo Geral, Estado Novo, Nova República) e os movimentos relacionados às questões sociais (terra, emprego, proteção ao meio ambiente). Movimentos de longa duração são desprezíveis quantitativamente nos LDR. O terceiro grupo de conceitos responde pelos temas relacionados à demografia regional e do Brasil. Contabilizando 22%, ele abrange a mobilidade de contingentes populacionais e a ocupação dos espaços. São recorrentes os conceitos de povoamento (do sertão, vilas, cidades e, sobretudo, das capitais), de imigração/imigrante (pomerânios, ucranianos, italianos, turcos) e emigração/ migrante (gaúchos, cearenses). O quarto conjunto diz respeito à experiência do cultural, no sentido de modos de agir, pensar e sentir padroni47

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

zados. Evidentemente, a ideia de cultura nos livros didáticos é bastante plural. Dos conceitos arrolados (15% do total), estão presentes as ideias de cultura como saber e saber fazer sistematizados e até refinados (conceitos de educação escolar, música, literatura), genuínas expressões populares (danças e folguedos, folclore), heranças ou contribuições das matrizes étnicas formadoras das sociedades nacional/local (modos de vida de indígenas, negros, portugueses e outros imigrantes). Por fim, as experiências individuais, as histórias de vida, conceituadas como homens ou vultos ilustres. São substantivos próprios que estão abaixo do ponto de corte (abaixo de 9 citações no total), mas que merecem referências, já que recai sobre os livros regionais o estereótipo de escrita difusora da experiência dos grandes homens. Ela está presente, sim, nos LDR. Mas a abordagem panegírica não é dominante. A ênfase nesse tipo de personagem é tão diminuta que relacionamos a seguir todos os nomes destacados nas unidades dos 27 títulos. São eles: Borges de Medeiros, Cabral, Caminha, Caramuru, Ernesto Dornelles, Flores da Cunha, Getúlio Vargas, Ildo Meneghetti, Júlio de Castilhos, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, Mauá, Padre Cícero, Pombal, Tancredo Neves e Walter Jobim.

Conclusões No início deste texto, anunciamos dois objetivos a cumprir com a análise historiográfica dos 27 títulos de LDR do PNLD 2007: dar a conhecer um gênero da historiografia – a 48

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

escrita didática regional – e responder algumas questões colhidas entre os historiadores. Esperamos ter demonstrado que a escrita escolar focada na experiência regional também é escrita da História e que guarda singularidades típicas deste uso particular da História – o ensino de História. Também esperamos ter sido bastante claros na construção do perfil desse gênero e nas respostas às hipóteses aventadas pelos historiadores. Em primeiro lugar, a maioria dos LDR incorpora a chegada dos europeus na América como marco para o início da vida local, atrelando, muitas vezes injustificadamente, a experiência político-administrativa da História do Brasil à experiência do lugar. Os marcos finais, por outro lado, incorporam a experiência do tempo presente. A opção pela periodização tripartite clássica (Colônia, Monarquia e República), orientada pelo político, não chega a 50% das obras. A periodização também não orienta a distribuição dos temas. Cada livro é um modelo. A distribuição pode, inclusive, ser conduzida por temas ou até por séculos. No entanto, duas unidades de leitura são constantes: as primeiras, que veiculam conteúdos metahistóricos e as últimas, que tratam de fenômenos da “cultura” nos seus mais variados sentidos. Sobre os responsáveis pelas ações, identificamos o sujeito histórico coletivo como a figura dominante. Os atores individuais/pessoais têm baixa expressividade, o que contraria o senso comum sobre o gênero. A experiência narrada, também contrariando as hipóteses correntes, está centrada em cenários ditos nacionais, extranacionais. Mas domina a cena a experiência dos municípios e os estados, ultrapassando 40% do total de ocorrências. 49

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

Em termos de conteúdo, verificamos uma baixa e desequilibrada exposição dos conceitos meta-históricos, se comparados às coleções de História para o mesmo nível de ensino avaliado pelo PNLD 2007. Entre os principais problemas na abordagem desse tipo de conceito, destacamos a reduzida distinção entre História, memória e passado e a sobrevivência de finalidades da História relacionadas às ideias de ressurreição e de revelação do passado. A ideia de fonte e o desenvolvimento do conceito, porém, é bastante atualizada. O exame dos conteúdos conceituais substantivos, por sua vez, demonstrou que a experiência econômico-social tem o mesmo peso da experiência político-administrativa, seguida pelas informações de caráter demográfico. Esses dados são indícios de incorporação de uma tendência da pesquisa de ponta dos anos 1980 até meados dos anos 1990 (a expansão dos interesses para além da vivência do político). A incorporação das novas tendências historiográficas, no entanto, está restrita (em geral) aos textos complementares e é baixa a incidência das abordagens identificadas com o “cultural”. As histórias de vidas destacadas são elementos raros como conteúdos históricos, mas o trabalho com efemérides ainda pode ser encontrado nos LDR. Numa visão geral, sobre o plano das obras, pudemos identificar que grande parte dos títulos pode ser classificada como livro repertório, dada a pulverização de unidades de leitura em atendimento às mais diferentes demandas, quebrando, assim, a linearidade e a sequencialidade características dos livros didáticos que configuram a disciplina História. 50

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Vejamos a seguir as estratégias de desenvolvimento desses conteúdos, ou seja, as atividades destinadas às situações didáticas que dão suporte ao trabalho de ensino e aprendizagem da História nas séries iniciais.

Fontes BUENO, Wilma de Lara. Aprendendo a História do Paraná. Curitiba: Positivo, 2004. CABOCLO, Eliana e BARCELOS, Irene. Gente de São Paulo, São Paulo da gente: História. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2006. CABOCLO, Eliana, BARCELOS, Irene, SILVEIRA, José e BACELLAR, Marília. Gente de Rio, Rio da gente. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. CAMPOS, Helena Guimarães, FARIA, Ricardo de Moura. História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Formato, 2004. CHIANCA, Rosaly Braga e SILVA, Lilian. História: Bahia. São Paulo: Ática, 2004. CORRÊA, Marilene. Ceará: História para a construção da cidadania: São Paulo: FTD, 2004. DIEZ, Albani Galo. Segredos da Bahia: História. São Paulo: FTD, 2001 FERNANDES, Martha Maria Serrano. Contemplando a Bahia: Curitiba: Base, 2004. FIORI, Neide Almeida e LUNARDON, Ivone Regina. Santa Catarina de todas as gentes: História e cultura. Curitiba: Base, 2004. GARCIA, Ledonias Franco e MENEZES, Sônia Maria dos Santos. História de Goiás para todos: São Paulo: Scipione, s.d. 51

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

MACIEL, Laura Antunes. O Mato Grosso e sua História: 2 ed. Curitiba: Base, 2004. NASCIMENTO, Roseni R. C., SOURIENT, Lilian e CAMARGO, Rosiane de. Goiás – interagindo com a História. São Paulo: Editora do Brasil. _____. São Paulo – interagindo com a História: São Paulo: Editora do Brasil, s.d. PAIVA, Renata. História: Pará. São Paulo: Ática, 2006 PILETTI, Felipe. História: Rio Grande do Sul. São Paulo: Ática, 2006. ROSA, Léa Brígida Rocha de Alvarenga, NEVES, Luiz Guilherme Santos e PACHECO, Renato José Costa. Nosso estado, o Espírito Santo: História do Estado do Espírito Santo para o ensino fundamental: Curitiba: Base, 2001. SIEBERT, Célia. História do Estado do Rio de Janeiro. São Paulo: FTD, 2005. SILVA, Sérgio Aguilar, ARANTES, Aimoré Índio do Brasil, e KLÜPPEL, Cristina Carla, VASCO, Ediméri Stadler. O Paraná de todas as cores. 2 ed. Curitiba: Base, 2004. SOURIENT, Lilian, RUDEK, Roseni, e CAMARGO, Rosiane de. Minas Gerais: interagindo com a História. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2005 _____. Paraná - interagindo com a História. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2005. _____. Pernambuco - interagindo com a História. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2005. _____. Santa Catarina – Interagindo com a História. São Paulo: Editorado Brasil, 2003. SOUZA, Zélia Peres, VASCONCELOS, Luiza Mello, e GRESSLER, Lori Alice. História do Mato Grosso do Sul. São Paulo: FTD, s.d. 52

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

SZTERLING, Silvia. Estado de São Paulo: História. São Paulo: FTD, 2005. TEIXEIRA, Francisco Maria Pires. História: Minas Gerais. São Paulo: Ática, 2004 TEIXEIRA, Francisco. História: Pernambuco. São Paulo: Ática, 2006. TUMA, Magda Madalena Peruzin. Viver e descobrir: História: Paraná: FTD, 2001.

Referências BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1998. CATROGA, Fernando. Memória, História e Historiografia. Coimbra: Quarteto, 2001. DROYSEN, Johann Gustav. Historica: lecciones sobre la Enciclopedia y metodología de la historia. Barcelona: Alfa, 1983. FURET, François. A oficina da História. Lisba: Gradiva, s/d. HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 2.0. São Paulo: Instituto Antonio Houaiss/ Objetiva, 2007. 1 CD-ROM. KOCH, Ingedore e ELIAS, Vanda. Leitura, texto e sentido. In: Ler e compreender: os sentidos do texto. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006. pp. 9-37. LAVILLE, Christian. DIONE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artes Médicas; Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. MOSSÉ, Claude. Dicionário da civilização grega. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 53

As histórias que contam os livros didáticos de História regional

RODRIGUES, José Honório. Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. 3 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teorias da História – os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora da UnB, 2001. ______. Reconstrução do passado: os princípios da pesquisa histórica. Brasília: Editora da UnB, 2007. SERRANO, Jonathas. História da civilização. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia, 1937. v. 2 TOPOLSKY, Jerzy. La naturaleza y los instrumentos de la narración histórica. In: Metodologia de la historia. Madrid: Catedra, 1985. pp. 465-472. VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a História: Foucault revoluciona a História. 4 ed. Brasília: Editora da UnB, 1998. WHITE, Hayden. O texto histórico como artefato literário. In: Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Editora da USP, 1994. pp. 97-117.

54

A fixação dos conteúdos históricos1

E

xercício ou atividade? Não é difícil encontrar um professor que tropeça na dúvida entre uma e outra palavra para rotular um dos momentos didáticos da sua aula. A dúvida não é ingênua. Para muitos professores, exercício parece tradicional e conservador, enquanto atividade expressa modernidade e inovação. Até no abonamento dos dois étimos latinos, exercício tem registro anterior (1570) à atividade (1612) nos dicionários da língua portuguesa (Cf. Houaiss, 2007).2

1 Escrito por Itamar Freitas com base nos dados levantados nos LDR por Analice Marinho Santos e Ana Maria Garcia Moura, entre dezembro de 2007 e junho de 2009. 2 Exercício – “Lat. exercitìum,ìi ‘exercício, prática’, do rad. de exercìtum, supn. de exercère ‘exercer, exercitar’; ver exerc-; f.hist. sXV eixercicio, 1570 exercitio”. Atividade – “lat. activìtas,átis ‘significação ativa, atividade’, der. de activus,a,um ‘ativo’; ver ag-; f.hist. 1612 actividade”. (Houaiss, 2007).

A fixação dos conteúdos históricos

A etimologia não explica por si só o relativo estigma de alguns professores em relação à palavra exercício. A história dos métodos de ensino e de aprendizagem – de maneira geral – informa que a ideia de exercício remete a um tempo – séculos XVIII e XIX – e à determinada concepção de produção e aquisição de conhecimento, fundada no desenvolvimento, conservação e ampliação da capacidade da memória, ou melhor, do músculo/ faculdade memória. Daí, a frase clássica: aprender é “exercitar a memória”. Atividade, por sua vez, faz lembrar outras épocas – destacadamente as duas primeiras décadas do século XX – e outra concepção de ensino e de aprendizagem, centrada na ação do aluno: o “ensino ativo”. Andrés Chervel, todavia, faz usos das duas palavras indistintamente. Para ele, “exercício (...) é toda atividade do aluno observável pelo mestre” e que tem a função de fixar a disciplina escolar 3 (Chervel, 1990, p. 204). De fato, independentemente das ideias de ensino e aprendizagem professadas por Chervel, exercício tanto é componente básico da disciplina escolar, quanto faz parte de qualquer sequência didática sugerida pelas várias teorias educacionais, ao longo dos séculos XIX e XX. Acrescento, ainda: faz parte da sequência didática destinada, não somente aos ensinos fundamental e médio – âmbito da disciplina escolar –, mas também do ensino

3 Conteúdos explícitos e baterias de exercícios constituem então o núcleo da disciplina (Chervel, 1990, 205).

56

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

superior – locus da reprodução científica. Afinal, o que é uma resenha, senão um exercício de crítica? O que é cumprir um estudo dirigido, senão um exercício de interpretação de texto? Os exercícios estão presentes nos métodos gerais e, consequentemente, são aplicados às estratégias de ensino e de aprendizagem histórica, em especial. Eles frequentam, por exemplo: 1) os “quatro passos formais” de Johann Herbart (s.d., p. 111) – apresentação, comparação, generalização e aplicação – na forma de resumos, exemplos e símbolos que auxiliam o trabalho da memória; 2) o “método de pensar” de John Dewey (1979, p. 167-180) – selecionar experiência cotidiana, criar um problema significativo, empregar conhecimentos, elaborar hipóteses, testar ideias e descobrir – em forma de projetos; 3) a “instrução programada” de Fredric Burrhus Skinner (1972), com sua aprendizagem passo a passo, a sequência de problemas respondidos pelo aluno e o feedback fornecido pelo professor; 4) os exercícios de demonstração de laboratório sugeridos por Jerome S. Bruner (1968, p. 26-27, 77-87), que ajudam “o aluno a captar a estrutura subjacente de um fenômeno” ou de uma disciplina e permitem que o professor assegurese de que o aluno compreendeu; 5) nas teorias póspiagetianas de Vergnaud e Karmiloff-Smith (Cf. Seal e Cunha, 2007) em forma de atividades de explicitação dos pensamentos e no trabalho com pares para a aprendizagem dos conceitos; 6) na vertente construtivista que compreende o aluno como o principal responsável pela aprendizagem (Cf. Coll e Marti, 2004, p. 57-58) – “atividade mental construtiva, encoberta, dirigida para assi57

A fixação dos conteúdos históricos

milar e dotar de significado os conteúdos escolares” (Coll e Solé, 2004, p. 249-250). No Brasil – e no ensino de História – os estudos sobre exercícios/atividades ainda rareiam. Louve-se, entretanto, as iniciativas de Marilu de Freitas Faricelli (2005) que estudou as finalidades dos exercícios nos livros didáticos de História das séries finais – fixar conteúdos e treinar procedimentos da disciplina –, demonstrando preocupação com o demasiado valor atribuído ao saber do aluno (o cotidiano, o tempo vivido pelo aluno) em detrimento do conhecimento histórico elaborado pela ciência de referência (História). Louve-se também o pioneirismo de Ana Seal e Adré Seal da Cunha (2007), que identificaram, em livros didáticos de História para as séries iniciais, a presença de várias atividades de explicitação oral dos alunos, desenvolvidas individualmente, em grupos, duplas, trios, embora não fossem deliberadamente planejadas com vistas à argumentação do aluno. Nos dois trabalhos, confirmou-se uma tendência: a transferência das orientações contidas nos PCN e no PNLD em termos de desenvolvimento de capacidades e habilidades relativas à argumentação e tomadas de posição, bem como ao “treino” do “pensar historicamente”. Neste texto, seguimos a trilha desses estudiosos, focando o exame sobre livros didáticos regionais, distribuídos pelo PNLD 2007 e destinados aos alunos das escolas públicas das séries iniciais. O corpus da análise é composto por 27 livros que abrangem a experiência histórica de 14 estados. Aqui, descreveremos os exercícios e atividades em termos de 5 indicadores, submetidos a tra58

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

tamento estatístico4: 1) quantidade de exercícios – por livro, unidade, capítulo; 2) ações propostas para o aluno – verbos que indicam competências; 3) o objeto privilegiado do exercício – o artefato sobre o qual o aluno deve trabalhar, que indica também o movimento proposto em relação aos conteúdos conceituais (sobre o texto principal, texto complementar, dentro da sala, dentro da escola, em casa, em outros lugares); 4) os agentes envolvidos na execução do exercício, que dão origem à atividade individual, em grupo, dupla, trio, com a turma, com o auxílio do professor; 5) o tipo de conteúdo abordado – substantivo/meta-histórico e a sua abrangência espacial (História do Brasil, da América, da África, geral, do Estado, da micro-região, do município, da cidade). Nossa intenção, por fim, é verificar indícios de incorporação da vulgata pedagógica construtivista (disseminada, inclusive, pelo PCN) e contribuir para o melhor conhecimento deste gênero, que deve crescer, sensivelmente, tanto no número de títulos, quando no número de estados abrangidos nos próximos anos e oferecer aos pesquisadores uma base estatística para outros tipos de investigação sobre o livro regional.

Trata-se de pesquisa do tipo básica, descritiva e multidisciplinar (História, Pedagogia), contemplando os seguintes elementos: conceitos – exercício e atividade; dimensões – ensino/aprendizagem; população – livros de História regional, distribuídos pelo PNLD 2007; indicadores (já descritos); coleta – via transcrição dos exercícios e registro em planilha eletrônica do software Access; análise – cruzamentos, relativização dos dados brutos em planilha do software Excel; interpretação – via consulta do software Access, com aferição da medidas de tendência central (comportamento médio - média). (Cf. Oliveira, 1979; Laville, 1999). 4

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A fixação dos conteúdos históricos

Descrevendo e analisando exercícios nos livros didáticos de História regional Como informado, o primeiro indicador descreve a quantidade de exercícios por título. Para efeito de coleta, neste trabalho, entendemos exercício como uma atividade autônoma, identificada pela enumeração efetuada pelos autores (número da questão). Em geral, cada questão/ atividade/exercício faz uso de um ou dois verbos, que diferenciam a ação do aluno. O resultado aponta para a concentração dos livros (55%) no intervalo entre 101 e 200 exercícios. Mas registramos títulos com 354 (máximo) e 79 (mínimo) exercícios. Na distribuição desses por unidade/ capítulo, constatamos uma dispersão. As médias oscilam entre 6 e até 60 atividades por unidade/capítulo. Tabela n. 1 – Quantidade de exercícios por título nos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Escala 001 a 100 101 a 200 201 a 300 Mais de 300

Quantidade de Títulos 4 15 4 4

Tabela n. 2 – Quantidade de exercícios por unidade/capítulo nos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Escala

Quantidade de Títulos

05 a 21 a 41 a Mais

10 8 7 2

60

20 40 60 de 60

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Evidentemente, esse dado não permite inferir a racionalidade do uso desse instrumento, nem o seu papel como indicador de tendências pedagógicas. Para a análise da qualidade, é importante tipificar as atividades. Isso se faz, de início, identificando ações propostas para o aluno que se configuram em verbos. Sabemos que os verbos são indicadores de competências e nos livros didáticos de História regional (LDR) as habilidades sugeridas foram expressas em aproximadamente 180 verbos. Elas contemplariam todos os níveis de complexidade na busca pela aprendizagem, sejam eles baseados nas taxionomias de Benjamim Bloom (conhecer, compreender, aplicar, analisar, sintetizar, e avaliar), sejam fundados nas “estratégias cognitivas para a aprendizagem de construtivistas contemporâneos como J. Beltrán (1987): habilidades na busca, assimilação e retenção da informação, de organização, invenção e criatividade, análise, tomada de decisões, de comunicação, sociais, e metacognitivas. É importante esclarecer que os verbos não aparecem sozinhos. É possível encontrar até três ações em um exercício – “Pesquise e monte um cartaz ilustrado”. A leitura das atividades, todavia, levou-nos a considerar o primeiro verbo como indicador da ação principal. Assim, dentro desse critério foi possível constatar que as ações mais recorrentes relacionam-se à atividade de interpretação de texto (leia, observe e responda), relacionadas às habilidades de busca da informação. A ação mais conhecida no ensino de História – “responda à questão” – está presente, solitariamente, em mais de 1000 atividades, ou seja, ocupa 20% de todos os exercícios compilados. 61

A fixação dos conteúdos históricos

Quando analisamos a participação do “responda à questão” dentro de cada título, notamos que esse número é matizado. Dos 27, pelo menos um não faz uso dessa ação, 5 estão abaixo dos 10% e também 5 títulos não chegam aos 20%. Quando a busca considera o emprego partilhado do “responda à questão” – “leia e responda à questão” – esse número chega aos significativos 42% do total de 5.052 atividades. Por outro lado, mesmo estando entre as mais recorrentes, as habilidades analíticas e avaliativas estão em número bastante reduzido, comparadas às habilidades primárias de busca da informação. Tabela n. 3 – Frequência de ações prescritas pelos exercícios dos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Ação Responda Pesquise/consulte Observe Leia Escreva Comente/opine Explique Justifique

Absoluta 2100 561 527 498 464 182 161 111

Frequência

Relativa* 42% 11% 10% 10% 09% 04% 03% 02%

*Dados não cumulativos, calculados a partir do somatório de 5.052 ocorrências (atividades registradas).

Se os exercícios do tipo “responda a questão” são os mais empregados, somos induzidos a concluir que os artefatos sobre os quais a ação do aluno se desenvolverá

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

serão, majoritariamente, os textos principal5 e secundário do LD. Essa hipótese é confirmada pelos dados. As remissivas ao texto principal contabilizam 24%, o mesmo percentual das remissivas ao texto complementar. Isso indica que o movimento para dentro do livro é, ainda, a grande dinâmica das atividades sugeridas pelos LDR. O movimento para fora, também explicitado na Tabela n. 4, está relacionado à história de vida do aluno (que, em alguns casos, pode ser entendido como trabalho com a memória) e, em números quase residuais, ao trabalho com dicionários, entrevistas e peças de teatro. Tabela n. 4 – Frequência de instrumentos empregados nas ações prescritas pelos exercícios dos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Instrumentos Texto principal Texto secundário História de vida do aluno Dicionário Entrevista Cartaz Peça de teatro

Absoluta 1202 1190 406 96 62 46 26

Frequência

Relativa* 24% 24% 08% 02% 01% 01% 01%

*Dados não cumulativos, calculados a partir do somatório de 5.052 ocorrências (atividades registradas).

É importante registrar a imensa variedade de artefatos/instrumentos em uso. O universo de possibilidades pode ultrapassar os 200 tipos, muito além dos elementos 5 Texto escrito, linear, sequencial, que veicula, predominantemente, conteúdo conceitual substantivo, prescrito pela proposta curricular.

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A fixação dos conteúdos históricos

referenciados nas tabelas n. 4 e n. 5 (selecionados por sua frequência ter sido maior que 27).6 Dentro do LDR, entretanto, destaca-se o trabalho com as imagens e os mapas. Em seguida, aparecem poema, desenho, cartaz, letra de música e história em quadrinhos. Chama a atenção a baixa frequência da tradicional linha do tempo como instrumento. Ela foi referenciada apenas 21 vezes. Tabela n. 5 – Frequência de instrumentos empregados nas ações centradas nos textos principal e secundário prescritas pelos exercícios dos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Instrumentos Imagem (gravura, foto, pintura) Mapa Desenho Poema Cartaz Letra de música História em quadrinhos

Absoluta 331 311 80 70 46 33 31

Frequência

Relativa* 07% 06% 02% 01% 01% 01% 01%

*Dados não cumulativos, calculados a partir do somatório de 5.052 ocorrências (atividades registradas).

Segue uma pequena mostra dos artefatos referenciados: advinhas, álbum, anúncio, atlas, bandeira, brasão, bilhete, canção, carta, cartaz, carteira de identidade, censo, certidão de nascimento, cidade, Constituição Federal, costumes, cruzadas, desenho, diário, dicionário, enigma, entrevista, exposição, folguedo, folheto, fotografia, história (da cidade, do bairro, da vida do aluno), jogo, jornal, linha do tempo, literatura de cordel, mapa, maquete, museu, peça teatral, planta baixa, pintura, poema, porta-retrato, receita culinária, revista, tabela, telejornal e varal de ideias. 6

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

O penúltimo indicador refere-se à quantidade de sujeitos envolvidos na execução do exercício. Os números absolutos apontam a hegemonia do trabalho individual, apesar da variedade de propostas: aluno sozinho, com professor, em dupla, grupo, com classe, adulto, pais, familiares, com funcionários da escola, com a comunidade. A atividade individual, entretanto, impera em todos os títulos analisados e no conjunto geral dos títulos. Ela representa 67% do total de 5.052 atividades. Tabela n. 6 – Tipologia e frequência dos sujeitos envolvidos nos exercícios dos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Modalidades de trabalho Aluno sozinho Grupo Dupla Aluno e professor Aluno e classe Modalidades combinadas** TOTAL

Absoluta 3400 300 146 109 31 1051 5052

Frequência

Relativa* 67% 06% 03% 02% 01% 21% 100%

(*) Dados cumulativos, calculados a partir do somatório de 5.052 ocorrências (atividades registradas). (**) Aluno, professor e funcionário da escola, por exemplo.

Por fim, chegamos aos conteúdos mobilizados, ou seja, ao que se quer ensinar, reter ou desenvolver com as atividades propostas. Nesse sentido, são hegemônicos os conteúdos do tipo substantivo, ou seja, conteúdos conceituais que nomeiam coisas, seres e fenômenos ocorridos ao longo do tempo. Tanto os conteúdos atitudinais (cidadania, direitos humanos, discriminação) quanto os conteúdos 65

A fixação dos conteúdos históricos

conceituais meta-históricos são residuais. Ambos não chegam a 1% do total das atividades. Dos conteúdos conceituais meta-históricos, isto é, os conceitos relativos à compreensão da natureza epistemológica da História, foram referenciadas as ideias de fonte e tempo. Quanto aos hegemônicos conceitos substantivos, ganham destaque os assuntos relativos à História Regional/Estadual (39%) e à História do Brasil (29%). Os demais objetos ficam muito distantes, mas a dispersão nesse indicador, obviamente, é muito baixa. Os conteúdos com frequência superior a 1% são: a História do mundo (ou História geral), a história de vida do aluno, História da América, da África (os dois em idêntica proporção), do município e da cidade (também com idênticas proporções) e, por fim, história da família e do bairro. Tabela n. 7 – Tipologia e frequência dos conteúdos empregados nos exercícios dos Livros Didáticos de História Regional do PNLD 2007 Conteúdos História regional/estadual História do Brasil História do mundo História do aluno História da cidade História do município História da América História da África História da família Conteúdos combinados** TOTAL

Absoluta 1948 1478 212 152 85 78 65 62 26 946 5052

Frequência

Relativa* 39% 29% 04% 03% 02% 02% 01% 01% 01% 19% 100%

(*) Dados cumulativos, calculados a partir do somatório de 5.052 ocorrências (atividades registradas). (**) História do Brasil e História da cidade, por exemplo. 66

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Conclusões Neste capítulo, anunciamos a intenção de examinar os exercícios dos livros didáticos de História regional destinados aos alunos. Como objetivos principais, propomos dar a conhecer o LDR em um dos seus aspectos pedagógicos e oferecer uma base referencial que permita o acompanhamento das mudanças no gênero nas próximas edições do PNLD. A partir de levantamentos estatísticos sobre a totalidade do corpus (27 títulos) e também de algumas incursões por títulos e unidades, pudemos constatar que a maioria dos LDR planeja de 100 a 200 atividades para os alunos, sendo altamente variável a quantidade de atividades por unidade/capítulo. Também constatamos que 42% dos registros sugerem o desenvolvimento da ação “responda à questão”, não obstante apresentarem aproximadamente 180 possibilidades. Isso indica a hegemonia das habilidades de busca da informação e a residual presença das habilidades analíticas e avaliativas. A predominância desse tipo de ação também indica que os autores dos LDR sugerem o movimento para dentro do livro didático (textos principal e complementares), em detrimento do trabalho extra-classe, que poderia envolver o uso de outros espaços da escola ou até mesmo o emprego de equipamentos da comunidade em que vive o aluno. Entre os instrumentos internos ao livro, foram significativos o trabalho com as imagens (pinturas, gravuras, fotos) e os mapas. Do movimento para fora do livro, destacou-se a atividade com a história de vida do aluno. 67

A fixação dos conteúdos históricos

A quantidade de sujeitos envolvidos no desenvolvimento das atividades também ajuda a reforçar a constatação anterior. A ação individual (do aluno) é dominante, segundo os números colhidos (67%). As demais modalidades (dupla, com o professor, com outras pessoas) são residuais. A respeito do conteúdo-alvo, destacam-se os conceituais substantivos. Isso quer dizer que a vulgata histórica de História regional/estadual predomina, obviamente, nos LDR. O trabalho com conceitos meta-históricos (fundamentais ao ofício do historiador e à compreensão da História ao modo crítico), bem como os conteúdos atitudinais e os valores, consideradas as exposições em primeiro plano, alcançam apenas 1% do total de atividades. Esse conjunto de dados nos permite apresentar proximidades e distanciamentos em relação à literatura específica citada no início do artigo. Podemos dizer agora que nos LDR, a exemplo do que afirmou Marilu Faricelli (2005) sobre os didáticos das séries finais, as atividades são instrumento para fixação de conteúdos. Mas os conteúdos elaborados pela ciência de referência (conteúdos conceituais) têm extremo prestígio na confecção desse gênero. Em relação à transferência de orientações dos PCN sobre o desenvolvimento de habilidades relativas à argumentação e à tomada de posição, como destacados por Ana Seal e André Seal da Cunha (2007), não podemos dizer que configurem uma característica dos LDR analisados. Tomados em conjunto, podemos afirmar que a incorporação da vulgata construtivista e todos os seus potenciais desdobramentos – ensino ativo, formação de sujeitos autônomos e críticos (formação cidadã) – estão ainda muito distantes do processo de elaboração das atividades dos LDR no Brasil. 68

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

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A fixação dos conteúdos históricos

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

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A fixação dos conteúdos históricos

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As estratégias textual discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História1

O

processamento textual, tanto do ponto de vista de sua produção, quanto de sua recepção, é um processamento estratégico. As estratégias textualdiscursivas têm por finalidade, principalmente, facilitar a compreensão, introduzir esclarecimentos e exemplificações, aumentar a força teórica do texto, dar relevo a certas partes dos enunciados, etc. Quais as escolhas operadas pelos produtores dos textos de livros didáticos de história do ensino fundamental (1º e 2º ciclos) sobre o material linguístico à sua disposição, objetivando orientar o interlocutor na construção do sentido? São as mesmas

1 Escrito por Christianne de Menezes Gally, membro do Grupo de Pesquisa História das Ideias Linguísticas (Brasil e Portugal) e Identidade Nacional/ PUC-SP.

As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

estratégias utilizadas em todos os anos do ensino fundamental? Ou seriam apenas consideradas mais importantes nos textos destinados às séries iniciais? Partindo do pressuposto de que o texto é “um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas” (Marcuschi, 2008, p.72), pretende-se demarcar os recursos linguísticos utilizados pelo produtor textual para negociar com seu interlocutor os sentidos que pretende veicular. O ramo da Linguística que estuda as “operações linguísticas, discursivas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção e processamento de textos escritos ou orais em contextos naturais de uso” (idem, p.73) é a Linguística Textual, cujo surgimento se deu a partir da década de 1960, na Alemanha, inicialmente, com os trabalhos de Weinrich, em 1968, embora o termo “linguística textual” tenha sido usado muito antes por Coseriu, mas não no sentido que lhe é atualmente atribuído. Essa disciplina propõe tomar o texto2 como objeto de investigação, ao contrário dos estudos anteriores que

2 A concepção de texto varia de acordo com a corrente teórica à qual está filiada. Assim, o texto é visto como “1- frase complexa ou signo linguístico mais alto na hierarquia do sistema linguístico; 2- signo complexo (concepção de base semiótica); 3- expansão tematicamente centrada de macroestruturas (concepção de base semântica); 4- ato de fala complexo (concepção de base pragmática); 5- discurso ‘congelado’, como produto acabado de uma ação discursiva (concepção de base discursiva); 6- meio específico de realização da comunicação verbal (concepção de base comunicativa); 7- processo que mobiliza operações e processos cognitivos (concepção de base cognitiva); e 8lugar de interação entre atores sociais e de construção internacional de sentidos (concepção de base sociocognitiva-interacional)”. (Koch, 2006, p. XII).

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

tomaram a palavra – caso, por exemplo, dos estruturalistas – ou a frase – grosso modo, os gerativistas – como unidade mínima de estudo. Durante sua trajetória, a Linguística Textual recebeu várias denominações, de acordo com as várias concepções de texto defendidas pelas diversas correntes, como análise transfrástica, gramática de texto 3, “textologia (Harseg), teoria de texto (Schimdt), translinguística (Barthes), Hipersintaxe (Palek), Teoria da Estrutura do Texto- Estrutura do Mundo (Ptöfi), etc.” (Fávero & Koch, 2005, p.12). A passagem dos estudos da palavra/frase para os estudos do texto deu-se pela necessidade em explicar determinados fenômenos linguísticos, como a correferência e a pronominalização, a ordem das palavras no enunciado ou as relações entre sentenças não ligadas por conjunções, dentre outros fenômenos, que somente vistos no texto, ou levando-se em conta o contexto situacional, é que poderiam ser analisados. Essa passagem, entretanto, não foi imediata: apresentou, pelo menos, três momentos, não distintos cronologicamente. O primeiro deles abriga a análise transfrástica,

A Gramática textual parte do princípio de que “todo falante de uma língua tem a capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados e esta competência é linguística, em sentido amplo [...]. Qualquer falante é também capaz de parafrasear um texto, de resumi-lo, de atribuir-lhe um título, de produzir um texto a partir de um título dado e de distinguir um texto, segundo os vários tipos de texto [...]. Todas essas habilidades explicitam a competência textual e justificam a construção de uma gramática textual. (Fávero, 1993, p.6). 3

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As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

que apresenta estudos ligados ainda ao enunciado ou à sequência de enunciados, cujo objetivo era “estudar os tipos de relação que se podem estabelecer entre os diversos enunciados que compõem uma sequência significativa” (Fávero & Koch, 2005, p.13), como as relações referenciais, um dos fatores da coesão textual. O segundo momento refere-se à construção das gramáticas textuais cuja finalidade seria a de “a) verificar o que faz com que um texto seja um texto, isto é, determinar os seus princípios de constituição, os fatores responsáveis pela sua coerência, as condições em que se manifesta a textualidade; b) levantar critérios para a delimitação de textos, já que a completude é uma das características essenciais do texto; e c) diferenciar as várias espécies de texto” (Fávero & Koch, 2005, p.15). A função das gramáticas textuais, portanto, estaria ligada à descrição da competência textual de falantes/ouvintes idealizados, a saber: a capacidade formativa, que lhe permite produzir e compreender um número ilimitado de textos inéditos; a capacidade transformativa, que o torna capaz de reformular, parafrasear e resumir um texto dado; e a capacidade qualificativa que lhe confere a possibilidade de tipificar um texto dado. 3- teoria do texto onde o texto “passa a ser estudado dentro de seu contexto de produção e a ser compreendido não como um produto acabado, mas como um processo, resultado de operações comunicativas e processos linguísticos em situações sociocomunicativas”. (Bentes, 2003, p.247). Propõe-se, então, a “investigar a constituição, o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos em uso” (idem, p.251). Aqui importa a noção de textualidade introduzida por Beaugrand 78

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

& Dressler (apud Koch, 2007) – ou seja, princípios4 que fazem com que um aglomerado de palavras seja considerado um texto: coesão 5, coerência6, intencionalidade7, aceitabilidade 8, informatividade 9, situacionalidade 10 e intertextualidade11. O terceiro momento trata das teorias do texto, ou seja, leva-se em conta o contexto pragmático12, onde a produ-

Para Marcuschi (2008), entretanto, não se pode considerar “princípios” de textualidade uma vez que não constituem leis linguísticas, nem princípios de formação textual; deve-se, então, estabelecer condições da textualidade ou “critérios de acesso à produção de sentido”. (Marcuschi, 2008, p. 97). 5 A coesão é o “fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados entre si, por meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de sentido” (Koch, 2007, p.45). 6 A coerência pode ser vista como um aspecto importante na interpretação do discurso, “resultado de uma série de atos de enunciação que se encadeiam sucessivamente e que formam um conjunto compreensível como um todo”. Marcuschi, 2008, p.121). 7 No sentido estrito, “é a intenção do locutor de produzir uma manifestação linguística coesiva e coerente, ainda que essa intenção nem sempre se realize em sua totalidade [...]” (Fávero, 1986). 8 Diz respeito à “atitude do receptor do texto [...] que recebe o texto como uma configuração aceitável, tendo-o como coerente e coeso, ou seja, interpretável e significativo”. (Marcuschi, 2008, p. 127-128). 9 Refere-se às informações contidas no texto, ao que se pretende dizer e está relacionado ao grau de expectativa do leitor, ou a falta dela. 10 Visto como critério estratégico, a situacionalidade diz respeito à situação cultural, histórica, social em que o texto ocorre. (Cf. Marcuschi, 2008). 11 Em sentido restrito, “é a relação de um texto como outros textos previamente existentes, isto é, efetivamente produzidos”.(Koch, 2007, p.62). 12 Para Dressler (apud Fávero & Koch, 2005, p.16), entretanto, a pragmática “constitui apenas um componente a posteriori a um modelo preexistente de gramática textual, cabendo-lhe tão somente dar conta da situação comunicativa na qual o texto é introduzido”. 4

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As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

ção, recepção e interpretação do texto são condições essenciais para a análise linguística. Os trabalhos de Schmidt (1978), um dos representantes desse momento, integram à descrição linguística os aspectos pragmáticos por acreditar que uma teoria do texto deveria ser concebida como “teoria da comunicação linguística” (Schmidt, 1978, p. 3). Seu objetivo era o de “projetar os esboços de modelos de interação de textos, atos comunicativos e situações de comunicação, que permitissem chegar a um sistema fatorial necessário para um modelo de comunicação linguístico-social idealizado”. (idem, p. 13). Conforme Fávero e Koch, porém, Schmidt “transcende os limites da teoria linguística stricto sensu” (2005, p.16). A partir da década de 1980, os estudos do texto consideraram uma nova orientação teórica: a de que toda ação (todo fazer) é acompanhada, obrigatoriamente, de processos de ordem cognitiva. (Cf. Koch, 2004). Em outras palavras, para agir, um indivíduo precisa mobilizar algumas operações a fim de se comunicar. Numa situação comunicativa, os interlocutores mobilizam alguns saberes comuns a ambos que os permitem a compreensão mútua, ou seja, eles precisam ativar conhecimentos que estão guardados na memória para que a comunicação seja efetivada. Com esta nova orientação, o texto passa a ser visto como o resultado de operações mentais, uma vez que tanto para quem produz quanto para aquele que tentará compreender o que foi produzido, será necessário levar em conta os modelos de operações mentais que um e outro possuem. Para Beaugrand & Dressler (apud Koch, 2006, p. 37), o texto é “originado por uma multiplicidade 80

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

de operações cognitivas interligadas, um documento de procedimentos de decisão, seleção e combinação”. Assim, cabe à Linguística Textual desenvolver modelos procedurais de descrição textual, capazes de dar conta dos processos cognitivos que permitem a integração dos diversos sistemas de conhecimento dos processos de comunicação, na descrição e na descoberta de procedimentos para sua atualização e tratamento no quadro das motivações e estratégias de produção e compreensão de textos (Koch, 2004, p.22).

Vários foram os teóricos que se preocuparam com esta abordagem e várias foram as contribuições. Uma delas, por exemplo, diz respeito aos grandes sistemas de conhecimento que são ativados no processamento textual: o linguístico, o enciclopédico, o interacional e o referente a modelos textuais verbais (Cf. Heinemann & Vehweger apud Koch, 2004, p.21). É o conhecimento linguístico que permite construir um texto, observando a gramaticabilidade e as escolhas lexicais. Um usuário da língua portuguesa não construiria “lápis quero um comprar hoje”, uma vez que o conhecimento adquirido acerca da sua língua não permite esse tipo de construção. Teoricamente, há, na língua portuguesa, um padrão frásico cuja organização é sujeito (um nome ou pronome) + verbo (ação) + complementos e adjuntos. Então, a construção frásica permitida é “(eu) quero comprar um lápis hoje”, respeitando, assim, a organização do material linguístico na superfície textual. Além desse 81

As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

aspecto, o conhecimento linguístico também se preocupa com os fatores de coesão e de coerência textuais na produção de sentido. Outro conhecimento, o enciclopédico, diz respeito aos conhecimentos prévios que o interlocutor já possui não só para construir o texto, como também para entender um texto. É também denominado conhecimento de mundo e se encontra armazenado na memória de cada indivíduo quer se trate de conhecimento do tipo declarativo, constituído por proposições a respeito dos fatos do mundo (...), quer do tipo episódico, constituído por modelos cognitivos socioculturalmente determinados e adquiridos através da experiência (Koch, 2006, p.22).

Também chamado de conhecimento sociointeracional, o conhecimento interacional refere-se ao saber sobre “as formas de interação através da linguagem”. (Koch, 2004, p.23). Ele será constituído pelos conhecimentos ilocucionais – que permitem reconhecer a finalidade que seu interlocutor pretende atingir numa dada circunstância; comunicacional – que traz à tona algumas leis da comunicação, como informatividade, exaustividade, economia, etc.; e metacomunicativo – que permite ao locutor, por meio de correções, paráfrases e repetições, eliminar possíveis mal-entendidos em sua comunicação. Finalmente, o conhecimento sobre estruturas textuais diz respeito ao conhecimento que permite aos interlocutores reconhecerem textos-modelo de determinado gênero ou tipo textual. O processamento textual, portanto, depende não só 82

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de características textuais, como as gramaticais e as lexicais, “como também de características dos usuários da língua, tais como seus objetivos, convicções e conhecimento de mundo [...]”. (Koch, 2004, p.26). Esses conhecimentos são ativados no processo da interação verbal por meio de estratégias comunicacionais. Vista como “uma instituição global para cada escolha a ser feita no curso da ação” (Van Dijk & Kintsch apud Koch, 2006, p.25), as estratégias consistem em “hipóteses operacionais eficazes sobre a estrutura e o significado de um fragmento de texto ou de um texto inteiro” (Koch, 2006, p.26) e permitem a mobilização dos vários sistemas de conhecimentos – linguístico, enciclopédico, interacional e estrutural – no momento da interação. Em outras palavras, é a partir do uso dessas estratégias que o interlocutor poderá realizar, simultaneamente, a construção e a interpretação do próprio texto. Para fins didáticos, as estratégias podem ser divididas em: a) cognitivas, também consideradas estratégias “de uso” do conhecimento, dizem respeito ao “cálculo mental” que o interlocutor realiza no momento da interação e englobam as estratégias proposicionais, as de coerência local, as estratégias esquemáticas e as estratégias retóricas, estilísticas, e as inferências13; b) sociointeracionais –

Inferência é a “operação pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o receptor (leitor/ouvinte) de um texto estabelece em relação não explícita entre dois elementos (normalmente frases ou trechos) deste texto que ele busca compreender e interpretar; ou, então, entre segmentos de texto e os conhecimentos necessários para a sua compreensão” (Koch & Travaglia, 2004, p. 79). Na linha da filosofia analítica da linguagem, “considerando que a comunicação humana é intencional e não exclusivamente explícita, a pragmática se atribui, entre suas tarefas, explicar como um ouvinte pode chegar a 13

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As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

“visam estabelecer, manter e levar a bom termo uma interação verbal” (Idem, p.27), como a preservação das faces14, formas de atenuação e estratégias de polidez, negociação, etc.; e c) textualizadoras – referem-se às “escolhas textuais que os interlocutores realizam, desempenhando diferentes funções e tendo em vista a produção de determinados sentidos” (idem, p.28). Também considerada textual-discursivas, essas estratégias têm como objetivo “facilitar a compreensão, introduzir esclarecimentos/exemplificações, aumentar a força retórica do texto, dar relevo a certas partes dos enunciados, como também modalizar aquilo que é dito ou, por vezes, refletir sobre a própria enunciação” (Koch, 2006, p.103).

compreender uma enunciação de maneira não literal e por que o locutor escolheu um modo de expressão não literal em vez de um modo expresso literal. Assim, locutor e interlocutor produzem inferências que permitem ao primeiro acrescentar um sentido implícito nos enunciados que produz explicitamente (...)”. (Charaudeau & Maingueneau, 2006, p.275). 14 Partindo do princípio de que o discurso é atividade social, ele se submete às regras de polidez. Estas, por sua vez, integram à teoria das faces desenvolvida por P. Brown e S. Levinson, inspirados no sociólogo americano E. Goffman. Numa interação verbal, no mínimo, entram em ação quatro faces: a negativa e a positiva de cada um dos participantes. Quando o processo comunicativo é iniciado, o locutor tenta preservar suas faces e respeitar as do seu interlocutor. Quando isso não acontece, existe uma ameaça. Uma mesma fala pode ameaçar uma face com o intuito de preservar uma outra. Assim, durante a interação verbal, os interlocutores buscam todo tempo manter um acordo entre as partes, ou a estabelecerem uma negociação constante para preservarem suas faces sem ameaçar as do Outro. 84

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

As estratégias textual-discursivas Para facilitar a compreensão, ou ainda, para tornar-se entendido por seu interlocutor, o usuário da língua desenvolve estratégias textual-interativas que são, simultaneamente, acionadas pelo interlocutor, ou seja, os interactantes mobilizam estratégias no ato da comunicação para mútua produção e compreensão do texto. Numa abordagem de base sociocognitivista, portanto, o texto é visto como um processo que envolve – tanto no ato de produção, quanto no de recepção – um complexo sistema de conhecimentos que são mobilizados por meio de estratégias, como visto anteriormente, a fim de construir sentidos. No momento em que o interlocutor constrói seu texto, ele, ao mesmo tempo em que aciona o sistema de conhecimento, também seleciona, escolhe, dentro das múltiplas possibilidades que a língua oferece, qual a melhor maneira para orientar seu interlocutor na construção do sentido que ele quer dar ao texto. Essas escolhas fazem parte das estratégias textualdiscursivas que foram classificadas em três conjuntos: a) formulativas – inserções, repetições, parafraseamento retórico, estratégias de relevo, focalização e deslocamento de constituintes; b) metadiscursivas, que se dividem em metaformulativas (correções, paráfrases saneadoras), metapragmáticas ou modalizadoras – cujo “objetivo é preservar a face do locutor, por meio da introdução no texto de atenuações, ressalvas, bem como marcar o grau de comprometimento, de engajamento do locutor como seu dizer, o grau de certeza com relação ao dito” (Koch, 2006, p.125); e c) e metaenunciativas, aquelas em que o 85

As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

enunciador reflete sobre o que acabou de dizer; referemse à avaliação, à correção, aos ajustes no momento mesmo da fala/escrita. Dificilmente, porém, encontraremos esse tipo de estratégia nos livros didáticos por serem acionadas no momento mesmo da enunciação. Na escrita, porém, há como elaborar anteriormente um rascunho para depois imprimir apenas a versão final do texto. As estratégias formulativas são acionadas no momento em que se quer facilitar a compreensão dos enunciados pelo interlocutor em relação à própria construção textual no momento mesmo da interação. Outra função é a de provocar no interlocutor a sua adesão ao que esteja dito/ escrito, com o objetivo de garantir o sucesso da interação. Dentre as mais usadas, encontram-se as inserções e as repetições, categorias a serem verificadas nos livros didáticos de História do ensino fundamental do 1º e 2º ciclos. As inserções se constituem de acréscimos necessários para que o interlocutor garanta a compreensão daquilo que esteja escrito. Para isso, durante a leitura, o locutor/ leitor suspende a trajetória fluídica da leitura para inserir outro enunciado com a finalidade a que se propõe. Pode-se observar, por exemplo, as inserções quando se quer introduzir explicações ou justificativas, como é o caso de (1) Os bandeirantes, nome dado às pessoas que participavam dessas expedições, viajavam pelos rios e também a pé atravessando a mata (Lima, 2005d, p.61).

Reparem que entre o sujeito da ação (os bandeirantes) e a ação em si (viajavam pelos rios...) existe uma inserção com o intuito de explicar o termo “bandeirantes”. 86

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Além disso, as inserções também funcionam para fazer alusão a um conhecimento prévio que, frequentemente, constitui um pré-requisito para o pleno entendimento do assunto. (2) O tempo na nossa vida: será que sempre é possível perceber o passar do tempo? O tempo passa. Nossa vida muda enquanto passam os minutos, as horas, os dias, a semana, o ano. Você sabia? O dia tem 24 horas. O Sol ilumina uma parte da Terra por cerca de 12 horas. Nessa parte que o Sol ilumina é dia. Na parte não iluminada é noite. (Lima, 2005a).

No exemplo (2), percebe-se um chamamento do leitor para que ele ative seu conhecimento acerca do tempo em que ele vive. Mas, não é somente para fazer ativar o conhecimento prévio nem para explicar algo que as inserções são utilizadas. Outra finalidade é a de apresentar ilustrações ou exemplificações, como se vê em: (3)No século XIX, algumas palavras novas começaram a ser ouvidas no Brasil: Addio! Auf Wiedersehen! Grazie! Danke!

Somente com a leitura de todo o texto que acompanha essa inserção é que se vai delineando a contribuição dos imigrantes no Brasil: italianos, alemães, holandeses, franceses, ingleses, etc. Para despertar ou manter o interesse do aluno, no caso do livro didático dos livros de História, ou ainda criar um clima de cumplicidade com o aluno, frequentemente re87

As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

corre-se à estratégia de formulações de questões retóricas que consistem em fazer do aluno/leitor alguém presente na própria leitura, como nos exemplos abaixo: (4) No primeiro bloco deste livro você vai encontrar várias informações importantes sobre as três primeiras origens da população brasileira: os povos indígenas, os portugueses e os povos africanos. Com isso, você vai começar a descobrir por que somos um povo com tantos modos diferentes de ser e de viver.(Pitanguá, 2006d, p.9).

Percebe-se, então, que o leitor deixou de ser o alvo das informações e passou a ser cúmplice do autor em uma situação que abarca a todos de maneira idêntica. Outra estratégia formulativa utilizada nos textos, em geral, e recorrentes nos livros didáticos de História analisados, são as repetições, “uma estratégia de formulação textual mais presente na oralidade”(Marcuschi, 1997, p.95). Esta afirmação, porém é muito mais significativa quando se vê essa estratégia sendo usada nos livros didáticos do ensino fundamental, uma vez que uma das preocupações do autor/locutor é a de manter uma maior proximidade com seu público mirim. Em textos escritos, além de manter a cumplicidade com o leitor, a repetição ainda é visto como um recurso de alto poder persuasivo. Assim, a repetição “contribui para a organização discursiva e a monitoração da coerência textual; favorece a coesão e a geração de sequências mais compreensíveis; dá continuidade à organização tópica e auxilia nas atividades interativas” (Koch, 2006, p.111). Veja-se o exemplo: 88

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil (5) Cerca de 100 anos atrás as famílias eram, em geral, bem mais numerosas que as de hoje. A maior parte das mulheres se casava muito jovem, com 14, 15, 16 anos. O tamanho das famílias mudou. Cerca de 100 anos atrás, cada mulher tinha, geralmente, 7 filhos. Atualmente, esse número é bem menor. As mulheres têm, em geral, 2 filhos. Apesar disso, ainda há famílias bastante numerosas. O papel dos homens e das mulheres: além de mais numerosas, há outras diferenças entre as famílias de 100 anos atrás e as famílias de hoje. Em geral, as pessoas daquela época achavam que o sustento da casa deveria depender apenas dos homens. Por isso, só eles deveriam trabalhar fora de casa. A responsabilidade das esposas era cuidar da casa e dos filhos. (Pitanguá, 2006a: 23)

Mas, quais as escolhas operadas pelos produtores dos textos de livros didáticos de História do ensino fundamental (1º e 2º ciclos) sobre o material linguístico à sua disposição, objetivando orientar o interlocutor na construção do sentido? Para responder a essa questão, foram escolhidas aleatoriamente duas coleções de livro didático do ensino fundamental (1º e 2º ciclos): Projeto Pitanguá, organizado pela Editora Moderna (coleção 01) e Porta Aberta da autoria de Mirna Lima da FTD (coleção02). Foram analisados apenas os textos principais de cada uma, observando as estratégias formulativas de inserção, formulações retóricas e de repetição. Assim, obteve-se o seguinte resultado, observando o número de ocorrências das estratégias textual-discursivas em cada série, representadas da seguinte forma: 89

As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

(a) inserções que servem para exemplificar ou justificar um termo não conhecido pressupostamente para o leitor; (b) inserções que constituem um conhecimento prévio para continuar a leitura do texto; (c) inserções que apenas exemplificam ou ilustram enunciados anteriores; (d) formulações de questões retóricas; e (e) repetições. Tabela n. 1 - Estratégias textual-discursivas de construção de sentido nas coleções de livros didáticos de História Projeto Pitanguá e Porta Aberta. Coleção 01 (a) (b) (c) (d) (e)

1ª 02 05 08 16 08

2ª 03 06 10 18 15

3ª 12 08 19 15 10

Coleção 02 4ª 15 05 23 12 08

1ª 00 07 01 07 05

2ª 01 12 02 14 03

3ª 35 12 13 15 04

4ª 42 15 18 12 04

Um dos critérios levados em consideração foi o de que só seriam analisados os textos principais sem contar com os exercícios e as ilustrações. Apesar de esses dois aspectos também realizarem o papel das inserções, como as do tipo (c), deu-se preferência apenas à elaboração do texto escrito. Além disso, nas primeiras e segundas séries, os textos são bem menores do que os da terceira e quartas séries; portanto, há uma margem considerável de diferença nos números quando se leva em consideração essa desproporção. Mas, conforme o quadro acima, percebe-se, claramente, que as inserções que explicam algum termo anterior 90

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

ou o justifica, tanto na coleção 01 quanto na coleção 02, são mais utilizadas a partir da terceira e quarta séries. Nos textos do 1º ciclo, há um cuidado maior pela construção linear do texto. Já as inserções que acionam conhecimentos prévios dos alunos comparecem em proporções idênticas nas coleções, embora a coleção 02 apresente maior número de ocorrências que a coleção 1. As inserções que exemplificam com a ajuda de conectores (por exemplo, como..., etc.) a fim de trazer ao aluno situações mais próximas à sua realidade foram usadas com maior frequência nas séries do 2º ciclo: “A primeira cidade foi fundada para ser a sede do governo brasileiro, isto é, lá ficaria o governador-geral da colônia, enviado pelo rei de Portugal para povoar, colonizar as terras e organizar a vida dos seus moradores”.(Lima, 2005c: 45) Em relação às formulações de questões retóricas, os textos do livro didático parecem estar em acordo sobre a importância desse recurso para tornar o aluno preso à leitura e despertar sua curiosidade acerca de determinado assunto. A maioria dessas ocorrências encontra-se no início de cada capítulo ou unidade. Quanto às repetições, foram várias as palavras que se fizeram internalizar através desse recurso: história, família, nosso(a), escola, trabalhadores, etc. Algumas até se apresentam de forma exagerada, como em: Existem diferentes tipos de família. Há famílias compostas de muitas pessoas, enquanto outras podem ter poucos membros. A família é formada por várias pessoas. Muitas crianças não têm pai ou mãe. Mesmo assim, elas podem ter uma família. Fazem parte da 91

As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História família, (...). O que aprendemos com a família. Convivendo com a família, (...). Seguir os costumes significa continuar praticando os hábitos da família. Famílias de outros tempos...Cerca de 100 anos atrás as famílias eram, em geral, bem mais numerosas que as de hoje.(...) O tamanho das famílias mudou. (...) Apesar disso, ainda há famílias bastante numerosas.(...) há outras diferenças entre as famílias de 100 anos atrás e as famílias de hoje. (Moderna, 2006a, p. 20-27).

Conclusões Analisadas as coleções, percebeu-se que as inserções do tipo (a) – Inserções que servem para exemplificar ou justificar um termo não conhecido pressupostamente para o leitor – raramente são utilizadas, enquanto que as do tipo (b) – Inserções que constituem um conhecimento prévio para continuar a leitura do texto – constituem um capítulo a parte – tanto na coleção 01 quanto na coleção 02, em toda abertura de capítulo, utiliza-se essa estratégia. A maior frequência, entretanto, encontra-se no uso das inserções que apenas exemplificam ou ilustram enunciados anteriores em todas as séries das coleções em pauta. As formulações retóricas são utilizadas com frequência em ambas as coleções, geralmente em quase todos os textos que tratam de conceitos básicos, como tempo, família, trabalho, transportes, etc. Quando os conteúdos se voltam para a história passada do Brasil, essa estratégia é muito pouco utilizada. 92

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Quanto às repetições, porém, percebe-se uma diferença entre as coleções. Na coleção 01, as repetições chegam a ser abusivas, principalmente nos textos das séries iniciais. Na coleção 02, as repetições são muito pouco utilizadas no texto, embora se perceba, nos exercícios, a preocupação de internalizar determinado conhecimento. É possível afirmar, a partir dessas considerações, que as escolhas por esta ou aquela estratégia textualdiscursiva não seguem um padrão pré-estabelecido para um livro didático de ensino fundamental. As escolhas, dizem muito mais acerca do perfil traçado para as coleções que se diferenciam a partir das estratégias utilizadas para a construção do conhecimento histórico que se quer construir no leitor do que de uma possível fórmula de um texto ideal.

Referências BENTES, Anna Christina. Linguística textual. In: MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. 3ed. São Paulo: Cortez, 2003. v.1 CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2006. EDITORA MODERNA (org.). Projeto Pitanguá: História. Ensino fundamental. 2ed. São Paulo: Moderna, 2006a, v.1. _________ (org.). Projeto Pitanguá: História. Ensino fundamental. 2ed. São Paulo: Moderna, 2006b, v. 2. 93

As estratégias textual - discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História

______ (org.). Projeto Pitanguá: História. Ensino fundamental. 2ed. São Paulo: Moderna, 2006c, v. 3. ______ (org.). Projeto Pitanguá: História. Ensino fundamental. 2ed. São Paulo: Moderna, 2006d, v. 4. FÁVERO, Leonor Lopes. Intencionalidade e aceitabilidade como critério de textualidade. In.: Linguística textual – texto e leitura. São Paulo: Série Cadernos PUC, n.22, 1986, p.31-37. _____. Coesão e Coerência textuais. 2ed. São Paulo: Ática, 1993. FÁVERO, Leonor Lopes. & KOCH, Ingedore G. Villaça. Linguística textual: introdução. 7ed. São Paulo: Contexto, 2005. KOCH, Ingedore G. Villaça. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004. _____. O texto e a construção dos sentidos. 9ed. São Paulo: Contexto, 2007. KOCH, Ingedore G. Villaça & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 16ed. São Paulo: Contexto, 2004. LIMA, Mirna. História e Geografia. Ensino fundamental. São Paulo: FTD, 2005a. Coleção Porta Aberta. v. 1. ______. História e Geografia. Ensino fundamental. São Paulo: FTD, 2005b. Coleção Porta Aberta. v. 2. ______. História e Geografia. Ensino fundamental. São Paulo: FTD, 2005c. Coleção Porta Aberta. v. 3. ______. História e Geografia. Ensino fundamental. São Paulo: FTD, 2005d. Coleção Porta Aberta. v. 4. MARCUSCHI, Luiz.Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. ______. A repetição na língua falada como estratégia de formulação textual. In.: KOCH, Ingedore G. Villaça. Gra94

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

mática do português falado. Campinas: Editora da Unicamp, 1997, v. IV, pp. 95-130. SCHIMIDT, Siegfried. Linguística e teoria de texto. São Paulo: Pioneira, 1978. WEINRICH, Harald. Estructura y función de los tiempos em el lenguaje. Madrid: Gredos, 1968.

95

Escrevendo a História regional para as crianças1

C

omo se escreve a História para as crianças? Quais as estratégias empregadas pelos autores acerca do material linguístico à sua disposição? O estudo do livro didático de História, sob a perspectiva da Linguística Textual, é algo bem recente, sendo, por isso, raras as pesquisas que tratam ou se aproximam do nosso objeto de estudo. Um exemplo bastante claro pôde ser observado no maior evento sobre ensino de História do Brasil – “VI Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História: Múltiplos ensinos em múltiplos espaços” – realizado

Escrito por Carla Karinne Santana Oliveira, Ana Maria Garcia Moura e Max Willes de Almeida Azevedo, a partir dos seus relatórios de Iniciação Científica apresentados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/FAPITEC/UFS (2007/2008/2009). 1

Escrevendo a História regional para as crianças

entre 10 e 13 de outubro de 2007, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ao consultarmos os anais desse evento, constatamos um número bastante reduzido de trabalhos que exploram aspectos linguísticos no livro didático. Apesar dessa escassez, podemos mencionar duas comunicações que chamaram a atenção sobre a importância desse tipo de estudo para compreensão dos mecanismos envolvidos na elaboração da escrita da História, principalmente quando o público alvo é a criança. A primeira comunicação que devemos destacar, como participante do Grupo de Trabalho (GT) sobre Ensino de História nas Séries Iniciais, foi elaborada por Christianne Gally e intitulada “As estratégias textual-discursivas de construção de sentido nos livros didáticos de História do ensino fundamental”. No trabalho, Gally (2007) apresenta um estudo sobre o material linguístico de duas coleções de História, destinadas ao 1° e ao 2° ciclo do ensino fundamental no que concerne às estratégias utilizadas pelo produtor do livro didático para provocar, no leitor, a adesão ao que está lendo, garantindo, assim, o sucesso da interação. A segunda comunicação, apresentada por Ana Gabriela de Souza Seal, também participante do GT sobre Livro Didático, refere-se aos gêneros textuais inseridos em uma coleção de livros didáticos de História. A pesquisadora verificou se os manuais atendiam às exigências do Programa Nacional do Livro Didático e da Proposta Curricular de História no que diz respeito à variedade textual. Com esses dois trabalhos, percebemos iniciativas de superar a atual desatenção sobre uma abordagem linguística no manual escolar de História. 98

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Como, em nossa área de Ensino de História os trabalhos são raros, procuramos, na área de Linguística, aqueles que tivessem como objeto os elementos que constituem um texto a fim de construir sentido. Encontramos, então, dois trabalhos que se aproximaram da nossa expectativa: “Redação e Textualidade” de Maria da Costa Val (2004), e o trabalho de Mirella Oliveira Freitas (2006), intitulado “Técnicas e operadores argumentativos em redações de universitários”. Examinando as redações de vestibular da PUC no ano de 1983 e avaliando os mecanismos de retomada, de avanço e de articulação textual elaborados pelos vestibulandos, Costa Val (2004) constatou que os mecanismos linguísticos que inter-relacionam as ideias apresentaram nível insatisfatório visto que foram pouco usados havendo, portanto, ideias soltas, isto é, construções não articuladas. Além disso, os vestibulandos não entendiam o sentido desses mecanismos dentro do texto, pois empregavamnos de forma equivocada. Mirela Freitas (2006), por sua vez, analisou o uso dos conectores que direcionam a argumentação em textos de alunos de uma universidade federal pública. Ela constatou que as escolhas dos operadores foram pouco eficazes na medida em que os recursos utilizados não possibilitavam o texto progredir, apresentando incoerências diversas. A autora observou também um uso restrito e deficiente dos operadores argumentativos e atribuiu esse resultado ao desconhecimento pelos alunos do papel e das funções que determinados elos coesivos exercem em um texto. É evidente a similaridade entre ambas as pesquisas não só por chegarem a resultados parecidos, mas também pelo fato de analisarem redações. Nota-se também 99

Escrevendo a História regional para as crianças

que os pesquisadores da área de Letras privilegiam textos ligados à sua disciplina, como as redações ou até mesmo o livro didático de Língua Portuguesa. Entretanto, há pesquisadores que não se enquadram na ideia descrita acima e encontraram na interdisciplinaridade da História, da Linguística e da Pedagogia um campo vasto para pesquisa. Nesse sentido, podemos citar o trabalho de Tânia Maris de Azevedo (2000), “Argumentação, Conceito e Texto didático” que estuda a argumentação nos textos didáticos de História e Geografia do livro “Caxias do Sul - tempo e espaço”. A autora demonstrou que o uso de mecanismo de articulação, na interligação entre as ideias, é importante, em todo o percurso escolar, inclusive, nas séries iniciais da escolarização básica. Além disso, acredita que o uso dos conectores que orientam a argumentação não torna o texto complexo, como, geralmente, se pressupõe, e ainda que o contato da criança com esses recursos possibilitará a elas o maior domínio sobre o uso da língua portuguesa, tanto na leitura quanto na escrita. Levando em conta o exemplo da pesquisadora Tânia Azevedo, reafirmamos sua importância, não só por chamar a atenção de outros estudiosos para esse tipo de abordagem, mas também por ir além do que já foi investigado sobre os manuais didáticos, incorporando novos indicadores.

A análise linguística Analisar significa decompor e examinar sistematicamente os elementos que compõem um texto (Cf. Medeiros, 2003, p. 101). Desse modo, uma análise dita Linguística 100

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

é aquela que utiliza a teoria e os conceitos da ciência da linguagem para dissecar o material linguístico alvo do estudo. Um dos maiores entraves, porém, foi o de escolher qual corrente linguística adotar a fim de viabilizar nosso projeto, o de analisar o texto sob o ponto de vista de sua construção formal. Assim, chegamos às propostas da Linguística Textual. Para Ingedore Koch (2004, p. 175), a Linguística textual é um domínio interdisciplinar que estuda os fatores responsáveis pela produção de sentido de um texto, ou seja, estuda, compreende e explica o texto como entidade multifacetada que resulta da interação social. Logo, por meio do embasamento teórico fornecido pela Linguística textual, orientamos nossa análise dos impressos didáticos. Foram quatro os indicadores selecionados: estrutura sintática da frase, tempos verbais no discurso, operadores discursivos e a referenciação. Da estrutura sintática da frase, observamos se os períodos construídos eram simples ou compostos, de acordo com a distribuição das orações. Também foi possível categorizar os períodos com mais de uma oração em processos sintáticos, como a coordenação, a subordinação e o período misto. Pelo segundo indicador – tempo verbal –, os verbos foram categorizados como elementos linguísticos pertencentes ao mundo narrado (pretérito perfeito, imperfeito, mais que perfeito e futuro do pretérito) e ao mundo comentado – presente, futuro do presente ou o presente histórico. (Cf. Koch, 2002). Já o indicador “operador discursivo” norteou a identificação dos mecanismos de articulação textual categori101

Escrevendo a História regional para as crianças

zando, por um lado, os articuladores textuais como lógico-semânticos e operadores argumentativos e, por outro lado, classificando o tipo de relação estabelecida: de tempo, causa, mediação, disjunção e modo (para os operadores lógico-semânticos), e de adição, contraposição, explicação, conclusão, comprovação (para os operadores argumentativos). Por meio do indicador que denominamos genericamente de referenciação, nos foi permitido encontrar, no texto didático, os recursos linguísticos responsáveis pela retomada de elementos já expostos no texto. Os recursos de remissão textual observados foram pronomes (demonstrativos, pessoais, possessivos), numerais e a elipse. O exame dos manuais didáticos por meio desses quatro indicadores obedeceu a um critério: os indicadores processos sintáticos, tempo verbais e operadores de discurso foram observados em todos os capítulos ímpares, enquanto a referenciação foi observada nos capítulos pares. A utilização desse critério se fez necessária para que a análise conseguisse ser efetivada em tempo hábil.2

Além dos procedimentos linguísticos, registre-se que a primeira etapa da pesquisa consistiu de um levantamento bibliográfico exaustivo no qual foram reunidos livros, comunicações e artigos que tratavam tanto sobre livro didático quanto sobre aspectos linguísticos. Esse material foi fichado, analisado, fornecendo a fundamentação teórica que a pesquisa exigia. A última etapa da pesquisa correspondeu ao tratamento estatístico, caracterizado pelo levantamento dos dados em forma de tabelas, apresentação dos dados em série especificativa, o exame de intensidade da frequência dos indicadores, a partir da extração dos valores relativos e absolutos. 2

102

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Os processos sintáticos Apresentaremos, agora, os resultados do exame da escrita didática realizado em todos os livros de História regional que foram aprovados pelo PNLD – 2007, destinados às series iniciais da escolarização básica. Na análise, procuramos identificar e quantificar os recursos linguísticos com o intuito de verificar os indicadores mais recorrentes e compreender as motivações dos produtores dos textos didáticos ao fazerem determinadas escolhas linguísticas. Em seguida, nas conclusões, comparamos as totalizações com os resultados obtidos por idêntico exame efetuado em coleções de História destinadas aos alunos dos anos iniciais, anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, produzidos no mesmo período, ou seja, referentes ao PNLD 2007, PNLD 2008 e PNLEM 2007. Selecionamos 4 indicadores, considerados imprescindíveis no processo de construção de sentido de um texto: a estrutura sintática da frase, tempos verbais no discurso, operadores discursivos e a referenciação. (Cf. Koch, 2002, 2004). Em relação ao indicador Processo Sintático, obteve-se o resultado que está exposto na Tabela n. 1. De acordo com os dados da Tabela n. 1, há, entre os 27 livros investigados, um equilíbrio entre a construção de frases com período simples (44%) e frases com períodos compostos (42%). Tal proximidade talvez aponte para uma possível ruptura da visão ainda hoje difundida de que os livros destinados às crianças são constituídos quase que exclusivamente por períodos simples ou orações absolutas. Desse modo, a investigação da escrita didática da História nos mostra quão significativa é a parcela 103

Escrevendo a História regional para as crianças

de períodos constituídos com mais de uma oração - período composto. Tabela n. 1 – Tipologia e frequência dos processos sintáticos nos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Processos sintáticos Período Simples Período Composto Coordenação Subordinação Período Misto TOTAL

Absoluta

Frequência

Relativa*

2866

44%

1632 1139 312 6558

25% 17% 05% 100%

Entretanto, ao considerarmos separadamente os processos sintáticos de coordenação e subordinação e compará-los com o período simples teremos: períodos coordenados (25%) e períodos simples (44%), bem como teremos períodos subordinados (17%) e períodos simples (44%) e, ainda, se compararmos com o período misto (5%) com o período simples (44%), verificaremos o papel de destaque que as orações absolutas ainda possuem no texto didático destinado às séries iniciais. Não desconhecemos que os períodos com apenas uma oração sejam frequentes no livro escolar de História, mas chamamos a atenção não só para a não exclusividade do período simples, mas também para o papel ainda em ascensão desempenhado pelos períodos compostos. A leitura da Tabela n. 1 nos mostra também que, entre os períodos compostos, houve maior incidência da oração coordenada. Tal predomínio, nos manuais esco104

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

lares, pode estar relacionado à aparente simplicidade em que a oração coordenada é percebida. Acredita-se que a coordenação, por ligar orações ditas independentes, seria mais fácil de ser compreendida, enquanto a subordinação, ao enlaçar orações de tal maneira que nenhuma oração existe por si mesma, configurando uma dependência mútua, seria mais complexa, ou seja, mais difícil de ser processada mentalmente e, talvez por esse motivo, os produtores do livro didático optaram por construções consideradas mais simples. Apesar de os períodos coordenados serem vistos por muitos linguistas como um processo sintático mais simples, por tratarem da ligação entre orações autônomas, há teóricos, como Othon Garcia (2007), que se distanciam dessa visão tradicional, afirmando que as orações coordenadas possuem um enlace tão estreito que acabam por estabelecer relações de mútua dependência entre as orações, caracterizando uma falsa coordenação ou, melhor dizendo, “uma subordinação psicológica”. Assim sendo, seguindo a visão de Garcia (2007), a simplicidade que pode ter sido almejada pelos produtores dos manuais didáticos ao privilegiarem construções coordenadas pode se revelar complexa a depender do tipo de coordenação usada.

O uso do tempo verbal A Tabela n. 2 mostra-nos o predomínio dos tempos verbais do mundo narrado já que cerca de 76% dos verbos identificados estavam relacionados ao pretérito, enquanto apenas 24% dos verbos pertenciam ao mundo 105

Escrevendo a História regional para as crianças

comentado, e, portanto, relacionados com o presente. A tabela também evidencia que, dentro do mundo narrado, o pretérito perfeito e o imperfeito foram os mais usados em detrimento do futuro do pretérito, que apareceu ocasionalmente, e pretérito mais-que-perfeito que teve ocorrência praticamente nula. O objeto do nosso estudo - o livro didático de História – é caracterizado de maneira geral por fazer um relato sobre o passado. A narrativa é o gênero textual predominante, logo, é perfeitamente compreensível que o pretérito tenha sido o tempo verbal dominante (este tempo verbal é mais típico da narrativa histórica). Por outro lado, é importante informar sobre a possibilidade de uso do presente, mesmo quando se trata de um relato histórico, pois a utilização dos verbos no presente tem caráter atemporal estando, sobretudo, relacionada com a atitude comunicativa de engajamento e compromisso (Cf. Koch,1999). Essa forma verbal é genericamente chamada de presente histórico. Porém, não foi encontrado, em nenhum dos livros analisados, esse tipo de forma verbal. Os tempos do mundo comentado, quando utilizados nos livros, não pertenciam a um contexto narrativo; eram normalmente passagens em que o autor do livro travava um diálogo com os leitores, expondo comentários e argumentos sobre aspectos atuais e, por isso, usavam o presente estando inseridos no mundo comentado. Apesar de o uso da forma verbal no presente não estar vinculado à temporalidade propriamente dita, percebemos o uso desse tempo verbal apenas em passagens que faziam referência ao aspecto da atualidade ou em contextos de maior uso da argumentatividade. 106

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 2 – Tipologia e frequência do tempo verbal nos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Tempo verbal Mundo narrado Pretérito perfeito Pretérito imperfeito Pretérito mais que perfeito Futuro do pretérito Mundo comentado Presente Futuro do presente Presente Histórico Total

Frequência Absoluta

Relativa*

3455 3049 46 164

39% 34% 01% 02%

2034 177 0 8925

23% 02% O% 100%

Em suma, a orientação dada pelo indicador “tempos verbais” possibilitou-nos identificar que o pretérito perfeito e imperfeito são as formas verbais mais recorrentes nos livros de História regional. O presente histórico (a utilização dos tempos do mundo comentado no mundo narrado com intuito de realçar os fatos passados) não fez parte das escolhas dos produtores dos manuais didáticos investigados. A análise norteada pelo indicador “operador de discurso”, por sua vez, foi dividida em duas partes: as relações lógico-semânticas e os operadores argumentativos, que veremos em seguida.

107

Escrevendo a História regional para as crianças

Operadores lógico-semânticos A leitura da Tabela n. 3 nos mostra que entre os operadores lógico-semânticos, os operadores “como” relação de modo e “ou” relação de disjunção foram os mais recorrentes, correspondendo cada um a cerca de 30% do total de operadores. Em seguida temos o operador “quando” - relação de temporalidade com 24%. Aproximadamente, 11 operadores dos listados na Tabela 3 possuem 1% de incidência ou ocorrência nula. Desse modo, percebemos uma baixa diversidade dos tipos de conectivos usados. Em outras palavras, a identificação e a quantificação dos operadores lógico-semânticos revelam, de maneira geral, o pouco uso desses articuladores textuais na interligação das ideias e dos períodos no livro didático. Uma possível explicação para a baixa frequência dos operadores lógico-semânticos no gênero em questão pode estar relacionada à representação do parágrafo (entendido no senso comum como) ideal para as crianças: parágrafo composto por frases dispostas uma após a outra, isto é, sem a presença de mecanismos linguísticos que explicitem as relações entre os elementos textuais. Essa estratégia de acessibilidade é muitas vezes questionada, uma vez que um texto constituído por enunciados agregados uns aos outros, sem a presença de um articulador, torna a ligação entre as ideias mais fraca e a compreensão de seu sentido mais lenta.

108

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 3 – Tipologia e frequência dos operadores lógico-semântico nos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Operadores lógico-semânticos

Frequência Absoluta Relativa*

Condicionalidade se caso desde que contanto que

3 10 12 0

0% 1% 1% 0%

34

0%

ou

302

3%

como

300

30%

35 10 19

30% 3% 1%

239 2 0 6 20 1

2% 24% 0% 0% 1% 2%

31 0 3

0% 3% 0%

1016

100%

Mediação para que Disjunção Modo Conformidade segundo de acordo conforme Temporalidade Quando Nem bem Assim que Logo que Enquanto Até que Causalidade porque visto que já que Total

109

Escrevendo a História regional para as crianças

Operadores argumentativos Como podemos ver na tabela 4, o conectivo “e” (68%) predomina entre os operadores quantificados. Essa recorrência é razoável considerando que o “e” é o mais comum dos conectivos e foi usado para ligar palavras, enunciados, períodos e parágrafos. Apesar do uso frequente do operador “e” a sua influência na argumentatividade do texto didático é bem pequena, visto que esse conectivo tem um baixíssimo teor semântico e, por isso, uma pequena força argumentativa. (Cf. Garcia, 2007, p. 42). Além do conectivo “e”, outros articuladores que têm a função de adicionar ideias foram identificados, como o também” (8%). “também” Os operadores mais utilizados foram os de menor força argumentativa como “e” e “também” “também”, enquanto os operadores de maior força argumentativa (que possuem a função de acentuar os argumentos de maior relevância) foram raramente usados: além disso e o “não só...mas também”. Percebemos, então, no livro didático uma preferência por operadores que promovem uma estratégia de suspense (“mas” e “porém”) (7%), em detrimento de operadores que assinalam uma antecipação dos argumentos chamados de (1%). Talvez concessivos como “embora” e “apesar de” essa escolha possa ser explicada pela presença mais assídua na oralidade de operadores como “mas” e “porém” sendo estes, portanto, mais familiares no universo linguístico infantil do que os conectivos “embora” e “apesar de de”. 110

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 4 – Tipologia e frequência dos operadores argumentativos nos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Operadores argumentativos e também nem não só...mas também Adição além disso além de bem como ainda Contrajunção mas porém no entanto entretanto todavia contudo apesar de embora Explicação pois

conclusão

Total

já que visto que portanto Logo então enfim afinal assim por isso em virtude de

Absoluta

Frequência

Relativa

3405 388 35 5 61 88 26 88 261 108 21 19 2 13 19 15 80

68% 8% 1% 0% 1% 2% 1% 2% 5% 2% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 2%

28 8 28 14 83 21 5 112 50 2 4985

1% 0% 1% 0% 2% 0% 0% 2% 1% 0% 100%

111

Escrevendo a História regional para as crianças

Em linhas gerais, a análise no livro didático demonstrou que as relações de sentido entre os segmentos textuais não foram estabelecidas prioritariamente por elementos linguísticos condutores e indicadores da argumentatividade. Também percebemos a escolha de articuladores mais próximos à fala como “e” “mas” “porém” “pois” “então” “então”. Desse modo, conclui-se que o baixo uso de operadores, bem como a preferência dos articuladores mais próximos à oralidade, revelam, de certa forma, o interesse dos produtores em buscarem uma comunicação mais simples com as crianças.

Formas de referenciação A tabela n. 5 revela que a forma de remissão textual mais usada foi a elipse, com o percentual de 25 %. A elipse é caracterizada pela omissão do sujeito pelo verbo que faz referência a um sujeito de um período antecedente, como pode ser visualizado no exemplo abaixo: (1) Lages tornou-se a rota preferida dos tropeiros, usada como ponto estratégico de povoamento. Teve sua economia baseada na criação e no comércio de gado.

O verbo destacado omite o sujeito que poderia ser um pronome pessoal (ela), mas faz referência ao sujeito do período anterior Lages. Esse foi tipo mais recorrente de remissão textual. Outro modo de retomar o já dito foi o pronome pessoal “ele” (e variação) (21%). 112

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 5 – Tipologia e frequência dos elementos de referenciação nos livros didáticos de História regional – PNLD 2007 Operadores argumentativos Demonstrativo

Possessivo

Pessoal/ 3° pessoa Relativo Elipse Total

esta/ esta esse/ essa isso tal aquele aquilo meu teu seu nosso vosso deles ele/ ela que

Frequência Absoluta Relativa 70 465 115 29 37 9 1 0 169 29 2 41 591 519 712 2809

2% 16% 4% 1% 1% 0% 0% 0% 6% 1% 1% 1% 21% 18% 25% 100%

Outras formas gramaticais de remissão textual mais recorrentes foram os pronomes demonstrativos (24%), com destaque para pronome “esse” (e variações) (16%). A dispersão dos resultados, portanto, revela que os autores dos manuais didáticos não fizeram um uso exclusivo de determinada forma remissiva. Eles procuram usar de maneira equilibrada os diversos recursos linguísticos que tinham à sua disposição.

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Escrevendo a História regional para as crianças

Conclusões A análise realizada nos 27 livros de História regional – distribuídos pelo PNLD/2007 para as séries iniciais da escolarização básica – forneceu alguns indícios importantes sobre os mecanismos linguísticos privilegiados na escrita didática da História regional. Quanto aos processos sintáticos, pudemos perceber que os autores dos livros didáticos analisados não construíram períodos apenas com oração absoluta, como, tradicionalmente, se pensa quando se fala em escrever para crianças. Na verdade, uma parcela significativa foi constituída com mais de uma oração, e categorizada como coordenada, subordinada e mista. Em relação aos tempos verbais no discurso, predominaram os tempos do mundo narrado, principalmente pretérito perfeito e imperfeito (tempos característicos do relato). Em nenhum dos livros investigados encontramos o emprego do presente histórico, que poderia ter sido usado para mostrar maior comprometimento do emissor. As formas verbais no presente estiveram relacionadas ao objetivo de tecer algum comentário ou a situações argumentativas. No que se refere aos operadores de discurso, pôde-se verificar um uso restrito dos articuladores textuais, tanto os lógico-semânticos quanto os argumentativos em alguns dos livros analisados. Em outras palavras, procurando atingir uma linguagem mais acessível, os produtores do livro didático em questão optaram por não utilizar eficazmente os articuladores textuais, preferindo construir boa parte dos parágrafos com frases justapostas umas as outras. 114

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Comparando os dados analisados dos livros didáticos das séries iniciais com os produzidos para as séries finais e para o ensino médio, entretanto, verificamos algumas mudanças na escrita, principalmente em relação à escolha da construção dos períodos. Enquanto nas séries iniciais os períodos simples e os compostos por coordenação são mais recorrentes, no ensino médio, são os períodos compostos por subordinação os mais utilizados nos textos. Há, na verdade, uma gradação entre os textos construídos para o livro didático da primeira série dos anos inicias e o último ano do ensino médio, por exemplo, na utilização do período simples que vai, respectivamente, de 60% a 26,11%. Esses dados indicam que existe uma diferença singular entre escrever para crianças (séries iniciais) e para adolescentes (ensino médio), considerados mais capazes de entender o sentido expresso por meio de construções frásicas mais complexas, do ponto de vista linguístico. Se esta mesma comparação for realizada, usando o critério dos operadores argumentativos, verifica-se que não há, em termos numéricos, diferença expressiva entre as séries iniciais e o ensino médio. Se o conectivo “e”, por exemplo, apresentou a ocorrência de 68% na primeira série dos anos iniciais, ele foi usado, no terceiro ano do ensino médio numa proporção de 69,96%. Existem, porém, alguns conectivos que esperávamos serem mais comuns nos textos voltados para o ensino médio, como, por exemplo, “embora” e “apesar de”, que, geralmente, iniciam orações subordinadas. Mas, as diferenças apresentadas entre as séries não foram tão significativas a ponto de confirmamos essa hipótese. 115

Escrevendo a História regional para as crianças

Um dos casos, entretanto, que mais chamaram atenção em relação, ainda, aos operadores argumentativodiscursivos foi o da condicionalidade, expresso, principalmente, pelo “se”. Enquanto nos anos iniciais, sua ocorrência foi praticamente nula, no ensino médio, ela aparece, respectivamente, 45,71%, 41,42%, 52,69%. Talvez esse dado indique o cuidado que os autores possuem, quando escrevem para crianças, em dar sempre certezas, tornando, possivelmente, os fatos mais concretos, do ponto de vista histórico. Essas diferenças, nem sempre tão significativas do ponto de vista estritamente linguístico, nos levam a concluir que a escrita para crianças apresenta peculiaridades em relação, principalmente, à construção frásica e ao uso moderado de alguns conectivos. Embora não se perceba a falta daqueles considerados mais complexos, eles também estão presentes, tanto nos textos para crianças quanto para adolescentes. Essas peculiaridades, entretanto, não fazem a escrita dos anos iniciais distinta dos textos produzidos para o ensino médio.

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

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Escrevendo a História regional para as crianças

so estado, o Espírito Santo: História do Estado do Espírito Santo para o ensino fundamental: Curitiba: Base, 2001. SIEBERT, Célia. História do Estado do Rio de Janeiro. São Paulo: FTD, 2005. SOURIENT, Lilian, RUDEK, Roseni, e CAMARGO, Rosiane de. Minas Gerais: interagindo com a História. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2005 SOURIENT, Lilian, RUDEK, Roseni, e CAMARGO, Rosiane de. Paraná - interagindo com a História. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2005. SOURIENT, Lilian, RUDEK, Roseni, e CAMARGO, Rosiane de. Pernambuco - interagindo com a História. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2005. SOURIENT, Lilian, RUDEK, Roseni, e CAMARGO, Rosiane de. Santa Catarina – Interagindo com a História. São Paulo: Editorado Brasil, 2003. SOUZA, Zélia Peres, VASCONCELOS, Luiza Mello, e GRESSLER, Lori Alice. História do Mato Grosso do Sul. São Paulo: FTD, s.d. SZTERLING, Silvia. Estado de São Paulo: História. São Paulo: FTD, 2005. TEIXEIRA, Francisco Maria Pires. História: Minas Gerais. São Paulo: Ática, 2004 TEIXEIRA, Francisco. História: Pernambuco. São Paulo: Ática, 2006. TUMA, Magda Madalena Peruzin. Viver e descobrir: História: Paraná: FTD, 2001. VASCO, Ediméri Stadler, SILVA, Sérgio Aguilar, ARANTES, Aimoré Índio do Brasil, e KLUPPEL, Cristina Carla. O Paraná de todas as cores. 2 ed. Curitiba: Base, 2004. 118

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

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Escrevendo a História regional para as crianças

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

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Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos1

O

Guia do Livro Didático de História, publicado pelo ministério da Educação, traz resenhas com o resultado das avaliações dos livros didáticos de História inscritos no Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Nas resenhas, os professores da rede pública encontram indicações para a escolha do livro didático. Os livros aprovados e inseridos no Guia são os que apresentam qualidade editorial e gráfica adequada ao uso escolar, mostram a diversidade teórico-metodológica e a atualização de conteúdos na área, propiciam uma orientação pedagógica clara e consistente para o ensino e para a ampliação da formação dos professores e for-

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Escrito por Hermeson Alves de Menezes.

Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos necem aos alunos um material estimulante e acessível para a aprendizagem da disciplina (Brasil, 2009, p. 9, grifo nosso).

A avaliação efetivada através do PNLD é realizada por uma equipe de pareceristas com especializações em diferentes campos da História, pesquisadores do livro didático e/ou ensino de História, professores do ensino fundamental e/ou de formação de professores, bem como especialistas em histórias regionais/estaduais (Cf. MEC, 2009). Constitui-se, efetivamente, no primeiro momento do processo avaliativo dos livros didáticos utilizados na escola pública brasileira, estendendo-se a professores e alunos que utilizam o livro didático como ferramenta pedagógica no seu cotidiano escolar. O Guia traz indicações para a escolha do livro que melhor se adeque ao trabalho em sala de aula, mas também deixa clara a necessidade de o professor e o aluno participarem ativamente desse processo. Esta característica do processo avaliativo adotado pelo PNLD abre espaço à participação plural dos interessados direto no ensino de História e fomenta inúmeras pesquisas que buscam discutir, analisar, testar os limites dos parâmetros indicados e o efetivo resultado alcançado pelo processo, bem como propor novas alternativas para a melhoria dos manuais didáticos utilizados nas escolas públicas brasileiras. Seja em forma de uma crítica contundente, apontando equívocos, seja reafirmando acertos da avaliação, os pesquisadores do livro didático de História no Brasil têm contribuído de forma consistente para demonstrar a impor124

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

tância dos manuais na prática escolar dos professores e alunos dos mais diversos cantos do país. As temáticas de pesquisa que giram em torno do livro didático – em especial do livro didático de História - são as mais diversas, abrangendo aspectos da formação de professores, currículo e conteúdos, métodos de ensino, usos, circulação, distribuição, prática pedagógica, dentre outros. São raros os estudos acerca do projeto gráfico2. Nos trabalhos publicados sobre o livro didático de História – em formato de artigo em revistas especializadas, dissertações, teses ou livros – a abordagem sobre o projeto gráfico, quando existe, é feita de forma superficial ou como parte complementar, sendo raros os estudos específicos sobre o tema.3

Levantamento feito nos Anais dos últimos grandes encontros realizados no país sobre o livro didático e o ensino de História, confirma a nossa afirmação: no I Simpósio Internacional do Livro Didático (São Paulo, 2007), por exemplo, dos 156 trabalhos publicados, 32 tratavam diretamente sobre o livro didático de História, nenhum tinha como objeto o projeto gráfico. As referências aos aspectos visuais e ao projeto gráfico, não especificamente dos manuais de História, foram abordados nos trabalhos de Bocchini (2007) Legibilidade visual e projeto gráfico na avaliação de livros didáticos pelo PNLD - e Rodriguez (2007) - Los manuales escolares em la época digital. De la textualidad a la iconicidad. 3 Décio Gatti Júnior (2004) estudou os manuais escolares brasileiros entre as décadas de 1970 e 1990 e, em seu trabalho – A escrita escolar da História: livro didático e ensino do Brasil (1970-1990) -, fez uma pequena análise do formato, das capas e do número de páginas dos livros didáticos utilizados no período. Em sua tese de doutoramento – Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar -, Circe Bittencourt (1993) faz algumas incursões na produção material dos livros didáticos, tratando do formato, dos papéis utilizados na impressão das obras, dos agentes envolvidos no processo de produção – como impressores, autores e editores -, e a utilização de ilustrações e imagens. A partir de relatos orais, Antonia Terra de Calazans 2

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Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos

Em Sergipe, as iniciativas para o estudo dos aspectos visuais e do projeto gráfico de livros didáticos de História concentram-se, até o momento, nas investigações realizadas pelo Grupo de Pesquisas Sobre Ensino de História – GPEH, ligado ao Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe4. Fernandes (2004) apreende a materialidade do livro didático através da memória de alunos e professores entre as décadas de 1940 e 1970. Os entrevistados recordaram-se dos formatos, modelos (capa dura, pequenos, com gravuras), aspectos físicos (cor, grossura, capa), ilustrações, mapas, quadros e atividades. Os estudos que mais tratam dos elementos gráficos presentes no livro didático são as teses de doutoramento de Kazumi Munakata (1997), Produzindo livros didáticos e paradidáticos, com capítulo específico para estudar elementos gráficos presentes na diagramação dos didáticos e a de José Cássio Másculo (2008), A coleção Sérgio Buarque de Hollanda: livros didáticos e ensino de História – sob orientação do próprio Munakata – na qual Másculo dedica atenção ao projeto gráfico dos livros que analisa. 4 As nossas pesquisas sobre a temática resultaram na publicação de diversos textos em Anais de eventos locais, regionais, nacionais e internacionais, destacando-se: Feitos sob medida: a coleção processo seletivo seriado e o projeto gráfico de materiais didáticos de História para o vestibular (2008), A função das cores nos livros didáticos de História para as séries iniciais do ensino fundamental (2008), Uma proposta de projeto gráfico de livros didáticos de História regional para as séries iniciais do ensino fundamental (2008), Livros didáticos de História de Sergipe para as séries iniciais do ensino fundamental: um estudo das soluções gráficas (1897-2007) (2007), Linguagem visual e aprendizagem: um estudo das soluções gráficas em livros didáticos de História para as séries iniciais do Ensino Fundamental (2007), Por trás das letras: escolhas tipográficas e legibilidade na construção de páginas em livros didáticos de História para o ensino fundamental (2007), Do ponto ao traço: projeto gráfico nos livros didáticos de História Regional (2006). Além disso, SOUZA (2008) defendeu uma monografia de Licenciatura em História intitulada O estudo do projeto gráfico e das soluções visuais aplicadas no manual Sergipe Nossa História. Atualmente, desenvolvemos uma dissertação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFS que trata da história material do livro didático de História de Sergipe, abordando, dentre outros aspectos, as relações entre o projeto gráfico dos manuais e o processo de ensino-aprendizagem. 126

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

As investigações do Grupo de Pesquisas sobre Ensino de História – GPEH/UFS Desde o mês de abril de 2006, o Grupo de Pesquisas Sobre Ensino de História – GPEH/UFS, tem-se dedicado à investigação sobre a história da disciplina - currículos das séries iniciais, currículos das séries finais, conteúdos e metodologias de ensino para o ensino secundário; sobre o livro didático – escolha, usos, produção, conteúdos curriculares; e sobre a aprendizagem histórica. Os resultados das pesquisas vêm sendo divulgados através de monografias de graduação, livros, artigos, trabalhos completos em anais de eventos, comunicações e posters em eventos locais, regionais, nacionais e internacionais. Dentre as pesquisas do GPEH, queremos destacar as que tratam da análise do projeto gráfico nos livros didáticos de História, as quais buscam confirmar a importância dos aspectos visuais na transmissão e apropriação de conteúdos no processo de ensino-aprendizagem. São estudos sobre os aspectos que determinam e atribuem especificidade aos manuais didáticos, tais como a organização interna dos livros e sua divisão por partes, capítulos, parágrafos, as diferenciações tipográficas e suas variações, a distribuição e a disposição espacial dos diversos elementos textuais ou icônicos no interior de uma página (ou de uma página dupla) (Cf. Choppin, 2004, p. 559). Tais aspectos – que representam a “materialidade” do livro didático – são desenvolvidos e apresentados ao consumidor final a partir do projeto gráfico, onde são definidos o formato, as cores, corpo e espaçamento das fon127

Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos

tes (tipos e tamanhos das letras), distribuição dos textos e imagens que serão utilizados na obra. Partindo dessas especificações, os projetistas e designers gráficos trabalham os recursos visuais necessários à legibilidade do conteúdo a ser apreendido pelo leitor do livro didático, na maioria das vezes observando questões relativas aos custos, usabilidade e estética do produto final. O livro didático, como objeto de consumo, tendo como base material papel e tinta, passa por um processo semelhante ao de qualquer outro material impresso, sendo representado no projeto gráfico, que é iniciado com o layout ou rascunho, por um projetista ou designer gráfico, o qual, por sua vez, tem por objetivo organizar as ideias de como será a versão final da página. Este processo é terminado com os originais a serem impressos, concluídos, na sua maioria, em um programa de computador. Nessa etapa, texto, imagens e demais elementos gráficos - tais como títulos, subtítulos, boxes, linhas, cabeçalhos de unidades e capítulos, tarjas, ícones e mapas são combinados, obedecendo princípios que visam a encontrar a melhor solução possível para expressar o conteúdo desejado. Para efetuar essa composição, o designer deve levar em conta que a mensagem que se propõe a passar vai, necessariamente, ser apreendida pelo receptor com modificações, ou seja, será apropriada a partir do seu ponto de vista. Essa composição deve levar em conta não só aspectos da técnica, mas também as ações que os estímulos exteriores exercem no organismo humano, tais como a tendência a organizar todas as pistas visuais em formas o mais simples possível; a associação automá128

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil tica das pistas visuais que possuem semelhanças identificáveis; a incontornável necessidade de equilíbrio; a associação compulsiva de unidades visuais nascidas da proximidade; e o favorecimento, em qualquer campo visual, da esquerda sobre a direita; e do ângulo inferior sobre o superior” (Dondis, 2003, p. 137).

As diversas técnicas empregadas pelo designer para a construção de projetos gráficos eficientes devem buscar a criação de uma hierarquia entre diferentes elementos de unidade visual e organização da informação. Ao iniciar a análise dos livros didáticos de História, percebemos a inexistência de uma ferramenta que auxiliasse o trabalho de coleta dos dados relativos ao projeto gráfico dos manuais. Diante da carência de tal instrumento nas produções encontradas sobre o projeto gráfico de livros didáticos, e visando a contribuir para os estudos no campo, optamos pelo desenvolvimento de uma ferramenta própria de análise. O resultado foi a Matriz de análise de projetos gráficos de livros didáticos5. Esta ferramenta busca orientar a investigação dos recursos visuais presentes nos livros didáticos para capturar as relações destes com os processos de ensino-aprendizagem, a partir da forma e disposição dos ele-

Diante da tarefa de análise de variados elementos, inicialmente nos valemos de experiência compartilhada por Coutinho e Silva (2006), fazendo adaptações necessárias a este estudo. Segundo estes autores, “o estudo da linguagem e percepção visual é primordial para a concepção de um projeto gráfico baseado no universo lúdico e cultural da criança. Também é coerente lembrar que os demais profissionais envolvidos, como autores, professores, ilustradores e editores, estejam conscientes da importância da ‘experiência visual’ para a assimilação das mensagens gráficas na fase inicial de aprendizagem”, e concluem que “para livros 5

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Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos

mentos na diagramação das páginas, das técnicas de composição6 utilizadas; das tonalidades, matizes e funções das cores; dos tipos e funções das imagens; e dos aspectos tipográficos, além do nome da obra, volume, série/ano a que se destina, formato, número de páginas, encadernação, número de cores de impressão e tipo de papel utilizado. Este elenco de informações é extraído das unidades de leitura7 selecionadas em cada livro, quantificado e posteriormente analisado, com o intuito de traçar um perfil dos recursos gráficos utilizados e as contribuições do planejamento visual na elaboração dos livros didáticos. A análise efetuada propõe perceber que, apesar de não ser imediatamente identificado em sua complexidade, o projeto gráfico expressa o trabalho de diversas etapas e visa a ajudar na apreensão dos conteúdos pedagógicos, sendo, portanto, parte integrante do conjunto conhecido como livro didático.

direcionados às crianças, “os aspectos que envolvem a configuração gráfica do conteúdo informacional precisam estar coerentes quanto aos padrões ou recomendações de legibilidade e ergonomia pré-estabelecidas pela literatura especializada”, destacando-se a cor, a tipografia e a imagem pictórica, devendo conter cores luminosas, intensas e contrastantes, tamanhos de fontes adequados à idade do aluno e imagens que exerçam função ativa na leitura, compreensão e desenvolvimento da criança. (Coutinho e Silva, 2006. p. 2-8). 6 Foram inseridas na Matriz as técnicas visuais mais utilizadas e de mais fácil identificação elencadas por Dondis e divididas em dois grupos, listados a seguir, com seu correspondente antagônico entre Contraste/Harmonia: instabilidadeequilíbrio, assimetria-simetria, irregularidade-regularidade, complexidade-simplicidade, fragmentação-unidade, profusão-economia, exagero-minimização, espontaneidade-previsibilidade, atividade-estase, ousadia-sutileza, ênfase-neutralidade, transparência-opacidade, variação-estabilidade, distorção-exatidão, profundidade-planura, justaposição-singularidade, acaso-sequencialidade, agudeza-difusão, episodicidade-repetição. (Dondis, 2003, p. 24). 7 Como unidade de leitura consideramos a página dupla aberta. 130

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Fig. 1 – Matriz de Análise de Projetos Gráficos de Livros Didáticos

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Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos

Após tabulados, os dados são analisados, buscandose reconhecer a existência ou não de um padrão gráfico e as influências e resultados da diagramação na organização dos conteúdos de aprendizagem. Como referencial teórico para a construção da Matriz, optamos pelo conceito de alfabetismo visual expresso por Donis A. Dondis, o qual nos permite verificar em que medida os elementos e as opções das técnicas visuais foram selecionados, combinados, manipulados e têm relação com o significado pretendido (Cf. Dondis, 1997:4). Segundo a autora, no “sistema educacional” persiste, ainda, “uma ênfase no modo verbal, que exclui o restante da sensibilidade humana, e pouco ou nada se preocupa com o caráter esmagadoramente visual da experiência de aprendizagem da criança” (Dondis, 1997:17). Para Dondis, “os recursos de comunicação que vêm sendo produzidos e usados com fins pedagógicos são apresentados com critérios muito deficientes para a avaliação e a compreensão dos efeitos que produzem” (Dondis, 1997, p. 17). Outro conceito utilizado neste trabalho é o de cor como informação, desenvolvido por Luciano Guimarães (1997), o qual nos permite identificar, inicialmente, os princípios que podem direcionar a compreensão da cor como um código específico da comunicação humana, e que respondem, principalmente, às variantes culturais de suas aplicações e os fatores que interferem na manutenção ou na mudança desses códigos (Cf. Guimarães, 1997, p. 4). Por fim, nos valemos dos estudos de Rodriguez Diéguez, sobre as oito funções didáticas da imagem (motivadora, 132

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

vicarial, catalisadora, informativa, explicativa, facilitadora redundante, estética e comprovadora) nos livros escolares8.

Conclusões O exame da linguagem visual permite discutir os parâmetros de produção gráfica, confrontar as indicações do PNLD 2007 e os projetos gráficos apresentados nos livros das editoras que tiveram seus manuais contemplados pelo PNLD, além de listar indicadores que visam a estabelecer como meta a identificação das mais adequadas soluções gráficas de comunicação visual, bem como suas relações com teorias de ensino-aprendizagem. Os livros são examinados, tanto nos aspectos de produção e de elementos estruturais, quanto nos de composição gráfica (capa, folha de rosto, sumário, unidades etc.). A Matriz de Análise de Projetos Gráficos de Livros Didáticos se apresenta como ferramenta importante para subsidiar os processos complementares de avaliação dos livros didáticos de História, propor alternativas à constru-

8 De acordo com Diéguez, “la dialéctica entre lenguage verbal y lenguage icónico constituye el núcleo básico del acto sémico-didáctico. Si bien existen amplias parcelas del saber que no necesitan outro apoyo para ser transferidas que el de los códigos verbales, si durante mucho tiempo no se ha utilizado outro médio para la comunicación em la enseñanza, hoy dia seria imposible pensar em la transmisión de ciertos contenidos sin el auxilio de la imagen. Y parece necesario que los códigos icônicos tomen carta de naturaleza em la enseñanza en estrecha conexión con los verbales. La hibridación verboicónica habría de facilitar de forma evidente la eficácia comunicativa, como ya se há puesto de manifesto em otros campos” (Diéguez, 1977, p. 34).

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Matriz de análise para projetos gráficos de livros didáticos

ção de livros didáticos de História e auxiliar na construção de representações sobre a experiência humana no tempo, bem como na efetiva melhoria destes manuais.

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

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136

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional1

E

ste capítulo anuncia os resultados da pesquisa sobre projeto gráfico em livros de História regional desenvolvida entre agosto de 2007 e julho de 2008, que faz parte do projeto “História regional para as séries iniciais da escolarização básica no Brasil: o texto didático em questão”. Durante esse período, foram estudados 27 livros didáticos, publicados pelas editoras Ática, Brasil, FTD, Scipione, Base e Formato, selecionados e distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2007. O trabalho sobre projeto gráfico em livros didáticos de História regional apresenta-se como uma contribuição ao

1 Texto redigido por Kleber Luiz Gavião Machado de Souza a partir dos relatórios de Iniciação Científica apresentados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq/UFS (2007/2008).

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

estudo dos manuais didáticos, pois as iniciativas no campo da pesquisa sobre as soluções gráficas e visuais aplicadas nos livros didáticos de História regional com a finalidade de apreensão dos conteúdos ainda são reduzidas no Brasil. A nossa pesquisa também se justifica pela necessidade de formular critérios de análise e, consequentemente, conhecer – verificando através de instrumentos de análise – as características gráficas dos livros didáticos de História regional que circulam no Brasil, visto que a elaboração dos livros didáticos, como bem apontou Kazumi Munakata (2000), é fruto muito mais de um “saber-fazer” que de uma teorização científica. Além disso, os critérios avaliativos2 adotados pelo Guia do livro didático

De acordo com o item 3, que trata do princípios norteadores para a avaliação do projeto gráfico, são preocupações dos pareceristas ao avaliar os livros didáticos inscritos no PNLD: “Verificar a constituição gráfica do livro, sua estrutura e qualidade da impressão e das ilustrações; estar isenta de erros graves de edição, impressão e revisão; identificar o livro de forma clara: a capa, a folha de rosto e seu verso contendo título, autoria, série, editora, local e edição, dados sobre os autores e fichas catalográficas; localizar com rapidez informações no sumário; diferenciar cor e tamanho de fontes entre títulos, subtítulos, bem como entre textos principais e complementares; Conter glossário, referências bibliográficas e indicação de leituras complementares; (na parte pós-textual); o texto e as ilustrações devem estar inseridos dentro de uma unidade visual, dispostos de forma organizada, com ritmo e continuidade; integrar (o projeto gráfico (layout) dos livros) ao conteúdo, tornando-o mais fácil de ser compreendido e proporcionando percepção agradável; atender aos critérios de legibilidade textual. As letras devem apresentar-se com desenho e tamanho acessíveis a uma agradável visualização, além do espaço reservado entre letras, palavras e linhas. Nos textos mais longos, é recomendável que se efetive um descanso visual, de modo que não desestimule sua leitura; visualizar o verso da página sem prejuízo devido à impressão; 2

138

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

de 20073 são pontuais e pouco elucidam sobre a forma como as soluções visuais são efetivamente aplicadas nos manuais didáticos de História regional. O ideal no planejamento de um livro didático é levar em conta a necessidade de apreensão dos conteúdos pelos alunos no processo de ensino-aprendizagem.

Alguns estudos sobre projeto gráfico A partir de meados da década de 1990, os estudos sobre o livro didático têm abordado os manuais para além dos seus conteúdos didático-pedagógicos e historiográficos. Atualmente, as pesquisas avançam no campo da produção, avaliação, circulação e usos dos manuais, efetuados por professores e alunos. De acordo com Alain Chopin, aspectos do livro didático tais como a organização de suas partes, capítulos, aspectos tipográficos e organização espacial dos elementos textuais e icônicos, dentre outros, têm aparecido como

observar se as ilustrações, importantes no auxílio à compreensão e potencialização do texto, são adequadas às finalidades para as quais foram utilizadas, de forma que sejam fáceis para o aluno apreendê-las, mas também que estimulem a curiosidade, o pensamento e as discussões entre os alunos; lançar mão de variadas linguagens visuais, como, por exemplo, gráficos, mapas e tabelas; constar na obra os créditos de cada imagem utilizada. Gráficos, tabelas, entre outros, precisam constar de título, fonte e data.” (Brasil, 2006, p. 12). 3 O Guia do livro didático é o instrumento publicado pelo Ministério da Educação - MEC para divulgar o resultado das avaliações feitas nos livros didáticos de História para as séries do ensino fundamental, considerando como critérios de avaliação os princípios pedagógicos, históricos, o projeto gráfico e elementos para a construção da cidadania. 139

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

um novo campo de estudo que, apesar de negligenciado pelos pesquisadores, também faz parte do discurso didático, tanto quanto o seu texto (Cf. Choppin, 2006, p. 559). No Brasil, um dos pesquisadores mais atuantes nessa área é Kazumi Munakata. Em a produção dos livros didáticos e paradidáticos sob o ponto de vista da edição, editoração e das relações entre os agentes envolvidos em sua produção - desde o autor aos designers - e distribuição aos consumidores finais (Cf. Munakata, 1997). Diante dos novos aspectos e enfoques, que incluem o estudo da obra didática em sua materialidade, é o projeto gráfico que aqui nos interessa. Lamentavelmente, após a busca e o exame dos trabalhos publicados nos anais do VII Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História (Belo Horizonte-MG, 2006) e do VI Encontro Perspectivas do Ensino de História (Natal-RN, 2007) e de vasculharmos em páginas de sites acadêmicos na internet, como o Scielo (http:/ /www.scielo.br) e Scholar (http://www.scholar.google.com), chegamos à conclusão que o estudo sobre o projeto gráfico e as soluções visuais é um tema pouquíssimo explorado pelos pesquisadores dos livros didáticos. Dentre os pesquisadores que abordam a temática, podemos apontar Solange Galvão Coutinho e José Fábio Luna da Silva, que estudaram a aprendizagem visual em livros didáticos infantis, investigando os parâmetros gráficos e de legibilidade nos livros didáticos adotados em escolas de Recife. Sobre projeto gráfico em livros didáticos de História regional, um dos raros pesquisadores do assunto é Hermeson Menezes, que investiga as soluções visuais empregadas pelos designers nos manuais didáticos de História regional. Ele tem confrontado as indicações do PNLD 140

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

com os projetos gráficos das coleções de editoras conhecidas no Brasil e inventariado as soluções gráficas utilizadas pelos manuais didáticos de História de Sergipe, desde o século XIX até as recentes produções.

Aspectos metodológicos desta pesquisa Este estudo sobre projeto gráfico em livros didáticos de História regional foi realizado com os 27 títulos distribuídos pelo PNLD às escolas públicas brasileiras. Para a presente análise foram consideradas todas as capas e páginas duplas abertas de conteúdo e atividades. Em nossa pesquisa concebemos o projeto gráfico como o planejamento de uma publicação, tendo em vista a sua produção gráfica (Cf. Guilherme, 1996). Nesta etapa de produção são definidos formato, cores, fontes e corpo (tipos e tamanhos de letras) e a distribuição dos textos e das imagens de forma que os recursos visuais privilegiem a legibilidade, aliando usabilidade aos padrões estéticos. A página do livro didático é aqui entendida como uma totalidade a ser desmembrada nas várias partes que compõem o projeto gráfico, mas sem perder a relação dessas partes entre si e com o objeto4. Essas partes serão consi4 Esse preceito é defendido pelos seguidores da Gestalt, uma escola da Psicologia Experimental que deu relevantes contribuições para várias áreas do conhecimento como linguagem, percepção e aprendizagem. A teoria da Gestalt defende que a visualização de um determinado objeto é feita através da relação das suas partes com o todo, ou seja, vemos algo não como composto por partes e sim como uma totalidade. O termo Gestalt é traduzido no inglês, espanhol e português como “figura” ou “forma” (Cf. Gomes Filho, 2004, p. 18-19).

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O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

deradas como indicadores (diagramação, técnicas de composição, cores, imagens e tipografia) que nos permitirão, através da decomposição dos conceitos, fazer a ligação de nosso objeto com a realidade observada. A coleta dos dados nas páginas dos livros foi realizada através do uso de uma matriz de análise5 do projeto gráfico em livros didáticos criada por Hermeson Menezes, resultante das pesquisas do Grupo de Pesquisas sobre Ensino de História – GPEH/UFS. A referida matriz condensa informações sobre as páginas dos livros didáticos, auxiliando na verificação das formas de aplicação dos princípios de programação visual relacionados à diagramação, observando a forma6 sob a qual a página é construída e a disposição7 dos elementos visuais. A matriz possibilita, ainda, a avaliação do uso das técnicas

Para Hermeson Menezes, a matriz foi desenvolvida valendo-se “de parte da metodologia utilizada por Solange Galvão Coutinho e José Fábio Luna da Silva (s.d), com adaptações necessárias a este estudo. Segundo os autores, nos livros direcionados às crianças, ‘os aspectos que envolvem a configuração gráfica do conteúdo informacional precisam estar coerentes quanto aos padrões ou recomendações de legibilidade e ergonomia pré-estabelecidas pela literatura especializada’, destacando-se a cor, a tipografia e a imagem pictórica, devendo conter cores luminosas, intensas e contrastantes, tamanhos de fontes adequados à idade do aluno e imagens que exerçam função ativa na leitura, compreensão e desenvolvimento da criança. (Coutinho; Silva, s.d., p. 6-8).” (cf. Menezes, 2007, p. 2). 6 Geométrica – onde os elementos são organizados seguindo as configurações de figuras geométricas tradicionais, tais como retângulos, quadrados, círculos etc.; orgânica – onde os elementos são dispostos de forma não geométrica. 7 Uma disposição aleatória é onde a distribuição desses elementos visuais básicos é feita sem obedecer a um padrão dentro da página, enquanto a disposição seqüencial obedece a um padrão na diagramação. 5

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

compositivas8 utilizadas na busca de soluções gráficas eficientes na elaboração da mensagem. A dinâmica entre as técnicas de contraste e de harmonia são importantes no processo de composição visual pela necessidade psicológica e física do ser humano em perceber equilíbrio. A ordenação e o reconhecimento intuitivo da regularidade na visualização de um objeto causam no receptor uma resposta mais eficaz na comunicação da informação. (Cf. Dondis, 1997, p. 32-35). São técnicas que merecem ser observadas na composição dos livros didáticos, no sentido de auxiliar o processo de recepção, decodificação e significação da mensagem ali contida. Foram observadas, ainda, as técnicas de repetição, alinhamento e proximidade, responsáveis no projeto gráfico pela sensação de unidade e organização dos elementos visuais cores, formas, texturas, espessuras e tamanhos; do alinhamento de cada elemento a outro na página para dar sentido de unidade entre os elementos (Cf. Dondis, 1997, p. 151-160). Quanto às cores, a ferramenta de análise desenvolvida por Menezes considera o tipo de matiz9 e sua tonalidade (reticulada ou de cor pura), bem como as funções10 das cores nas páginas do livro.

Donis A. Dondis (1997) divide as técnicas de composição em dois grandes grupos: harmonia (equilíbrio, simplicidade, sutileza, singularidade, simetria, unidade, neutralidade, sequencialidade, regularidade, minimização, estabilidade, planura) e contraste (instabilidade, complexidade, ousadia, justaposição, assimetria, fragmentação, ênfase, acaso, irregularidade, exagero, variação, profundidade). 9 Cores frias - violeta, azul e verde; Cores quentes - amarelo, vermelho e laranja. 10 Na diagramação dos livros é observado se as cores cumprem o papel de: a) organizar os elementos, b) dar destaque a algum conteúdo, c) hierarquizar as informações ou d) direcionar a leitura. 8

143

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

A matriz também nos permite avaliar o uso das imagens nos manuais didáticos, referenciando os seus tipos (gravura, desenho, ilustração, fotografia, mapa, tabela, recorte, gráfico e pintura), bem como suas funções didáticas11. Além disso, o instrumento de análise possibilita verificar os usos da tipografia nos manuais didáticos, visando a avaliar os graus de legibilidade e hierarquia dos textos através da quantificação do número de fontes12 por página, tamanhos tipográficos utilizados, número de letras por linha, tipo de fontes, presença ou ausência de serifa13, alinhamento das fontes etc. Para a análise das tabelas, devemos nos ater a algumas informações preliminares. Por uma questão de ordem, foi atribuído a cada um dos 27 títulos regionais um número. Tal medida se justifica pela grande quantidade

Rodriguez Dieguez aponta oito funções didáticas da imagem: motivadora, responsável por cortar a monotonia de um texto escrito e despertar o interesse; vicarial, substitui a presença física de um objeto ou o uso de palavras; catalisadora, atua na reorganização do real; informativa, possui semelhança com a função vicarial, com exceção do fato de que a imagem nesse contexto ocupa papel central no discurso didático; explicativa, serve para explicação gráfica de um processo ou sequência de fatos; facilitadora redundante, em que a interação texto-imagem se dá pela repetição exata do conteúdo textual através da imagem; estética, serve para equilibrar ou também quebrar a monotonia textual; e comprovadora, que atua na verificação de uma ideia ou processo (Cf. Dieguez, 1977, p. 41-46). 12 O termo fonte equivale ao tipo de letra utilizado no texto. Por exemplo, digitar um texto em fonte Arial é o mesmo que digitar um texto com o tipo de letra Arial. 13 Pequeno traço, ou, às vezes, simples espessamento, que remata, de um ou de ambos os lados, os terminais das letras não lineais de caixa-alta e caixabaixa, e que pode ter a forma de filete, barra etc. (Guilherme, 1996). 11

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

de manuais e pela presença de unidades federativas com mais de um titulo. Dos 27 manuais analisados, 5 foram lançados pela editora Ática, 5 pela editora Base, 8 pela Editora do Brasil, 6 pela editora FTD. As editoras Positivo, Scipione e Formato, lançaram 1 título cada. O Estado mais contemplado nas publicações é o Paraná, com quatro títulos. O eixo sul-sudeste é o que mais apresenta publicações dedicadas à sua história, com 16 títulos no total. O restante está dividido entre as demais regiões do país. Os dados foram transformados em várias planilhas, com duas tabelas para cada um dos indicadores - uma com os valores relativos14 e outra com valores absolutos15. Depois de quantificados nas planilhas, os dados foram interpretados. Na leitura das tabelas empregou-se o tratamento estatístico, feito através de medidas de frequência dos indicadores e amplitude total16 para verificar o grau de heterogeneidade dos indicadores. As páginas dos manuais foram divididas em unidades de leitura - páginas duplas abertas, de conteúdos e de atividades. Dessa forma, foram desconsiderados, na análise, todos os anexos encontrados, as introduções, apresentações, almanaques sobre, glossários e sugestões de leitura.

15 Na linguagem da estatística, valores absolutos correspondem aos dados “resultantes da coleta direta da fonte, sem outra manipulação estatística senão a contagem” (Oliveira, 1974, p.3). 16 “A amplitude total é a distância entre o valor máximo obtido em uma prova e o valor mínimo” (Oliveira, 1974, p.57). A Amplitude é calculada pela formula A=(VM-Vm)+1.

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O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional Tabela n. 1 - Unidades de leitura dos elementos visuais (páginas abertas)17 no projeto gráfico dos livros didáticos de História Regional Categorias Nº de páginas Unidades de leitura

Total 3821 1787

Análise das páginas de conteúdo e de atividades Os resultados da análise mostram que a forma de diagramação predominante é geométrica, com 72% das incidências no total absoluto, sendo considerada uma frequência mediana alta. Em relação à disposição dos elementos visuais, os dados mostram uma alta presença do caráter aleatório da diagramação nas páginas, com 82% das incidências, mostrando uma alta frequência em comparação com a baixa presença da disposição sequencial (18%), o que deixa transparecer um padrão nesse quesito. A Tabela n. 3 mostra que há pouca variedade no uso tanto de técnicas de contraste quanto de harmonia. A técnica de contraste mais comum nos 27 livros é a assimetria, com uma frequência de 60% em comparação com a baixa frequência entre as demais técnicas. Esses dados mostram que há uma preferência pelo caráter assimétrico das páginas. As técnicas de harmonia estão concentradas majoritariamente no equilíbrio, com uma frequência mediana baixa de 47% e baixa frequência das demais técnicas.

17 É importante ressaltar que o número de unidades de leitura não corresponde exatamente ao número de páginas, uma vez que os anexos presentes nos livros são desconsiderados na análise.

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 2 - Formas e disposição de diagramação em livros didáticos de História regional – PNLD 2007 Forma Geométrica Orgânica TOTAL 2444

Frequência Absoluta 1749 695 100%

AMPLITUDE Disposição Aleatória Sequencial TOTAL AMPLITUDE

Relativa* 72% 28% 44%

1495 324

82% 18%

1819

100% 64%

Em relação ao uso da cor, os dados da Tabela n. 4 mostram uma alta presença tanto de tonalidades reticuladas quanto puras, ambas com frequências medianas de 46% e 54%. Esses dados denotam indefinição no uso das tonalidades. Constatação semelhante pode ser feita na análise das matizes utilizadas nos livros. As cores quentes e frias ocupam respectivamente 54% e 46% das incidências nas páginas, frequências consideradas medianas, mostrando que os manuais não apresentam uma opção definida em relação às matizes, imperando nos livros, ora cores quentes, ora cores frias. É recomendado o uso de cores quentes para as crianças, pois exigem menos esforço da visão e, consequentemente, maior retenção da memória, sendo adequadas à leitura infantil (Cf. Guimarães, 2000, p. 24-29).

147

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional Tabela n. 3 - Técnicas de composição (contraste e harmonia) em livros didáticos de História Regional – PNLD 2007 Contraste Instabilidade Assimetria Irregularidade Complexidade Fragmentação Exagero Ousadia Ênfase Variação Justaposição Acaso Profundidade TOTAL AMPLITUDE Harmonia Equilíbrio Simetria Regularidade Simplicidade Unidade Minimização Sutileza Neutralidade Estabilidade Singularidade Seqüencialidade Planura TOTAL AMPLITUDE

Frequência Absoluta Relativa* 128 4% 1723 60% 853 30% 0 0% 4 0% 0 0% 0 0% 0 0% 1 0% 128 4% 2 0% 28 1% 2867 100% 59% 261 45 102 3 0 0 0 0 0 1 143 0 555

47% 8% 18% 1% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 26% 0% 100% 46%

A função da cor mais frequente é de destaque dos elementos visuais com uma alta presença de 68% de incidências nas páginas. As demais técnicas apresentam baixa presença, mostrando que a opção pela função de destaque denota um uso padrão da cor nesse sub-indicador. 148

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 4 - Tonalidades, matizes e função das cores em livros didáticos de História regional – PNLD 2007 Tonalidade Reticulado Cor pura TOTAL AMPLITUDE Matizes Quente Fria TOTAL AMPLITUDE

Absoluta

Frequência

Relativa

1333 1541 2874

46% 54% 100% 8%

1436 1246 2682

54% 46% 100% 8%

737 1845 71 44 2696

27% 68% 3% 2% 100% 66%

Função Organização Destaque Hierarquia Direcionamento da leitura TOTAL AMPLITUDE

A Tabela n. 5 mostra que no montante das 4.987 imagens, os tipos mais frequentes são as fotografias e os desenhos, respectivamente, 41% e 32% de incidências nas páginas, com frequência considerada mediana baixa. O Guia do livro didático de 2007, no item relativo aos critérios gráficos, considera que o projeto visual de um livro deve utilizar várias linguagens visuais, como gráficos e tabelas (Brasil, 2006, p. 12). Mas, constatamos que esse tipo de imagens (gráficos, tabelas, diagramas e recortes) tem uma incidência tão baixa que não chega a totalizar 1% das aparições. Os demais tipos de imagens também apresentam baixa frequência. 149

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

Em relação às funções, as mais utilizadas são as funções motivadora e facilitadora redundante, ambas com frequência considerada mediana baixa (32%). Todas as demais funções também apresentam uma baixa presença. Assim, as imagens são utilizadas de forma limitada, servindo predominantemente para motivação ou complemento do texto. Tabela n. 5 - Tipos e funções da imagem em livros didáticos de História regional – PNLD 2007 Tipo de imagem

Absoluta

Diagrama Gráfico Tabela Mapa Fotografia Gravura Ilustração Desenho Pintura Recorte TOTAL AMPLITUDE

1 13 18 450 2064 276 151 1616 397 2 4987

Funções da imagem

2090

Motivadora Vicarial Catalisadora Informativa Explicativa Facilitadora Estética Comprovadora TOTAL AMPLITUDE

800 32 804 88 1976 227 467 6484

150

Frequência

Relativa 0% 0% 0% 9% 41% 6% 3% 32% 8% 0% 100% 38 32% 12% 0% 12% 1% 30% 3% 7% 100% 31

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Sobre os aspectos tipográficos, a Tabela n. 6 mostra que o número de fontes por página com frequência mais alta é de duas fontes, totalizando 50% das incidências nos 27 manuais, sendo considerada uma frequência mediana baixa. Isso indica pouca variação tipográfica. Durante a aprendizagem escolar, é importante para a criança o contato com vários modelos tipográficos a fim de que fique mais ciente e confortável ao se deparar com as futuras possibilidades de apresentação de textos em situações do cotidiano (Cf. Walker apud Coutinho e Silva, 2005, p.7). Os dados mostram que as fontes de tamanho maior que 14 pontos predominam com uma frequência mediana baixa de 39% em relação às demais. Mesmo assim são presentes outros tamanhos de fontes por página, sendo que todos aparecem em frequências medianas e baixas, algumas muito próximas, mostrando o caráter heterogêneo que os livros analisados apresentam nesse quesito. Este dado vem a confirmar que os livros não adotam um tamanho comum de fontes. O tamanho considerado ideal para leitura infantil deve estar entre 14 e 18 para facilitar a compreensão do texto, pois quanto menor a idade maior deve ser o tamanho das fontes18 (Cf. Burt apud Coutinho, 2005, p. 7).

18 Segundo Burt (1959), levando-se em conta idade x corpo, na tipografia para livros didáticos infantis os padrões devem ser menor que 7 anos: 24 pontos; entre 7 e 8 anos: 18 pontos; entre 8 e 9 anos: 16 pontos; entre 9 e 10 anos: 14 pontos; entre 10 e 12 anos: 12 pontos; maior que 12 anos: 11 pontos. (Burt apud Coutinho; Silva, s.d., p. 7).

151

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional Tabela n. 6 - Aspectos tipográficos (número, tamanho de fontes e quantidade de caracteres por linha) em livros didáticos de História regional – PNLD 2007. Número de fontes 1 2 3 4 ou mais TOTAL Amplitude

Absoluta

Frequência

Relativa

130 904 646 141 1821

7% 50% 35% 8% 100% 43

784 874 1083 1752 4494

17% 19% 24% 39% 100% 22

Tamanho da fonte 10 12 14 Maior que 14 TOTAL Amplitude Número de letras por linha

66,3

Em relação ao número de letras, observa-se que a média é de 66 letras por linha, contando com os espaços, um número muito acima do recomendado. De acordo com Burt, o ideal é entre 38 a 45 letras por linha, pois uma grande quantidade de caracteres torna a coluna de texto longa e pouco atrativa à leitura infantil (Burt apud Coutinho; Silva, 2005, p.7-11). A tabela 7 mostra que o tipo predominante de fonte é Stand, possuindo uma alta presença (79%) em detrimento da baixa frequência dos tipos cursiva e display. Essa frequência mostra a homogeneidade das páginas nesse aspecto, comprovando que os livros pouco investem na variedade tipográfica, que é importante na leitura infantil, como já dito anteriormente. 152

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 7 - Aspectos tipográficos: tipos de fontes, presença ou ausência de serifa e caixa em livros didáticos de História regional – PNLD 2007. Tipo de fonte Stand Cursiva Display TOTAL AMPLITUDE

Absoluta

Frequência

Relativa*

1810 100 377 2286

79% 5% 16% 100% 74

1056 751 1806

58% 42% 100% 16

687 1813 75 2574

27% 70% 3% 100% 67

Serifa Serifa presente Serifa ausente TOTAL AMPLITUDE Caixa Caixa alta Caixa baixa Versalete TOTAL AMPLITUDE

A serifa está presente em 58% das páginas analisadas nos 27 livros, o que pode ser considerado como uma presença medianamente forte, aproximando-se de um padrão, mas ainda pouco delineado. Devemos notar também que 70% das páginas estão em caixa baixa, indicando um padrão. Finalmente, Tabela n. 8 mostra que o peso de fonte mais utilizado é o bold (negrito), aparecendo em uma frequência medianamente alta (65%). O peso bold é utilizado para destaque textual e de títulos e subtítulos. Os demais pesos aparecem em baixa frequência nas páginas analisadas. 153

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional Tabela n. 8 - Aspectos tipográficos (peso, classe e alinhamento das fontes) em livros didáticos de História regional – PNLD 2007. Peso Light Média Bold TOTAL Amplitude

Absoluta

Frequência

Relativa

534 307 1544 2386

22% 13% 65% 100% 52

767 144 32 943

81% 16% 3% 100% 78

859 1465 863 1651 879 182 5899

15% 25% 15% 28% 15% 3% 100% 25

Classe Itálico Condensado Expandido TOTAL Amplitude Alinhamento Direita Esquerda Centralizado Justificado Acompanha ilustração Inclinado TOTAL AMPLITUDE

Em relação à classe das fontes, os dados apontam para o predomínio do itálico, que aparece em alta frequência, sendo presente em 81% das páginas em relação à baixa frequência das classes condensada e expandida de fontes. O itálico, assim, é utilizado para destaque de palavras e expressões. Os dados da investigação mostram, também, que os alinhamentos, justificados e à esquerda, possuem fraca presença (28% e 25%). Os demais alinhamentos aparecem em frequências também consideradas baixas. 154

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Conclusões Essa pesquisa teve como objetivo conhecer o padrão gráfico dos livros de História regional distribuídos pelo PNLD 2007, através da aplicação de uma matriz de análise de projeto gráfico. Em relação à diagramação e às técnicas de composição utilizadas para organizar os elementos visualmente na página, percebemos a adoção de um padrão geométrico e aleatório na distribuição dos textos, imagens e demais constituintes. O resultado sobre as cores mostra que não há um padrão estabelecido em relação às tonalidades e matizes. A função atribuída à cor preponderante nos livros analisados prioriza o destaque dos elementos visuais. As imagens são utilizadas de forma limitada, não explorando o potencial de outras linguagens visuais para a aprendizagem, concentrando-se no uso de fotografias e desenhos e limitando-se à função de motivar ou repetir o conteúdo textual. Em relação aos aspectos tipográficos, a análise dos livros mostra baixa variação tipográfica, número de letras por linha superior ao recomendado pelas pesquisas, a não adoção de serifa como padrão (que facilitaria a leitura infantil) e o uso das fontes em tamanho inadequado para a idade dos destinatários dos manuais. Percebemos que os manuais optam por um projeto gráfico que pouco explora as potencialidades na forma de organizar os elementos visuais nas páginas. Por esses dados, concluímos que a produção do discurso visual dos LDR distancia-se das pesquisas sobre o 155

O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

tema. Os programadores visuais adotam fórmulas que refletem opções pautadas em escolhas próprias ditadas pela experiência cotidiana em detrimento das possibilidades indicadas pelas pesquisas como já fora apontado por Kazumi Munakata (2000). Não desconsideramos a experiência dos profissionais que trabalham com o design gráfico, chamamos a atenção apenas para a possibilidade de melhora nos aspectos visuais dos livros, a partir de um diálogo maior desses pesquisadores com as pesquisas sobre o tema, uma vez que os aspectos do projeto gráfico dos manuais também são parte integrante e fundamental do discurso veiculado pelo livro didático.

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

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O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

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O projeto gráfico nos livros didáticos de História regional

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160

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

PARTE II

161

História da América nos livros didáticos de História regional1

A experiência americana e o ensino de História da América

A

experiência americana na escolarização básica dos brasileiros tem sido marcada por visões fatalistas e generalizantes. Seu ensino tem sofrido com as constantes inclusões e exclusões nos currículos. (Cf. Bittencourt, 2006). No livro didático, apareceu autonomamente por meio da escrita de Rocha Pombo, autor de uma História da América (1900) destinada à formação de normalistas que atuariam no ensino primário no Rio de Janeiro.

1 Texto redigido por Analice Alves Marinho Santos, com base na monografia de conclusão de curso do Bacharelado em História, no Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

História da América nos livros didáticos de História regional

Em 1931, dentro da Reforma Francisco Campos, História da América foi inserida como conteúdo da disciplina História das Civilizações. Mas, a autonomia só chegaria em 1951, com a inclusão no segundo ano do curso secundário. Naquela época, os livros didáticos contrapunham a América Latina e o Brasil com o objetivo de construir e fortalecer a identidade nacional. O Brasil era apresentado como um país singular, no qual reinava a ordem e a democracia, enquanto a América Latina representava a anarquia. No regime militar, História da América foi substituída pelos Estudos Sociais, voltando ao currículo em 1979. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), por fim, ganharam destaque as relações entre a sociedade e a cultura dos povos pré-colombianos e entre os seus atuais descendentes (Cf. Bittencourt, 2006). Como podemos caracterizar a situação da experiência americana no ensino de História, hoje? Neste trabalho, recortamos uma dimensão do ensino, os conteúdos dos livros didáticos de História regional (LDR), visando a contribuir com os estudos sobre a trajetória da disciplina no Brasil. Mas, por que mapear os conteúdos de História da América nos LDR do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2007? A relevância do tema se deve à necessidade de reafirmar que a formação do Brasil e dos brasileiros não deve ser apenas atribuída aos africanos e europeus. A experiência americana não pode ser omitida desse processo. E o livro didático de História regional é um importante instrumento de difusão de experiências identitárias. Por isso, questionamos: quais as representa164

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

ções1 veiculadas sobre a História da América? Que mudanças e permanências podem ser observadas em comparação com os livros didáticos dos anos 1950? Há tratamento diferenciado entre os livros destinados aos estados situados nas fronteiras orientais do Brasil? Neste texto, responderemos a essas questões fazendo a identificação, seleção e comentários de conteúdos conceituais (proposições e atores) mais recorrentes nos LDR.

Conteúdos conceituais e proposições Para o psicólogo César Coll, ao utilizar o termo “conteúdo” já estamos nos referindo aos conhecimentos específicos das disciplinas ou matérias escolares. Aplicando essa definição na concepção educativa integral, veremos que os conteúdos estão relacionados não apenas às disciplinas ou matérias tradicionalmente conhecidas, mas também às capacidades cognitivas (mecanismo utilizado para entender, assimilar e se conectar com o mundo), motoras (referentes às capacidades inatas de uma pessoa, como um talento, um potencial), afetivas, de relação interpessoal e de inserção social (Cf. Coll, 1994). Assim, conteúdos podem ser classificados em conceituais, procedimentais e atitudinais. Os conteúdos conceituais, que aqui nos interessam de perto, referem-se aos fatos, conceitos, dados, nomes e

1 Representações no sentido expresso por Roger Chartier (1990): os modos “como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é constituída, pensada, dada a ler” (Chartier, 1990, p. 16-17) 165

História da América nos livros didáticos de História regional

códigos. São considerados mais abstratos e demandam uma maior compreensão, reflexão, análise e comparação. Pode-se flagrar sua aplicação no ensino de História regional quando o professor pede que o aluno detecte os problemas do seu bairro, identifique a gravidade da situação e analise as suas consequências, tanto para a sua vida, quanto para a vida em comunidade. O segundo termo-chave deste trabalho, a proposição, deve ser entendido como o conjunto de palavras ou símbolos que exprimem um pensamento de sentido completo, ou seja, afirmam fatos ou exprimem juízos que se formam a respeito de determinados assuntos (Cf. Murcho, 2009). Neste trabalho, a proposição assume uma nova função: explicar, de forma direta, toda a informação contida no capítulo. Para identificar as proposições (dentro dessa nova função), empregamos uma das técnicas da análise de conteúdo: a análise categorial, ou seja, o desmembramento do texto em unidades ou categorias, segundo reagrupamentos analógicos. Esse tipo de categorização pode ser temática (construindo categorias conforme os temas que emergem do texto) e é composta de três etapas: 1. a pré-análise, onde se encontram a organização, as hipóteses, os objetivos e a elaboração dos indicadores; 2. a exploração do material, onde os dados são codificados a partir de unidades de registro; e, 3. o tratamento e a interpretação dos resultados (Cf. Mutt e Caregnato, 2006). Na sequência desse procedimento, as informações contidas nas proposições foram desmembradas em unidades que proporcionaram a análise de dados específicos, como os personagens, as referências temporais e os cenários onde se passam as ações. 166

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Identificando categorias recorrentes Os livros que abordavam o conteúdo de História da América tinham algo em comum: a Descoberta da América. Por causa desse fator comum, a Descoberta foi o conteúdo mais abordado nos livros didáticos de História Regional, representando 49%, seguido pelo conteúdo da Guerra do Paraguai com 32%, a colonização da América com 9%, a América Pré-Colombiana com 6% e, finalmente, o conteúdo do Povoamento da América com 4%, como representado na Tabela n. 1: Tabela n. 1 – Categorização dos conteúdos conceituais de História da América nos livros didáticos de História Regional do PNLD 2007 Conteúdos conceituais

Frequência

Descoberta da América Guerra do Paraguai Colonização da América América Pre-Colombiana Povoamento da América Total

49% 32% 09% 06% 04% 100%

Fonte: LDR do PNLD 2007.

O predomínio do conteúdo da Descoberta da América nos livros didáticos de História regional deixou o sujeito Cristóvão Colombo numa posição de destaque. Entretanto, Colombo é tido como referência não só para a Descoberta em específico, mas também para as temáticas que incluem a experiência brasileira.

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História da América nos livros didáticos de História regional Tabela n. 2 – Personagens da História da América nos livros didáticos de História Regional do PNLD 2007 Personagens Cristóvão Colombo Solano López Francisco de Orellana Américo Vespúcio Gaspar de Carvajal Vasco da Gama Outros Total

Frequência 65% 08% 08% 05% 03% 03% 08% 100%

Fonte: LDR do PNLD 2007.

Na Tabela n.2 a rubrica “Outros” corresponde aos personagens que tiveram uma ocorrência inferior a 1% dos dados e, somados todos os personagens, passam a corresponder a 7% do total. Entre eles estão: Manuel Oribe e Atanásio Aguirre (políticos uruguaios), Francisco Pizarro e Hernán Cortés (exploradores e conquistadores espanhóis) e Frei Bartolomeu de Las Casas (frade dominicano).

Identificando e comentando proposições Como afirmado anteriormente, as proposições foram extraídas de vinte e sete livros didáticos de História regional (LDR). Suas informações foram reunidas em uma ficha de leitura na qual constaram os dados sobre os personagens, datas e espaços. Para viabilizar a análise, as proposições foram reunidas de acordo com as seguintes categorias identificadas e listadas na Tabela n. 1: des168

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

coberta da América, América Andina pré-hispânica ou América Pré-Colombiana, povoamento, colonização e Guerra do Paraguai. Identificar proposições, entretanto, não é tarefa simples. Apesar de normalmente estarem dispostas no início dos capítulos, resumindo as principais informações referentes ao conteúdo abordado, muitas proposições são estruturadas sobre frases compostas, dificultando a compreensão da mensagem, por exemplo: “Durante uma viagem oceânica, em 1492, Cristóvão Colombo navegando em nome do rei espanhol, chegou à América, um novo mundo, bem diferente do que ele imaginava”. (Camargo, Nascimento, e Sourient, 2002, p.15). Composta em vários períodos, esta frase possui informações sobre a forma da viagem (oceânica), data (1492), personagem (Cristóvão Colombo), patrocinador da viagem (o rei espanhol), continente descoberto (América) e as primeiras impressões do personagem sobre o que foi descoberto (um novo mundo bem diferente do que ele imaginava). Após a intervenção do pesquisador, a frase acima se transformou na seguinte proposição: “Cristóvão Colombo chegou à América em 1492”. Nessa operação, tomamos o cuidado de não modificar o verbo, que representa a ação. Vejamos agora as proposições e os comentários que enfocam mudanças e permanências relativas às categorias elencadas para este trabalho.

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História da América nos livros didáticos de História regional

Descoberta da América Em relação à descoberta da América, como já anunciamos, todas as proposições apresentam algo em comum: a presença de Cristóvão Colombo como personagem principal. A data, 1492, por outro lado, já não é considerada uma presença importante, pois muitos livros-textos a substituem por expressões como “século XV” ou por “no dia doze de outubro”. O verbo das proposições merece um registro em separado. Ao falarmos em Descoberta da América, a primeira informação que nos vem à mente (legitimada pela vulgata histórica brasileira) é a de que Cristóvão Colombo descobriu a América. Nesses livros, entretanto, não mais se utiliza a expressão “descobrir”, que sempre remeteu, equivocadamente, a um lugar desconhecido, completamente inabitado. Nos LDR, a informação dominante anuncia: Colombo “chegou” a um continente novo. O uso do verbo chegar modifica todo sentido da frase, pois “chegar”, muitas vezes, vem acompanhado do verbo “encontrar”. Assim, ao chegar a América, Cristóvão Colombo encontra os ameríndios, um povo com hábitos e costumes diferentes dos europeus. A expressão “descobrir” só está presente em apenas um livro didático. O continente americano, que representa o espaço, é classificado como um local desconhecido e descoberto ao acaso. Essa questão da casualidade na Descoberta da América é utilizada como explicação para os conquistadores europeus terem chamado os nativos de índios (pensavam ter chegado às Índias). A América também é classificada como algo novo e, consequentemente, diferente, 170

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

pois é comparada com a visão de mundo do europeu. Essa diferença, expressa nas proposições, não se refere à natureza ou ao clima, mas aos indígenas: “Cristóvão Colombo, italiano, a serviço da Espanha, ao chegar à América, encontrou um povo muito diferente do povo europeu, ao qual passou a chamar de índios, por pensar que havia chegado a uma terra chamada Índia” (Tuma, 2004, p.18). A tipificação dos ameríndios como povos diferentes, no entanto, só aparece no conteúdo da Descoberta da América.

Comentários A descoberta da América foi categoria encontrada em 18 dos 27 LDR. O acontecimento, datado de 12 de outubro de 1492, é definido pela ancoragem do navegador genovês Cristóvão Colombo, a serviço do rei da Espanha, na Ilha de Guanahaní, batizada por Colombo como San Salvador (Bahamas). De todas as categorias analisadas, a Descoberta da América foi a que mais apresentou equívocos, principalmente no que concerne à chegada de Colombo e sua embarcação ao continente. Existe uma clara contradição sobre o local do descobrimento: uns afirmam que foi na América do Sul e outros afirmam que a descoberta ocorreu em território brasileiro. Com relação ao Brasil, muitas vezes o país é tratado como a “América”, o “Novo Mundo”, no qual a “Terra de Santa Cruz” representa o continente americano. Nos LDR, constatamos o que pesquisadores da área de História da América sempre chamaram a atenção: a 171

História da América nos livros didáticos de História regional

valorização da História nacional em detrimento da História da América, fato ocorrido, inclusive, fora do Brasil. No caso brasileiro, essa substituição (da experiência americana pela experiência nacional) é efetuada pelos livros didáticos desde a década de 1950, quando era costume apresentar o Brasil como civilização e a América Latina como selvageria. Em estudo recente sobre a representação da América de colonização espanhola no município de Inhumas (GO), o historiador Luciano dos Santos (s.d) demonstrou as consequências dessa discriminação da América Latina nos livros didáticos brasileiros. Ele notou que, além de reservar pouco espaço ao conteúdo da América Latina, os capítulos dos livros analisados destacam os períodos da colonização e independência, e outro sobre a América no século XX. Por serem os períodos mais conturbados da experiência do continente, os livros apresentam uma América que não avançou na civilização. Além disso, no município de Inhumas, a televisão influencia mais as opiniões dos alunos sobre a América Latina do que os próprios livros didáticos. Esse tipo de situação pode ser justificado pelas afirmações de Maria Lygia Prado (2003): “o Brasil está de costas para a América Latina e de olhos postos na Europa”, mas o que vemos atualmente é que o Brasil continua de costas para a América Latina, mas de olhos postos nos Estados Unidos e essa identificação com os norte-americanos é comprovada nos depoimentos dados pelos alunos das escolas analisadas. Quando perguntado sobre o que sabia da América Espanhola, um aluno afirmou: “é um lugar estranho, exóti172

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

co, atrasado, violento, sem ordem, cultura e avanços tecnológicos” (Santos, s.d. p.1407). Em outros depoimentos, os alunos dizem não se reconhecerem como latino-americanos (sinônimo de inferioridade), não desejando visitar nenhum país do continente: são lugares de drogas, prostituição, guerras, sequestros, mortes e bandidos. Os países de maior rejeição entre os alunos eram a Venezuela, Colômbia e Cuba. Nos depoimentos de alunos que tinham acesso a diferentes materiais didáticos e que o professor percebia as lacunas no conteúdo da América Espanhola, a imagem era positiva. Os alunos passaram a perceber a importância da América Espanhola através do seu legado cultural. Por fim, cabe registrar que a Descoberta da América é o assunto mais rico em termos de referências bibliográficas destinadas ao professor e aos alunos. São, principalmente, relatos dos colonizadores sobre as suas primeiras impressões no continente, como o livro Diários da descoberta da América, de Cristóvão Colombo. Seus personagens são vistos como sonhadores em busca do “Eldorado”, um lugar onde o ouro e as especiarias são de fácil acesso. Tabela n. 3 – Personagens da categoria “descoberta da História da América” nos livros didáticosde História Regional do PNLD 2007 Personagens Cristóvão Colombo Vasco da Gama Américo Vespúcio Total

Frequência 90% 03% 07% 100%

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História da América nos livros didáticos de História regional

América pré-colombiana Ao apresentar o conteúdo da América pré-colombiana, as expressões utilizadas para classificar os ameríndios são: beleza, técnica e admiração. São citadas as culturas, a variedade de povos e a organização social dos indígenas. Sobre as sociedades, as proposições remetem apenas aos incas, astecas e maias, omitindo outros sujeitos da mencionada variedade étnica do continente. Não há referências temporais, mas a localização desses povos é anunciada através de mapas. Contrariamente ao que ocorre nos conteúdos conceituais relativos à Descoberta da América, nos quais o termo “diferente” quando associado ao “europeu”, muitas vezes, remonta a posição de inferioridade dos nativos, na América pré-colombiana as palavras utilizadas demonstram superioridade. No geral, transmite-se a imagem de que os ameríndios surpreendem os colonizadores devido a sua organização social e a sua cultura. Traços sociais e culturais são vistos como características únicas dessas sociedades. Não se promove uma comparação com a cultura europeia. A diferença não é mais a palavra-chave para classificar os nativos, e sim o espanto: “Quando os europeus chegaram à América ficaram espantados com a variedade de povos e culturas indígenas” (Garcia e Menezes, 2006 p. 38).

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História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Comentários Da América ameríndia pré-hispânica, os incas, astecas e maias são privilegiados. Na maior parte dos casos, representam todos os povos que habitavam o continente antes da chegada dos europeus. Além disso, tal categoria é empregada para criar uma nova visão de América para os estudantes: uma América que se sobressai devido ao legado cultural deixado pelos ameríndios. O historiador Eduardo Natalino dos Santos, em sua obra Deuses do México indígena (2002), chama a atenção para a necessidade de uma revisão historiográfica e de uma releitura das fontes produzidas no período pré-hispânico e colonial, principalmente os códices e as obras dos cronistas do século XVI. Para o historiador, essa revisão é necessária porque, atualmente, se tem a ideia de que a América não tem História: a História seria iniciada somente após o contato com os europeus (Cf. Santos, 2002). Nos LDR, a América ameríndia pré-hispânica é abordada depois da Descoberta da América e antes da colonização e a análise desse conteúdo representa uma exceção no ensino de História da América no Brasil. Examinando livros didáticos e paradidáticos usados nas escolas públicas do oeste paranaense, o historiador Paulo José Koling concluiu que, ao se tratar de História da América, principalmente de povos pré-colombianos, ainda persiste o olhar ocidental e cristão para explicar essas sociedades. É nessa tradição ocidental que surge a comparação com a sociedade grega, tão utilizada nos livros didáticos (Koling, s.d.). 175

História da América nos livros didáticos de História regional

Em nossa pesquisa constatamos o inverso: na medida em que os incas, astecas e maias são valorizados, ocorre a desvalorização dos outros povos que habitavam o continente. Enquanto as sociedades pré-colombianas são apreciadas pela sua organização social, aspectos culturais e por seu legado histórico deixado para a humanidade, os outros povos que viviam na América não são citados e, quando realizadas as comparações, os incas, astecas e maias sempre aparecem como povos dotados de uma cultura superior aos outros (“selvagens”). O que mais chama atenção no conteúdo da América Pré-Colombiana são os textos complementares, ou melhor, as imagens que se sobressaem no pouco espaço que é reservado ao tema. Seguem alguns exemplos:

Figura 1: ASTECA. Garcia et al. 2006. p. 38.

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Figura 2: INCA. Garcia et al. 2006. p.38

Figura 3: MAIA. Garcia et al. 2006. p.38

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Essas imagens trazem dados importantes sobre esses povos: culto ao Rei Sol; colheita do milho – considerado, muitas vezes, um alimento sagrado; e artesanato – fiação de tecidos e o uso de tintas em tecidos e roupas. Além das imagens, também aparecem como textos complementares escritos e os mapas de situação.

Povoamento e colonização Sobre a povoação do continente, as proposições relacionadas mencionam um continente habitado muito antes da chegada dos colonizadores e esse é um dos únicos temas em que se verifica o uso de informação atualizada, como neste exemplo: “Os pesquisadores afirmam que a América era um continente desabitado até a chegada dos asiáticos” (Diez, 2001, p. 23). Nas poucas proposições extraídas, não constam referências a datas. Os personagens são os asiáticos – vistos como os povoadores da América – e os europeus, relegados em segundo plano. O último assunto em que os ameríndios são citados é o da colonização do continente. As proposições definem este episódio como um momento histórico que se caracterizou por sucessivas guerras e conquistas, nas quais os maiores prejudicados foram os nativos e o próprio continente. Para justificar as guerras, os autores apresentam um novo personagem: o europeu cruel, ganancioso. Essa ganância em encontrar metais preciosos tem uma explicação: “Entre os séculos XVI e XVII, acreditava-se que a riqueza de um país era medida pela quantidade de ouro e prata que ele possuía” (Gressler, Souza, e Vasconcelos, 2005, p. 32). 177

História da América nos livros didáticos de História regional

A mentalidade europeia vigente à época gerou o sonho pela busca do Eldorado (a América). Esta mentalidade e a ganância justificam as atitudes dos europeus: “Os conquistadores europeus tinham uma enorme avidez pela busca de materiais preciosos nas novas terras descobertas” (Gressler, Souza e Vasconcelos, 2005, p. 32). Esse atributo (a avidez) é apresentado também como a razão do extermínio dos nativos, sendo o processo de colonização considerado o primeiro passo neste sentido. Os principais personagens coletados nessas proposições são os colonizadores – homens ávidos e gananciosos movidos por um único desejo: o enriquecimento rápido e fácil. Os marcos temporais anunciam os séculos XVI e XVIII, mas as proposições deixam claro que as consequências da colonização perduram até os dias atuais.

Comentários O povoamento e a colonização da América constituem o terceiro conteúdo mais abordado nos livros didáticos de História regional. Os personagens mais citados são os exploradores espanhóis Francisco de Orellana e Francisco Pizarro e o padre dominicano Gaspar de Carvajal. Os relatos encontrados sobre esses personagens se dividem entre homens aventureiros e ambiciosos, fator que determinou a destruição dos nativos. Mas, povoamento é categoria das menos frequentes: apenas dois livros tratam do tema, afirmando que a América foi povoada bem antes da chegada dos europeus pelos asiáticos. 178

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil Tabela n. 4 – Personagens referentes à categoria “povoamento e colonização da América” nos livros didáticos de História Regional do PNLD 2007 Personagens Francisco de Orellana Gaspar de Carvajal Francisco Pizarro Total

Frequência 63% 27% 10% 100%

Guerra do Paraguai Sobre a Guerra do Paraguai, os LDR deixam claros os motivos que geraram o confronto: a política e a economia: “O Brasil invadiu o Uruguai em 1864 com o objetivo de tirar do poder o presidente Atanásio Aguirre que prejudicava os interesses brasileiros, sobretudo o dos estancieiros gaúchos” (Piletti, 2004, p. 75). O presidente uruguaio Atanásio Aguirre ocupa assim uma posição central nas proposições sobre a Guerra do Paraguai. Contrariamente ao que ocorre quando o confronto sul-americano é analisado em sua totalidade (veremos esse tema adiante). Os desentendimentos do Brasil com o Uruguai são devidos, principalmente, a uma questão de fronteiras entre os países. Eles existem desde a vinda da Família Real ao Brasil: “Com a vinda de D. João ao Brasil ficou mais forte a vontade portuguesa de aumentar a sua influência sobre a área do Prata” (Piletti, 2004, p. 73). As proposições deixam clara a insatisfação brasileira com os presidentes uruguaios, mas outros líderes da América do Sul também são citados, como o argentino Juan Manuel de Rosas: 179

História da América nos livros didáticos de História regional O acordo de paz assinado pelos farroupilhas e o governo Imperial em 1845 favoreceu os revolucionários gaúchos. Isso ocorreu porque o governo Imperial estava preocupado com a aliança entre o caudilho uruguaio Manuel Oribe e o caudilho argentino Juan Manuel de Rosas, que prejudicavam os interesses brasileiros (Piletti, 2004, p. 74).

O conflito entre os dois países é explicado dessa forma: o Brasil temia perder a sua influência e liderança no continente. Apresentado aos alunos como um país forte e coeso, o Brasil estaria disposto a tudo para defender a sua economia e o seu território, até mesmo se unir aos dois países que mais lhe incomodavam (Argentina e Uruguai) contra um inimigo em comum, o Paraguai: “A autonomia do Paraguai não agradava a Inglaterra, nem aos países vizinhos, isto é, ao Brasil, ao Uruguai e a Argentina”. (Tuma, 2004, p. 96). As ideias centrais sobre a Guerra do Paraguai se dividem entre dois temas: o confronto deveu-se à questão territorial; e o motivo foi preocupação dos outros países com o crescimento do Paraguai. Dentre esses motivos, a questão territorial é a explicação mais utilizada, pelos livros didáticos, para o início dos conflitos. Os livros deixam claro, portanto, que a guerra não foi provocada pelo presidente paraguaio Solano López, mas sim por desavenças territoriais entre os países. Para caracterizar a Guerra do Paraguai, os LDR costumam veicular a expressão “cruel”, qualificando um confronto que marcou para sempre os rumos dos países envolvidos. O Brasil ocupa a posição principal: é o vilão da 180

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guerra, o iniciante do confronto e responsável por um dos eventos mais cruéis do continente. A Guerra do Paraguai , chamada até hoje de La Gran Guerra (A Grande Guerra) pelos paraguaios, foi a maior intervenção militar brasileira em solo estrangeiro. Aconteceu entre 1865 e 1870, tendo se configurado como o mais longo conflito armado da América do Sul e uma das mais cruéis guerras do continente (Gressler, Souza e Vasconcelos, 2005, p.74).

Comentários A Guerra do Paraguai foi o mais longo conflito armado da América do Sul, envolvendo países que atualmente fazem parte do Mercosul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. O início da Guerra é datado de 1864, quando as tropas paraguaias, comandadas por Solano López (18271870) capturaram o navio brasileiro “Marquês de Olinda” no Rio Paraguai em novembro do mesmo ano. Entretanto, antes do aprisionamento do navio brasileiro, o Brasil invadiu o Uruguai alegando antigas questões de violação de fronteiras entre os países. A invasão brasileira foi considerada, por Solano López, como uma atitude expansionista e ameaçadora, cabendo ao Paraguai fazer cumprir o Tratado de 1850, que autorizava este país a intervir em favor do Uruguai, diante de qualquer ameaça. Iniciada a Guerra, o exército paraguaio invade a então Província de Mato Grosso em 24/12/1864, ficando a 181

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sua capital, a cidade de Cuiabá, incomunicável com a sede do império. Seis meses após essa invasão, o exército brasileiro é organizado e, em maio de 1865, Brasil, Argentina e Uruguai assinam o acordo para a formação da Tríplice Aliança. Apesar da superioridade do exército paraguaio, após cinco anos de guerra, os países aliados (Tríplice Aliança) saíram vitoriosos. As consequências da Guerra, entretanto, foram marcantes para a história de todos os países participantes (Cf. Doratioto, 2002, pp. 97-130). Segundo José Chiavenato, em sua obra Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai (1988), o confronto militar ocorrido entre as nações sul-americanas sustentou, durante anos, no Brasil, um nacionalismo xenófobo e preconceituoso, provocando, nos livros didáticos, uma versão mistificadora, ficando impressão de que a História é feita para se cumprir um calendário ou, ainda, que ela é fruto da qualidade militar de uma nação, deixando de lado as consequências da Guerra para os povos participantes (Cf. Chiavenato, 1990). Essa crítica foi realizada no final do século XX e nos estimula a interrogar: no século XXI, como a Guerra do Paraguai é avaliada nos livros didáticos? Apesar do conteúdo da Guerra do Paraguai ser o mais completo e o que mais aproxima o aluno do tema, pois alguns estados brasileiros participaram do confronto, em alguns livros a guerra é vista como acessório que incentivou a mudança de regime político no país ou como um confronto no qual as forças aliadas saíram vitoriosas e fortalecidas de uma contenda provocada por Solano López. 182

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O citado presidente paraguaio, muitas vezes, é visto como um ditador e um expansionista, destacando-se como o maior causador do conflito. Além de Solano López, outros personagens foram citados, como indica a tabela abaixo: Tabela n. 5 – Personagens da Guerra do Paraguai nos livros didáticos de História Regional do PNLD 2007 Personagens Solano López Manuel Oribe Juan Manuel de Rosas Atanasio Aguirre Total

Frequência 77% 07% 08% 08% 100%

Quando comparamos conteúdos da Descoberta da América com os da Guerra do Paraguai percebemos presença do conflito de versões no segundo e a permanência da vulgata histórica no primeiro. Na descoberta, há consenso. Em relação à Guerra do Paraguai, isso não ocorre. Essa diferença de tratamento pode ser atribuída à participação de diferentes estados brasileiros no conflito. O livro do Rio Grande do Sul afirma que a guerra foi desencadeada devido às disputas econômicas, pois Atanásio Aguirre (presidente uruguaio) prejudicava os interesses brasileiros, principalmente o dos estancieiros gaúchos ligados à produção do charque (Cf. Piletti, 2004). Já o Mato Grosso do Sul rememora as consequências do conflito para o Brasil, para o Paraguai e até para o próprio Estado. Do lado brasileiro, houve milhares de 183

História da América nos livros didáticos de História regional

mortos e feridos, abalos na economia, aumento da dívida com a Inglaterra e da insatisfação dos brasileiros com o Império, estimulando a campanha republicana. No lado paraguaio, o país passa de república próspera e progressista para uma espécie de colônia sem patrão, com a população e a economia dizimada devido aos “sonhos de um ditador”. Finalmente, para o Mato Grosso do Sul restaram fazendas arruinadas e áreas abandonadas, população dispersa, crise econômica e algumas vilas incendiadas, saqueadas. (Cf. Gressler, Souza e Vasconcelos, 2005). Outra diferença de interpretação sobre a guerra também pode ser notada entre os estados que participaram do conflito e os que não participaram. Essa diferença é bem explícita, principalmente no que concerne às referências bibliográficas. Aos estados afetados diretamente pelo conflito cabem as análises mais completas, com referências atualizadas sobre o tema. Já os títulos que tratam de outros estados brasileiros apresentam compêndios de História do Brasil. Nestas obras, a Guerra do Paraguai aparece apenas como um acessório para a História do Brasil, na qual o país saiu vitorioso, sem maiores consequências para a sua população.

Aprender História da América Já afirmamos que a maior parte dos LDR apresenta a proposição: “Em 1492, Cristóvão Colombo chegou a América”. Vimos também que Colombo é peça fundamental ao se falar em Descoberta do continente. O que explica184

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ria o fato de livros de editores diferentes, narrando a experiência de estados diferentes, fazerem uso dessa mesma proposição? Por que tal regularidade não ocorreu com as outras categorias analisadas? Qual o motivo dessa ocorrência? Seria reflexo da forma de aprendizagem? Além dessa repetição, os LDR não apresentam informações novas no que se refere à categoria descoberta da América. Como vimos, a Guerra do Paraguai já apresenta o Brasil como o vilão da História e o povoamento da América é alimentado com conhecimento historiográfico atualizado. Para sermos exatos, a única nova informação encontrada nos conteúdos conceituais da Descoberta da América foi o emprego do verbo “chegar”. Ocorre que muitas vezes uma criança não consegue perceber a diferença entre as frases: “Colombo descobriu a América em 1492” e “Colombo chegou à América em 1492”. Esse fato, a repetição da tese “Em 1492, Cristóvão Colombo chegou à América”, pode ser entendido como a “vulgata histórica” sobre a América, ou seja, aquele conteúdo conceitual substantivo que permanece na literatura didática, independentemente das mudanças nas pesquisas históricas de ponta. Aquele tema ou informação que os pais, alunos mais velhos, professores requisitam constantemente como afirmação fundamental para o entendimento do período. Partimos também da hipótese de que os autores mesclam velhas e novas estratégias, velhas e novas informações na exposição do tema “Descoberta da América”. É provável que eles considerem fundamental o aprendizado das datas e personagens para a construção de uma estrutura mínima sobre o tema, ou seja, os alunos precisa185

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riam, inicialmente, aprender dados para, em seguida, compreenderem proposições mais abstratas, tais como: os motivos que levaram os colonizadores europeus a enfrentar as temidas viagens marítimas e as razões para as diferentes escolhas de rotas, fato observado entre espanhóis e portugueses, a mentalidade europeia da época, e a insatisfação dos ameríndios. Assim, unida a aprendizagem de dados à de conceitos, o aluno entenderia e emitiria a sua opinião sobre o conteúdo aprendido, alcançando uma aprendizagem significativa.

Conclusões Este texto teve o objetivo de responder a três questões: quais as representações veiculadas sobre a História da América nos LDR? Que mudanças e permanências podem ser observadas em comparação com os livros didáticos dos anos 1950? Há tratamento diferenciado entre os livros destinados aos estados situados nas fronteiras orientais do Brasil? As conclusões a que chegamos não são animadoras. Infelizmente, a América (sobretudo a Latina) ainda é representada como algo distante do Brasil. O conteúdo de História da América nos LDR tem papel secundário, até mesmo acessório. Por que isso ainda ocorre? A partir da análise dos LDR, podemos aventar as possíveis respostas. Em primeiro lugar, a maioria dos vinte e sete títulos não indica bibliografia específica. Esse fato nos leva a supor que os textos são construídos a partir dos citados compêndios de História do Brasil ou livros 186

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de História geral. Sabemos da existência de estudos renovados, grupos de pesquisa e congressos especializados, mas o acesso aos resultados da pesquisa é muito difícil. Outro motivo para a desatualização dos LDR pode ser a ausência de tradução portuguesa das obras em língua espanhola, idioma que veicula publicações renovadas sobre História da América. É possível que esses dois condicionantes representem um entrave à renovação dos LDR em termos de fontes. Esse modo de tratar a experiência americana pode ainda resultar da ausência de um sentimento de pertencimento do brasileiro em relação à América Latina. Vimos que, ao tratar da Descoberta da América, os livros didáticos se preocupam com datas e personagens. Já com o conteúdo da América Pré-colombiana ocorre um fato inusitado: comparados aos incas, astecas e maias, os povos indígenas que habitam (ou habitavam) o Brasil são desvalorizados, considerados como exemplares do estágio de selvageria. O Brasil, em muitos casos, aparece como a própria “América”. A América Latina, quando citada, é representada como um continente distante, formado por países de língua espanhola. Esta condição acessória modifica-se, entretanto, quando o assunto é a Guerra do Paraguai. O fato de alguns estados brasileiros participarem ativamente do conflito torna esse conteúdo mais denso e complexo. Para compreender os motivos da Guerra do Paraguai, alguns livros didáticos fazem correlações com a História de outros países da América Latina, lembrando que o continente não está tão distante assim do Brasil. 187

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A Guerra do Paraguai é o único conteúdo que apresenta bibliografia especializada sobre o tema, apresentando três visões para o conflito: a paraguaia, a brasileira e a dos estados brasileiros. São essas três visões que aproximam o Brasil dos países da América do Sul, pois eles têm algo em comum: todos perderam com a Guerra do Paraguai e esse sentimento de derrota é o resultado de conflitos econômicos e de fronteiras entre os países. Nos LDR, esses desentendimentos prejudicaram as relações entre os países do continente. Tais resultados, entretanto, somente foram constatados nos livros dos estados diretamente afetados com a Guerra do Paraguai. É também importante registrar, por fim, os desvios operados pela escrita dos LDR entre a apresentação dos conceitos e proposições no texto principal e nas atividades para o aluno. Exemplo claro é o tratamento concedido à Descoberta da América. No texto principal, o único personagem é Cristóvão Colombo. Nas atividades são apresentados Américo Vespúcio e Vasco da Gama.

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Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional1

C

omo vem sendo abordada a temática indígena no livro didático? Esta questão norteou uma das etapas do projeto “História regional para as séries iniciais da educação básica no Brasil: o texto didático em questão” que se ocupa da descrição e análise do gênero História regional em seus aspectos gráficos, pedagógicos, linguísticos e historiográficos. O objetivo deste trabalho é oferecer uma base referencial que permita aos pesquisadores a observação dos desdobramentos da Lei n. 11.645, de fevereiro de 2008, que tornou obrigatório, em “todo o currículo escolar” dos ensinos fundamental e médio, público e privado, o estudo da História e da cultura indígena.

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Escrito por Itamar Freitas.

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

Os 27 livros regionais distribuídos pelo PNLD 2007, evidentemente, foram produzidos antes da referida lei, constituindo-se, portanto, em suporte privilegiado para avaliar mudanças e permanências nas formas de abordar a temática indígena nos livros didáticos. Este texto retoma o diálogo com a literatura específica e anuncia os resultados da análise dos livros didáticos sob três aspectos: o lugar ocupado no espaço da narrativa (em termos de unidades de leitura); o lugar ocupado no tempo (em termos de duração do processo histórico narrado); e a categorização das temáticas abordadas em relação às sociedades indígenas, seja nos textos escritos, seja nas representações iconográficas com respectiva crítica em termos historiográficos e da legislação em vigor. A exposição, por fim, foi segmentada em quatro tópicos: a temática indígena na escola na década de 1970 e na primeira década do século XX; estudos sobre indígenas nos livros didáticos; produção do “outro” por intermédio da escrita; e representações veiculadas pelo texto iconográfico.

1. A temática indígena na escola dos anos 1970 Na década de 1970, na escola primária, não se conheciam sociedades indígenas: tratava-se de índios ou simplesmente índio. Para os autores de livros didáticos, indígenas viviam da caça, pesca e coleta, moravam em ocas (que juntas formavam a taba), adoravam Jaci, Guaraci e Tupã, orientados pelo pajé (praticante de feitiçarias) e por um valente cacique. Empunhando arco, flecha, tacape e 196

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

zarabatana, o cacique (ou morubixaba) poderia matar e até cear o seu pior inimigo. Índios eram, no entanto, brincalhões, indolentes e frágeis de saúde, diante do trabalho imposto pelos portugueses. Deixavam-se iludir até mesmo por pequenas bugigangas como facas e espelhinhos oferecidos pelos europeus. Está claro que essas fortes imagens ampliavam exageradamente a distância entre a vivência dos indígenas e os modos de vida de muitos de nós. No entanto, informados pelos historiadores e antropólogos, entendemos, hoje, que aquelas cenas seculares de antropofagia ou de convívio harmônico com a natureza foram impressas nos nossos livros didáticos, não necessariamente para dizer que os índios eram todos apreciadores de carne humana, ou que se relacionavam com a floresta da mesma forma que a onça pintada, o macaco e o jacaré ainda o fazem. Eram ilustrações possíveis nos anos 1970. As imagens representavam aquilo que os viajantes, cronistas e historiadores dos séculos XVII, XVIII e XIX gostariam que fossem os indígenas ou, ainda, sobre o que esses autores (católicos ou protestantes) gostariam que os leitores europeus imaginassem (e fixassem na memória) sobre os indígenas do Brasil. Não é improvável que os autores e editores dos livros didáticos daquele tempo tivessem conhecimento da natureza e da função de tais representações: afinal, havia indígenas no Brasil dos anos 1970! Produtores de livros didáticos, entretanto, professavam uma concepção etapista (evolucionista) da História, optando, na maioria dos casos, por não problematizar tais representações. Eles 197

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

deixaram circular acriticamente imagens que beiram o fantástico, associando indígenas dos anos 1970 a uma provável selvageria ocorrida em supostos tempos longínquos, semelhante às representações indígenas veiculados nos livros didáticos da escola primária, editados ainda no final do século XIX (Cf. Bittencourt, 1998, p. 82). Hoje, na condição de professores, sabemos que o uso das imagens como recurso educativo, além do seu clássico entendimento como fonte histórica (Cf. Bittencourt, 1998, p. 86-89), exige algum conhecimento sobre a técnica de produção (gravação em madeira, gravação em pedra) e o estilo artístico (árcade, romântico, realista, modernista). Também é importante conhecer a autoria e saber se o desenho foi efetuado diante do personagem retratado ou de forma indireta, descrito, ditado ou imaginado por quem não presenciou cenas. Tudo isso ajuda na interpretação. Auxilia no entendimento de que as imagens elaboradas no século XVI não reproduziam, em proporções realistas, os corpos e as ações dos indígenas do século XVI. Nos livros de Hans Staden, Jean de Léry e Tehodore De Bry, por exemplo, eles aparecem depilados, ornados, atléticos, apolíneos, portando ossos e crânios como troféus de guerra, sinalizando uma pretensa bravura. A intenção dos desenhistas e dos gravadores era valorizá-los como guerreiros da antiguidade. Isso porque o modelo artístico de homem daquela época era a representação grega clássica. (Cf. Belluzzo, 2005, p. 47-58; Porto Alegre, 2005, p. 59-72). No século XVII, no entanto – como se pode observar nas pinturas de Albert Eckhout (1641/1643), o padrão estético modificou-se. O descritivismo e a busca pela exatidão produziram ima198

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gens de corpos e rostos imperfeitos (realistas), ou seja, não idealizados como no modelo renacentista. (Cf. Chicangana-Bayona, 2005, p. 11). Como professores, sabemos, também, que as representações resultantes das imagens de índio ingênuo, filho do Jardim do Éden, besta (pecador), odiento, tecnologicamente atrasado, integrado à natureza, herói nacional (Cf. Bittencourt, 2005, p. 39-46) foram construídas por literatos e cronistas nos tempos coloniais e monárquicos. Mas, de certa forma, foram confirmadas pelos historiadores de ofício do nosso tempo, vinculados aos Institutos Históricos e às Universidades ao longo do século XX. Autores como Capistrano de Abreu, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, por exemplo, reafirmaram a tese da extinção, ou seja, que em contato com os não índios, os indígenas tenderiam ao desaparecimento total (Cf. Monteiro, 1995). Historiadores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, por sua vez, concordaram com a incompatibilidade entre o modo de viver indígena e o trabalho agrícola europeu (Cf. Coelho, 2007, p. 3), reforçando a ideia de indolência indígena. As imagens estereotipadas e preconceituosas que ajudaram a construir representações estereotipadas e preconceituosas sobre os indígenas no Brasil, enfim, frequentaram os livros didáticos do nosso tempo, em grande parte, por que os historiadores, até meados da década de 1970, não consideravam os indígenas e sociedades indígenas como personagens históricos ativos e de relevo na experiência social brasileira. E se estes não eram relevantes, não havia razão para investigar e difundir as 199

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

suas diferentes formas de organização social, línguas, relação com a natureza e a sua cosmogonia. Dizendo de outra forma, não havia espaço para tratar da diversidade cultural dos indígenas no Brasil, como hoje orientam antropólogos, sociólogos, linguistas e historiadores e como prescreve a Lei n. 11. 645, de fevereiro de 2008.

2. Sociedades indígenas nos livros didáticos O relato acima faz referências ao período anterior à década de 1980. Quais seriam, então, as imagens e textos difundidos sobre as sociedades indígenas nas últimas três décadas? Como os indígenas são representados nos livros didáticos do tempo presente? Antes de responder, é importante lembrar que o livro didático é instrumento de construção de identidades individual e de grupo. Seja por meio da escrita, seja por meio da iconografia, é através do livro didático que o aluno sedimenta uma memória sobre os outros e sobre si, selecionando e adotando sinais diferenciadores. Entretanto, livro didático não é o único elemento difusor de informações sobre a temática, ou seja, não é a única via de informação que orienta o processo de construção da representação do “outro”. Imagens de indígenas fazem parte do nosso cotidiano: estão nos selos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, na cédula da Casa da Moeda, cartão telefônico (Cf. Oliveira, 2003), na publicidade impressa, na televisão e nos vídeos do YouTube, nas capas dos Long Plays (discos de vinil), nas letras de músicas consultadas na Internet (Oliveira 200

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e Moura, 2009; Azevedo, Oliveira e Moura, 2009), entre tantos outros suportes de informação e meios de comunicação. A maioria dos exemplos reforça a ideia de homogeneidade e exotismo. As singularidades desses artefatos (espaço reduzido, ausência de informações básicas sobre os retratados e a efêmera circulação de alguns) ajudam a construir representações dos indígenas como homogêneos, exóticos, anônimos e despersonalizados. O referente é, simplesmente, o “indígena” (sem nome, etnia, grupo linguístico, localidade de origem etc). (Cf. Oliveira, 2003). Seria essa a imagem veiculada ainda pelos livros didáticos do nosso tempo? O que dizem os pesquisadores a respeito? A investigação sobre a experiência indígena no livro didático ampliou-se muito nas últimas três décadas. O interesse pelo assunto, a exemplo da nova historiografia sobre indígenas e o indigenismo, parece ter seguido uma trajetória orientada pelas lutas em prol dos direitos indígenas, no final da tutela militar. A instituição do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD (a crítica ao programa) e a institucionalização dos estudos sobre ensino de História nos últimos 20 anos também marcaram as motivações dos pesquisadores, que se debruçaram sobre os livros didáticos em busca das imagens e representações dos indígenas (Cf. Telles, 1989; Rocha, 1984; Pinto e Myazaki, 1985; Almeida, 1987; Bittencourt, 1998; Lemos, 1999; Rodrigues, 2001 e 2005; Ribeiro, 2004; Gobbi, 2006; Santiago e Dias, 2007a e 2007b; Coelho, 2007 e 2009). Na base das escolhas desse objeto dominante – a representação –, está a denúncia contra o racismo, 201

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etnocentrismo e estereótipo. O interesse orientador é a educação para a tolerância (respeito à pluralidade e às identidades étnicas), a valorização do outro como sujeito histórico e, de forma residual, o processo de construção dos indígenas como sujeitos históricos e a problematização do ensino de História como saber autônomo. As fontes, por sua vez, variaram bastante. Foram estudados livros didáticos do ensino fundamental e médio, de História, Estudos Sociais e de Moral e Civismo, em sua maioria (no caso da História), distribuídos pelo PNLD entre 1999 e 2005. Apenas dois dos trabalhos consultados e aqui referenciados (Bittencourt, 1998 e Rodrigues, 2004), examinaram obras do século XIX e primeira metade do século XX. A grande maioria concentrou as suas observações nos livros produzidos a partir da década de 1980. Grosso modo, podemos afirmar que quatro perguntas recorrentes foram empregadas nesses trabalhos para revelar, dominantemente, a imagem veiculada sobre os indígenas brasileiros: 1. qual o espaço ocupado (páginas, capítulos, imagens, nomes próprios) pela experiência indígena; 2. a que tempo/evento (Pré-História, Colônia, Monarquia, República, tempo presente etc.) sua atuação está relacionada; 3. em que medida os livros didáticos incorporam avanços da pesquisa de ponta nas áreas da História, Antropologia, Arqueologia e Linguística, ou seja, se essas imagens são construídas em base cientificamente corretas; 4. em que medida os livros didáticos incorporam os avanços da legislação que protege interesses das sociedades indígenas (Constituição, convenções interna202

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cionais, manifestos de autoria indígena etc.), ou seja, se essas imagens são construídas em bases politicamente corretas. Sabemos que cada uma das perguntas anunciadas acima incorpora outras tantas elaboradas pelos pesquisadores. Mas essa tipificação dos interesses de investigação permite sintetizar os seus resultados e orientar a elaboração desta análise acerca da temática indígena nos livros didáticos de História regional, bem como o diálogo com a literatura específica. Sobre as questões que tratam do tempo e do espaço (questões 1 e 2), há consenso no sentido de afirmar-se que, nas últimas três décadas, a experiência indígena teve sua presença ampliada nos livros didáticos. De um capítulo inicial a inserções em várias unidades de leitura; de uma aparição no início do período colonial à presença no tempo anterior à chegada dos europeus até as referências aos conflitos fundiários dos anos 1990. Sobre as duas últimas questões (do cientificamente e politicamente corretos), as pesquisas apontam ambiguidades e contradições. Por um lado, os livros didáticos respeitam as singularidades étnicas (diversidade sóciocultural), a condição de sujeitos históricos (protagonismo) com atuação diluída em todo o período da experiência brasileira, fornecendo dados relativamente atualizados a respeito do trabalho, escravidão e identidade indígenas, inclusive no tempo presente. Por outro, mantêm abordagem evolucionista da História e teses consideradas ultrapassadas ou sem cobertura legal em nosso tempo, tais como: indígenas ingênuos, indolentes, vítimas eternas, integrados à natureza, pertencentes ao passado colonial, 203

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patrimônio nacional, tutelados pelo Estado, aculturados ou em vias de extinção.2 A razão de tais ambiguidades e contradições, segundo os pesquisadores, pode ser atribuída, principalmente: ao distanciamento entre a pesquisa de ponta nas ciências humanas e sociais e a produção de livros didáticos; ao desinteresse dos historiadores pelas questões indígenas até meados dos anos 1980 (e a consequente manutenção das teses gestadas pela historiografia do século XIX e do início do século XX); ao traço preconceituoso e interessado de alguns setores da sociedade nacional; e à função moral do saber histórico ensinado no Brasil. Essa síntese de questões e orientações da pesquisa específica refere-se aos livros que tratam da experiência brasileira e da experiência geral (mundo). Qual seria, então, a imagem veiculada sobre indígenas nos LDR? Eles reproduzem as mesmas ambiguidades e contradições? Ampliam o espaço e tempo de registro da experiência indígena, independentemente das diferenças de contingentes indígenas reconhecidos em cada Estado? Incorporam as inovações historiográficas e os avanços na legislação protetora dos interesses das sociedades indígenas?

É importante destacar que, dada à dispersão dos objetos de pesquisa, não foi possível apontar tendências no conjunto de textos comentados – se tal permanência ou mudança é detectada nos livros das séries inicias ou nas séries finais, se nas obras de História ou de Estudos Sociais etc. 2

204

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3. Sociedades indígenas nos livros didáticos de História regional: a produção do “outro” por intermédio da escrita O exame da temática indígena nos LDR, como poderemos constatar agora, é mediado pela análise individualizada do texto escrito e do texto iconográfico. Essa via se justifica pela constatação de que os usos desses suportes mediadores de sentido ocorrem em momentos e lugares diferenciados e com níveis de interação (texto-imagem) bastante variáveis. Vejamos, inicialmente, a temática indígena no texto escrito. Neste tópico, anunciamos os resultados dos seguintes indicadores: espaço ocupado na narrativa, situação temporal no processo histórico, mudanças e permanências em termos de conteúdos conceituais, disposição dos conteúdos (sintaxe da escrita histórica) e fontes empregadas na construção dos textos.

O espaço da experiência indígena dentro da narrativa O primeiro indicador explorado foi o espaço ocupado pela temática, em termos de unidade de leitura. Aqui, os subcapítulos e (na inexistência destes) os capítulos foram considerados as unidades básicas de leitura. O resultado aponta que, do total de 890 unidades computadas nos 27 livros, cerca de 86 são dedicadas, especificamente ou predominantemente, à temática indígena. Esses números indicam uma ocupação de 10%.3

3 Consideramos unidade de leitura a menor segmentação do texto principal acompanhada de título.

205

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Tal resultado representa um avanço significativo, se comparados aos programas do ensino primário da Primeira República, onde a temática nomeava, por exemplo, um número reduzido de pontos/lições (Cf. Reis, 1953). No entanto, esses 10% devem ser matizados por causa da dispersão constatada entre os títulos, como se pode observar pela Tabela n. 1. A ocupação da temática nos LDR é bastante desigual. Encontramos, por exemplo, 2 títulos que destinam 2% das unidades, 3 que destinam 10% e 2 que reservam 20% e até 22% das unidades para discutir questões indígenas. Tabela n. 1 – Ocupação da temática indígena por unidades de leitura nos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Unidades sobre indígenas 02% a 05% 06% a 10% 11% a 15% 16% a 20% Mais de 20% TOTAL

Número de Títulos Absoluta Relativa 04 09 08 05 01 27

30% 30% 25% 9% 30% 100%

Poder-se-ia objetar que a dispersão em termos de espaço nos LDR seria resultante da irregular distribuição dos contingentes indígenas pelos estados do Brasil. Esse argumento, porém, não se sustenta, como podemos observar pela Tabela n. 2. Não há relação direta entre o número de sociedades reconhecidas por Estado e o espaço ocupado pela temática nos LDR desses mesmos estados, em outras palavras, o maior ou menor conhecimen206

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to da diversidade étnica por parte dos pesquisadores não implica em maior ou menor presença da temática nos livros didáticos. Tabela n. 2 – Sociedades indígenas reconhecidas nos estados X unidades de leitura destinadas às temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Unidades Federativas Mato Grosso Pará Pernambuco Bahia Mato Grosso do Sul Ceará São Paulo Santa Catarina Paraná Minas Gerais Goiás Rio Grande do Sul Espírito Santo Rio de Janeiro

Sociedades reconhecidas* 40 16 11 11 07 06 05 04 04 04 04 03 03 01

Unidades ocupadas Livro 1 Livro 2 Livro 3 Livro 4 19% 10% 13% 16% 19% 10% 20% 17% 17% 06% 26% 10% 09% 11%

02% 12% 13% 13% 15% 06% 12%

07% 04% 11% 02%

07%

07%

Fonte: (*) ISA, 2009; LDRs do PNLD 2007. (**) Os descritores “livro 1”, “livro 2” e assim sucessivamente correspondem aos títulos existentes sobre cada estado.

A experiência indígena e periodização clássica O segundo indicador utilizado por este trabalho informa sobre a localização da temática na periodização do processo histórico brasileiro. Já informamos em outra comunicação (Cf. Freitas, 2009) que pouco mais da 207

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metade dos títulos de LDR explicita ou permite identificar os modos de recortar o tempo1. Neste texto, entretanto, (visando a estabelecer o diálogo com a literatura específica), consideramos a periodização quadripartite (Pré-História, Colônia, Monarquia, República) para a História do Brasil e datamos as intervenções, mesmo que alguns títulos não tenham anunciado tal recorte intervalar. Os resultados indicam que a experiência indígena em unidades específicas está localizada, majoritariamente, (47%) no período colonial, com ênfase nos acontecimentos relativos aos primeiros contatos (indígenas/europeus). Mas há casos em que são contemplados dois períodos (colônia/república) e até três momentos distintos da experiência brasileira numa mesma unidade. A estratégia autoral dominante é tratar dos indígenas na colônia e, imediatamente, informar sobre o estado atual da questão (demografia, línguas, terras etc.). A república é o segundo intervalo de tempo recorrente. É importante ressaltar que a expressiva maioria das informações datáveis do tempo republicano refere-se às últimas três décadas. Somando-se tal recorrência à baixa referenciação ao período monárquico (6%), podemos afirmar que as narrativas saltam, predominantemente, dos séculos XVI e XVIII para o final do século XX e início do século XXI.

1 Consultar capítulo 1. 208

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Por fim, cabe registrar a ocorrência de 5% das unidades que tratam de temáticas indígenas de forma atemporal (heranças culturais, modos de vida etc.) e também de, pelo menos, 2 unidades referindo-se aos indígenas em um período anterior ao encontro com os europeus. Tabela n. 3 - Referenciação temporal das unidades que tratam de temáticas indígenas nos livros de História regional do PNLD-2007 Período Colonial Republicano Colonial/republicano Monárquico Monárquico/republicano Colonial/monárquico/republicano Anterior ao ano 1500 Atemporal TOTAL

Número de unidades Absoluta Relativa 40 22 12 03 02 01 02 04 86

47% 26% 14% 03% 02% 01% 02% 05% 100%

Os conteúdos conceituais O terceiro indicador refere-se às temáticas exploradas nesses capítulos (ou subcapítulos). O resultado dos cruzamentos efetuados entre as 890 unidades de leitura aponta um pequeno grupo de 13 categorias, das quais se sobressaem denúncias como práticas genocidas dos povos europeus (11%); ocupação ilegal das terras indígenas (8%); e práticas etnocidas, sobretudo, de bandeirantes e jesuítas (3%). Esses 3 itens totalizam 22%. Depois, segue a identificação dos indígenas – troncos e famílias linguísti209

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cas, grupos étnicos (presentes em 19% das unidades); descrição dos modos de vida – organização social, política e cultural (14%); localização dos grupos – na América, no Brasil e/ou no Estado (14%). Um pouco abaixo na lista de categorias recorrentes estão as informações demográficas: total de habitantes no Brasil, total de habitantes por grupo (8%); as contribuições dos povos indígenas para as populações brasileira e local – língua escrita e falada, onomástica local, alimentação, costumes, artes, brincadeiras, danças e folguedos (8%); denúncias sobre conflitos em torno dos direitos indígenas – questão da terra, principalmente (8%). Em frequência ainda mais baixa estão as denúncias sobre o trabalho escravo (5%) e os eventos de protagonismo indígena – reação, alianças, organização política atual (5%). Na faixa de menor recorrência, estão as denúncias de etnocídio – praticados, sobretudo por bandeirantes e jesuítas (3%); situações de estranhamento entre indígenas e europeus – nos primeiros encontros do século XVI (3%); e, finalmente, os espaços específicos que informam sobre a diversidade e a ingenuidade dos indígenas, com 1% para cada uma dessas categorias.

Uma sintaxe para a escrita da História indígena Tais categorias estão presentes em todos os períodos discriminados na Tabela n. 3, indistintamente. Em situação ideal típica, podemos dizer que a sintaxe dominante na construção dessas unidades corresponde a duas disposições. A primeira ordena as categorias nessa sequência (que pode ou não conter todas essas categorias): identifi210

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cação, localização, demografia, modos de vida, contribuições e/ou conflitos. A segunda enfatiza uma categoria isolada, geralmente um elemento de baixa recorrência entre os citados acima: ingenuidade, diversidade, protagonismo, entre outras. Indígenas ainda estão circunscritos em um capítulo (em grande parte das obras). Mas isso decorre da forma de organização curricular e do projeto historiográfico adotado. Um capítulo de LDR pode configurar-se, por exemplo, como a história do povo por matrizes étnicas ou história do povoamento por encontros de matrizes étnicas (as experiências dos africanos e dos europeus, em muitos casos, também são circunscritas a um capítulo). Indígenas também podem estar presentes em um capítulo que trata da sua experiência na longa e na breve duração, simultaneamente, dentro da ideia de encontros entre etnias fundadoras. Podem ser referidos em um capítulo no início (experiência colonial) e no fim da obra (tempo presente) – tratando do “legado cultural” ao povo “x” ou “traços da cultura indígena” no Estado “y”. Podem, também, ser contemplados em vários capítulos, ao longo da obra, registrando a experiência em vários momentos e situações da história do povo ou Estado “z”. Dentro do capítulo, também a sintaxe é variada. Os temas podem constituir um verbete para cada povo do Estado, tratando de língua, formas de alimentação, moradia, trabalho, religião, indumentária, um verbete para cada dimensão da experiência indígena, reunindo semelhanças e diferenças de vários povos habitantes do estado ou, ainda, um verbete para cada povo do Estado, sendo a primeira parte uma descrição diacrônica das mar211

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cas deixadas (lutas, encontros, perseguições) por este povo e, em seguida, um resumo de suas características culturais (hoje).

Mudanças e permanências nos conteúdos conceituais Conhecidos os conteúdos conceituais recorrentes e as variantes disposições na narrativa, resta-nos comentar a respeito das mudanças e permanências em relação à literatura específica. Em termos de atualização científica, além do já citado, é necessário destacar o esforço das obras em informar sobre a diversidade cultural (de nome, língua, trabalho, alimentação, moradia, religião, cotidiano das crianças) entre grupos e até dentro do próprio grupo indígena, sobre as dificuldades de sobrevivência antes mesmo da chegada dos europeus, das várias situações em que os não indígenas assimilaram práticas culturais indígenas ao longo do período colonial e das versões indígenas sobre os encontros com os europeus. Em alguns LDR já há referências aos saberes indígenas, relacionados à preservação da biodiversidade (e não somente aos costumes de tomar vários banhos, dormir em redes etc.). Os indígenas são também apresentados como trabalhadores, que se vestem também como não indígenas (sem que isso indique perda de identidade), que são boias frias, guias turísticos, remadores, pescadores, sapateiros, carpinteiros, costureira, artesãos e agricultores. Os livros também denunciam o rapto de mulheres, transformadas em esposas dos peões, o etnocídio causado pela imigração alemã no século XIX, as péssimas con212

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dições de alguns grupos em termos de saúde, abastecimento e de oportunidades de geração de renda no século XX. Os LDR, por fim, empregam analogias para estimular a reflexão sobre o sentido dos adornos e pinturas entre crianças indígenas e não indígenas (a ideia de “tribo”, “patricinhas” etc.), combatem a hierarquização social baseada no desenvolvimento tecnológico, criticam as comemorações escolares referentes ao dia do índio, que resultam em imagens idílicas e estereótipos negativos. Por outro lado, várias informações desencontradas podem ser verificadas nos LDR. Dados sobre população indígena brasileira, por exemplo, variam bastante: são 734 mil em 2000, 250 mil em 2001, 300 mil em 2001, 350 mil em 2003, e 200 mil em 2004 (a maioria cita a mesma fonte, os censos do IBGE). Os lugares comuns sedimentados pela historiografia e etnologia do século XIX, as aproximações e distanciamentos entre povos do século XX e povos do século XVI, sem o devido abonamento das fontes e da pesquisa acadêmica, embora raros, ainda prestam um desserviço à educação escolar. Nesse sentido, podem ser encontradas afirmações do tipo: nos tempo de Cabral, “o modo de vida dos grupos indígenas mineiros era muito parecido com o dos demais grupos que habitavam Brasil”, ou, “não existem no nosso estado descendentes diretos dos grupos indígenas que habitaram no passado...vieram de fora (do estado)”, “os índios são tão poucos porque abandonaram seus costumes...[mas] há aqueles que tentam manter os seus costumes, como os Ianomâmis”, ainda, “os índios eram descendentes dos primitivos tupiniquins”, “os índios tinham índole pacífica”, os Crixá eram “considerados fero213

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zes”, “o povo Tupinambá possuía uma cultura muito rica”, “só os que vivem bem afastados dos centros urbanos ainda conservam língua, hábitos e costumes dos seus antepassados”, “restam poucos indígenas em Santa Catarina, assim como em todo o Brasil”. Há, por fim, textos que lamentam a destruição de suas “tradições seculares”, a falta de preocupação com as “características culturais dos nativos”, afirmando que os indígenas estão cada vez mais “aculturados, distanciando-se de suas antigas tradições culturais”.

Um olhar sobre as fontes da narrativa didática Inovações e permanências: de onde vêm tais informações? Isso, também, buscamos verificar. As fontes sobre a experiência indígena estão dispostas em gêneros e suportes diversos. Domina, entretanto, o suporte papel e o formato livro. São residuais os meios eletrônicos/virtuais tais como: CD-ROM e internet. Os gêneros mais empregados são: cartas, relatos de viagem e crônicas coloniais (15%), livros didáticos/ paradidáticos (11%), artigos de jornal (7%), tese, dissertação e relatório de pesquisa acadêmica (4%), transcrição de depoimento oral (3%), e outros (provavelmente, literatura didática, livros de História regional/estadual e coletâneas sobre História indígena e bandeirantismo), 14%; sobram os elementos ainda não identificados, que totalizam 46%. O texto imagético (fotografia e pintura, sobretudo) é fartamente empregado, mas a função de fonte histórica é residual. Ele é usado, predominantemente, com funções estéticas ou de facilitação redundante. 214

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Sobre os autores, algumas surpresas: a presença disparada de Daniel Munduruku, autor indígena de vários títulos de paradidáticos (citado em 12 das 27 obras) e as modestas referências ao clássico A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus, organizado por Aracy Lopes da Silva e Luís Donisete Benzi Grupione (apenas três obras o citam). Entre as coletâneas de História indígena a mais citada é História dos povos indígenas, 500 anos de luta no Brasil, de Eunice D. de Paula, Luiz G. de Paula e Elizabeth Amarante (8 citações) e dos cronistas, Pero Vaz de Caminha (também com 8 citações). Quanto ao uso dessas fontes, pode-se afirmar que a experiência indígena colonial é construída a partir das cartas e crônicas fundadoras e a contemporânea por meio dos artigos de jornal diário. A pesquisa de ponta, divulgada em anais de eventos e revistas acadêmicas, é raramente utilizada. As instituições abonadas, por sua vez, são as organizações governamentais (como as secretarias de Educação, Ciência e Tecnologia) estaduais (São Paulo, Santa Catarina e Pará) e não governamentais (Conselho Indigenista Missionário - CIMI, Instituto Socioambiental ISA, Associação Missão Tremembé). Nota-se, portanto, ínfima frequência das instituições coordenadas por indígenas e a ausência (com designação direta) das instituições públicas de pesquisa. A área do conhecimento privilegiada pelos autores é a História, seguida da Antropologia. Arqueologia, Linguística e Sociologia são residuais. Observando, por fim, idade média das publicações, verificamos que as fontes são relativamente recentes. A maior frequência é de testemunhos publicados na déca215

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da de 1990 (44%), seguidos da década de 1980 (20%), década de 2000 (11%), e anteriores à década de 1980 (4%). Não foi possível identificar a data de 36 fontes (20%).

4. Sociedades indígenas nos livros didáticos de História regional: a produção do outro por intermédio da imagem visual É comum entre os historiadores a ideia de que as imagens visuais2 são fontes históricas, ou melhor, são evidências do que realmente aconteceu. Peter Burke (2002 a; 2004b), por exemplo, refere-se a tal função. Mas, seguindo os passos da crítica histórica e a ideia de que a escrita da História limita-se a representar o acontecido, o próprio Burke questiona: evidência de quê? Claro que

Utilizamos o conceito de “imagem visual” com o sentido anunciado por Cristina Costa (2005): “expressões da nossa subjetividade”, ou seja, imagens “produzidas por nós com o intuito de nos comunicarmos com os outros, expondo, pelo menos em parte, esse mundo subjetivo e imagético que trazemos dentro de nós e que nos distingue como sujeitos. [...] As imagens [visuais] podem ser divididas em duas categorias [...] A primeira diz respeito às imagens produzidas a partir do uso de técnicas manuais ou gestuais e instrumentos que apenas facilitam ou potencializam a expressão do autor, tais como o pincel, o buril, a sapatilha de ballet, o lápis, os instrumentos de percussão. Podemos chamá-las de imagens tradicionais, pois utilizam linguagens tão antigas quanto a cultura humana. Pintura, desenho, escultura são parte desse grupo. A segunda categoria reúne as chamadas imagens técnicas, realizadas principalmente com o uso de equipamentos que interferem de forma significativa no seu processo de produção. Nesse grupo se encontram a fotografia, o cinema e as imagens digitais.” Ainda segundo a autora citada, “imagem visual” está em oposição à “imagem/visão” (percepção sensorial da realidade) e “imagem/pensamento” (Costa, 2005, pp. 29-29). 2

216

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não é evidência do que realmente aconteceu. A imagem visual é uma representação (do real) produzida por um sujeito interessado. Ela testemunha os encontros havidos entre os homens e a reação produzida por um desses atores (geralmente, os dominadores) sobre o outro. Esse Outro produzido por determinada cultura, grupo ou gênero, por sua vez, é evidência invertida do Eu de quem produz a referida representação. (Cf. Burke, 2004b, p. 273). Isso nos estimula a questionar acerca das funções das imagens visuais veiculadas pelos LDR: seriam, neste caso, testemunhas do ocorrido? As imagens visuais ultrapassariam a ideia de iconografia como fonte histórica? Que outras funções foram requisitadas? Quais as variedades postas em uso pelos editores, quais os seus suportes? Há tipos canônicos? Outras questões importantes têm relação com a ideia de representação: que sujeitos são construídos através das imagens disponibilizadas nos LDR? Qual o estereótipo dominante, já que a construção do outro, seja idealizada, seja naturalista, é mediada pela vontade de quem a determina? São estereótipos positivos ou negativos? Quais as teses que veiculam?

O espaço ocupado no projeto iconográfico O primeiro indicador explorado para o exame das imagens visuais é o espaço ocupado em relação ao total de imagens empregadas nos LDR. Em termos de unidade de análise, consideramos sete tipos: diagrama, gráfico, tabela, mapa, reprodução fotográfica, gravura, ilustração, desenho, pintura e recorte. Como podemos acompanhar pela 217

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

tabela número 4, pinturas, fotografias e desenhos predominam entre as imagens sobre indígenas. Gráficos, tabelas, montagens e ilustrações são recursos raramente utilizados para representá-los. Sem distinção tipológica, cerca de 80% dessas imagens apresentam cromia colorida. Tabela n. 4 – Tipologia das imagens visuais que veiculam temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Tipo Pintura Fotografia Desenho Mapa Ilustração Tabela Reprodução Montagem Gráfico Total

Número de Imagens Absoluto Relativo 160 157 130 053 017 010 001 001 001 530

30% 30% 25% 09% 03% 02% 00% 00% 00% 100%

Esses números também indicam incorporação de recursos tecnológicos sofisticados na produção da imagem. Mas informam que a grande maioria das representações imagéticas sobre indígenas ainda são os trabalhos de pintores, desenhistas, gravadores produzidos nos períodos da colônia e da monarquia e, ainda, que no esforço realista de retratá-los predomina o universo das imagens. Em termos de espaço ocupado, observamos que do total de 4.961 imagens inventariadas nos 27 títulos de LDR cerca de 530 veiculam imagens indígenas (indivíduos, gru218

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pos e artefatos relativos às culturas indígenas). Esse número representa uma participação de 10,6% no conjunto iconográfico. A exemplo da proporção de unidades de leitura dedicadas às temáticas indígenas, não se deve tomar por insignificante esse resultado. No entanto, analisados título a título, essa participação parece muito irregular, também a exemplo dos números constatados na análise do texto escrito, como se pode observar na Tabela n. 5. Há títulos que reservam 1% e 2%, enquanto outros reservam 18% e até 20% das imagens para temáticas indígenas. A frequência mais alta, diferentemente das representações nos textos escritos, portanto, está no terceiro intervalo, de 11% a 15%, registrada em quase 50% do total de títulos. Tabela n. 5 – Categorização das temáticas indígenas veiculadas pelas imagens visuais dos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Imagens sobre indígenas 01% a 06% a 11% a 16% a TOTAL

05% 10% 15% 20%

Número de Títulos Absoluto Relativo* 04 05 13 05 27

15% 19% 48% 19% 100%

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Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

Referências temporais e periodização clássica O segundo indicador afere a localização temporal das mensagens iconográficas, ou seja, informa sobre a frequência das imagens em relação à periodização quadripartite da História do Brasil. Os resultados apontam que 23% não fornecem referências temporais. São, principalmente, os desenhos (72) com funções motivadora e facilitadora, tabelas com função informativa (onomásticas), fotografias de artefatos (cestos, brinquedos, cerâmicas, pontas de lança). Raras são as fotografias de indígenas sem referência temporal. Das que permitem a localização no tempo, rivalizamse no emprego as imagens datáveis no período colonial (32,%) e no republicano (30,8%), demonstrando um importante avanço neste tipo de representação. Imagens ligadas à experiência monárquica totalizam apenas 13,5% enquanto que as relacionadas aos tempos anteriores à colônia, como já anunciamos, são residuais, não alcançando 1%.

O que as imagens contam O terceiro indicador está relacionado à leitura iconográfica, ou seja, à leitura possível da imagem, com os elementos possíveis de percepção que possibilitam a produção de sentido imediato por parte do leitor. Por ela foi possível elencar as temáticas e agrupá-las em 31 categorias. Para viabilizar a comparação com as temáticas veiculadas por meio do texto escrito, agrupamos esses concei220

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

tos em 9 classes, das quais a mais numerosa corresponde aos modos de vida (46,5%): aculturação, antropofagia, arte, brincadeiras, cosmogonia, culinária, dança, educação, festas rituais, funerais, guerra, habitação, miscigenação, religiosidade, trabalho, vida ao natural e vida em família. Dentro dessa nova categoria, ficou patente que a informação sobre o trabalho indígena (65 imagens) foi a mais recorrente (1/3 do total da categoria modos de vida). Nos LDR, o trabalho é apresentado em suas diferentes modalidades: atividade agrícola nas roças (milho, algodão), o beneficiamento do arroz e da mandioca (farinha), caça, pesca, fabricação e/ou venda de arte utilitária (palha, cerâmica), o trabalho junto aos não índios (reconstruindo engenho, trabalhando no engenho, auxiliando bandeirantes, e transportando mulheres não indígenas). A função mais empregada, entretanto, esteve relacionada ao corte e transporte de toras de pau-brasil, com 1/3 das imagens sobre o trabalho. Tiveram frequência alta, também na categoria modos de vida, as imagens que retratam arte indígena (pinturas corporais, arte utilitária – cerâmica, cestos, trançados, brinquedos, armas e instrumentos musicais), a dança (embora, sem identificação da manifestação), vida em família, retratada, geralmente, ao redor do fogo, na rede, com a mãe banhando ou transportando o bebê, ou, ainda, pousando para uma fotografia produzida, supostamente, por não índio; a habitação, com relativa dominância do cenário de floresta, rio, clareira, mas também com imagens de casas de madeira e edificações na zona urbana, alimentação (beijus, aipins, caça), e educação, com 221

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional Tabela n. 6 – Categorização das temáticas indígenas veiculadas pelas imagens visuais dos livros didáticos de História regional do PNLD 2007 Categoria 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31.

222

Identificação Trabalho Encontro de culturas Arte Localização Dança Protagonismo Vida em família Habitação Alimentação Educação Escravismo Contribuição cultural Genocídio Brincadeira Guerra Demografia Festa ritual Etnocídio Cosmogonia Miscigenação Crime ambiental Aculturação Antropofagia Questões de saúde (denúncia) Questões de terra (denúncia) Diversidade Ingenuidade Funeral Vida ao natural Religiosidade Não identificado Total

Número de Imagens Absoluto Relativo* 88 65 57 54 41 30 28 19 18 13 11 08 06 06 05 05 04 04 03 03 03 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 26 530

16,6% 12,2% 10,7% 10,2% 7,7% 5,7% 5,2% 3,6% 3,4% 2,4% 2,1% 1,5% 1,1% 1,1% 0,9% 0,9% 0,7% 0,7% 0,6% 0,6% 0,6% 0,4% 0,4% 0,4% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 0,2% 4,9% 100,0%

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

hegemonia da figura dos jesuítas e de missões, em detrimento de apenas três imagens contemporâneas de alunos e/ou escolas indígenas. Por fim, ainda em modos de vida, mas de frequência muito baixa, são apresentadas imagens de indígenas guerreando, brincando, festejando. Chama a atenção (positivamente) a diminuta apresentação de temáticas como a antropofagia, miscigenação, aculturação e vida ao natural. A segunda categoria mais numerosa é a identificação dos indivíduos, grupos, sociedades indígenas. Das 88 imagens contabilizadas, apenas 2 efetuam essa identificação por meio de famílias, troncos ou ramos linguísticos. As demais repetem a estratégia dos pintores, viajantes e naturalistas da colônia e da monarquia, ou seja, informar o sujeito e a sua etnia - índio, índios, criança, crianças, menina, mulher, bugres, casal de índios, aldeia (Karajá, Guarani, Pataxó, Kaingang, Botocudos entre outros). Raros são os casos onde o referente é nomeado, como Ajatukã, Daniel Munduruku, Maria Bompeixe, e Cunhambebe. A terceira categoria de imagens representa os encontros havidos entre indígenas e não indígenas europeus. Aqui, novamente, dominam as cenas do desembarque dos portugueses em 1500, das trocas de presentes e da primeira missa. O restante das 57 imagens, pouco menos de 1/3, retrata encontros entre indígenas e missionários, náufragos e lavradores. A quarta categoria é a localização dos grupos e sociedades indígenas. São 41 imagens que representam 8% das 510 referidas. Aqui, majoritariamente, estão presentes os mapas cartográficos que identificam grupos étni223

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

cos na América, Brasil e nos estados, reproduzidos e/ou adaptados, sobretudo, de atlas históricos escolares. A quinta e a sexta categorias são minoritárias, mas dão um tom inovador à discussão das temáticas indígenas. O protagonismo (5,5%) é apresentado em sua face de organização política (protestando no Congresso Nacional, na praia, na TV), principalmente nas ultimas três décadas do século XX; nas práticas de guerrilha (aprisionando indígenas, atacando não indígenas, atacando fortificações). O protagonismo também está na apresentação de estátuas erigidas a personalidades indígenas destacadas. Outra categoria, que pode ser considerada recente nos livros didáticos, é a ação de denúncia (4,1%) a três tipos de opressão vivenciados pelas sociedades indígenas em duração secular: o escravismo, o genocídio e o etnocídio. De maneira residual, também são denunciados os crimes ambientais praticados por não indígenas, a precariedade da saúde de alguns indivíduos e as questões vinculadas à demarcação dos territórios indígenas. Outras categorias indiciárias de inovação ou de permanência restrita de estereótipos aparecem também de forma residual. Da primeira destacamos a informação demográfica (8%), fundamental para desmontar a ideia de que os indígenas estão “em extinção”, e o conceito de diversidade (0,2%). Da segunda categoria, é importante destacar a diminuta presença da ideia de “contribuição cultural” ou “herança” indígena (em termos de imagens, lembremos), que está representada por modesto 1,2%.

224

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

A função das imagens Conhecidas as temáticas, é necessário então, por fim, saber um pouco sobre o uso que os autores sugerem (quarto e último indicador). A primeira constatação é animadora: cerca de 95% das imagens estão relacionadas aos textos escritos, sendo raro o flagrante de imagem descontextualizada. Cerca de 70% das imagens possuem legenda, outro fator positivo. O número de imagens não legendadas não é preocupante, pois recolhemos imagens estéticas e motivadoras que em muitos casos prescindem desse complemento (o ícone que abre uma sessão de atividades para o aluno é um exemplo). As legendas são majoritariamente explicativas (60%), enquanto que apenas 14% se limitam a descrever a imagem. Apesar de contextualizadas e legendadas, apenas 16% dessas imagens são utilizadas nas atividades destinadas aos alunos, notadamente, atividades de leitura e interpretação. Quanto à finalidade predominante da imagem, não obstante sugerirem mais de uma função cada uma delas, observamos que nos LDR a tarefa de facilitação redundante, ou seja, a repetição da mensagem do texto escrito com o objetivo de reforçar a informação é muito forte, alcançando, aproximadamente, 45% do total das 510 representações. Em seguida, constatamos a presença da função motivadora com 36% dos casos, onde se destacam as fotografias, os desenhos – reproduções de pinturas canônicas na História do Brasil, as representações de crianças indígenas sobre indígenas e de indígenas sobre os seus próprios modos de vida, ornando entrada de ca225

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

pítulos e seções ou estimulando a localização, leitura e o cumprimento das atividades por parte dos alunos. A função predominantemente informativa foi relacionada a 17% das imagens. São, sobretudo, mapas, tabelas e fotografias empregadas nas atividades de leitura e interpretação. As funções, predominantemente, explicativa e estética, foram, também, utilizadas, mas, não alcançaram, juntas, o quantitativo de 2%.

Imagens canônicas x imagens inovadoras Índios genéricos são uma tendência em queda nos textos escritos. Mas, ainda frequentam as legendas, mesmo que o protagonista esteja em posição destacada na cena, possibilitando a sua identificação, a exemplo de “Adulto Guarani-Kaiowá”, “Mulher indígena do povo Zó e dando banho em uma criança”, “Kaingang [em] Palmas [TO]”, “Kaingang [em] São Gerônimo”, “Kaingang [em] Rio das Cobras”, “Índios Xokleng”, “Índio vendendo artesanato”, “Indio Pataxó à porta de sua venda em Coroa Vermelha”, “Indígena no congresso Nacional em homenagem prestada pelos senadores ao Dia do Índio em 2000”, “Indígena filma passagem do trem pela ferrovia de Carajás, usada para transportar riquezas minerais extraídas da serra dos Carajás”. Outro dado preocupante: indígenas raramente são designados de forma individual/pessoal: “Maria Bompeixe”, “Daniel Munduruku” e Ajatukã. Por outro lado, são retratados como alunos (em escola indígena), em família, em protesto diante da polícia, dos congressistas, de área 226

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

de floresta devastada, filmando, bloqueando estradas, sendo atendidos por médicos da FUNAI, em estado de pobreza. Indígenas ainda são retratados jogando futebol e em festas rituais. As imagens canônicas, largamente utilizadas ao longo do século XX, permanecem nas páginas dos LDR no século XXI. No entanto, um grupo restrito de autores domina as escolhas dos editores. Das 360 imagens com autoria identificada, cerca de 15% (54 imagens) pertencem a apenas três autores: João Maurício Rugendas (6%) – “Botocudos, “Danças dos índios Puris”, “Guerrilhas”, “Aldeia de Tapuias”, “Caçada da onça”, “Canoa de índio”, “Família de índios do grupo Botocudo”, “Família de índios viajando”, “Índios em suas cabanas”, “Paisagem da selva tropical brasileira”, Jean-Baptiste Debret (5%) – “Soldados índios de Curitiba escoltando selvagens”, “Família de um chefe Camaçã preperando-se para uma festa”, “Indígenas Guaicuru encontrados na Província de Goiás”, “Tribo Guaicuru em busca de novas pastagens”, “Formas de habitação de índios”, e Oscar Pereira da Silva (4%) – “Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500” (a imagem mais frequente nos LDR) e “Fundação da cidade de São Paulo”. Outros autores, a maioria deles também responsáveis por imagens canônicas, são utilizados em frequência residual, totalizando 7% (ou 28 imagens): Theodor de Bray – “Festa tupinambá” (antropofagia), “Desembarque de Colombo”, “Dança de Selvagens da Missão de São José”, “Carga de cavalaria Guaicuru”, “Bugres”, “Armas e utensílios indígenas”, Franz Keller – “Rio Ivaí com vila indígena”, “Oca São Pedro de Alcantara”, “Coroada no 227

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

Aldeamento de São Pedro de Alcântara”, “Cacique Pahy dos Guaranis”, André Thevet – “Corte e embarque de paubrasil”, “Os índios Tupinanbá”, Ulrich Schmudl – “Os Carios”, Albert Eckhout – “Homem Tupinambá”, “Mulher Tupinambá” e “Dança dos Tapuia”, Salete Belli Mendes – “Menina Guarani do Morro dos Cavalos”, Benedito Calixto – “Fundação de São Vicente”, Victor Meireles – “A Primeira Missa”, Henrique Bernardelli – “Os Bandeirantes, J. H. Elliot (1893) – “Índios Caingangue ou Coroados em correria de caçada, Rafael Falco – “Os pioneiros”, Antonio Parreiras – “Translação da cidade do Rio de Janeiro” e “A morte de Estâcio de Sá”, Theodoro Braga – Anhanguera, Pedro Perez – “Elevação da Cruz”, Antonio Firmino Monteiro – “A Fundação do Rio de Janeiro”, Hércules Florence, Francis Castelnau – “Mulher Guaicuru com pintura facial e corporal”, Rodolfo Amoedo – “O Último Tamoio”, Demersay – “Corte e preparo do mate pelos índios Guarani”, Johan Froschavr [Cotidiano indígena],

Conclusões Finda a análise, é o momento de comparar os resultados das buscas com os textos escritos e os textos monográficos, anunciando os principais resultados da pesquisa. Em termos de espaço na narrativa, vimos que as temáticas indígenas ocupam 10% do total das unidades. Entre os livros tal ocupação é variada. Há títulos que reservam 2%. Outros chegam a 22%. A maioria (22 títulos) ocupa entre 6% a 20% dos capítulos e subcapítulos. Esses resultados apresentam simetria em relação aos 228

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

dados obtidos com o exame das imagens indígenas, que ocupam 10% do total de todas as imagens das 27 obras. Entre os livros, a exemplo do texto escrito, essa distribuição também é variada. Há títulos que reservam 1%. Outros chegam a 20%. A maioria (23) concede entre 6% e 20% do total de imagens de cada título. Além da simetria entre textos e imagens, esses números demonstram ser bastante significativo o espaço ocupado pelos indígenas nos LDR, haja vista a pluralidade de atores sociais em busca de legitimidade por meio da historiografia regional no Brasil (negros, imigrantes, mulheres). Acerca do lugar dos indígenas no processo histórico brasileiro, verificamos que sua experiência situa-se, majoritariamente, nos períodos colonial (47%) e republicano (26%). Autores tendem a tratar a experiência indígena referente aos períodos colonial e republicano na mesma unidade. Nas imagens, a distribuição é muito mais equilibrada: colônia (32%) e República (31%). Esses números apresentam certo distanciamento em relação ao que destaca a literatura específica, ou seja, a concentração da experiência indígena no período colonial. Aqui, notamos o esforço dos autores em trabalhar passado distante/presente recente, ainda que, em muitos casos, sob saltos abruptos. Mas o saldo é positivo. Indígenas são também personagens dos tempos republicanos. O século XIX, por outro lado, apresenta-se como um espaço em branco e silencioso para a História indígena. Sobre as categorias veiculadas, ou seja, sobre os conteúdos conceituais expressos pelos LDR, as diferenças entre imagens e textos escritos se ampliam. Esse distanciamento pode ser explicado, talvez, pelas próprias ca229

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

racterísticas dos suportes e gêneros que veiculam os conceitos. Texto escrito e imagem variam quanto às potencialidades de atrair o aluno, convencer, auxiliar na retenção das informações, entre outras. Assim, figuram nos textos escritos as denúncias sobre etnocídio, genocídio e questões de terra (22%), identificação (19%), modos de vida (14%), localização espacial (14%), demografia (8%), contribuição à cultura brasileira (8%), protagonismo (5%), trabalho escravo (5%), conflitos nos primeiros contatos (3%), diversidade e ingenuidade (1%). Nas imagens, são os modos de vida que predominam (46%), seguidos da identificação (17%), primeiros contatos/encontros (11%), localização espacial (8%), demografia (8%), protagonismo (5,5%), denúncias – genocídio, etnocídio, terra, meio ambiente (5%), contribuição à cultura brasileira (1%), e diversidade (0,2%). Além de indicar a crescente ampliação e a variação do significativo espaço dedicado à experiência indígena nos LDR, esta relação de conteúdos conceituais também explicita a manutenção de ambiguidades e contradições, já referidas pela literatura específica. Vimos que os textos e imagens incorporam inovações historiográficas no que diz respeito ao protagonismo, identidade e diversidade, trabalho e educação indígenas. Os textos informam sobre os avanços na legislação protetora dos interesses das sociedades indígenas e denunciam situações de opressão e de desrespeito aos seus direitos. Nas imagens, indígenas são apresentados como sujeitos ativos na busca e defesa dos seus direitos, são estudantes e operários, camponeses e citadinos. 230

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

Por outro lado, problemas como o desencontro de informações simples (como a estatística oficial sobre os indígenas no Brasil), a falta de designação dos sujeitos individuais/pessoais, a cultura indígena como legado e contribuição ao povo brasileiro, e os lamentos sobre a perda de identidade indígena (fundada em traços diferenciadores externos) ainda frequentam os LDR. A presença de equívocos conceituais, erros de informação e lugares comuns sobre a experiência indígena podem ser creditadas, em parte, às fontes empregadas na escrita da História didática. Vimos que a grande maioria é constituída por livros didáticos e paradidáticos, que a pesquisa de ponta não é utilizada como base. As formas de vida na colônia e no tempo presente, por exemplo, são narradas a partir do uso direto (e até acrítico), respectivamente, das crônicas coloniais e dos jornais de grande circulação diária. Ressaltamos, por fim, que a intenção deste trabalho não foi reavaliar os LDR. A ideia inicial foi a de estabelecer uma base referencial para acompanhar as mudanças na escrita didática em relação às novas exigências sobre a experiência indígena nos currículos, como também apresentar uma descrição das formas pelas quais a experiência indígena é enfocada nos 27 títulos de História regional. Em outras palavras, nossa intenção foi responder a uma questão bastante antiga: como se escreve a História (e, neste caso, a História indígena) para as crianças? Daí a apresentação da sintaxe dominante em termos de plano geral da obra e em termos de capítulo/ unidade. Isso não nos impede, entretanto, de ir além do mapeamento de erros e acertos dos LDR e indicar a negli231

Temáticas indígenas nos livros didáticos de História regional

gência dos autores de livros didáticos em relação à pesquisa de ponta, hoje facilmente acessível, diante das novas mídias. Isso também não redime a responsabilidade dos pesquisadores da área em traduzir, divulgar e elaborar materiais didáticos que conservem os avanços didatizáveis (ou relevantes para educação básica) da pesquisa de ponta.

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238

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

CONSIDERAÇÕES FINAIS 239

Considerações finais

O

projeto “História regional para a escolarização básica no Brasil: o livro didático em questão (2006/ 2009)” empreendeu a análise das 27 obras de História regional, avaliadas e distribuídas pelo PNLD-2007 com três objetivos: 1. dar a conhecer o gênero História regional, sobretudo aos historiadores e pedagogos; 2. contribuir para o aperfeiçoamento dos instrumentos de avaliação; e 3. contribuir para a melhoria da qualidade dos referidos livros, constituindo uma base referencial que possibilite, num futuro próximo, a identificação de tendências na produção, sob os aspectos gráficos, linguísticos, pedagógicos e historiográficos. Sobre a primeira meta, e após a apresentação dos resultados parciais, podemos concluir que livros didáticos de História regional veiculam escrita da História e guardam semelhanças e diferenças com os trabalhos de tese pro-

Considerações finais

duzidos nas instituições clássicas de pesquisa. Referimonos, sobretudo, aos institutos e às universidades. Entre as semelhanças, destacamos a função social (identidade e orientação), o objeto (a experiência dos homens no tempo) e o emprego dos procedimentos teóricometodológicos (questão, fontes, hipóteses, teorias, explicação e síntese). Entre as singularidades enfatizamos a obediência às plurais finalidades do ensino de História e aos critérios que presidem a seleção e construção dos seus conteúdos e o respeito às demandas de diferentes atores envolvidos na produção dos saberes escolares. Contribuindo com o aperfeiçoamento da avaliação, a pesquisa tentou demonstrar a necessidade e a viabilidade do aprofundamento dos estudos, sobretudo, nas áreas da Linguística e do Design, no sentido de ampliar os indicadores de qualidade da obra didática para as séries/anos iniciais. Destacamos a construção das duas matrizes orientadoras da análise (linguística e de projeto gráfico) que podem possibilitar a mensuração da eficácia dos recursos empregados pelos autores e editores no cumprimento dos objetivos educacionais exigidos pelas políticas públicas específicas para o ensino de História nas séries/anos iniciais. Destacamos também a ênfase no texto historiográfico como narrativa – a relação entre periodização e distribuição dos temas com a linearidade e a sequencialidade do LDR, e a necessidade de estudo em separado das atividades/exercícios. Ao encerrar esta exposição, temos clareza de que os produtores de livros didáticos devem avançar no que diz respeito ao diálogo com a pesquisa acadêmica de ponta, o que poderá proporcionar uma melhoria da qualidade dos 242

História Regional para a Escolarização Básica no Brasil

livros regionais. Aqui, destacamos sete elementos que devem ser repensados (alguns, até, extirpados) na escrita didática para a História regional: a reduzida distinção entre História e memória como conteúdo substantivo e mecanismo de produção de conhecimento; a ênfase na atividade individual dos alunos intitulada “interpretação de texto”; o uso restrito dos articuladores textuais sob a justificativa de construir uma linguagem simples para as crianças; a reduzida exploração do potencial oferecido pela organização dos aspectos visuais para a aprendizagem histórica; o papel acessório da História da América em relação à experiência brasileira; a ênfase da cultura indígena como “contribuição” à cultura brasileira e o lamento pela sua suposta “perda de identidade”, a partir de traços diferenciadores externos. É preciso, por fim, reafirmar que os LDR, como qualquer recurso/material didático, são apenas instrumentos e, como instrumentos, são submetidos ao planejamento do professor em sala de aula. Em outras palavras, é possível ministrar boa aula sobre História regional com um livro que apresenta informações equivocadas ou categorias em desuso. O professor pode estar habilitado para identificar tais incorreções e utilizá-las como ponte para a construção do conhecimento adequado às prescrições constitucionais do país. Nunca é demais lembrar, não existe livro perfeito. A obra ideal, sim. Mas, ela está na cabeça de cada mestre, sendo impossível reproduzí-la em papel e tinta, numa escala de milhões de exemplares.

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Este livro tem o formato 15 x 21, foram impressos 500 exemplares. A fonte usada no miolo é ITC Bookman Light corpo 11/14,7. O papel do miolo é pólen 80/m2 e o da capa é cartão supremo 250/m2.

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