Histórias da política autoritária: integralismos, nacional-sindicalismo, nazismo e fascismos. (2ª edição)

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HISTÓRIAS DA

POLÍTICA

AUTORITÁRIA INTEGRALISMOS, NACIONAL-SINDICALISMO, NAZISMO E FASCISMOS

Conselho Editorial da Série Mundo Contemporâneo Editor Leandro Pereira Gonçalves Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

Chanceler Dom Jaime Spengler Reitor Joaquim Clotet Vice-Reitor Evilázio Teixeira

Carlos Alberto Sampaio Barbosa Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Assis, Brasil

Charles Monteiro Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

Daniel Aarão Reis Filho Universidade Federal Fluminense, Brasil

Edgard Vidal Centre de recherche sur les arts et le langage, Ecole des hautes études en sciences sociales, França

Ernesto Bohoslavsky Universidad Nacional de General Sarmiento, Argentina

Francisco Carlos Teixeira da Silva Universidade Federal do Rio de Janeiro / Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Brasil

Luís Alberto Marques Alves Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal

CONSELHO EDITORIAL

Presidente Jorge Luis Nicolas Audy Diretor da EDIPUCRS Gilberto Keller de Andrade Editor-Chefe Jorge Campos da Costa Augusto Buchweitz Carlos Gerbase Carlos Graeff Teixeira Gleny Terezinha Guimarães Lauro Kopper Filho Leandro Pereira Gonçalves Luiz Eduardo Ourique Luis Humberto de Mello Villwock Vera Wannmacher Pereira

Série

Mundo Contemporâneo

G IS E L DA B RI T O SI LVA LE A NDRO PEREIR A GONÇ A LV ES M AU RÍCI O PA R A DA O RG A N I Z A D O R E S

HISTÓRIAS DA

POLÍTICA

AUTORITÁRIA INTEGRALISMOS, NACIONAL-SINDICALISMO, NAZISMO E FASCISMOS

porto alegre 2016

© EDIPUCRS 2016 CAPA Thiara Speth PROJETO GRÁFICO Thiara Speth DIAGRAMAÇÃO Edissa Waldow REVISÃO DE TEXTO Patrícia Aragão REVISÃO DE TEXTO EM ESPANHOL Autor REVISÃO DE TEXTO EM FRANCÊS Guillaume Pierre Leturcq IMPRESSÃO E ACABAMENTO Gráfica Epecê

Imagens fornecidas pelos autores. A primeira edição foi publicada pela Editora da UFRPE em 2010 (ISBN 85-7946-0197). Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – Brasil Fone/fax: (51) 3320 3711 E-mail: [email protected] Site: www.pucrs.br/edipucrs

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) H673 Histórias da política autoritária: integralismos, nacional-sindicalismo, nazismo e fascismos / organizadores Giselda Brito Silva, Leandro Pereira Gonçalves, Maurício Parada. – 2. ed. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2016. 641 p. - (Série Mundo Contemporâneo ; 4) ISBN 978-85-397-0878-9 1. Fascismo. 2. Integralismo. 3. Nazismo. 4. Brasil – Política e governo. 5. Portugal – Política e governo. I. Silva, Giselda Brito. II. Gonçalves, Leandro Pereira. III. Parada, Maurício. IV. Série. CDD 23 ed. 320.533 Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

SU MÁR IO

APRESENTAÇÃO .............................................................................9 René E. Gertz PREFÁCIO ...................................................................................... 15 João Fabio Bertonha

PARTE I NAZISMO, FASCISMO, NACIONAL-SINDICALISMO, SALAZARISMO E INTEGRALISMO LUSITANO

1. NAZISMO DO OIAPOQUE AO CHUÍ: A DISTRIBUIÇÃO DOS GRUPOS NAZISTAS NO BRASIL DOS ANOS 30 ............................................................ 21 Ana Maria Dietrich 2. PERSEGUIÇÃO, TRABALHO FORÇADO E EXTERMÍNIO DE CIGANOS DURANTE O NAZISMO, 1938-1945 ................................................................. 41 Ania Cavalcante 3. “CAOS E ORDEM”: ROLÃO PRETO, SALAZAR E O APELO CARISMÁTICO NO PORTUGAL AUTORITÁRIO ..................................................59 António Costa Pinto

4. RÉGIMES POLITIQUES ET DÉVELOPPEMENT ENTRE LES DEUX GUERRES: LES LIMITES DE LA SÉDUCTION EXERCÉE PAR LES MODÈLES FASCISTE ET NAZI (1920-1945) ...................................................83 Didier Musiedlak 5. NEOFASCISMO, UMA ABORDAGEM HISTÓRICA ............... 105 Fábio Chang de Almeida 6. O SEGUNDO INTEGRALISMO LUSITANO E O SALAZARISMO: ORIGENS, DECADÊNCIA E QUEDA ............................................................ 137 Fernando Martins 7. “POR DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA”: INTEGRALISMO, GERMANISMO E NACIONAL-SOCIALISMO NO ALMANAQUE DER HEIMATBOTE (1935;1937-1938) ......................................... 177 Imgart Grützmann 8. CORPORATIVISMO, NACIONALSINDICALISMO Y DEMOCRACIA EN EL PENSAMIENTO POLÍTICO DEL NACIONALISMO DE DERECHAS, ARGENTINA (1943-1966) ............................... 217 Juan Manuel Padrón 9. A PROPAGANDA NAZISTA EM PERNAMBUCO ...................247 Philonila Maria Nogueira Cordeiro

PARTE II INTEGRALISMO E ESTADO NOVO NO BRASIL

10. NA POLÍTICA E NA FÉ – ANAUÊ: O MOVIMENTO DE RESTAURAÇÃO CATÓLICA ENTRE OS INTELECTUAIS DA FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE (1930-1937) .......................................279 Carlos André Silva de Moura 11. REVISÃO EDITORA E O INTEGRALISMO: ANTISSEMITISMO COMO ESTRATÉGIA DE DISCURSO .............................................................................303 Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus 12. A LEGIÃO CEARENSE DO TRABALHO E A CLASSE TRABALHADORA CEARENSE DE 1930 .........................................................................................335 Emilia Carnevali da Silva 13. ARQUIVOS POLICIAIS E POLÍTICA AUTORITÁRIA: A FUNÇÃO POLÍTICA DOS ARQUIVOS POLICIAIS NA REPRESSÃO AOS INTEGRALISTAS ....................................359 Giselda Brito Silva 14. OS INTEGRALISTAS NO RIO DE JANEIRO: ORGANIZAÇÃO E ATUAÇÃO NO ESTADO NOVO .................385 Gustavo Felipe Miranda 15. MEMÓRIAS DA SEGUNDA GUERRA POR UM PRACINHA .................................................................. 409 Karl Schurster

16. LITERATURA E AUTORITARISMO: A BUSCA DA AUTENTICIDADE NACIONAL NOS ROMANCES DE PLÍNIO SALGADO ................................. 425 Leandro Pereira Gonçalves 17. O PENSAMENTO INTEGRALISTA NOS SÉCULOS XX E XXI: DO SIGMA AO SIGMA ..................467 Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro 18. TEMPO DE EXÍLIO: PLÍNIO SALGADO, RELIGIÃO E POLÍTICA .............................................................. 511 Maurício Parada 19. OS “BATINAS-VERDES” DA PROVÍNCIA INTEGRALISTA FLUMINENSE (1933-1937) ..............................525 Pedro Ernesto Fagundes 20. APONTAMENTOS PARA UMA HISTÓRIA DA AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA EM SÃO PAULO (1932-1938) ......................................................545 Renato Alencar Dotta 21. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A HISTORIOGRAFIA DO INTEGRALISMO NO PÓS-GUERRA E O CINQUENTENÁRIO DE PUBLICAÇÃO DA ENCICLOPÉDIA DO INTEGRALISMO ................................573 Rodrigo Christofoletti 22. O CRIME NA BARBEARIA: UM EX-INTEGRALISTA NO TRIBUNAL DE SEGURANÇA NACIONAL .......................... 611 Silvia Regina Ackermann

APR ESENTAÇÃO

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O convite para reler minha apresentação à primeira edição deste livro mostra o acerto das considerações feitas à época. O fato de estar esgotado indica que o livro teve boa receptividade, certamente pela consistência de seu conteúdo. Assim como não houve alterações na composição dos capítulos, e os autores apenas releram – e eventualmente procederam a alterações pontuais –, também eu vou apenas revisar aquilo que escrevi cerca de seis anos atrás. A apresentação de uma coletânea de textos, normalmente, pressupõe uma referência a cada um dos capítulos que a compõe e aos seus autores, na ordem em que aparecem no sumário. Isso não acontecerá aqui, e eu vou proceder de forma muito subjetiva, falando do impacto que determinados textos ou conjuntos de textos deste livro causaram sobre mim. Nesse sentido, inicio considerando de suma importância o capítulo que se refere ao massacre dos ciganos sob o nazismo. Não há dúvida de que, tanto do ponto de vista do número de vítimas quanto do pon-

Professor Titular do PPG/História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e professor associado (aposentado) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Ciência Política pela Freie Universität Berlin. 1

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to de vista das referências nazistas aos supostos maiores inimigos da Alemanha, os judeus ocuparam um lamentável primeiríssimo lugar, muito distanciado em relação a outros grupos. Mas, por outro lado, os historiadores não podem deixar de lembrar as perseguições a outros grupos, como aos inimigos políticos – em especial, social-democratas, democratas, “centristas” (católicos) –, aos inimigos sexuais (isto é, aos homossexuais), aos inimigos genéticos ou acidentados (a “vida que não merecia ser vivida”, representada por deficientes físicos e psíquicos), e a outras “etnias”, como aos ciganos. Se na Alemanha do pós-Guerra o assunto foi tematizado com alguma frequência, entre nós esse campo continua pouco explorado. Talvez o texto aqui apresentado leve algum historiador brasileiro a pesquisar sobre os ciganos no Brasil durante o primeiro governo Vargas, já que não é fácil encontrar referências da presença e do modo como eram encarados por aqui, num momento em que se discutia, de forma intensa, sobre a “identidade” do Brasil e sobre os tipos humanos que eram bem-vindos – ou não – para a constituição de sua população. Outro aspecto muito importante é a tentativa de traçar um quadro sinótico dos diferentes regimes de força que vigoraram no mundo do entreguerras. Por que na Alemanha e na Itália se impuseram regimes fascistas? Qual a influência que eles tiveram sobre países da América Latina? Todos esses regimes adotaram as mesmas políticas, interna e externamente? João Fabio Bertonha, anos atrás, tentou responder, na mesma linha de indagação, por que nunca se concretizou uma “internacional fascista”? Todas essas questões envolvem também uma questão ética. Os historiadores brasileiros conhecem o esforço feito pelo Estado Novo para tentar mostrar que era diferente dos regimes fascista e nazista. Além disso, uma das funções amplamente reconhecidas da Ciência é estabelecer classificações. Mas, ao classificar determinado regime como

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mais “brando” – apenas “autoritário”, e não “totalitário”, por exemplo –, não se pode estar fazendo sua apologia, ou, ao menos, demonstrando compreensão, que pode descambar para condescendência, com esse regime? Todas essas perguntas justificam a importância das tentativas de traçar quadros sinóticos. Na década de 1930, o caráter português, lusitano, da tradição brasileira recebeu destaque todo especial, não só de parte de funcionários estatais, mas também de intelectuais – basta citar o fato de que Gilberto Freyre publicou, em 1940, um livro intitulado O mundo que o português criou, e, em 1942, outro chamado Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira. Sabemos também que a denominação “Estado Novo” para o regime implantado no Brasil em 1937 foi buscada no modelo salazarista, e que o chefe da Ação Integralista Brasileira, Plínio Salgado, ao ser obrigado a exilar-se, no final dos anos 1930, escolheu, por suposta afinidade, Portugal como destino. Por tudo isso, não pode haver qualquer dúvida de que é importante estudar a situação portuguesa do período, e a política efetiva lá desenvolvida. Os textos aqui publicados sugerem que há similitudes com a situação brasileira. Uma delas envolve a controvérsia ou a questão ética referida – Getúlio Vargas justificou a implantação do Estado Novo como medida necessária para evitar um mal maior: a tomada do poder por grupos radicais (não só de esquerda). Em Portugal, a ascensão de Salazar pode ser interpretada na mesma direção? Há diferenças significativas entre as duas situações? Pessoalmente, sempre tive grande interesse pela presença do nazismo no Brasil. E esse tema está contemplado aqui com três textos diferentes. E em todos eles, encontrei novidades, apesar de conhecer relativamente bem o assunto. Quem pensa nessa questão, imediatamente, volta sua atenção para as regiões de colonização alemã do sul do país. Mas o nazismo esteve presente em praticamente todo o Brasil.

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Há uma discussão historiográfica em torno da pergunta se a atividade nazista por aqui obedecia a um plano ou se era algo praticado a esmo por militantes eventualmente destemperados, sem rumo ou programa. Independentemente da resposta, não há dúvida de que a situação era muito diferente em uma cidade típica de colonização alemã de Santa Catarina, por exemplo, e numa cidade nordestina, com presença de poucos alemães ou descendentes. E tanto a análise da distribuição geográfica geral da existência de militantes nazistas quanto o estudo de caso num estado nordestino constituem contribuições importantes para a compreensão dessa realidade. Apesar de não me considerar refutado, não há dúvida de que os estudos sobre as relações entre o triângulo constituído por germanismo, nazismo e integralismo ficaram enriquecidos com a constatação de que, em alguns lugares, as relações entre os três grupos eram diferentes, e mais próximas, do que meus estudos publicados no livro O fascismo no sul do Brasil sugerem. Eu havia diagnosticado, por um lado, que germanismo e nazismo não podem ser considerados a mesma coisa, pois houve frequentes casos de conflitos profundos entre tradicionais líderes germanistas – que faziam a defesa da preservação da cultura e da identidade alemãs – e os membros do partido, em geral vindos mais recentemente para o Brasil. Por outro lado, germanistas e nazistas discordavam, por definição, dos posicionamentos nacionalistas e assimilacionistas manifestados pelos integralistas. Essas diferenças decorriam dos princípios doutrinários publicamente defendidos por cada um desses grupos. O cotidiano da convivência concreta, porém, poderia apresentar-se diferente, como mostra um estudo de caso, do interior do Rio Grande do Sul. Uma questão ético-historiográfica algo complicada se enfrenta quando se comparam os regimes militares sul-americanos das décadas

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de 1960/1970. É defensável dizer que o regime militar brasileiro foi mais “brando” que o argentino ou o chileno? A polêmica que eclodiu no início de 2009 a partir de um editorial do jornal Folha de São Paulo, que classificou a situação brasileira como a de uma “ditabranda”, ilustra o dilema. Apesar disso, um estudo sobre o nacionalismo de direita argentino inserido neste livro sugere que ele apresenta algumas características diferentes do brasileiro. Assim, por exemplo, ainda que o antissemitismo não estivesse totalmente ausente no caso brasileiro, há indícios de que ele foi bem mais acentuado na Argentina. Tema presente nas notícias diárias da imprensa internacional de nossos dias são as formas atuais de movimentos que retomam ideários e práticas dos regimes de força das décadas de 1930/1940, os neofascismos. Também esse assunto enfrenta questões de procedimento, de ética – será a intensa divulgação de sua existência, através da imprensa, uma estratégia adequada para seu combate, ou essa divulgação, pelo contrário, dá publicidade a movimentos que (por enquanto) são numericamente restritos? Mesmo que as respostas a essa pergunta sejam controversas, por natureza, não pode haver dúvida entre os homens de bem que é necessário buscar informações consistentes sobre esses movimentos, isto é, devem ser estudados em profundidade. Daí a correção de incluí-los neste livro. Por fim, o saldo mais trágico desses movimentos e dessas formas de pensar e de agir foi a Segunda Guerra Mundial, com seus muitos milhões de mortos. Só por isso, nunca será demais dar voz àqueles que dela participaram, para manter viva a memória das dores e dos horrores que ela causou. Essas rápidas referências a alguns temas aqui abordados dão uma ideia da riqueza e da importância do livro que o leitor tem em suas mãos.

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PR EFÁCIO

JOÃO FA BIO BERTON H A 1

Em julho de 2007, estava prevista a minha participação no Encontro Nacional de História realizado em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. No dia anterior ao meu embarque para o Sul, contudo, o terrível acidente aéreo da TAM, que custou tantas vidas, também teve o efeito de deixar o sistema aéreo nacional em uma situação de caos. Sem ânimo para enfrentar os inevitáveis transtornos, optei por não ir ao Rio Grande, o que muito me entristeceu, já que perdi a oportunidade de participar dos trabalhos do grupo de pesquisadores do integralismo, assim como de rever os colegas e amigos. É, assim, uma tarefa ao mesmo tempo triste e prazerosa que está diante de mim. Triste porque, ao ler os trabalhos oriundos daquele encontro, consigo perceber como devem ter sido ricas as discussões e os debates dos quais, infelizmente, nao pude participar. Mas prazerosa, porque, ao menos, tenho a oportunidade de acompanhar, ainda que a posteriori, um pouco do que foi feito naqueles dias.

Professor na Universidade Estadual de Maringá/PR e pesquisador do CNPq. Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas. 1

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O sentimento positivo, contudo, supera amplamente o negativo. Afinal, podemos ver o resultado de um trabalho coletivo de 12 historiadores dedicados ao tema e que, a partir dos mais diversos prismas teóricos e perspectivas, se esforçam para ampliar o nosso entendimento a respeito do movimento dos camisas-verdes. Dentre estes trabalhos, alguns abordam aspectos quase clássicos, como a relação do catolicismo com a formação do pensamento integralista ou os trabalhos literários publicados por Plínio Salgado. O viés regional, sempre presente na historiografia do Integralismo, também continua presente, porém, curiosamente, vemos aqui capítulos não apenas sobre o Ceará e o Espírito Santo, mas também sobre São Paulo e Rio de Janeiro. Isso parece indicar um novo momento, em que novos artigos e livros continuarão a ser escritos a respeito dos Estados sobre os quais a historiografia já dispõe de razoável quantidade de informação (como os do sul, Pernambuco, Ceará e Espírito Santo), mas suplementados por outros, sobre Estados-chave e a respeito dos quais pouco se conhece em termos de atividade integralista. Os casos mineiro e paulista são, nesse contexto, os mais óbvios, mas temos ainda outras imensas lacunas, especialmente no tocante ao Centro Oeste e à região amazônica, a serem preenchidas. Outra questão interessante que parece estar começando a receber um melhor tratamento é o problema dos arquivos e de como gerenciar a informação neles constante para escrever a história do movimento integralista. Todos os historiadores de formação são treinados para lidar com os problemas tradicionais de gerenciamento de informação, como quem reuniu os documentos, para que e com qual intenção, e qualquer trabalho de historiador tem que lidar com esses problemas, seja com qual tema se esteja trabalhando. No caso do Integralismo, contudo, a questão tem um caráter político tão acentuado que tais cuidados metodológicos merecem ainda mais

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consideração. Uma pesquisa sobre um tema específico dentro do arquivo pessoal de Plínio Salgado, por exemplo, pode conduzir a resultados distorcidos se não for suplementada por pesquisa em outras fontes e documentos. Ele reuniu a sua documentação com um fim muito específico, ou seja, o de construir a sua memória para a posteridade, e isso nos obriga a utilizar seus papéis com imensa cautela. O mesmo pode ser dito de órgãos governamentais. As Delegacias de Ordem Política e Social, por exemplo, estavam sob a autoridade dos Estados, e não espanta, portanto, que a vigilância delas sobre os integralistas refletissem, muitas vezes, a relação do movimento com cada governador ou interventor no poder naquele momento. Assim, algumas delegacias de alguns Estados mantinham apenas uma vigilância esporádica sobre os integralistas entre 1932 e 1937, enquanto outras estavam muito mais atentas já nesse período. Os órgãos federais, igualmente, refletem, nos seus fundos, os vaivéns das relações entre o governo federal e o Integralismo ou mesmo entre os vários grupos e instituições do governo federal com a AIB. Devemos, pois, redobrar os cuidados metodológicos para evitar generalizações e outros riscos sempre à espreita do historiador, mas que, no caso dos que se dedicam ao integralismo, parecem ser ainda maiores. O que mais chama a minha atenção neste conjunto de capítulos, contudo, é a crescente expansão temporal do Integralismo. Anos atrás, conhecíamos apenas o período entre 1932 e 1938, como se o movimento não tivesse uma história posterior nem antecedentes. Um pouco depois, os estudos se expandiram para abordar os anos 50 e 60, incluindo o Partido de Representação Popular e a participação integralista no golpe e no regime de 1964. Muito resta ainda a ser estudado sobre esse período, e vários capítulos deste livro o indicam. Não obstante, já começamos

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a ter um quadro mais claro do período que vai da formação do PRP à morte de Plínio Salgado. A presente edição indica, porém, como outras lacunas estão sendo preenchidas e novas dilatações temporais estão na hora do dia. Não é por acaso, nesse sentido, que vários trabalhos estão estudando os novos integralistas, ou seja, aqueles em atuação nos dias de hoje, e suas conexões com o passado. Numa época em que se valoriza a história do tempo presente e em que as evidências de ressurgimento do integralismo, ainda que embrionárias, se acumulam, não espanta a mudança de rota dos historiadores. Nada me parece mais curioso, contudo, do que a recente ênfase no período do Estado Novo. Ao contrário do que antes se imaginava, ou seja, que o movimento e seus seguidores tinham sido completamente calados ou cooptados pela ditadura, ressurgindo apenas depois da queda de Vargas, o que percebemos é um contexto muito mais dinâmico. Assim, acompanhamos, neste livro, não apenas a tentativa de reciclagem política e ideológica de Plínio Salgado em Portugal como as atividades de remanescentes integralistas no Brasil, incluindo casos como o da barbearia capixaba, que se aproximam da micro-história. Uma dilatação da nossa perspectiva temporal do movimento continua a se renovar e progredir.

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