HISTÓRIA URBANA DE SÃO PAULO: O USO DA IMPRENSA PERIÓDICA NOS ATUAIS ESTUDOS SOBRE CIDADE DE SÃO PAULO NA PRIMEIRA REPÚBLICA

June 8, 2017 | Autor: Flávio Coli | Categoria: Urban History, São Paulo (Brazil), Press
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”. FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CAMPUS DE FRANCA. GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA.

FLÁVIO APARECIDO COLI MARTINS

HISTÓRIA URBANA DE SÃO PAULO: O USO DA IMPRENSA PERIÓDICA NOS ATUAIS ESTUDOS SOBRE CIDADE DE SÃO PAULO NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Franca 2015 1

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”. FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CAMPUS DE FRANCA. GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA.

FLÁVIO APARECIDO COLI MARTINS

HISTÓRIA URBANA DE SÃO PAULO: O USO DA IMPRENSA PERIÓDICA NOS ATUAIS ESTUDOS SOBRE CIDADE DE SÃO PAULO NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Departamento de História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Campus de Franca, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Orientadora: Profa. Dra.Karina Anhezini de Araujo.

Franca 2015

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HISTÓRIA URBANA DE SÃO PAULO: O USO DA IMPRENSA PERIÓDICA NOS ATUAIS ESTUDOS SOBRE CIDADE DE SÃO PAULO NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Flávio Aparecido Coli Martins1

RESUMO: Este artigo tem como objetivo refletir sobre as conexões entre história, cidade e imprensa periódica, deste modo, limitamos nosso foco na utilização da imprensa periódica nos atuais estudos sobre a cidade de São Paulo no período da Primeira República. Entretanto, antes de abordar a proposta do artigo, discutiremos brevemente a trajetória das cidades na historiografia, assim como, a utilização da imprensa periódica em pesquisas históricas. Posteriormente, apresentaremos a nossa seleção documental realizada por uma triagem em teses e dissertação defendidas nos últimos 15 anos, na USP, UNESP Franca/Assis e UNICAMP, pautada nos seguintes critérios: serem defendidas em programas de PósGraduação em História, o termo São Paulo (cidade) estar em suas palavras-chave, ter abordado principalmente o período da Primeira República e utilizarem imprensa periódica. Subseqüentemente, apresentamos um quadro com as principais temáticas obtidas pela triagem e selecionamos os três temas mais recorrentes, a seguir, realizaremos uma leitura sistemática das pesquisas e apresentaremos como cada pesquisa utilizou os periódicos nos estudos sobre São Paulo, assim como, uma conclusão geral ao final de cada grupo. Por fim, apresentaremos nossas conclusões sobre o uso de periódicos na historiografia voltada para o estudo da cidade de São Paulo.

PALAVRAS-CHAVE: História; Cidade; Imprensa Periódica.

I. Apresentação

O presente artigo buscou, em um sentido mais amplo, refletir a respeito da cidade de São Paulo pensada historiograficamente, mais especificamente, sobre os atuais estudos que 1

Graduando do curso de História pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”(UNESP Franca.Email: [email protected]. Trabalho de Conclusão de Curso sob orientação da Profª.Drª. Karina Anhezini de Araujo.

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abordaram a cidade de São Paulo na Primeira República. Deste modo, para delimitarmos o nosso foco, realizamos uma demarcação mais centralizada para este artigo que visou ponderar sobre a utilização de periódicos, como objeto e/ou fonte, nesses estudos historiográficos. No subtítulo II. História e Cidade realizamos uma contextualização geral da relação entre historiografia e cidade, desde modo, expomos como a cidade foi pensada pela historiografia e como ela está sendo pensada nas últimas décadas. Posteriormente, no tópico III. História e Imprensa Periódica, realizamos uma breve explanação dos usos da imprensa periódica pela historiografia atual, assim como, a do passado, problematizando as mudanças ocorridas no campo historiográfico na década de 1970 para uma maior incorporação da imprensa periódica como fonte. Para que o nosso objetivo fosse alcançado, realizamos uma pesquisa em teses e dissertações, defendidas nos últimos quinze anos, em Programas de Pós-Graduação em História da Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas e Universidade Estadual Paulista, campus de Franca e de Assis, para constituirmos um corpus documental. Nós selecionamos os documentos pautados em três requisitos, a saber: todas serem produzidas em programas de pós-graduação em História, todas apresentarem como palavras-chave o termo São Paulo (cidade) e, por fim, todas terem abordado a cidade, majoritariamente, em nosso recorte temporal, que corresponde ao período da Primeira República. Deste modo, foram selecionadas vinte e oito teses e dissertações que atenderam aos três quesitos. Realizamos, posteriormente, outra triagem, pautada na verificação do tipo de fonte utilizada nessas pesquisas e selecionamos aquelas que tomaram os periódicos, como objeto e/ou fonte, da pesquisa, totalizando vinte e uma teses/dissertações. Os resultados da segunda seleção foram expostos em uma tabela de acordo com a temática de cada estudo, que se constituiu em um dos dados para compor a nossa reflexão. Posteriormente, com a utilização do referido quadro, selecionamos os três temas mais recorrentes, que foram a imprensa, a cultura popular e o teatro, sendo ao todo, compostos por três teses e seis dissertações. Esta questão foi abordada no subtítulo VI. Seleção Documental. Assim, iniciamos a leitura e a análise dos nove estudos, pautada em nossos questionamentos sobre a utilização dos periódicos em suas pesquisas. Resumidamente, expomos as pesquisas e a maneira como os periódicos foram utilizados e contribuíram nos estudos, questão que está no subtítulo V. Cidade e Periódicos. Por fim, no VI. Epílogo, com base na bibliografia utilizada na construção do artigo e nossas ponderações sobre os resultados obtidos, apresentamos as conclusões. 4

II. História e Cidade

Os estudos a respeito das cidades, tanto no passado como no presente, tem interessado diversos pesquisadores das mais variadas áreas. No século XIX, o fenômeno da expansão urbana ocorrido na Europa instigou diversos estudos sobre as cidades e os homens que nelas viveram. Dentre os muitos estudiosos destacados pela bibliografia como pioneiros e inspiradores podemos citar o historiador Fustel de Coulangese, no início do século XX, o sociólogo Max Weber que constituem em algumas referências básicas de testemunho e de estudos sobre a questão urbana. Os temas, as teorias e as abordagens das cidades na moderna historiografia variaram ao longo dos séculos XIX e XX. As historiadoras Marisa Carpintéro e Josianne Cerasoli sintetizam desta maneira os estudos da segunda metade do século XIX até os anos noventa do século XX: Inicialmente, as chamadas histórias de cidades, como narrativas evolutivas desde as origens; nas décadas de 1960 a 80, a história econômica e social, sobretudo de matriz teórica marxista, que apreende a cidade como lugar de engendramento das forças capitalistas e de tensões sociais e políticas; por fim, na década de 1990, a história cultural, que “veio proporcionar uma nova abordagens do fenômeno urbano (CARPINTÉRO; CERASOLI, 2009, p.88)

No que concerne aos estudos nacionais sobre as cidades, Ronald Raminelli e Maria Stella Bresciani apresentam ensaios fundamentais nos quais visam expor, sucintamente, um painel geral, tanto em âmbito nacional quanto no internacional. Em Historiografia brasileira em perspectiva, organizado por Marcos César de Freitas, há um capítulo denominado História e Historiografia das cidades, um percurso, escrito por Maria Stella Bresciani, no qual a autora apresenta uma possibilidade do historiador estudar a cidade. O seu foco recai sobre a materialidade urbana, ou seja, Bresciani, referência nacional nesta abordagem, demonstra um painel de estudos historiográficos para que o pesquisador possa lidar com a materialidade urbana como, por exemplo, as ruas, a arquitetura, os edifícios públicos ou privados, as moradias, o sanitarismo, entre outras possibilidades. Além do mais, a historiadora também auxilia ao expor referenciais teóricos para os estudos urbanos, como a filósofa francesa Françoise Choya, referência no estudo de projetos urbanísticos, ao associar o pensamento político com o urbanismo, descortinando a “neutralidade” dos projetos urbanísticos. Em suma, neste capítulo, Bresciani centraliza suas atenções em uma das possíveis abordagens dos historiadores urbanos, constituindo-se em uma forte referência para os estudos desenvolvidos nas últimas décadas. 5

Outro balanço geral da historiografia que pensa a cidade, mas, desta vez, não atento apenas à materialidade, está em Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia, organizada por Ronaldo Vainfas e Ciro Flamarion Cardoso, em que o historiador Ronald Raminelli,no ensaio intitulado História Urbana, apresenta alguns estudiosos das cidades, sendo assim, são abordadas as principais teorias e temáticas difundidas na historiografia. São demonstrados temas e abordagens recorrentes, como o estudo histórico do urbanismo e os efeitos da modernidade nas cidades e na vida urbana. Raminelli comenta autores que pensaram as cidades na América Latina, que são José Luis Romero, Angel Rama, Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda. De acordo com Raminelli, Romero defende que as cidades na América espanhola durante o período colonial tiveram um importante papel na administração e na defesa da colônia, além do mais, elas constituíram-se em local de contato cultural com a corte europeia. Rama é outra importante referência em pensar as cidades na América espanhola. De acordo com Raminelli, Rama considera que o papel das cidades adquiriu importância na dominação ao território hostil, deste modo, as cidades são consideradas como importante papel civilizador. Raminelli constrói um contrapondo à Rama e Romero ao apresentar importantes historiadores brasileiros que também pensaram sobre as cidades coloniais. Afirma que no início do século XX, os historiadores brasileiros eram muito influenciados por olhares econômicos, sendo refletido em seus trabalhos. Cita Capistrano de Abreu que considera as cidades como lugares administrativos, sendo um ponto de conexão entre a colônia e a metrópole; em uma visão não muito diferente, Raminelli afirma que Sérgio Buarque de Holanda também relegava às cidades um papel secundário na sociedade. O autor afirma que os estudos atuais apresentaram uma ampliação documental, assim como, o foco dos estudos foi redimensionado e voltou-se para as relações sociais no espaço das cidades, constituindo-se em um novo olhar. O autor cita David Herlihy que afirma haver três núcleos de estudos da/na cidade: funções das cidades e seu vínculo com o processo de urbanização, mudanças que o espaço urbano gerou em seus habitantes e as transformações no espaço na cidade, seja na natureza ou na própria cidade. Por fim, ele critica os estudos a respeito das cidades brasileiras pensadas a partir de uma realidade europeia, assim como, os estudos que repetem os trabalhos de Walter Benjamin. Em um artigo publicado no ano 2009, Marisa Varanda Teixeira Carpintéro e Josianne Francia Cerasoli mapeiam os olhares sobre o passado das cidades brasileiras do ponto de vista dos urbanistas e dos historiadores, em que, visam um melhor diálogo entre ambos. Questões 6

significativas para o nosso estudo foram alçadas neste artigo de Carpintéro e Cerasoli, desta forma, consideramos importante trazermos alguns dados levantados pelas historiadoras para auxiliar-nos em nosso objetivo. Para levantar a questão dos estudos sobre história e cidade, as historiadoras realizam uma pesquisa em dossiês da Revista Brasileira de História dedicada à cidade ou aos temas urbanos, deste modo, foram encontradas publicações dos anos de 1984/85, 2003 e 2007. De maneira sucinta, as historiadoras realçam a grande ênfase dos historiadores ao olharem a cidade de um ponto de vista cultural, ligada a sensibilidade do homem com a cidade. Ponto criticado pelas autoras, já que, ao limitarem uma análise apenas à sensibilidade, abordam a cidade de maneira muito subjetiva; entretanto, não nega que a cidade é um fato cultural, deste modo, a sensibilidade deve fazer parte de uma abordagem que incorpore outros fatores, como o político. Seguindo o estudo, ao pesquisarem grupos de estudos gerenciados e financiados pelo Diretório de Grupos de Pesquisa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, que tenham o termo urbano ou cidade como palavras-chave de seus estudos, as autoras encontraram, em cursos de História, mais de 80 grupos, com várias temáticas, mas destacamos os que as autoras enfatizam que são os grupos de estudos com as seguintes temáticas: gênero, memória e cultura (deste último, principalmente os ligados à história cultural). Por fim, outra pesquisa que as autoras realizaram constituiu na análise de Áreas de Concentração e Linhas de Pesquisa de Programas de Pós-Graduação em História geridos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior– Capes. As autoras destacam que metade dos programas considera a cidade como tema para a história social, sendo que, 1/5 dos Programas definiram a cultura como área de concentração. Como conclusão, advertem que os historiadores, em sua maioria, abordam a cidade de maneira indireta, ou seja, elas ressaltam que a cidade aparece principalmente como um limitador de fontes, como um cenário ou como um panorama.Carpintéro e Cerasoli apontam que, nas últimas décadas, “a história apreende a cidade como cenário, panorama, ou depositária de uma trajetória histórica” (2009, p. 97). Além do mais, as mesmas historiadoras também nos apontaram que desde os anos 80 do século XX a relação entre cidade e a cultura ganhou um grande peso para a historiografia brasileira. A seguir, para compor o trinômio que compõe o eixo de nosso artigo – história, cidade e imprensa periódica – abordaremos a trajetória da utilização dos periódicos na historiografia.

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III. História e Imprensa Periódica

A imprensa periódica é bastante ampla, nela se encontram, entre outros exemplos, os jornais, as revistas e os almanaques, além do mais, os periódicos também são diversificados em relação ao seu conteúdo, são encontrados, por exemplo, periódicos de caráter político, literário e científico, deste modo, a “imprensa registra, comenta e participa da história” (CAPELATO,1988,p.13). Ela constitui-se em uma rica fonte para os historiadores, entretanto, o seu espaço na historiografia é relativamente recente, ou seja, por muito tempo foi considerado de forma suspeita e só ganhou espaço significativo no campo historiográfico nas últimas décadas do século passado. Questão de extrema pertinência, que constitui o elemento central desde tópico e que desdobraremos melhor. De acordo com a historiadora Tania de Luca, até os anos de 1970 eram poucos os historiadores que consideravam os periódicos como documentos, mesmo que já houvesse história da imprensa, um trabalho historiográfico por meio dela não era usual. Deste modo, muito em decorrência de uma tradição historiográfica do século XIX, havia uma hierarquia documental para os historiadores e os periódicos não ocupavam uma posição central nesta ordem. A historiadora afirma que os Annales da década de 1930 não reconheceram os periódicos como documento, sendo que, apenas na terceira geração eles passaram a ser considerados como tal. Diversas mudanças ocorridas no campo historiográfico colaboraram para a incorporação dos periódicos. Sendo assim, de acordo com De Luca, a Nova História com os seus “novos objetos, novos problemas e novas abordagens” consistiu em um importante peso para esta inclusão, em especial, às novas temáticas, ao incluir uma vasta gama de temas, entre outros possíveis exemplos, citamos o corpo, as festas e os aspectos cotidianos. Outros aspectos, até mesmo mais profundos, também fizeram parte da mudança de posicionamento dos historiadores sobre a utilização dos periódicos, em que consistiram na passagem de análises macroeconômicas para uma análise cultural da história, assim como, a fragmentação da disciplina, o enfraquecimento de uma história total e a atenção de olhares historiográficos para os episódios e para as diferenças. Deste modo, a noção de documento e suas críticas foram alteradas. Além do mais, outros fatores também tiveram a sua contribuição. Podemos destacara renovação do marxismo, com um olhar cultural para grupos e camadas sociais até então periféricos, assim como, o Giro Linguístico que impôs novas maneiras de abordagem documental salientando que os termos utilizados e os seus silêncios revelam mais dos 8

documentos do que aquilo que dizem diretamente. As visões negativas sobre os periódicos, como a subjetividade e a parcialidade, passaram a ser enfrentadas pelos historiadores e, consequentemente, foram incorporadas pela disciplina para atender aos novos olhares historiográficos. Na década de 70, do século passado, a imprensa, assim, juntamente com a história da imprensa, a história por meio dela e aquela que a considera como objeto de pesquisa histórica ganharam espaço na produção dos historiadores, assim como afirma Tania de Luca. Seminais estudos podem ser citados na historiografia brasileira. Pesquisas como a de Nelson Werneck Sodré em História da Imprensa no Brasil, publicado em 1966, período anterior ao fortalecimento da imprensa na historiografia, em que o historiador realiza uma pesquisa de longa análise temporal da imprensa no Brasil, fortemente pautada na teoria marxista. Outro importante trabalho, especialmente, porque relaciona imprensa e história da cidade, recorte proposto neste artigo, consiste na tese de doutoramento, defendida no início dos anos de 1990, de Heloísa Cruz intitulada São Paulo em Papel e Tinta: periodismo e vida urbana -1890-1915, em que a historiadora pesquisou as relações entre cultura letrada, o periodismo e a vida urbana na São Paulo entre séculos, que corresponde ao período de formação da metrópole paulista. Em seu estudo, Cruz explorou o crescimento e expansão do periodismo na urbe durante os fins do século XIX e início do XX, desde modo, ao pesquisar a própria imprensa periódica, a historiadora evidenciou uma vasta gama de periódicos que acompanharam o momento histórico da urbe.“O próprio movimento de expansão da imprensa periódica, o seu fazer-se, mostrava-se como faceta cultural mais importante do processo de formação/transformação da vida urbana” (CRUZ, 2000, p. 20) Nos dois subtítulos anteriores, buscamos apresentar o campo de estudos para o qual delimitamos nosso trabalho, deste modo, expusemos a urbe pensada historiograficamente e um documento, a imprensa, que, aproximadamente, nos últimos cinquenta anos ganhou importante relevância dentro da História. Em seguida, centralizamos o recorte proposto neste artigo, apresentaremos a nossa pesquisa por meio da seleção documental realizada, assim como, posteriormente, a nossa leitura sobre os documentos.

IV. Seleção Documental

Este artigo partiu de um questionamento: quais seriam as atuais visões historiográficas 9

sobre a cidade de São Paulo na Primeira República2? Para responder a esse questionamento foram realizados levantamentos nos bancos de teses e dissertações defendidas nas universidades estaduais paulistas (USP, UNESP-Franca/Assis e UNICAMP) nos últimos quinze anos. Dessa forma, cabe explicitar de forma clara que o principal objetivo dessa busca é compreender os atuais olhares historiográficos acerca da cidade de São Paulo na Primeira República. Os critérios utilizados para esta primeira seleção consistiram em selecionar

os

trabalhos que apresentaram como palavra-chave o termo São Paulo (cidade) no período da Primeira República. Sobre este último ponto, cabe destacar que cada tese ou dissertação selecionada possui um recorte temporal de acordo com os seus critérios, ou seja, uma parcela dos estudos encontrados ultrapassou o nosso recorte temporal, que corresponde ao período da Primeira República, desta forma, foram selecionados apenas os estudos que tenham concentrado as suas atenções em nossa demarcação temporal. Como resultado, foram selecionadas 28 teses e dissertações defendidas nos últimos 15 anos em universidades estaduais paulistas (USP, UNESP-Franca/Assis e UNICAMP) a respeito da cidade de São Paulo no período da Primeira República. A partir desse primeiro resultado, pudemos refinar a busca e fazer uma nova triagem selecionando dentre os 28 trabalhos aqueles que utilizaram a imprensa periódica como fonte. Dessa forma, chegamos ao total de 21 teses e dissertações, ou seja, 75% do total anterior. Para uma visada geral do material, considerando que cada pesquisa abordou mais de um tema, de acordo com as palavras-chave e os resumos, tabelamos as seguintes temáticas das atuais visões historiográficas que se serviram de periódicos como fontes: TEMAS Anarquismo Animais Charge Cultura popular Futebol Gênero Gestão e economia Identidade Igreja

QUANTIDADE DE TRABALHOS I I I IIII I II I I I

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Cabe destacar que pretendo, após a conclusão da Graduação em História, continuar meus estudos voltando-me para uma pesquisa a respeito da cidade de São Paulo na Primeira República tendo os jornais e revistas como principais fontes. Portanto, desenvolvi esse artigo como primeiro exercício para conhecer a bibliografia e as perspectivas historiográficas que fundamentarão os recortes dessa futura pesquisa.

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Imigração Imprensa Indústria cerâmica Indústria cinematográfica Modernismo Movimento sindical Música Polícia Práticas de leitura Representação visual Saúde Pública Teatro Urbanização

I III I I I I II I I I I IIII I

Quadro 1:Quadro das temáticas privilegiadas nas 21 teses e dissertações selecionadas

Como se pode observar, as temáticas mostraram-se bastante variadas. Encontramos, por um lado, temas singulares, como a tese sobre a história dos animais na São Paulo entre séculos e a dissertação sobre a indústria da cerâmica; por outro lado, encontramos temáticas mais recorrentes nas últimas décadas, como a saúde pública e a imigração. A segunda triagem temática, pautada na seleção por viés da utilização de periódicos como fontes, fez com que algumas temáticas fossem abandonadas (um estudo sobre empreendedorismo e outro sobre o comércio popular), entretanto, o que mais fez com que o número de teses e dissertações passasse de 28 para 21 foi o fato de alguns temas perderem espaço, como, por exemplo, os estudos sobre imigração, com três abordagens na primeira seleção e que passou para apenas uma na segunda seleção. Desta maneira, os temas mais recorrentes na primeira seleção, gênero, polícia, imigração, perderam lugar para os três temas mais assíduos na seleção por fontes, que corresponderam à própria imprensa, o teatro e a cultura popular, que permaneceu, assim como se observam na tabela anteriormente apresentada. Desta forma, indagamo-nos, de que maneira a utilização dos periódicos direcionou os objetivos das pesquisas? Os periódicos foram utilizados como objeto ou fonte? Quais foram os tipos de periódicos utilizados? Desta maneira, abordaremos as temáticas das teses e dissertações mais recorrentes para refletirmos sobre o uso de periódicos nas atuais leituras historiográficas da cidade de São Paulo na Primeira República produzidas nos últimos 15 anos.

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V. Cidade e Periódicos

A utilização dos periódicos se mostrou bastante diversificada. Do mesmo modo, a importância dos periódicos nos estudos não foram iguais, já que, para alguns se constituiu em objeto, em outros se tornou a principal fonte e, para outros, assumiu um caráter meramente complementar. Para não estendermos muito o artigo, optamos por analisar as pesquisas em conjuntos, divididos nos três temas mais recorrentes, deste modo, sintetizamos cada pesquisa e demonstramos como cada uma utilizou os periódicos e, posteriormente, ao fim de cada conjunto, propomos pensar a utilização dos periódicos nas teses e dissertações dentro do seu grupo. Começaremos com a temática da imprensa, em que foram selecionadas as dissertações: Vida Paulista (1903-1905): semanário ilustrado de humorismo, crítica e arte, de Pablo Braúlio de Souza, Intelectualidade e Imprensa Negra Paulista: os casos do Getulino e Progresso (1923-1931), de Leandro Antonio Guirro e, por fim, a tese Imprensa e Publicidade na São Paulo dos anos 20: quotidiano das mulheres pobres, de Xenia Miranda Salvetti. Na dissertação que analisou a revista Vida Paulista, Souza realizou uma pesquisa em história da imprensa, deste modo, como afirmou, procurou “reconstituir inteligibilidade” ao periódico. Sua pesquisa se baseou em construir um alicerce para futuros trabalhos que visem utilizar o periódico. O historiador ansiou conhecer a comercialização, a administração, os diretores, os colaboradores, as fontes dos recursos financeiros, os temas abordados na revista, sua estrutura, a materialidade, a sua iconografia, entre outros itens que compõem a formação da revista. Para constituir esta inteligibilidade, utilizou diversas fontes, entre elas, estão os jornais, as revistas, os almanaques, os álbuns e os anuários, confluindo a grande e pequena imprensa para adensar informações sobre o periódico. Ao estudar a imprensa negra, segundo trabalho de nossa seleção, Leandro Antonio Guirro almeja analisar os intelectuais ligados a dois periódicos, o Getulino e o Progresso, inseridos em seu contexto social, cultural, político e econômico, assim como, procura caracterizar a forma como os jornais abordavam a inserção e a representação social dos negros, já que, eles apresentam um forte teor doutrinário para com os leitores, desde modo, o seu conteúdo, os seus mantenedores e as suas abordagens e as intervenções para com os seus leitores também são almejados pela pesquisa. Os jornais constituíram sua documentação de periódicos, assim, seu estudo confluiu a pequena e a grande imprensa para adquirir informações complementares sobre periódicos estudados, já que, neste tipo de imprensa, é 12

difícil obter informações sobre os seus responsáveis como, por exemplo, informações sobre a vida dos diretores e colaboradores. A tese Imprensa e Publicidade na São Paulo dos anos 20: quotidiano das mulheres pobres, de Xenia Miranda Salvetti, se destacou dentro deste conjunto, em que, visou o estudo sobre o imaginário feminino divulgado pela imprensa e pela publicidade, já que, ambos são considerados pela autora como fortes meios para a construção e divulgação do imaginário da modernidade proposto por grupos dirigentes que, neste caso, centraliza o estudo na questão feminina. Salvetti almeja refletir sobre a inserção das mulheres pobres em meio ao espaço urbano de ressonância deste imaginário difundido por via da publicidade e da imprensa A historiadora utilizou registros de atendimento dos serviços de saúde para traçar o perfil das mulheres, assim como, de suas circulações no espaço urbano (entre outras características, citamos as idades, as profissões, os bairros onde moravam e as nacionalidades). Posteriormente, com os dados obtidos por sua pesquisa, observou que muitas moravam ou trabalhavam no centro da cidade ou em bairros próximos, assim, realizou uma pesquisa em busca de publicidades nos principais jornais da cidade a fim de obter uma cartografia dos serviços particulares, do comércio, das redações dos jornais, serviços de saúde, telefonia, enfim, visou um mapeamento dos serviços oferecidos no perímetro central de São Paulo, assim como, buscou saber onde essas mulheres pobres trabalhavam. Para auxiliar nesta busca das atividades das mulheres pobres, também utilizou Listas Telefônicas, setor de Indicador Profissional da Cidade de São Paulo e relatórios da Santa Casa de Misericórdia, desde modo, entre outras, encontrou serviços de parteiras, manicures, amas-de-leite, assim como, as suas localidades, seus funcionários e ajudantes. Em meio a toda esta documentação, em destaque para os periódicos, Salvetti cruzou informações para observar o perfil das mulheres pobres, onde trabalhavam, no que trabalhavam e onde moravam, tendo em vista saber da circulação delas no espaço da cidade. No conjunto da imprensa, a utilização dos periódicos assumiu um caráter de objeto e fonte, além disso, em relação aos demais conjuntos, foi utilizados uma interessante pluralidade de periódicos, em que foram abordados jornais, revistas, almanaques, álbuns ilustrados, anuários estatísticos e listas telefônicas. Ao pensarem os periódicos na cidade de São Paulo, os estudos se dividiram em duas vias, em que, as dissertações de Guirro e Souza abordaram uma das possíveis abordagens de periódicos, que se constituiu em uma visão mais geral de um periódico que, no caso, são os jornais, deste modo, não visaram setores específicos dos jornais, como na outra via deste grupo, que foi a tese de Salvetti, em que 13

buscou os anúncios e reportagens, principalmente. Dentro de um amplo contexto de expansão da imprensa periódica na passagem do século XIX e início do XX na capital paulista, ao possuir uma visão centralizada na imprensa, este grupo vislumbrou inserir sua análise nesta dinâmica, seja ela como plataforma de reivindicação por parte da imprensa negra, na formação de uma publicidade, presente também em jornais, que representava um ideal feminino, ou um estudo da própria imprensa imersa na expansão do periodismo. No grupo de estudos da cultura popular, foram analisados os seguintes estudos: as dissertações De modernistas a modernismo: estudo comparado entre Mário de Andrade e Bruno de Menezes (1923-1930), de Janifer Elaine dos Santos Foinquinos,“Cego é aquele que só vê a bola”. Futebol em São Paulo e a formação das principais equipes paulistanas: S.C. Corinthians Paulista, S.E. Palmeiras e São Paulo F.C. (1894-1942), de João Paulo França Streapco, Uma “colcha de retalhos” A música em cena em São Paulo entre final do século XIX e início do XX, de Denise Sella Fonseca, e a tese A cena paulistana: teatro musicado e canção popular na cidade de São Paulo (1914-1934), de Virgínia de Almeida Bessa. Em sua pesquisa, Foinquinos fez um estudo comparado entre dois Modernistas, o paulista Mário de Andrade e o paraense Bruno de Menezes, buscou comparar suas visões estéticas do Modernismo, suas ligações com as suas respectivas cidades, São Paulo e Belém, assim como, comparar os seus estudos sobre cultura popular. Dentro de todas as pesquisas selecionadas para esta parte do artigo, esta foi a que menos utilizou periódicos, fizeram parte apenas na busca de algumas colunas escritas pelos modernistas em jornais. João Paulo França Streapco, o segundo trabalho desse grupo, estudou o fenômeno da prática do futebol na capital paulista, entretanto, o seu estudo não se limita apenas ao futebol, ele cruzou relações políticas, econômicas, sociais e culturais que apresentam ligações com a formação da prática do futebol na cidade. Em meio às transformações que a metrópole sofria, confluíram as relações entre as elites e os subalternos, assim como, a criação de identidades e representações com cada clube. Neste estudo, foram utilizados jornais e revistas, que se constituíram na principal fonte da pesquisa, em que, são analisadas crônicas esportivas, detalhes da dinâmica de certos processos, como a criação de estádios e o início de uma profissionalização do futebol, debates acerca do esporte. São encontradas também entrevistas com pessoas ligadas aos times, depoimentos e informações sobre o comportamento dos torcedores. O trabalho de Denise Sella Fonseca faz parte de dois grupos, o do teatro e da cultura 14

popular, estudou os chamados “teatros de revistas”, nome dado às modalidades de teatros musicados, como Operetas, Zarzuelas e Vaudevilles. Sua pesquisa se debruçou na produção e difusão dos teatros musicados para compreender o ambiente da canção e da música popular na cidade, que estão relacionados com vários aspectos do teatro musicado, como afirma a historiadora. Foi utilizada uma farta documentação de revistas, jornais e almanaques, em que, a imprensa noticiava a expansão do entretenimento, correspondendo a uma importante documentação para acompanhar este fenômeno. Na imprensa, a autora encontrou críticas teatrais e musicais, anúncios de apresentações, relatos sobre o comportamento do público, temporadas, informações sobre os compositores. A cultura popular foi abordada de diversas formas nos quatro estudos selecionados, deste modo, foram analisadas a música popular, a formação de identidades e representação de times de futebol e os debates acerca da cultura popular por dois modernistas. Neste grupo, o que mais se destacou foi a maneira como a imprensa ajudou nos estudos sobre cultura popular, tema carente em fontes, principalmente nos estudos sobre música popular. Deste modo, com um maior destaque dado à grande imprensa, foram analisadas crônicas esportivas, entrevistas, anúncios e críticas musicais, entre outros, o que possibilitou um acréscimo para refletirem sobre o tema. Um importante exemplo do uso dos periódicos no estudo sobre cultura popular está nos estudos sobre canção popular, em que, a utilização de periódicos possibilitou um mapeamento urbano do circuito teatral, além de auxiliar em análises sobre as canções populares presentes nesses teatros musicados, raros em documentos. Deste modo, os jornais e as revistas apresentam informações sobre o conteúdo das canções, seus compositores, o comportamento do público, o regramento da imprensa para com o público, constituindo em análises. Em um amplo contexto, todos os estudos relacionam a cultura popular com a Modernidade, eles abordam as transformações sociais, culturais, econômicas e urbanas que a cidade passou durante o período, como a formação da moderna canção popular, a formação de times de futebol com as suas identidades, a profissionalização dos músicos. Em suma, há uma correlação entre as novas configurações da cidade e a cultura urbana. Os estudos sobre o teatro surpreenderam as nossas expectativas iniciais, pois, revelam um crescimento da vertente, que busca pensar as relações entre teatro e história, deste modo, das nove pesquisas selecionadas para esta seção do artigo, quatro abordaram direta ou indiretamente esta relação. Foram encontrados historiadores que pensaram sobre a produção teatral, ou seja, peças de teatro e o teatro musicado, mas também há uma tese que buscou 15

pensar materialmente o teatro, ou seja, abordou o Teatro Municipal de São Paulo e os seus significados sociais e culturais para o período. Neste conjunto, foram analisadas as seguintes teses, O Estandarte Glorioso da Cidade: Teatro Municipal de São Paulo (1911-1938), de Maria Elena Bernardes e A cena paulistana: teatro musicado e canção popular na cidade de São Paulo, de Virginia de Almeira Bessa, e a dissertações Caipiras no Palco: Teatro na São Paulo da Primeira República, de Cássio Santos Mello. Em sua tese de doutoramento, Maria Elena Bernardes estudou dois momentos distintos das funções sociais e culturais do Teatro Municipal de São Paulo, inaugurado em 1911. No primeiro momento, logo após a sua inauguração, há uma análise da utilização do Teatro Municipal como vitrine da elite paulistana, em que simbolizava a pujança econômica de São Paulo, com o café, as indústrias e a expansão urbana da cidade; no segundo momento abordou o redirecionamento que os modernistas visavam ao edifício, em que, nos anos vinte, intercalavam apresentações dos modernistas com as temporadas líricas, já nos anos trinta, redireciona o estudo para Mário de Andrade, que assumiu a diretoria do Departamento de Cultura do Município de São Paulo, ao lutar para redimensionar o significado elitista do Teatro Municipal, que não obteve êxito. Os periódicos constituíram-se na principal documentação, os jornais e as revistas ajudaram a recuperar as apresentações no Teatro, assim como, em acompanhar as críticas dos articulistas referentes ao público e às apresentações, deste modo, a documentação permitiu uma reflexão dos conflitos para alterar os papéis sociais e culturais do Teatro. Cássio Santos Mello abordou as contraditórias representações do caipira no teatro, que variou entre ingênuo e embromador, assim como, buscou compreender os significados do termo regionalista, no chamado teatro regionalista, em que ficou variante entre um caráter paulista ou nacional. Em um amplo contexto, de caracterização da identidade brasileira, por parte da elite intelectual, esta dissertação buscou analisar a figura do caipira dentro deste debate intelectual e a sua ressonância nesta produção teatral. As peças teatrais compuseram a sua principal documentação, já a utilização de periódicos tornou-se complementar à análise, deste modo, foram utilizados jornais e revistas para acompanhar os anúncios das apresentações, as críticas teatrais, informações sobre a vida dos autores teatrais e os debates acerca da identidade presente na Revista do Brasil e na Terra Roxa. O estudo que se destacou foi a tese de Virgínia de Almeida Bessa, com o título A Cena Paulistana: teatro musicado e a canção popular na cidade de São Paulo (1914-1934), presente tanto no grupo do teatro, como naquele descrito anteriormente, sobre a cultura 16

popular. Em seu estudo, Bessa perscrutou a relação entre teatro musicado e canção popular, por esta razão, entrou em dois dos nossos grupos, o de cultura popular e o do teatro. A pesquisa voltou-se para o papel do teatro musicado na divulgação e produção da moderna canção popular e na criação de identidade paulista, debatida durante o período, devido às constantes transformações que São Paulo sofria nas últimas décadas, e reanimada em momentos de crise política paulista, como nos anos de 1914 e o ano de 1934, deste modo, diversos compositores e artistas abordaram esta questão identitária em seus diferentes modos. Sendo assim, a historiadora utilizou os jornais para coletar diversas informações, como as trajetórias de artistas, o público (tanto em sua composição como em relação ao seu comportamento), alguns dados sobre as orquestras, o cenário das apresentações, entretanto, o que mais a diferenciou na utilização dos periódicos, foi o fato de utilizá-los para traçar uma vasta atividade do teatro musicado, ou seja, a partir de informações contidas em anúncios dos jornais da grande imprensa (sua principal fonte), mapeou a localidade das casas de entretenimento, os empresários por trás dos eventos, o número de apresentações, os gêneros de teatro exibidos, em suma, coletou diversas informações para traçar a sonoridade presente na geografia urbana, a fim de compreender o teatro musicado na cidade. Mesmo que houvesse um ofuscamento por parte do crivo dos cronistas, colunistas ou críticos paulistanos, ao descreverem de maneira muito sucinta algumas fendas puderam auxiliar neste quadro do teatro musicado, da canção popular e, mais especificamente, na identidade paulista contida nessas canções na São Paulo das décadas de 10, 20 e 30 do século XX. No grupo do teatro, assim como no da cultura popular, as pesquisas utilizaram principalmente os jornais e as revistas de maneira fragmentada, ou seja, seções específicas foram analisadas com maior acuidade, entre outras, citamos as críticas teatrais, as crônicas sociais e os anúncios, em que continham informações sobre os compositores, o conteúdo das peças e as companhias teatrais, entre outras informações. Como mencionamos anteriormente, este grupo pensou o teatro de três maneiras, ao estudar o teatro musicado, os textos teatrais e o teatro materialmente, conseqüentemente, o uso dos periódicos variou dependendo dos objetivos. Ao estudar o teatro musicado, raro de fontes diretas, o uso da imprensa periódica auxiliou com informações dos envolvidos e sobre as apresentações, como o conteúdo e a localidade. Ao pensar os textos teatrais, que no caso correspondem ao estudo sobre a figura do caipira, o uso de jornais e revistas auxiliou na principal documentação, que foram as próprias peças teatrais, com informações sobre as apresentações e os compositores, por exemplo. 17

Dentro das nove pesquisas selecionadas para esta etapa, apenas a tese de Maria Elena Bernardes abordou a cidade em seu aspecto material, mesmo que de maneira indireta, ao estudar a simbologia do Teatro Municipal para a elite paulistana e a tentativa de resignificação a partir dos anos vinte, com o grupo dos modernistas. O uso da imprensa periódica foi fundamental a partir dela foi possível reconstituir a programação de apresentações, o público presente e os debates acerca do Teatro.

VI. Epílogo

A relevância dos periódicos na historiografia contemporânea pode ser confirmada quando realizamos a segunda triagem para o levantamento de nosso corpus documental, pautada na utilização deste tipo de documentação. Assim, das 28 teses e dissertação pautadas nos três quesitos iniciais da primeira seleção, que foram a localidade, a temporalidade e a necessidade de serem defendidas em programas de Pós-Graduação em História, 75% delas permaneceram na segunda seleção. Questão considerável, já que, tendo em vista a trajetória dos periódicos na historiografia, hoje eles se mostram como um documento importante, em destaque nos estudos historiográficos que pensam o Brasil dos séculos XIX e XX. A vasta gama de intelectuais ligados a eles, a sua potencialidade comunicacional, assim como, a pluralidade dos conteúdos e das abordagens, constituem fatores atrativos. Os estudos selecionados para fazermos uma leitura minuciosa, abordaram a cidade principalmente como palco de uma dinâmica, em que, apenas a tese de Bernardes sobre o Teatro Municipal abordou a materialidade urbana. Aliás, outro ponto interessante é a cidade de São Paulo na Primeira República pensada, esmagadoramente em seu aspecto cultural e social, questão comprovada na tabela temática e nas nove pesquisas lidas. Nas pesquisas, a utilização da imprensa periódica cultural ou ligada às colunas culturais, como as críticas teatrais ou musicais, foram parte importante nesses olhares. Além do uso da imprensa para fins majoritariamente culturais, é importante destacar o quanto a imprensa ajudou a adentrar em terrenos difíceis, em razão da escassa documentação, como a cultura popular e a situação dos negros após a escravidão, limitado neste artigo na imprensa negra da Primeira República, constituindo em mais uma fonte auxiliar. Outra questão que merece destaque corresponde à utilização dos periódicos para o mapeamento que Salvetti e Bessa realizaram com os anúncios encontrados em jornais, sendo que Salvetti realizou o primeiro mapeamento de estabelecimentos comerciais, de serviços 18

particulares de saúde, telefonia e redações de jornais, na parte central da cidade, já Bessa fez uma cartografia das casas de show, onde e quais companhias faziam as suas apresentações, assim como, o que tocaram. Em suma, ambas evidenciaram, espacialmente, a configuração da cidade para atingir os seus objetivos, sendo um possível método para se pensar outros temas. A micro-análise cotidiana de processos mais amplos é uma grande vantagem da utilização de periódicos. Embora haja limitações nos periódicos, sua importância não pode ser negada. Assim como todas as outras fontes, os periódicos apresentam potencialidades e limitações, cabe ao historiador combiná-los. Este artigo buscou compreender como a cidade de São Paulo foi estudada por pesquisas que utilizaram os periódicos como fonte ou objeto. Os estudos encontraram nos anúncios, nas críticas teatrais e nas crônicas esportivas uma São Paulo em transformação: da pequena vila do século XIX ao início da formação da metrópole nas primeiras décadas do século XX.

Fontes consultadas:

BERNARDES, Maria Elena. O Estandarte Glorioso da Cidade: Teatro Municipal de São Paulo (1911-1938). 2004. 318 p. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, Campinas, 2004. BESSA, Virgínia de Almeida. A cena paulistana: teatro musicado e canção popular na cidade de São Paulo (1914-1934). 2012. 358 p. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. FOINQUINOS, Janifer Elaine dos Santos. De modernistas a modernismo: estudo comparado entre Mário de Andrade e Bruno de Menezes (1923-1930). 2014. 149 p. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. FONCESA, Denise Sella.Uma “colcha de retalhos” A música em cena em São Paulo entre final do século XIX e início do XX. 2014. 254 p. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. GUIRRO, Leandro Antonio.Intelectualidade e Imprensa Negra Paulista: os casos do Getulino e Progresso (1923-1931). 2013. 132 p. Dissertação (Mestrado em História). – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2013. MELLO, Cássio Santos. Caipiras no Palco: Teatro na São Paulo da Primeira República. 2007. 138 p. Dissertação (Mestrado em História). – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2007. 19

SALVETTI, Xenia Miranda. Imprensa e Publicidade na São Paulo dos anos 20: quotidiano das mulheres pobres. 2011. 368 p. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011 SOUZA, Pablo Braúlio de. Vida Paulista (1903-1905): semanário ilustrado de humorismo, crítica e arte. 2013. 318 p. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. STREAPCO, João Paulo França.“Cego é aquele que só vê a bola”. Futebol em São Paulo e a formação das principais equipes paulistanas: S.C. Corinthians Paulista, S.E. Palmeiras e São Paulo F.C. (1894-1942). 2010. 227 p. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. Referências bibliográficas:

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