HISTÓRIAS DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL (V. 2)

Share Embed


Descrição do Produto

Histórias do Ensino de História no Brasil

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Josué Modesto dos Passos Subrinho Reitor Angelo Roberto Antoniolli Vice-reitor

O CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS Luiz Augusto Carvalho Sobral (Coordenador) Antônio Ponciano Bezerra Dilton Cândido Santos Maynard Eduardo Oliveira Freire Lêda Pires Corrêa Maria Batista Lima Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves Maria José Nascimento Soares Péricles Morais de Andrade Júnior Ricardo Queiroz Gurgel Rosemeri Melo e Souza Vera Lúcia Corrêa Feitosa Veruschka Vieira Franca

ITAMAR FREITAS

Histórias do Ensino de História no Brasil

Vol. 2

São Cristóvão, 2010

Copyright © 2010, Itamar Freitas Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização da UFS, por escrito.

Revisão Edvar Freire Caetano Editoração eletrônica Adilma Menezes Capa Hermerson Menezes

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe Histórias do Ensino de História no Brasil (v. 2)/ H673h Itamar Freitas. - São Cristóvão: Editora da UFS, 2010. 220 p. ISBN: 978-85-7822-139-3 1. História. 2. Educação - Ensino. I. Título.

Sumário

H - Apresentação

7

- Erudição histórica e livro didático de História na Primeira República: as iniciativas de Sílvio Romero e de João Ribeiro (1890/1900)

13

- História do Brasil para crianças: o livro escolar nos primeiros anos da República e a iniciativa de Joaquim Maria de Lacerda (1880/1918)

45

- A História ensinada e a História por se ensinar a partir das conferências e congressos sobre o ensino secundário brasileiro (1922/1934)

67

- Pedagogos, educadores e o ensino científico de História (1880/1935)

109

- A invenção dos testes no ensino secundário de História (1928/1935)

135

- História e Escola Nova: as inovações do professor Cesarino Júnior para o ensino secundário em São Paulo (1928/1936)

155

- A historiografia escolar na Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD): pareceres de Jonathas Serrano (1938/1941)

179

- Contribuições para o estabelecimento de alguns marcos institucionais sobre o ensino superior de História no Brasil: uma crônica das origens (1908/1946)

199

- Índice onomástico

209

Apresentação

Como contar a história do ensino de História no Brasil? A primeira tarefa é constituir o objeto que se faz a partir de uma questão e da situação espaço-temporal. A pergunta é obvia: como se configurava o ensino de História nas primeiras décadas da República Brasileira? A resposta, fundada sobre a orientação de Andrés Chervel (1990, p. 180-181), que reproduz em parte a vulgata da Didática (o quê, para quê e como ensinar?), seria compartimentada entre as finalidades, conteúdos e as formas de avaliação da disciplina escolar História. Mas a posição de Chervel não é dominante nos estudos sobre o tema. Para Flávia Caimi (2008, p. 132-133), investigar o ensino de História na última década foi debruçar-se sobre estratégias de ensino (linguagens), História temática, currículos, diversidade cultural (conteúdos), livro didático (recursos), aprendizagem, produção do

H ITAMAR FREITAS

conhecimento histórico, memória, identidade, educação patrimonial (estratégias de ensino) e formação de professores. Essa variedade de objetos é a alegria de todo pesquisador, porque conserva a utopia de uma História total (História do todo) e supera as narrativas produzidas na primeira metade do século XX, que punham ênfase nas ideias de História, nos programas, currículos e compêndios. A variedade, no entanto, representa também um tormento para quem planeja uma síntese sobre a História do ensino de História no Brasil. Na verdade, não é tanto o pluralismo, mas o caráter fragmentário das iniciativas de investigação em termos espaciais, temporais e temáticos. Acompanhem esses exemplos: quem opta por incluir o livro didático como objeto privilegiado de uma História do ensino referente ao período republicano se depara com imensas lacunas sobre os manuais da escola primária. Se esse mesmo historiador incorpora os currículos, certamente, não encontra pesquisa básica sobre a experiência do secundário no período posterior à lei orgânica. Se acolhe a formação de professores como tema, perdese na dispersa informação sobre a experiência anterior à instituição das faculdades de Filosofia. Se, por fim, volta os olhos para o inventário das estratégias de ensino esbarra na pobreza dos modelos em voga (tradicional/inovador), fruto da insuficiente reflexão sobre os nexos entre epistemologia da História, Psicologia educacional e Pedagogia. Às descontinuidades da pesquisa, dispersão das fontes e à pobreza de vistas de alguns estudiosos, somem-se também as dificuldades de compor o texto. Para Antoine 8

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Prost (2008, p. 211-233), três são os tipos mais empregados pelos historiadores. O primeiro e mais antigo é a História narrativa. Ele diz a mudança, como as coisas estavam e como vieram a se constituir dentro de (ou após) determinado período. O segundo, ao contrário, diz como eram as coisas. É o tipo História-quadro. Os usos combinados da História-quadro e da História narrativa, por fim, compõem o terceiro tipo, a História mista. A classificação de Prost não é nova, sabemos. Os escritores das histórias universal, da civilização ou geral costumavam anunciar os métodos de composição: para a experiência do mundo antigo, histórias narrativas. Para as experiências moderna e contemporânea, tempo de descontinuidades e fusões de trajetórias (civilizações, povos e nações) em quase todo o globo terrestre, a História sincrônica ou mista – sincrônica e diacrônica justapostas (Cf. Freitas, 2006). Antes que me alongue demais nesta apresentação que já vai virando a terceira página, devo dizer que este livro sugere uma alternativa para se contar a História do ensino de História do Brasil, apesar das limitações impostas pela pesquisa acadêmica aos trabalhos de síntese. Usando a tipologia de Antoine Prost, é possível afirmar que se trata aqui de uma escrita mista. São histórias narrativas (diacrônicas) paralelas que formam uma História-quadro. Um quadro do ensino de História nas cinco primeiras décadas do período republicano, que por sua vez poderá transformar-se em narrativa à medida que outros períodos forem desvelados. É um quadro lacunar, como de resto o são todos os quadros históricos. Uma coletânea como aquelas 9

H ITAMAR FREITAS

publicadas anualmente nos encontros nacionais sobre História, Ensino de História e nos grupos de trabalho sobre História do ensino de História. Há, no entanto, algumas singularidades nesta obra. Os textos foram produzidos pelo mesmo autor e no mesmo período (2002/ 2006). As histórias conservam os mesmos interesses, conceitos e estratégias de investigação, estando interrelacionadas as conclusões. Se o leitor tiver a paciência de seguir os capítulos até o final da obra, se já forem do seu conhecimento os conteúdos do primeiro volume de Histórias do ensino de História no Brasil (2006) e, ainda, se assimilar e comparar as teses anunciadas, perceberá alguma lógica na trajetória desse multifacetado objeto “ensino de História” no conturbado período inicial da nossa experiência escolar republicana. Os textos salpicam o pano de fundo da Primeira República, principalmente, com a vivência nos ensinos primário, secundário e superior; com exemplos exemplares de estratégias de ensino e de aprendizagem, produção do conhecimento histórico escolar, produção e avaliação de livros didáticos; disciplinas escolares e universitárias; sujeitos individuais-pessoais (professores, historiadores, técnicos, gestores e legisladores) e coletivos - instituições públicas e privadas (institutos históricos, institutos de educação normal, colégios secundários, associações promotoras da educação pública, faculdades de Filosofia, entre outros). Os capítulos buscam e demarcam origens, inícios, começos ou, simplesmente, acontecimentos – atos fundadores, indicadores de rupturas no ensino de História no 10

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Brasil, num tempo de reflexões sobre o que caberia ou não ao Estado em matéria de educação escolar, sobre as formas educacionais a serem difundidas em todo o país e as teorias que orientariam o ensino de História em seus diferentes níveis. Por meio deles foi possível afirmar, por exemplo, que: 1. não houve “o cânone” para a escrita da História do IHGB, sobretudo na produção de livros destinados aos cursos primários; 2. o método de ensino catequético sobreviveu às iniciativas inovadoras do início da República e foi largamente difundido pelo livro didático de História para crianças; 3. até 1930 não se tinha clareza sobre o que deveria ser o ensino de História para os jovens, aventando-se teorias que mesclavam positivismo, catolicismo ultramontano e pragmatismo norte-americano, entre outras abordagens; 4. o nascimento da produção de impressos pedagógicos sobre o “como ensinar” História esteve relacionado diretamente à especialização das disciplinas profissionalizantes dos cursos de Pedagogia, ou seja, eles nasceram com a cientificização dos cursos de formação de professores; 5. os tests tests, modalidade de avaliação objetiva, massificadora, criadora de excelências, foram introduzidos no ensino de História ao longo da década de 1920, a partir da abertura dos historiadores à Psicologia educacional; 6. estratégias de ensino escolanovistas migraram para o ensino secundário de História no início dos anos 1930, mas não conseguiram romper com a aprendizagem centrada na memória; 7. a primeira iniciativa de avaliação nacional de livros didáticos foi empreendida no final dos anos 1930 sob os mesmos argumentos justificadores e críticos empregados a favor e contra o nosso con11

H ITAMAR FREITAS

temporâneo Programa Nacional do Livro Didático - PNLD; e, por fim, 8. o ensino de História em nível superior (ou seja, para alunos pós-secundário) não se iniciou com as fundações das universidades de São Paulo e do Distrito Federal. Como afirmei, são textos que anunciam (e até denunciam) acontecimentos (ditos) fundadores. Que não sejam confundidos, portanto, como apologia ao “ídolo das origens”, denunciado por François Simiand [1903] na sua cruzada em prol da Sociologia. Que sirvam para informar e refinar a pesquisa histórica e fornecer certa orientação às discussões sobre alguns dos problemas que povoam o nosso cotidiano docente. Este é o meu desejo.

Referências CAIMI, Flávia. Novas conversas e antigas controvérsias: um olhar sobre a historiografia do ensino de História. In: OLIVEIRA, Margarida Dias de, CAINELLI, Marlene Rosa, OLIVEIRA, Almir Félix Batista de. Ensino de História: múltiplos olhares em múltiplos espaços. Natal: Editora da UFRN, 2008. pp. 127-135. CHERVEL, Andre. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educação. Porto Alegre, n. 2, p. 177-254, 1990. FREITAS, Itamar. Histórias do ensino de História no Brasil. Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira; São Cristóvão: Editora da UFS, 2006. v. 1. PROST, Antoine. Criação de enredos e narratividade. In: Doze lições sobre a História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. pp. 211-233. SIMIAND, François. Introduction aux études historiques. In: CEDRONNIO, Marina (Org.). François Simiand: Méthode historique et sciences sociales. Paris: Archives contemporaines, [19—]. p. 99-108.

12

1 ERUDIÇÃO HISTÓRICA E LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA NA PRIMEIRA REPÚBLICA:

as iniciativas de Sílvio Romero e de João Ribeiro (1890/1900)

H

H ITAMAR FREITAS

N

as histórias da historiografia brasileira, os institutos históricos e geográficos – notadamente, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – ocupam posição de destaque e marcam mais que um período. São considerados fornecedores de um paradigma – escrita da História erudita e historicista – e rotulados como produtores de uma História-memória umbilicalmente ligada à questão das identidades nacional e regional em diferentes momentos do século XIX e do século XX. (Cf. Rodrigues, 1982; Schwarcz, 1993; Gomes, 1996; Diehl, 1998; Reis, 1999; Iglésias, 2000; e Ferreira, 2002). Essa notoriedade justifica-se. Como o Estado brasileiro estabeleceu-se durante décadas sem, contudo, instalar uma universidade ao modo europeu – alemão ou francês –, esses grêmios, que reuniam a elite letrada da terra, autoproclamaram-se como núcleos produtores/ legitimadores da ciência da História. E de fato o foram. Dos institutos, saíram as primeiras propostas registradas sobre o “como escrever a História” – obviamente, a História do Brasil que se efetivava como nação – e, consequentemente, sobre o que deveria ser o conhecimento histórico (biografias, corografias, obras de síntese), alternando procedimentos eruditos alemães – a erudição de Varnhagem – ou cientificistas franceses e ingleses – as filosofias da história difundidas por Euclides da Cunha e Sílvio Romero, por exemplo. Tal notoriedade é reforçada pelos estudos de síntese sobre a História da historiografia brasileira, que situam os institutos como um fornecedores de um padrão de escrita somente combatido após o surgimento da geração de 1930 e das primeiras universidades no Brasil (Cf. 14

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Freitas, 2006, p.11-28). O reforço é mantido também com os mais recentes estudos sobre História do ensino de História que se aventuram na descrição ou na defesa de uma tese sobre a configuração do ensino de História e da escrita da História para as escolas nas primeiras décadas do período republicano: quem prescrevia os temas, quem modelava as narrativas escolares? Quem fornecia a teoria? A resposta é imediata: o modelo francês ou o padrão IHGB (Cf. Reznik, 1998; Vechia, 2003; Gasparello, 2004; Fonseca, 2003; Bittencourt, 2004). Mas, será que o IHGB configurava um modelo de escrita seguido à risca pelos construtores de manuais? Será que esse suposto modelo tinha força suficiente para homogeneizar conteúdos e padrões de escrita dos livros didáticos de História para o primário, sobretudo? Como se relacionavam, então, os profissionais “da ciência”, membros do IHGB, com as demais instâncias de produção, vulgarização do saber de Clio? Como o suposto “Canon do IHGB”, em termos de teoria da História, seria apropriado pelos autores de manuais escolares de História para o ensino primário no Rio de Janeiro? Responder a tais questionamentos é impossível sem o acesso à pesquisa básica sobre o livro didático para a escola elementar – estudos que ainda rareiam no Brasil. No entanto, desejo estimular a discussão, tratando, inicialmente, de alguns exemplos da experiência brasileira na produção de livros didáticos de História para as crianças nos tempos da Primeira República.1 Nesse caso, as ques1

Período de não interferência da União na produção de livros de História e na organização do ensino primário. 15

H ITAMAR FREITAS

tões sobre as quais me debruço referem-se aos mecanismos de controle da produção do livro didático de História e à configuração do livro didático de História do Brasil, produzido por membros do IHGB para o ensino primário. Na primeira parte deste texto, portanto, trato das concepções de História dos sócios do Grêmio e sintetizo a posição oficial do Instituto acerca de manuais, veiculada nos pareceres das comissões permanentes no período 1890/1942. Na segunda e terceira partes, apresento os traços dominantes da escrita da História para crianças, efetivada sob a pena de dois membros do IHGB e importantes formadores de opinião sobre a História no Brasil: Sílvio Romero e João Ribeiro. O objetivo deste capítulo, enfim, é examinar, sob o aspecto da teoria da História, a relação entre a ciência de referência e a escrita da História para a disciplina escolar, tendo como ambientes privilegiados a principal agência legitimadora da historiografia no início da República, o IHGB, e a trajetória intelectual de dois dos seus mais prestigiados historiadores. Com este trabalho, questiono uma assertiva que povoa o “senso comum” dos pesquisadores: a ideia de a escrita da História para a disciplina escolar era fruto da transposição2 didática de um suposto canon gestado no IHGB.

2

16

Transposição didática é aqui tomado no sentido mais estreito da locução, expresso por Yves Chevallard (1991, p. 20): passagem do conhecimento erudito para o conhecimento escolar. Sobre os desdobramentos da noção de transposição didática para as pesquisas sobre a origem e a legitimidade das disciplinas escolares, na França, Grã-Betanha e Brasil, ver Bittencourt (2003, p. 9-38).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Sob(re) o cânon do IHGB3 Começemos com uma questão: qual o lugar do ensino de História no cotidiano dos institutos históricos? Em terras bandeirantes – pioneiras em reformas educacionais, entre 1894/1940, o ensino de História e seus livros didáticos praticamente não constaram nas pautas do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Salvo embates pontuais acerca da autonomia da disciplina História do Brasil (cadeira e tempo no currículo), o IHGSP esteve mais próximo das instituições de nível superior. Isso ocorreu, supomos, por razões bastante lógicas. Naquele tempo, lugares onde se discutiam os padrões da escrita da História teriam que se preocupar com as instituições formadoras do historiógrafo, ou seja, deveriam pôr acento no ensino em nível superior. (Freitas, 2006, p. 183-205). Mas, não se pode dizer, inicialmente, que o desprestígio da História ensinada no IHGSP tenha alcançado o maior grêmio da nação. O IHGB esteve bastante ativo, mesmo nos anos posteriores à proclamação da República. Seus sócios também figuravam nas principais instituições secundárias e também nas escolas normais modelares do Rio de Janeiro e de São Paulo. Como testemunho dessa relação sodalício-magistério, a seguinte listagem de professores de História é por si bastante loquaz: Afonso de Escragnolle Taunay era professor de História no

3

Agradeço à profa. Christianne Gally pela pesquisa realizada sobre a Revista do IHGB. 17

H ITAMAR FREITAS

Ginásio São Bento (1911)4, Tancredo do Amaral – Escola Normal de São Paulo, Basílio de Magalhães – Ginásio de Campinas (1914) e Escola Normal do Rio de Janeiro, Antonio Joaquim Ribas – Faculdade de Direito de São Paulo, Laudelino Freire – Colégio Militar, por fim, barão Homem de Melo, Gastão Ruch, Gastão de Escragnolle Doria, João Ribeiro (1915) e Jonathas Serrano (1919), todos professores de História do Colégio Pedro II. Com pouco esforço, também podemos juntar a esses professores de História alguns produtores de literatura didática de História – Francisco Ferreira da Rosa, João Fernandes Diniz, [?] Franckenberg, José Maria Velho da Silva, Felisbelo Freire, Sílvio Romero, Candido Mendes de Almeida e Carlos de Laet. Entretanto, para a construção de uma pedagogia para a História no Brasil para crianças e jovens, dentro do IHGB, apenas um desses sócios demonstrou interesse sistemático, indicando as bases científicas em que se fundaria o moderno ensino de História. Este homem foi Jonathas Serrano (Cf. Serrano, 1921, 520-523). Os membros da “Casa do Brasil”, portanto, no período em foco, não pautaram o ensino de História embora, de alguma forma, tenham teorizado sobre a ciência de referência a ser cultivada no Brasil. Mas, que tipo de teoria da História era professada por esses e outros membros da instituição nos primeiros quarenta anos de República?

4

18

As datas entre parênteses registram o ano de entrada no IHGB. (Cf. Freitas, 2006, Anexo 2, p. 6-12).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Os estudiosos dessa temática5 veem a historiografia do período como uma miríade de iniciativas eruditas, analíticas e memorialistas, tendo como personalidade destacada, entre 1889 e 1930, a figura de João Capistrano de Abreu. O historiador cearense é considerado o “ponto de ligação” (Dihel, 1998, p. 60) ou o “arco” (Novais, s.d.), como cita Jobson Arruda, “entre a produção do IHGB e a geração liderada por Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, ultrapassando os limites da mera narrativa em favor de uma História compreensiva.” (Arruda, 1999, p. 39). Sob o “arco” ou dentro do “ponto”, não importa a metáfora, penso que essa “pré-História” (Arruda, 199, p. 39) ou essa passagem “do clássico ao moderno” (Diehl, 1998, p. 60) da produção histórica brasileira deve merecer estudo detalhado. Para contribuir com a temática, examinei as representações dos sócios sobre a História a partir dos discursos, falas e pareceres das comissões do grêmio. O que encontrei nesse acervo sugere a coexistência de vários modelos de inteligibilidade histórica naquele período. Isso me levou a indagar se haveria mesmo, nessas primeiras quatro décadas da República, uma “teoria da História do Instituto” ou, dizendo de outra forma, se seria o caso de se falar em um cânon para a “Casa do Brasil”. Mergulhemos, então, nesse universo de testemunhos oficiais. O que se pode observar? Tem-se uma variedade de posições onde as únicas referências comuns atribuí-

5

Exceção feita ao trabalho de Lilia Moritz Schwarcz (1993). 19

H ITAMAR FREITAS

das à História são as clássicas funções de mestra da vida, de construtora da nação e formadora do cidadão, bem como a necessidade de cultivar-se a heurística e a crítica documental. A variedade de concepções depõe, por sua vez, sobre a natureza e a origem plural dos membros aceitos no grêmio a partir dos anos 1880: monarquistas, republicanos históricos, cientificistas, religiosos, professores, magistrados, políticos com mandato, embaixadores e jornalistas de vários matizes partidários. Assim é possível compreender a multiplicidade de posições. Lá estavam a teoria da História que incorporava a noção de providência – Padre Belarmino José de Souza (1896)6, Arcebispo D. Joaquim Arcoverde (1898) e Padre Júlio Maria (1899); os apologistas da historiografia nomotética, ao modo de H. T. Buckle – Rodrigo Otávio Filho (1938), de H. Taine – Liberato Bittencourt (1912), e de H. Spencer – Sílvio Romero, Felisbelo Freire, Jonathas Serrano (1921); e os antípodas ou céticos a essa modalidade teórica – Pedro Lessa (1908). No IHGB, também cabiam a historiografia como síntese fundada nas ciências sociais – Oliveira Viana (1924), na antropogeografia de F. Ratzel – Eurico de Góis (1912), no historicismo da vertente C. Langlois e C. Seignobos – Max Fleiuss (1907), e no presentismo e “pragmatismo” – João Ribeiro (1915). Todas faziam apologia à História como ciência e, no máximo, uma concessão: História como ciência e arte – a arte de escrever – como afirmara Taine na História da literatura inglesa. 6

20

As datas entre parênteses expressam o ano em que os sócios manifestaram as suas concepções de História no cotidiano do grêmio.

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Alguns desses autores paradigmáticos, consumidos pelos historiadores do Instituto – e historiadores professores –, haviam teorizado sobre educação/pedagogia, livro didático e ensino de História, não como arte, mas, agora, como ciência. Foram os casos de Langlois e de Seignobos (1898). Nos trabalhos da casa, entretanto, essa contribuição específica não veio à tona, fosse na produção de manuais, fosse na avaliação dos livros escolares de História. Manuais, evidentemente, houve vários, produzidos por iniciativas particulares. Poucos foram enviados ao Grêmio e registrados em ata – como prova de envolvimento dos futuros sócios com o saber de Clio –, mas são indícios significativos para conhecermos as representações dos eruditos do IHGB acerca dos livros didáticos de História. O que dizem esses pareceres? A primeira constatação sobre os pareceres é o desprestígio da Pedagogia. O critério de “didaticidade” não estava assentado numa área do saber que orientava a formação do professor do ensino primário. O crivo da “didaticidade” não foi problematizado, foi intuído. A segunda observação a ser feita diz respeito ao tamanho dos pareceres. Eles eram bem menos extensos que os exemplares do gênero sobre as biografias, memórias, relações e monografias etc. Outra constatação importante é o estatuto – na ausência de melhor termo – epistemológico da obra didática. Seria produto de historiador? A resposta é positiva. As comissões de História aceitavam e compreendiam a obra didática de História como trabalho de pesquisa de historiador. Entretanto, a imagem de obra didática em voga transmitia a ideia de que o livro escolar possuía um 21

H ITAMAR FREITAS

defeito congênito: era resumido ao extremo, deixando sempre algo da História do Brasil pouco esclarecido. Mas, em geral, depois de corrigidos uma data, um nome ou um defeito tipográfico, eram os trabalhos didáticos bem recebidos, posto que divulgavam a História pátria e ajudavam a fixar, na mocidade, os fatos e personalidades responsáveis pela construção da nação. Quadro n. 1 - Livros didáticos de História submetidos às Comissões Permanentes do IHGB – 1889/1942

Título

Autor

Historia da America y de Chile para el curso Julio Banados Espinoza médio y las escuelas Alfredo Nascimento História moderna Homens e fatos da História pátria

Ano* 1889 1890

José Maria Velho da Silva 1895

Educação cívica ou a História de São Pau- Tancredo do Amaral lo ensinada pela biografia dos seus vultos mais notáveis Francisco Ferreira Rosa Vultos de História pátria

1897

Notícia histórica e geográfica de Angra dos Honório Lima Reis, precedida de um bosquejo histórico das descobertas da América e do Brasil Basílio de Magalhães Lições de História do Brasil

1899

1898

Sd

História do Brasil

João Ribeiro

1914

Epítome de História universal

Jonathas Serrano

1918

Metodologia da História na aula primária Jonathas Serrano

1918

Mas, sobre a teoria da História expressa, onde está o suposto cânon do IHGB? O que falam os pareceres? Quando a divergência foi de credo filosófico, religioso ou políti22

Histórias do Ensino de História do Brasil H

co, admitiu-se que a função do Instituto não era exercer autoridade “derimente ou decisiva” sobre as opiniões dos escritores, mas limitar-se a “recolhê-las e arquivá-las como subsídios para a formação da História pátria” (Alencar, 1899, p. 715). Depois dessa breve exposição sobre teoria da História e concepção de livro didático de História veiculada pelos pareceres IHGB, verticalizarei o exame da relação ciência de referência/escrita escolar no trabalho de dois dos seus mais prestigiados sócios. Verifiquemos os distanciamentos e as aproximações entre a ideia de ciência da História e a escrita da História para crianças na trajetória de João Ribeiro e de Sílvio Romero.

História do Brasil para as crianças: a iniciativa de Sílvio Romero Sílvio Romero é bastante conhecido como historiador e crítico da literatura (Cf. Ventura, 1991, 2001; Cândido, 1978) e historiador e crítico da historiografia brasileira (Cf. Mota, 2000; Turin, 2004; Meneses, 2006). Só recentemente a sua face de pedagogo tem sido explorada com mais vagar: o professor de Filosofia (Cf. Teixeira, 2001; Araújo, 2004), o didata da História, formulador do currículo do ensino secundário (Cf. Freitas, 2006) e, talvez, de uma teoria geral da educação para o Brasil (Cf. Nascimento, 1999; Souza, 2006). Neste tópico, abordarei um lado pouco referido do pensador sergipano: escritor de livro didático de História. A História do Brasil ensinada pela biografia dos seus heróis, lançada por Sílvio Romero no Rio de Janeiro no 23

H ITAMAR FREITAS

ano de 1890, foi uma iniciativa de escrita da História para os alunos do curso primário, no momento em que a nascente República começava a pensar em assumir o ensino das primeiras letras como questão nacional. Mas, qual o sentido de “didático” no Brasil da Primeira República? Para não avançarmos a esmo, conheçamos as concepções epistemológicas de Sílvio Romero a respeito da História.

História: concepções e objeto Se nos ativermos, apenas, à História-saber, que resulta no documento textual escrito – o livro de História –, veremos que o lagartense a concebeu, inicialmente, como ciência, e ciência expressa em leis, ao modo comteano. (Cf. Ramos, 1874). Em seguida, zombando de seu examinador em concurso para a cadeira de Filosofia do Colégio Pedro II, Sílvio Romero assegurou para a História o status positivo de ciência. Na tese Interpretação filosófica dos fatos históricos (1880), a produção do conhecimento histórico seria mediada pela combinação de dois determinantes: as forças naturais e as forças humanas, à maneira do britânico Henry Thomas Buckle. No ano de 1888, Romero já era crítico consagrado. O coroamento da carreira se deveu à produção de sua História da literatura brasileira, onde a escrita da História deveria incorporar os elementos de ordem física, biológica e histórica (naturais, étnicos e morais) sob a orientação de outro inglês de renome, Herbert Spencer. (Cf. Meneses, 2006; Freitas, 2007). 24

Histórias do Ensino de História do Brasil H

E sobre os “conteúdos” históricos, ou melhor, sobre o objeto que se deveria explorar, tratar, expor etc. em forma de textos, o que escrevera o autor até o lançamento do livro para o ensino primário? Romero anunciou suas posições a respeito em alguns momentos da sua obra, sobretudo no seu projeto de currículo para a escola secundária brasileira (Cf. Romero, 1901). Nesse trabalho, três ordens de fenômenos se destacariam: 1. os demarcadores da ideia de nação: nascimento com a expulsão dos holandeses e percurso brasileiro com “destino” à mestiçagem total (negros e índios assimilando a raça portuguesa); 2. os principais elementos da vida espiritual brasileira e da literatura brasileira: os fatores estáticos, permanentes (natureza e raças portuguesa, negra e índia) e os fatores dinâmicos, variáveis (as influências estrangeiras); 3. o produto literário stricto sensu sensu: poesia, teatro, romance, eloquência, História, crítica e filosofia. Em sua Filosofia do direito, há um capítulo intitulado “Teoria das criações fundamentais e irredutíveis da humanidade ou classificação dos fenômenos em sociologia”. Sílvio Romero afirmou que esse mesmo texto fora produzido em 1882 para suprir a “ausência de classificação completa dos fenômenos... objeto da sociologia”. Foi republicado em Doutrina contra doutrina e na primeira e segunda edições da Filosofia do direito, resumindo-se no seguinte enunciado: Após um exame desses [caracteres de fatos, séries de fatos] podemos afirmar, sem medo de errar, que sete, apenas sete, são as classes, as espécies diversas dos 25

H ITAMAR FREITAS

atos e fenômenos culturais que constituem a civilização humana, como ela se tem desenvolvido desde os mais remotos tempos da pré-História até aos dias de hoje. E chamam-se elas: ciência, religião, arte, política, moral, direito e indústria. (Romero, 1908a, p. 177180; Cf. Freitas, 2006, p. 95-106).

De posse dessas informações, questionei: como seria, então, escrever para as crianças? Em que medida as convicções de Romero sobre História e ensino de História se materializariam no ensino para as crianças?

A História do Brasil em quatro atos: o que, por que e como contar às crianças Ao iniciar a sua História para crianças, Sílvio Romero anuncia os princípios para o perfeito entendimento da História do Brasil. Observem que ele emprega a palavra “entender” e “interpretar” (demarcador erudito?). Quais seriam esses princípios? Romero parece não ter saída e mergulha numa Filosofia especulativa da História. Trabalha com as ideias de “destino” e “missão”. Todo grande povo tem uma missão a cumprir pelo “progresso” da “humanidade”. O Brasil ainda é novo. Não há como reconhecer essa missão. Mas, os seus filhos já podem pensar na invenção de um “ideal”. E o ideal a ser atingido, para por o Brasil no rol dos contribuintes do progresso da humanidade, é fornecido pelo próprio Sílvio Romero: formar a mansão democrática do congraçamento, não dos deserdados da Europa somente, mas dos 26

Histórias do Ensino de História do Brasil H

deserdados de todo o mundo, e, pela reunião, pela igualdade de todos, formar o povo do porvir, o tipo novo, que não é oriundo do exclusivismo europeu, ou africano, ou asiático, ou americano, o tipo novo que há de ser a mais perfeita encarnação do cosmopolitismo do futuro. (Romero, 1908b, p. 14).

Configurada em livro, portanto, a escrita da História teria a função de cultivar os valores do trabalho, coragem, honradez, perseverança, que alimentariam o nosso consciente e legítimo patriotismo. O passado nacional seria organizado em função desse novo destino apontado por Romero. A História do Brasil, seria enredada de forma a desfilar em frente do expectador (leitor) e comprovar retroativamente que o futuro por ele apontado é legítimo e está correto. Como fazer então? João Ribeiro, autor do prefácio, explica: se se quer “inocular na escola a conduta cívica e patriótica” só há um instrumento: “reconstituir a pátria pelos patriotas, a História anônima pelo documento autógrafo, e sintetizar a espécie pelos exemplares mais nítidos do indivíduo” (Ribeiro, 1908b, p. vi). Evidentemente, a biografia não era novidade. A estratégia estava presente no ensino primário da França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha (Cf. Schnass e Rude, 1939). A novidade do livro de Romero seria, entretanto, o enfileiramento de “pontos culminantes”, dos “homens representativos” que “por si sós dão todas as induções da vida coeva, e que, ... na sua cronologia têm auréolas suficientes para cumular de fulgor as lacunas obscuras do tempo, que entre eles medeia.” (Ribeiro, 1908, p.vi). 27

H ITAMAR FREITAS

Conhecidas as metáforas de Ribeiro (pontos culminantes, auréolas) e de Romero (teatro) tentemos ressignificálas para uma melhor exposição da escrita da História que se queria contar às crianças. Comecemos pela forma de recortar o tempo. Para Sílvio Romero, a História do Brasil não principia com Cabral. É Cristóvão Colombo quem inaugura as páginas do livro (logo após descrever os elementos étnicos formadores, o território, fauna e flora do Brasil). O Brasil é filho da era industrial, do universalismo e do cosmopolitismo. A História, portanto, inicia-se em 1492. Sobre o fim da narrativa, podemos afirmar que o distanciamento estratégico entre o tempo em que se constrói a narrativa e o tempo a ser narrado – conhecido indicador de crítica histórica, de erudição – é de pouco mais de uma década. O último acontecimento do livro é a morte de Floriano Peixoto (1895)7. Esse espaço entre 1492 e 1895 é recortado simetricamente em quatro blocos bem datados, domando as idas e vindas da experiência brasileira, facilitando assim as vidas do aprendiz e do contador da história, que está fundamentado numa filosofia da História: 1. tempo de descobrimento e de conquista; 2. tempo de expansão e resistência; 3. tempo de autonomia; 4. tempo de independência e de unidade territorial. Se é drama também deve haver cenário. E os cenários são clássicos. A orla marítima nos dois primeiros séculos, os tabuleiros do centro e as Campinas do sul no século

7 Tomo por base a outra edição, publicada em 1908. 28

Histórias do Ensino de História do Brasil H

XVIII e, por fim, todo o território brasileiro no século XIX. A História do Brasil é a narrativa do avanço de duas fronteiras imaginárias: de leste para oeste e de norte para o sul. Cruzando agora o tempo e o espaço da experiência narrada com o espaço materializado nas páginas do manual, veremos que a escrita de Romero é predominantemente uma História do contemporâneo – por mais reservas que ele tenha demonstrado no didático a essa modalidade erudita: 49% para o século XIX. A distribuição de biografias também reforça essa conclusão: são 10 para o século XIX, 6 para os séculos XVIII e XVII e apenas uma para o século XVI. E quanto aos personagens, o que se pode dizer acerca dos protagonistas na experiência brasileira? Como escolhê-los? Os valores condizentes com a Filosofia da História anunciada (destino, missão) justificam ainda mais as suas opções (José de Anchieta, Felipe Camarão, Gregório de Matos, Antônio Feijó, Benjamin Constant e mais 20 outras personalidades). Mas, esse critério esconde outra necessidade: a relação dos personagens com a hipótese filosófica de Romero: o Brasil nasce da luta com o inimigo exterior. Por isso, não obstante o elogio à “História cultural” alemã – a História “íntima”, a “criação e desenvolvimento d’aquelas instituições que se referem à vida interna, econômica e artística de uma nação” (Romero, 1908b, p. 57) –, os personagens eleitos, em sua maioria, estão relacionados à “História exterior” do Brasil. Cerca de 61% das páginas biográficas são dedicadas à política e 39% ao mundo das letras e das ciências. Em relação aos atos/períodos, apenas no século XVIII predominam as ciências e letras. Nos demais a ação política (as guerras) é o traço dominante da História do Brasil. 29

H ITAMAR FREITAS

Como seria, então, escrever para as crianças? Em que medida as convicções de Romero sobre a ciência da História se materializariam no ensino para as crianças? Para Sílvio Romero, a escrita da História destinada às crianças do final do século XIX e início do século XX deveria respeitar certos níveis de complexidade (ou as limitações congnitivas das crianças). A escrita era a imitação da aula. Exigia habilidade de síntese do professor para a seleção dos assuntos. Do aluno, exigia atenção. Nada de micrologias de erudição. Apenas alguns nomes, atitudes e muitos valores a observar, rememorar e praticar. A História também deveria partir das vidas destacadas na construção da nacionalidade: a experiência de adultos, políticos e intelectuais. O método biográfico, já consagrado na América do Norte e na Europa seria aqui também a mais adequada estratégia de ensino de História e, por conseguinte, da escrita da História para as crianças. Níveis de complexidade, observação das finalidades, dos usos e da clientela dos livros de História, entretanto, não faziam parte da receita epistemológica gestata por Sílvio desde 1874. A aposta numa Filosofia da História demonstrada pelas ações e periodização – descobrir, conquistar, expandir, resistir, autonomizar-se e unificar – estas sim, são sinais de uma transposição didática. Os demais elementos caracterizadores do saber de Clio são abandonados. Nada de dederminantes naturais e físicos. Nada de distanciamentos temporais entre a História vivida e a História narrada a vincarem a experiência brasileira. Em lugar da pluralidade de fenômenos culturais (religião, arte, moral, direito, indústria, política), predomina a experiência do político. 30

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Sílvio Romero, por fim, também deixou mostras da dificuldade em se aproximar do pequeno leitor. É pobre em imagens, é desequilibrado no estilo, na construção dos parágrafos. Abusa da frase rebuscada, erudita e das palavras cientificistas. Foi necessário acrescentar um “vocabulário” ao final da obra. Minha hipótese é de que, ao contrário de representar inovação pedagógica ou historiográfica, esse elemento pós-textual funcionaria como um corretivo à escrita didática de Romero, efetuado por João Ribeiro, esse sim, mestre da palavra e da escrita para estudantes. Mas, como teria se desincumbido de tais questões o nosso estudioso da “língua brasileira”?

História do Brasil para as crianças: a iniciativa de João Ribeiro João Ribeiro de Andrada Fernandes é hoje considerado um dos mestres da língua “brasileira” (Gally, 2007). O homem que vendeu milhares de gramáticas, ajudando a enriquecer o livreiro Francisco Alves. Era também historiador, escrevinhador das letras históricas. Seus trabalhos de erudição estão espalhados nas coletâneas em forma de crítica de testemunhos e de análise historiográfica. Foi, talvez, o que mais resenhou obras históricas na Primeira República. O livro mais conhecido, contudo, é a História do Brasil para o curso superior, produzido na labuta anual de professor de História do Colégio Pedro II. A obra, lançada em 1900, é considerada um divisor de águas na historiografia didática (Cf. Melo, 1997; Gasparello, 2004). É, principalmente, dessa versão – destinada aos alunos de 11 aos 31

H ITAMAR FREITAS

19 anos – que a maioria dos seus estudiosos tem retirado as ideias sobre a ciência da História ou a “arte” de escrever a História, caracterizando-o como germanista. Neste tópico, entretanto, tratarei da escrita didática para as crianças configurada na História do Brasil. A obra foi impressa em três versões, provavelmente, pela primeira vez em 1900, ano do IV Centenário da Independência e época em que foi lançada a História do Brasil para os cursos médio e superior (curso ginasial).

História: conteúdos substantivos e concepções de ciência Como já foi anunciado, a natureza da ciência da História professada por João Ribeiro em sua obra mais conhecida – História do Brasil (1900) e também no trabalho crítico divulgado em periódicos cariocas (Cf. Gomes, 1996) – é debitária da História da cultura alemã (Leão, 1934; Ribeiro, 1957; Hansen, 2000). Mas, isso não chega a ser uma novidade, pois o próprio João Ribeiro confessou a dívida. De Handelmann e Martius, apropriara-se, tão somente, da hipótese de que o Brasil fora constituído a partir do “particularismo” de cada província e não “de um núcleo central que se multiplicasse ou se expandisse como Roma.” (Ribeiro, 1931). A formulação estaria relacionada à História da Alemanha, onde se observava o “contraste entre o sentimento da unidade nacional e o particularismo de cada província.” (Handelmann, 1931, p. LV). A História e a historiografia alemãs também estavam na ideia de identificar o “sentimento característico” de cada uma das “células” – que, por autodesenvolvimento e 32

Histórias do Ensino de História do Brasil H

colisão entre si, fizeram nascer o “organismo nacional” brasileiro. Tais sentimentos e células, efetivamente desenvolvidas na sua História do Brasil para o curso superior, seriam, enfim: a religião e a tradição da Bahia, o radicalismo republicano de São Paulo, o liberalismo moderado de Minas e do Rio de Janeiro, e o separatismo da Amazônia e, depois, do Rio Grande. (Cf. Ribeiro, 1912, p. 24, 325). Essa é a descrição sintética da contribuição de João Ribeiro à formatação dos conteúdos históricos, dos currículos de História do Brasil e também da sua aposta cientificista para organizar a experiência histórica brasileira. Mas, o que ele pensava ser a ciência da História? A resposta é fornecida em outro livro didático – História universal – publicado em 1894 e reimpresso sem alterações substantivas em 1919. Para João Ribeiro a História não poderia “ser a narrativa de sucessos casuais desordenados e incompatíveis com uma coordenação metódica e científica” (Ribeiro, 1894, p. 1-26; 1919, p. 355). Essa afirmação pela negativa queria dizer que a História era ciência ao modo positivo – fundamentata em leis, generalização e causalidade. Esse padrão de regularidade, em termos de História, era recente. Datava do século XIX. Quem o fornecia era a economia política e a biologia, com seus contributos principais: as noções de divisão do trabalho, de progresso por diferenciação, de sociedade e indivíduos como organismo. Como organismos, portanto, homens e sociedades estariam submetidos às “influências” mesológicas (fenômenos astronômicos, habitat, autitude, longitude/latitude e clima), biológicas (progresso, crescimento, diferenciação, hereditariedade, filogênese e ontogênese), e psicológicos (que pesa33

H ITAMAR FREITAS

vam na construção das instituições – linguagem, direito, moral, religião, arte e ciência). A grande estratégia metodológica para aferir a regularidade da maioria das ações humanas, por fim, seria fornecida pela Estatística. Como vimos, é uma outra base para “interpretação filosófica dos fatos históricos”, se quisermos lembrar o título da tese de igual teor e publicada quase à mesma época por Sílvio Romero. Isso posto, cabe colocar a questão ligada à ideia de transposição didática: em que medida tais soluções sobre a ciência da História, a origem e a identidade brasileiras seriam transferidas para o manual de História do Brasil destinado ao ensino primário no início do século XX?

Uma síntese da História do Brasil Diferentemente do que tinha orientado no livro de Sílvio Romero, João Ribeiro não constrói a sua síntese enfatizando os exemplos dos grandes homens. Ribeiro privilegia o acontecimento – o insumo básico para caracterizar a sua hipótese sobre a origem, desenvolvimento e a identidade do Brasil. Na demarcação do princípio e fim da História pátria, já podemos perceber o distanciamento entre as duas obras. A História de João Ribeiro inicia-se com o descobrimento (1500) e finda-se com a proclamação da República. As justificativas para o marco inicial são os condicionantes da expansão marítima e comercial europeia, impressos sobre a experiência brasileira e não o voluntarismo de homens como Colombo e Cabral. O final da História (1889), por outro lado, é indicador de erudição. Para o autor, os 34

Histórias do Ensino de História do Brasil H

fatos ainda estão em ebulição, não havendo maturidade ainda para o julgamento desse presente imediato. Isso não quer dizer que a História do tempo presente não seja privilegiada. O tempo narrado, contabilizado em páginas, indica que 28% do livro é dedicado ao século XIX, o tempo da autonomia e da implantação da democracia. Esse número também significa o dobro do espaço concedido aos eventos iniciais como o descobrimento, exploração e colonização, que foi de 14%. Ao longo do livro de 156 páginas, 22 capítulos distribuem a matéria aparentemente destinada a 22 lições. Lições que ocupam de 5 a 7 páginas em média, em forma de narração. Os 22 capítulos, entretanto, obedecem (de forma adaptada) à lógica comunicada no livro para o ensino “superior” – sua aposta cientificista para a organização da experiência brasileira. Isso resultou numa periodização em 6 atos: 1. descobrimento, exploração e início da colonização (1500/1549); 2. lutas contra o monopólio dos franceses, ingleses e holandeses; 3. formação do Brasil, revoltas nativistas; 4. definição do território; 5. surgimento do espírito de autonomia; 6. transição do absolutismo para a democracia. As ações, majoritariamente, depõem sobre a experiência do político, embora iniciem-se sob domínio do econômico: o próprio modo de periodizar já fornece indícios desse caráter. As ações dominantes, enfim, são: descobrir, explorar e colonizar; guerrear, invadir, restaurar, libertar, rebelar-se, lutar, fundar, expulsar, conspirar, condenar, executar, revolucionar, submeter, partir, ficar, tornar-se independente, abdicar, unificar, abolir, proclamar, e suceder (durante a República). 35

H ITAMAR FREITAS

Como se pode depreender da sequência de ações, os cenários são, inicialmente, o litoral norte, depois a Bahia, o Rio de Janeiro, Pernambuco, Maranhão, Ceará, Minas Gerais, Rio da Prata, Paraguai e Rio de Janeiro, novamente, ao final da História. Nesses cenários, passeiam personagens masculinos, obviamente, ligados à experiência do político – nobres, administradores, militares, clérigos, comerciantes – e de forma residual, os índios, companhias de comércio e partidos políticos. A síntese da História do Brasil, enfim, é um desfilar de conflitos que explicam a chegada dos portugueses, a formação inicial da sociedade, configuração do território, a origem do sentimento de autonomia, o esforço para evitar a fragmentação, e a implantação do regime democrático – na figura da República. Isso posto, resta-nos tentar responder: em que medida as escolhas para o ensino primário são debitárias das suas ideias sobre a ciência da História e os objetos da História do Brasil? Novamente, como em Sílvio Romero, é preciso considerar a ideia de João Ribeiro, de que a escrita didática para as crianças deve reproduzir o ambiente da sala de aula. A divisão em capítulos de dimensões simétricas é o primeiro indício: capítulos são aulas, praticamente independentes umas das outras, com início, meio e fim, título, sumário, texto narrativo e sinopse ao final de um período. Mesmo que João Ribeiro fosse avesso à “afetação pedagógica”, resultante de uma espécie de “linguagem infantil” comum nos livros didáticos da época, não deixou, contudo de preocupar-se com a dosagem da “quantidade de matéria”, e de simplificar o vocabulário e a sintaxe da obra. Basta com36

Histórias do Ensino de História do Brasil H

parar as versões da História do Brasil do curso primário, com os exemplares para os cursos médio e superior. Especificamente tratando de teoria da História, fica patente a sua tentativa de transpor a aposta cientificista sobre a experiência brasileira, produzida, inicialmente, para os alunos do curso secundário. A ideia de Brasil como um organismo, estruturado em células, o desenvolvimento nacional explicitado em termos de leis e causalidades – o progresso, o fim da monarquia e a abolição como fatos inexoráveis explicitam a transposição. Por outro lado, não há como verificar no livro didático o uso da base estatística para a regularidade das ações humanas, nem os fatores psicológicos que tanto pesavam na construção das instituições. Linguagem, direito, moral, religião, arte e ciência, instituições básicas, contudo, não ganham espaço na obra de João Ribeiro para as crianças.

Conclusões No início deste capítulo, anunciei a proposta de examinar a relação entre a ciência de referência e a escrita da História escolar, pondo os olhos na experiência do IHGB e de dois dos seus mais eminentes sócios: João Ribeiro e Sílvio Romero. As conclusões a que cheguei, embora centradas na análise de dois manuais apenas, podem fundamentar novas hipóteses sobre a ideia de transposição didática no início da República, em vigor entre pesquisadores da História da historiografia e da História do ensino de História. Em primeiro lugar, em termos de teoria da História, não há padrão dominante no período em foco, entre os 37

H ITAMAR FREITAS

sócios do IHGB – excetuando-se os valores atribuídos à heurística, e à função pedagógica e cidadã do saber de Clio (como já adiantei na introdução). Não há também, no limite dos pareceres consultados, uma prescrição dominante sobre como se deveria escrever a História do Brasil para escolares, sobretudo em termos de teoria da História. Os livros didáticos são considerados obras de historiador, mas o IHGB não difunde, explicitamente, um credo científico em prol de tal ou tal corrente. Em decorrência dessa primeira afirmação, portanto, não se pode dizer (novamente, no limite dos exemplos selecionados) que os sócios da casa seguiam “o canon” do IHGB. Com as análises das histórias do Brasil de Sílvio Romero e de João Ribeiro, constatei que os autores cunharam justificativas para a defesa da História como ciência e que tais justificativas, obviamente, sofreram modificações ao longo da suas trajetórias intelectuais. No ato de escrever para as crianças, também notei que os autores transpuseram as suas apostas (especulativa e cientificista) no trabalho de organização da experiência brasileira, como de resto é comum em qualquer empreitada de síntese. João Ribeiro e Sílvio Romero, por outro lado, encontraram muitas dificuldades para transpor alguns traços dominantes das teorias da História professadas durante a vida – se é que queriam mesmo efetuar essa transposição. Constatei que outros condicionantes agiram na configuração da escrita da História para as crianças. É provável que os mais significativos elementos tenham sido as finalidades e a clientela dessa modalidade historiográfica. Essas conclusões me levam a reforçar a hipótese de que a historiografia didática é uma outra História, que 38

Histórias do Ensino de História do Brasil H

não obedece à risca um suposto padrão fornecido por uma instituição legitimadora da ciência de referência, e nem mesmo é coerente com a epistemologia histórica professada por quem dela se ocupa. Ainda que alguns historiadores e professores de História da primeira República tenham pensado em termos de transposição didática, ou seja, disciplina escolar como reflexo da ciência de referência, os estudiosos sobre o tema devem matizar essa afirmação (e o seu próprio desejo) sob pena de falcear os resultados da investigação. Ensinar “História como uma ciência”, não é o mesmo que ensinar “a ciência da História” na escolarização básica. Dizendo de outra forma e com referentes contemporâneos: no ensino de História da primeira República, são tão rarefeitas as teorias da História professadas no IHGB, quanto o são as possibilidades de apropriação da(s) nova(s) História(s) no dia a dia da maioria das classes de História no Brasil do início do século XXI. (Cf. Oliveira, 2007, p. 9-18).

Referências ALENCAR, Barão de; CORREIA, Manoel Francisco. Parecer da comissão de admissão de sócios do IHGB. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, t. 61, parte 2, p. 715, 1899. ARAÚJO, José Augusto Melo de. Debates, pompa e majestade: a História de um concurso docente nos trópicos no século XIX. São Cristóvão, 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação, Universidade Federal de Sergipe. ARRUDA, José Jobson e TENGARRINHA, José Manuel. A pré-História da produção histórica no Brasil (1838-1930). In: Historiografia luso-brasileira contemporânea. Bauru: Edusc, 1999. pp. 33-40. Atas do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – 1894/1940. 39

H ITAMAR FREITAS BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Disciplinas escolares: História e pesquisa. In: OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda de e RANZI, Serlei Maria Fischer (orgs.). História das disciplinas escolares no Brasil: contribuições para o debate. Bragança Paulista EDUSF. 2003. pp. 9-38. ______. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: 1999. Cortez. CÂNDIDO, Antônio. Sílvio Romero: teoria, crítica e História literária. Rio de Janeiro: LTC; EDUSP, 1978. CHEVALLARD, Yves. Pourquoi la transposition didactique. In: La transposition didactique. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1991. pp.11-37. DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica brasileira (do IHGB aos anos 1930). Passo Fundo: Ediupf, 1998. v.1. FERREIRA, Antonio Celso. O altar do passado, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo: perfil, autores e textos. In: A epopéia bandeirante: letrados, instituições, invenção histórica (1870/1940). São Paulo: Editora da Unesp, 2002. pp. 93-171. FONSECA, Thais nivia de Lima e. História & ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. FREITAS, Itamar. A História ensinada na História erudita: São Paulo, 1894/ 1940. In: Histórias do ensino de História no Brasil. São Cristóvão: Editora da UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira. 2006. pp. 183-205. _____. A pedagogia da História de Jonathas Serrano para o ensino secundário brasileiro. São Paulo, 2006. Tese (Doutorado em História da Educação) – Programa de Estudos Pós-Graduados, História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. _____. E na Casa do Brasil? In: A pedagogia da História de Jonathas Serrano para o ensino secundário brasileiro (1913/1935). São Paulo, 2006. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Estudos Pós-Graduados, História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Anexo IV, p. 9-12. _____. Itinerários do ensino superior de História no Brasil (primeiras leituras). In: Histórias do ensino de História no Brasil. São Cristóvão: Editora da UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira. 2006. pp. 11-28. _____. Uma teoria da História no “Discurso” de Sílvio Romero. In: Historiografia sergipana. São Cristóvão: Editora da UFS, 2007. pp. 110-112. GALLY, Christianne. Brício Cardoso no cenário das Humanidades do Atheneu Sergipense (1870-1874). São Cristóvão, 2004. Dissertação (Mestrado em Edu40

Histórias do Ensino de História do Brasil H

cação) – Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação, Universidade Federal de Sergipe. GASPARELLO, Arlette Medeiros. Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da escola secundária brasileira. São Paulo: Iglu, 2004. GOMES, Angela de Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. HANDELMAN, Gotfried Heinrich. História do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1931. HANSEN, Patrícia. Feições e fisionomia: a História do Brasil de João Ribeiro. Rio de Janeiro: Access, 2000. IGLÉSIAS, Francisco. Segundo momento: 1838/1931. In: Os historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro, Nova Fronteira; Belo Horizonte: UFMG, IPEA, 2000. pp. 55-179. LEÃO, Múcio. João Ribeiro: estudos críticos. Rio de Janeiro: Alba, 1934. MELO, Ciro Flávio de Castro Bandeira. Senhores da História: a construção do Brasil em dois manuais didáticos de História na segunda metade do século XIX. São Paulo, 1997. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. MENEZES, Hermeson de. A crítica historiográfica em Sílvio Romero (1874/ 1888). São Cristóvão, 2007. Monografia (Licenciatura em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Sergipe. MOTA, Maria Aparecida Rezende. Sílvio Romero: dilemas e combates no Brasil da virada do século XX. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000. NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. A cultura ocultada. Londrina: Editora da UEL, 1999. NOVAIS, Fernando A. A universidade e a pesquisa histórica: apontamentos. Estudos Avançados, São Paulo, v. 4, n. 8, p. 108-115, jan./abr. 1990. OLIVEIRA, Margarida Maria Dias de. Parâmetros Curriculares Nacionais: suas idéias sobre História. In: OLIVEIRA, Maria Dias de e STAMATTO, Maria Inês Sucupira. O livro didático de História: políticas públicas educacionais, pesquisas e ensino. Natal: Editora da UFRN, 2007. pp. 9-18. RAMOS, Sílvio. Discurso. In: Anais da Assembléia Provincial de Sergipe no ano de 1874. Aracaju: Tipografia da Crença, 1875. pp. 93-96.

41

H ITAMAR FREITAS REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 2 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. REZNIK, Luís. O lugar da História do Brasil. In: MATTOS, Ilmar Rohloff. Histórias do ensino da História no Brasil. Rio de Janeiro: Access, 1998. pp. 6789. RIBEIRO, João. A ciência da História. In: História Antiga (oriente e Grécia). Rio de Janeiro, s.n s.n, 1894. pp. 1-26. _____. Prólogo da 1ª edição. In: ROMERO, Silvio. História do Brasil: ensinada pela biografia dos seus heróis (livro para as classes primárias). 8 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1908b. pp. v-x. RIBEIRO, João. História do Brasil: curso superior. 4 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1912. _____. A ciência da História. In: História universal: lições escritas de conformidade com o programa de 1918 do Colégio Pedro II. 2 ed. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos. 1919. pp. 337-355. _____. Handelmann: um velho e novo historiador. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 nov. 1931. [Republicado em: LEÃO, Múcio. Obras de João Ribeiro: crítica (historiadores). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1961. pp. 25-26]. RIBEIRO, Joaquim. Prefácio. In: RIBEIRO, João. História do Brasil: curso superior. 16 ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957. RODRIGUES, José Honório. A evolução da pesquisa pública histórica brasileira. In: A pesquisa histórica no Brasil. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982. pp. 37-119. ROMERO, Sílvio. Da interpretação filosófica na evolução dos fatos históricos: tese para concurso das cadeiras de filosofia do Imperial Colégio Pedro II. Rio de Janeiro: Imprensa Industrial de João Paulo Ferreira Dias, 1880. 31 p. _____. Notas sobre o ensino público. In: Escritos de sociologia e literatura. Rio de Janeiro: H. Garnier. 1901. pp. 127-216. _____. Teoria das criações fundamentais e irredutíveis da humanidade ou classificação dos fenômenos em sociologia. In: Filosofia do direito. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1908a. pp. 176-202. _____. História do Brasil: ensinada pela biografia dos seus heróis (livro para as classes primárias). 8 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1908b. 42

Histórias do Ensino de História do Brasil H

_____. História da literatura brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1954. v. 1. SCHNASS, Franz e RUDE, Adolf. Ensenanza de la geografia, ensennanza de la historia y educacion cívica. Barcelona: Labor, 1939. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870/1930. São Paulo: Companhia das Letras. 1993. pp. 99-140. SERRANO, Jonathas. “Discurso de posse como sócio efetivo do IHGB”. Revista do IHGB. Rio de Janeiro, t. 85, Vol. 139, 1921, p. 517-540. [Discurso pronunciado em 12/08/1919]. SOUZA, Cristiane Vitório de. As leituras pedagógicas de Sílvio Romero. São Cristóvão, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação). Núcleo de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Sergipe, 2006. TEIXEIRA, Gilson Ruy M. O ensino de Filosofia no Imperial Colégio Pedro II. São Paulo, 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – HPS, PUC-SP. TURIN, Rodrigo. Narrar o passado, projetar o futuro: Sílvio Romero e a experiência historiográfica oitocentista. Porto Alegre, 2005. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. VECHIA, Ariclê. Imperial Colégio de Pedro II no século XIX: portal dos estudos históricos franceses no Brasil. In: VECHIA, Ariclê e CAVAZOTTI, Maria Auxiliadora (orgs.). A escola secundária: modelos e planos (Brasil, séculos XIX e XX). São Paulo: Anablume, 2003. pp. 27-35. VENTURA, Roberto. 1991. Estilo tropical: História cultural e polêmicas literárias no Brasil (1870-1914). São Paulo: Companhia das Letras. _____. História e crítica em Sílvio Romero. In: ROMERO, Silvio. Compêndio de História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Imago; São Cristóvão: Editora da UFS, 2001. pp. 9-21. [Organizado por Luiz Antonio Barreto].

43

2 HISTÓRIA DO BRASIL PARA CRIANÇAS: o livro escolar nos primeiros anos da República e a iniciativa de Joaquim Maria de Lacerda (1880/1918)

H

H ITAMAR FREITAS

P

or volta de 1896, o historiador Manoel Curvello de Mendonça (1870/1914) publicou um depoimento significativo sobre o valor da educação e, especificamente, dos estudos históricos para a consolidação da ideia de República. Em Sergipe republicano (1896), ele asseverou que o “ensino de História adquiriu largo desenvolvimento” na cidade de Laranjeiras – SE e fez “nascer na alma pura e inteligente dos moços alunos o sentimento ardente das aspirações democráticas.” Trago aqui a fala de Mendonça para ressaltar que, também no final do século XIX, os estudos de História poderiam proporcionar o “esclarecimento” e estimular a “mudança”. Não eram apenas conhecimentos sobre grandes homens, fatos destacados, comprometidos com o estabelecimento da nação. Assim, por estimular a crítica do tempo presente, a História deveria figurar nos currículos das escolas que educavam os “moços alunos” e os “homenúnculos” da sua época. Mas, como “fazer nascer na alma pura e inteligente dos moços alunos o sentimento ardente das aspirações democráticas?” Que tipo de ensino de História cumpriria esse desejo? Manoel Curvello não revela. Sabe-se apenas que o professor do seu tempo possuía duas grandes ferramentas: a própria voz e o livro escolar. A voz daqueles professores do final do século XIX e do início do século XX – em Sergipe, onde nasceu Curvello, ou no Rio de Janeiro, onde fez carreira intelectual –, perdeu-se irremediavelmente. Mas, os “livrinhos” de História do Brasil não. Eles estão depositados em bibliotecas, arquivos e sebos à espera dos seus decifradores. Neste texto, descrevo apenas uma das iniciativas de didatização do saber de Clio para crianças, que circula-

46

Histórias do Ensino de História do Brasil H

vam no Rio de Janeiro, nas primeiras décadas do regime republicano: a Pequena História do Brasil, de Joaquim Maria de Lacerda (1838/1886),1 publicada em 1880 e aumentada em 1918 por Luiz Leopoldo Fernandes Pinheiro. O objetivo é estudar o livro escolar em seus componentes estruturantes: os aspectos tipicamente historiográficos, pedagógicos, linguísticos e os seus modos de impressão. A ideia é colher informações sobre o sentido de conceitos e métodos da História e da Pedagogia, o estágio das técnicas de impressão e das formas de tratamento de determinados acontecimentos, como sugere Alain Choppin (s.d.), num tempo em que o ser “criança” ainda não se havia tornado objeto relevante para a Psicologia no Brasil.

Um artefato de papel e tinta Livros didáticos “não são meramente idéias, sentimentos, imagens, sensações, significações que o texto possa representar. Nem tampouco é o texto em abstrato. Pois esse texto, de que as pessoas normalmente vêem apenas idéias, sentimentos, imagens, etc. é constituído de letras (confeccionadas com tinta sobre papel) segundo uma fa-

1

Para Circe Bittencourt, Joaquim Maria de Lacerda era “um autor religioso” que na década de 1880 havia escrito várias obras para o ensino elementar. A pesquisadora afirma ainda que “o falecimento do autor não diminuiu a venda de suas obras, conforme atestam os catálogos que indicam as ‘atualizações’ realizadas por outro autor em seus textos originais”. (Bittencourt, 2005). A Biblioteca Nacional ainda guarda a 11ª edição da Pequena história do Brasil (1899) e também a Pequena geographia da infância: composta para uso nas escolas primárias, nona edição, revista e melhorada (1898), e o Curso methodico de geographia phisica, politica, historica, commercial e astronomica: composto para uso das escolas brazileiras, nona edição, melhorada (19—), todos editados pela H. Garnier. 47

H ITAMAR FREITAS

mília de tipo (ou face de tipo ou fonte), que lhes dá homogeneidade.” (Munakata, 1997, p. 84). Corroborando, então, com a definição do professor Munakata, enfrentemos o primeiro problema: quais seriam as características materiais da Pequena História do Brasil do dr. Joaquim Lacerda? O livro foi lançado em 1880, mas, na segunda edição (1918), já usufruía dos benefícios introduzidos pela composição em linotipo (1885).2 A estrutura da obra contempla o que entendemos hoje como elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais. Compunha-se de capa, falsa folha de rosto, folha de rosto, prefácio, prólogo; texto principal e tábua cronológica; índice geral (correspondente aos atuais sumários) e índice alfabético dos brasileiros ilustres. Observem que não há referências bibliográficas. Os textos principais – nosso alvo privilegiado – eram compostos pelo tipo romano, da família serifada, em estilo normal, tipo n. 13, com uso parcimonioso da variedade de tamanhos. Observem na Figura 1 o equilíbrio no emprego desses tipos: acima, no cabeçalho, o título do capítulo e o número da página quase imperceptível. Ele não deve chamar atenção, apenas registrar a origem da lição. Em seguida, o título do capítulo em caixa alta e o subtítulo em tipo menor, em linha separada. O próximo título refere-se ao primeiro tópico do capítulo. Esse é um caso raro do uso de tipo não serifado. Por fim, o conteúdo da lição propriamente dito, ou seja, o texto principal – que deverá expressar as “idéias, sentimentos e imagens”, 2

48

Processo de composição em que as linhas de texto “são fundidas à medida que vão sendo digitadas num teclado.” Diferente dos “tipos móveis, em que cada palavra, cada frase, cada parágrafo e cada página são montados letra por letra, manualmente.” (Munakata, 1997, p. 82; Cf. Smith Júnior, 1990, p. 95-96).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

destinadas às faculdades da “infância brasileira”. Aqui, há variação de estilo: o itálico e o normal. O itálico é indicador de interrogação e, ao mesmo tempo, representa a figura do professor. Para o aluno (além de representar o professor), o itálico pode reproduzir a imagem do mestre interrogando-o, nos dias de leitura – nas aulas – ou nos momentos de avaliação – nas sabatinas. Já o tipo normal registra a resposta correta, a sentença que deve ser memorizada pelo aluno, o texto que é de sua responsabilidade ler, reler e conservar de cor. Observem também o tamanho dos tipos do texto principal (n. 13): são relativamente grandes para a ocupação da mancha – 8 palavras, em média para cada linha de texto. Vejamos agora as ilustrações. São todas em preto e branco e do tipo linear linear, ou seja, não há ícones que apresentem gradações entre o preto e o branco, passando por várias tonalidades de cinza – como são comuns nas reproduções fotográficas. Aí está uma limitação técnica para baratear o produto, talvez. Vigora então o desenho tracejado. A disposição das ilustrações, porém, cumpre função bastante conhecida em nosso tempo. Elas quebram a monotonia da página ocupada pelo texto escrito, servem de descanso visual e funcionam como atrativo – estimulam a imaginação do pequeno leitor. E mais, elas estão integradas ao texto, mantendo relação direta com o assunto abordado no parágrafo ao lado ou acima. As ilustrações já trazem título, e informação sobre a custódia e a autoria da imagem.

49

H ITAMAR FREITAS

Figura n. 1. Fonte: Lacerda, 1918, p. 11. 50

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Figura n. 2 Matança do 1º bispo da Bahia e de seus companheiros Fonte: Lacerda, 1918, p. 32.

Figura n. 3 Transmigrações para minas Fonte: Lacerda, 1918, p. 44.

Figura n.4 Independência ou morte (quadro de Pedro Américo) Fonte: Lacerda, 1918, p. 94. 51

H ITAMAR FREITAS

Mas, se as fontes estão relacionadas ao texto, elas devem dizer algo bastante significativo. Sobre o que a iconografia do livro de Lacerda está tratando? A maior parte das ilustrações (71,2%) são do tipo meio busto de homens destacados, a exemplo de Cabral, de Diogo Antônio de Feijó, e Duque de Caxias. As demais representações iconográficas referem-se às cenas históricas (9,1%) (Cf. Figuras 2, 3 e 4. pág. 51) – a matança do primeiro bispo do Brasil, o grito do Ipiranga, a viagem dos colonos para as minas; fontes históricas (7,6%) – artefatos dos indígenas, padrão português, embarcação do século XVI; visões panorâmicas de recantos do Brasil (7,6%) – uma paisagem da Paraíba, a península de Itapagibe em 1549, o alcacer da Boa Vista em Pernambuco; e, por fim, os mapa mundi mapas e plantas (mapa mundi, plantas das cidades do Recife e da Bahia), que ocupam apenas 4,5% do total de 65 ilustrações. A distribuição das ilustrações também longe está de ser homogênea. Para o tempo inicial da colônia, introduzem-se os mapas, visões panorâmicas estáticas e as cenas da “Transmigração para as minas”. Da segunda metade do século XVIII em diante, inicia-se o desfile dos homens ilustres: Antônio Vieira, Gomes Freire de Andrade, D. João VI entre outros. O aspecto geral do livro é de sobriedade. Não há vinhetas ou quaisquer tipos de adornos. Os fios são utilizados apenas como sub-divisores de assuntos. Com a ausência de cores, e para não perder em profundidade e legibilidade, as ilustrações que não retratam os homens em meio bustos são limitadas por cercaduras (ou quadros). Há problemas até com a disposição das imagens que excedem a largura da mancha. Observem 52

Histórias do Ensino de História do Brasil H

a limitação da técnica nesse sentido: o leitor tem que girar o livro para examinar as cenas da “descoberta do Brasil” e da “Independência ou morte” – reproduções dos quadros de Aurélio de Figueiredo e de Pedro Américo, respectivamente (Cf. Lacerda, 1918, p. 12 e 94). A capa não é ilustrada e no fundo emprega-se o tom pastel. Em suma, o resultado final desses processos de composição e impressão é um livro que segue um certo padrão para os didáticos: formato 12 x 18 cm; papel couché, e gramatura semelhante aos demais impressos de grande formato (15 x 23 cm), destinados ao público adulto, que circularão na década posterior. Vejamos agora que tipo de escrita histórica foi produzida para esse didático de História do Brasil. Quadro n. 1 - Transformação do texto linear em modo questionário

Descobrimento do Brazil

Descobrimento do Brazil

O Brazil foi descoberto pelo almirante português Pedro Álvares Cabral. [Tal descoberta] teve lugar a 22 de Abril de 1500, reinando em Portugal el –rei D. Manuel.

P. Por quem foi descoberto o Brazil? R. O Brazil, foi descoberto pelo almirante portuguez Pedro Àlvares Cabral.

O descobrimento do Brazil foi um effeito do acaso. Navegava Cabral para a India, quando, para evitar as calmarias da costa da África, afastou-se tanto d’ella, que veio a avistar do lado do Occidente uma terra desconhecida. (Lacerda, 1919, p. 11).

P. Quando teve lugar este descobrimento ? R. Teve lugar a 22 de Abril de 1500, reinando em Portugal el-rei D. Manuel. P. O que deu occasião a este notável acontecimento? R. O descobrimento do Brazil foi um effeito do acaso. Navegava Cabral para a Ìndia, quando, para evitar as calmarias da costa d’Africa, afastou-se tanto d’ella, que veio a avistar do lado do Occidente uma terra desconhecida. (Lacerda, 1919, p. 11).

53

H ITAMAR FREITAS

A escrita da História Já afirmei que os livros didáticos “não são meramente ideias, sentimentos, imagens, sensações, significações que o texto possa apresentar”. Ocorre que o texto linear escrito também é componente estruturante do objeto. Na Pequena História de Lacerda ele apresenta-se na forma do diálogo – um diálogo extraído de uma narrativa linear. Atentem para esse fragmento que demonstra o processo de didatização da narrativa histórica: vejamos em primeiro lugar o suposto texto original da lição sobre o “descobrimento do Brasil” e ao seu lado a transformação da narrativa em modo questionário (cf. Quadro n. 1). E quanto às “significações que o texto possa apresentar”, que sugere o livro de Lacerda? Obviamente a Pequena História do Brasil homogeneíza a experiência indígena (selvagens), não oferece uma linha sobre a vida dos escravos, encara a História pátria a partir da “descoberta”, ainda fruto de um “acaso”, apresenta o personagem Domingos Fernandes Calabar como o “homem de cor”, “pérfido” e “desertor”, não comenta os feitos administrativos de Pombal, enaltece o trabalho dos jesuítas, anuncia a “Conspiração do Tiradentes” como o fato mais importante do “governo de Luiz de Vasconcelos” e comemora a destruição de Canudos, “onde um fanático conhecido por Antonio Conselheiro, conseguindo fanatizar grande número de sertanejos (jagunços), formou uma povoação, que afinal se tornou perigosa à ordem pública.” (Lacerda, 1918, p. 137). Depois desses comentários, é importante que não sucumbamos à tentação de condenar a “obrinha” do Dr. Joaquim com base nos avanços da pesquisa histórica 54

Histórias do Ensino de História do Brasil H

universitária contemporânea ou à luz de uma visão classista da sociedade brasileira. Lembremos que o livro foi escrito em 1880 e a edição comentada registra a data de 1918. Além disso, a considerar-se como confiáveis os dados do prefácio da segunda edição, levemos em conta que aproximadamente dez mil pessoas, entre alunos, pais e professores manusearam a primeira edição, e esse número fornece alguma legitimidade às “significações que o texto possa apresentar”. Dizendo de outro modo, é provável que a grande maioria dos adultos concordassem com as teses ali expostas e as fizesse transmitir às próximas gerações. Outro aspecto relevante para o conhecimento da escrita da História do didata Joaquim Lacerda é a forma de recortar o tempo da experiência brasileira. A rigor, não obedece a nenhuma das clássicas periodizações à disposição no mercado até 1880. Cunha Matos (1839) propôs três épocas, Abreu e Lima (1843), oito; Henrique Bellegarde (1831), seis; e Justiniano José da Rocha (1855), cinco. Lacerda4 divide a História do Brasil em sete períodos (1500-1580; 1580-1640; 1640-1808; 1808-1822; 1822-1831; 1831-1899; 1889-1906), não coincidentes com as propostas citadas, mas mantém os critérios dominantes até então: as ocorrências políticoadministrativas. Um exame das subdivisões de cada período pode indicar a sua opção, talvez. É provável que as suas escolhas tenham se pautado pelo programa dominante do velho Pedro II, entre as reformas de Benjamin Constant (1890) e de Carlos Maximiliano (1915). Vejamos: 4

Na verdade, não é Lacerda quem divide a história do Brasil em sete partes, posto que o mesmo faleceu em 1886. É provável que Olavo Bilac tenha refeito a periodização, ampliando o sexto e acrescentando o sétimo segmento em 1905. (Cf. Batista, Galvão e Klinke, sd., p. 11). 55

56

Período III

Período IV

1. Estado do 1. Expulsão dos holandeses 1. Primeiros atos do príncipe regente Brasil em 1580 do Brasil

Período II

2. Sexto gover- 2. Governadores gerais que 2. Guerra no Sul do 2. Aventuras de Diogo Álvares e de Ramalho nador geral sucederam a Barreto de Brasil; anexação da Banda Oriental (1583-1591) Menezes Divisão do Brasil em capitanias (1534) (1811-1812) 3. Sétimo go- 3. Expedições dos franceses 3. História da fundação das capitanias 3. Revolução de vernador geral contra o Rio de Janeiro 4. Serviços prestados pelos Jesuítas Pernambuco em 4. Sucessores 4. Guerra com os espanhóis; 1817 5. Segundo governador geral do Brasil de D. Francisco tratado de S. Idefonso Revolução de Por(1553-1558) (1762-1777) tugal em 1820; de Souza seus efeitos no Bra6. Terceiro governador geral do Brasil (1558- 5. Tomada da 5. Vice-reis do Brasil depois sil 1572) Bahia pelos da trasladação da sede do governo geral para o Rio de 4. Medidas tomaholandeses Janeiro das pelas cortes de 7. Fim trágico de D. Luiz de Vasconcellos (1570) Lisboa a respeito 6. Ocupação de Pernambu- 6. Conspiração do Tiradentes do Brasil 8. Divisão do Brasil em dois governos (1575- co pelos holan1577) deses (1630- 8. Vice-reinado do conde de 5. Independência 1654) Rezende e de seus sucesso- do Brasil 9. Quinto governador geral. O Brasil passa para o domínio espanhol (1578-1580)

1. Descobrimento do Brasil Povos indígenas do Brasil Primeiras explorações da costa do Brasil

Período I

Quadro n. 2 - Listagem dos pontos abordados em cada capítulo/período na Pequena História do Brasil de Joaquim Maria de Lacerda

H ITAMAR FREITAS

2. Proclamação da maioridade de D. Pedro II

2. Revolução de Pernambuco em 1824

4. Fim do reinado de D. Pedro I; sua abdicação

9. Fatos posteriores à guerra do Paraguai

8. Guerra do Paraguay (1864-1870)

7. Questão inglesa em 1862

6. Guerra contra Rosas em 1851

5. Revolução em Pernambuco em 1848

4. Pacificação do Rio Grande do Sul

3. Revolução em S. Paulo e Minas Gerais

1. Minoridade de D. Pedro II; regentes do Império

1. Evacuação do Brasil pelas tropas portuguesas

3. Separação da Província Cisplatina, que se constitui em estado independente

Período VI

Período V

6. Governo do Dr. Rodrigues Alves.

5. Governo do Dr. Campos Salles

4. Governo do Dr. Prudente de Morais

3. Governo do Marechal Floriano Peixoto

2. Governo do Marechal Deodoro da Fonseca

1. Governo provisório

Período VII

Continuação

Quadro n. 2 - Listagem dos pontos abordados em cada capítulo/período na Pequena História do Brasil de Joaquim Maria de Lacerda

Histórias do Ensino de História do Brasil H

57

H ITAMAR FREITAS

Por fim, é preciso contar um pouco do objeto dessa História para crianças: que atores, que motores, que fatos são eleitos para “a execução dos trabalhos escolásticos”? Para Joaquim Lacerda, não existem meios termos – as perguntas e as respostas o indicam coerentemente com a periodização e a listagem dos pontos apresentadas no quadro anterior. Os personagens são, por exemplo (para o primeiro período), Cabral, Caramuru, Martim Afonso de Souza, Francisco Pereira Coutinho, Anchieta, Willegagnon, D. Luiz de Vasconcelos e os coletivos Tamoios e Franceses. A tábua cronológica, por sua vez, inserta ao final do capítulo, indica a espinha dorsal da administração a ser retida na memória do aluno: os reis de Portugal atuantes naquele período – D. Manuel, D. João II, D. Sebastião, o cardeal D. Henrique –, e os governadores gerais do Brasil – Tomé de Souza, Duarte da Costa, Mem de Sá, Luiz de Brito e Lourenço da Veiga. Quanto aos fatos, aos “principais acontecimentos”, Lacerda destaca: 1. fundações e construções de cidades e fortes; 2. posses, criações, restaurações de governos e estabelecimento de limites territoriais; 3. batalhas, tomadas, retomadas, conquistas, expedições, derrotas e armistícios que envolvem brasileiros contra estrangeiros e também brasileiros contra os próprios nacionais; e 4. mortes trágicas de personagens que dominam a cena. Os motores, as justificativas sobre a sucessão dos acontecimentos, não merecem muito espaço no “livrinho” de Lacerda. Aqui e ali, ele deixa vazar para as crianças a ideia de que a história desenrola-se ao sabor dos vícios e virtudes e humores dos personagens destacados, como por exemplo: a Revolução Pernambucana de 1824 acon58

Histórias do Ensino de História do Brasil H

teceu porque o governador Paes Andrade não quis entregar o governo a Francisco Paes Barreto, nomeado pelo Imperador (p. 98). Quando a ocorrência envolve o coletivo, a resposta pode ser bastante simples: a falta de pagamento da tropa... Para um evento capital, como a Proclamação da República não há informação sobre causas ou motivações. Quadro n. 3 - Tipificação das questões formuladas na Pequena História do Brasil, de Joaquim Maria de Lacerda

Questão Quem (pessoa) Qual ação (humana) Qual fato (acontecido) Qual destino (pessoa ou coisa) Como Quando Por que (causa) Sim ou não Quem (coisa) 0 que sucedeu (consequência) Onde Qual vantagem (para o Brasil) Qual função (da expedição, do homem) Qual vitória Qual projeto Quanto (tempo) Outras questões Total

Ocorrência 81 76 58 55 43 34 19 18 16 12 7 6 5 3 3 2 11 449

Porcentagem 18,0% 16,9% 12,9% 12,2% 9,6% 7,6% 4,2% 4,0% 3,6% 2,7% 1,6% 1,3% 1,1% 0,7% 0,7% 0,4% 2,2% 100%

Como, então, se configura o texto do historiador após eleitas as prioridades, selecionados os recortes temporais, fatos e personagens da história do Brasil? Agora é bem mais fácil entender o tom monótono da leitura (monótono para o apreciador adulto do século XXI). Não há 59

H ITAMAR FREITAS

como fugir às interrogativas clássicas: quem foi, quais foram, o que foi, por que foi, como foi, quando, que aconteceu de mais “importante”, “notável”, ou “particular” no governo, período, administração etc., deste ou daquele personagem de renome. Sem dissipar-se da cultura histórica do nosso tempo, o leitor de hoje chega à conclusão de que o texto é eminentemente descritivo e repetitivo. Apesar de linear, de seguir a ordem lógico-cronológica, o narrador (?) parece estar sempre interrogando os alunos sobre as mesmas coisas: como se chamava? Qual fato aconteceu? Que ação foi providenciada? Qual o desfecho dessa ação humana ou fato histórico? Observem no quadro n.3 que as questões sobre causa e consequência são visivelmente minoritárias e isso nos leva a indagar: estaria o Dr. Lacerda poupando os seus pequenos leitores de uma suposta habilidade que eles não poderiam dominar (a compreensão de causas e consequências)? As respostas para cada questão também são simples e objetivas. De período único, termos dispostos em ordem direta, vocabulário prosaico e rara adjetivação, os textos são ainda construídos sob normas, digamos, eruditas, que não dispensam o uso de sofisticações com o tempo verbal mais-que-perfeito e o emprego da ênclise. Dessa descrição sumária do texto, portanto, da impressão de excessiva simplicidade, da monotonia provocada pela escrita, somos levados à segunda indagação: e o texto da Pequena História do Brasil era mesmo para ser lido? Como fazer uso de um livro cujo conteúdo é administrado em pequenas doses?

60

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Uma pedagogia para a infância A hipótese aventada aqui é a de que o didático deveria ser lido, mas de um modo particular para o período. O texto poderia ser recitado, quase cantado, como se fazia até há pouco com o estudo da tabuada, nas aulas de aritmética: Vamos agora estudar a casa do dois: duas vezes dois? - Quatro! - Duas vezes três? - Seis! - Duas vezes quatro?.... Recitado em sala ou recitado em domicílio do aluno; tomada a lição pelo professor, pelo pai ou pelo irmão mais velho, a musiquinha é o que logo vem à lembrança quando se imagina que tipo de relação mantinha o aluno e o professor com aquele recurso didático. Para a sorte desta pesquisa, o último leitor – que pode ter sido uma professora – deixou marcadas as datas de tomada de boa parte das quarenta e cinco lições: os “Povos indígenas” devem ser estudados em 12 de janeiro de 1922; as “Primeiras explorações da costa”, no dia 15 do mesmo mês; no dia 17 de janeiro, as “Aventuras de Diogo Álvares”, lição esta que abrangia as seguintes questões: “Que naufrágio memorável se deu em 1510” até a “Que acolhimento encontraram eles [Caramuru e Paraguaçu] em França?” Seguindo os vestígios de dona Cacilda Fernandes, que fez as devidas anotações no didático,5 pode-se dizer

5

O registro autógrafo vem na folha de guarda: “Cacilda Fernandes, Rio, 2211-1921.” 61

H ITAMAR FREITAS

que o livrinho do Dr. Lacerda deveria ser consumido em dois anos e o melhor de tudo (ou o pior, a depender do interesse e do ângulo de quem observa): se examinarmos como a leitora demarcou esta lição sobre Caramuru e outras lições no decorrer dos anos 1922 e 1923, poderemos inferir que essa professora (aluna ou mãe de aluna...) desconsiderava o “ponto” (a subdivisão do período/ capítulo) como unidade de leitura. O que estaria em pauta era não mais que a capacidade de retenção do aluno, medida em número de questões, em quantidade de linhas do texto. Por esse raciocínio, importaria a memorização do texto dentro da sequência original (lógico-cronológica) prescrita pelo Dr. Lacerda.

Conclusões O que se pode dizer, então, acerca da pedagogia da História sugerida pela obra do dr. Lacerda (e aqui já vou finalizando)? Três considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, a forma dialogada com que realiza o trabalho do historiador fornece indícios do principal caminho encontrado pelo professor para ministrar a sua aula às crianças daquele início de República: o método socrático, o método dialogado, de perguntas e respostas ou o método da interrogação. Registre-se, todavia, que a estratégia do diálogo, não obstante ter sido conservado na memória dos professores como o método professoral por excelência – o velho método, o tradicional, jesuítico, eclesiástico, o socrático – nada guarda em semelhança com o seu ancestral posto em prática na Grécia clássica, tampouco em algumas propostas universitárias do sécu62

Histórias do Ensino de História do Brasil H

lo XXI.6 Da forma como está configurado na Pequena História do Brasil, a estratégia do diálogo pressupõe um texto a ser transmitido pelo professor e memorizado pelo aluno. Parafraseando Sócrates, poder-se-ia dizer que a criança, antes mesmo de começar a lição, já “sabe que nada sabe” e, dificilmente, poderá “parir uma idéia” que não tenha sido objeto prescrito no currículo do primário – o ponto-tese. Isso nos leva à segunda consideração: a concepção de psicologia educacional. Se o texto histórico é construído em bases simples, em termos de ordenação, modo explicativo, de vocabulário, pontuação e extensão das frases; se, ainda, esses mesmos textos (dizemos hoje, conteúdos conceituais) são dispostos em indagações capitaneadas pelo professor, pode-

6

Para a crítica e orientação da aplicação do método socrático como meio de ensino, ver as duas posições que se seguem: 1. “Na verdade, o método socrático pode ser considerado uma falsa concepção de interesse, ao lado dos métodos atraentes e dos métodos coercitivos. É que falta saber se as perguntas efetuadas no âmbito do método socrático são antes de mais nada oratórias ou se trata verdadeiramente de pequenos desafios lançados à sagacidade dos alunos. Resta também saber se o aluno tem na verdade o direito de responder. Parece-me que, na esmagadora maioria dos casos, os professores que praticam consciente ou inconscientemente o método socrático pretendem apenas satisfazer as seguintes funções: captar a atenção; retê-la quando esta parece escapar; fazer voltar o silêncio e restabelecer as disciplina; introduzir uma noção ou relembrá-la; fazer com que a criança reflita sobre ela ou mesmo que afixe; pretexto para obter a ‘bela frase completa’.” (Lagoa, 2005, p. 1). 2.”Hai que enfatizar que el método socrático no consiste em ‘enseñar’ em el sentido convencional de palabra. El director de la investigación socrática no es el portador de conocimiento, que llena las mentes vacías de alumnos ostentosamente pasivos com hechos y verdades adquiridas a lo largo de estudio. Tal como dirían los miembros de la Faculdad de Educación, ‘el profesor socrático no es sabio ubicado em escena’. En el método socrático, no hay lecciones ni tampoco hay necesidad de memorización. Pero tampoco es el profesor socrático ‘el guía que camina a nuestro lado’, como se pudiera sospechar.” (Reich, 2003, p. 1). 63

H ITAMAR FREITAS

se identificar aí o traço mais explícito de uma psicologia fundada na concepção de faculdades mentais, onde o ensinar é fazer exercitar as faculdades da criança, notadamente a faculdade da memória. Visto dessa forma, o texto histórico (o trabalho do historiador) distribuído em questões e respostas não é um construto elaborado para posterior memorização/verificação: ele é a própria representação das faculdades mentais (sobretudo, memória) em exercício pleno. A terceira e última consideração, por fim, é fruto dessa ideia de como funciona a mente da criança nas três primeiras décadas da República no Rio de Janeiro. Se o método de ensino indica a indagação sistemática, sucessiva e cumulativa para por a criança em permanente exercício, a ideia de aprendizagem que lhe segue é a de que aprender é memorizar. Ao assinalar as datas desconsiderando o “ponto”, a “lição” – a subdivisão do capítulo do livro de Lacerda – a leitora Cacilda Fernandes oferece indícios de que a aprendizagem era medida a partir da quantidade de respostas retidas pelo aluno na sequência lógica do texto. A compreensão histórica – seja na forma de conhecer o pensamento e entender a ação dos homens no passado (Cf. Lee, 2003, p. 20-21) ou de vivenciar, interpretar e utilizar o passado em sua vida prática (Cf. Rusen, 1992, p. 34), como se passou a reivindicar a partir dos anos 1930 – estava muito distante do construtor do manual e, mesmo, do professor de História para as crianças nesse caso em particular. Aqui, o sentido de compreensão estava mais próximo da palavra empatia – nascida no decorrer das lições sobre determinadas ações de destacado personagem. 64

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Referências BATISTA, Antonio Augusto Gomes, GALVÃO, Ana Maria de Oliveira, e KLINKE, Karina. Livros escolares de leitura: uma morfologia (1866/1956). Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 20, p. 27-47, mai./ago. s.d. GUILHERME, Faria. Pequeno dicionário de editoração. Fortaleza: Editora da UFS, 1996. LACERDA, Joaquim Maria de. Pequena História do Brasil por perguntas e respostas para uso da infância brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1918. [Publicado pela primeira vez em 1880]. L A G O A , S é r g i o . M i t o s d o e n s i n o n a Fi l o s o f i a . M i t o 6 : S ó c r a t e s . www.criticanarede.com/fil_mitosensino.html. Capturado em 12 nov. 2005. LEE, Peter. “Nós fabricamos carros e eles tinham que andar a pé”: compreensão das pessoas do passado. In: BARCA, Isabel (Org.). Actas das Segundas Jornadas Internacionais de Educação Histórica. s.d.t.: Universidade Minho, 2003. pp. 18-36. MARTINS, Wilson. A palavra escrita. São Paulo: Anhembi, 1957. MENDONÇA, Manoel Curvello de. Sergipe republicano e histórico: estudo crítico e histórico. Rio de Janeiro: sn sn., 1896. MORAES, Marcia Regina Mendes Nunes de. Psicanálise e educação: pensando a relação professor-aluno a partir do conceito de transferência. Revista de Psicologia, Santo André, v. 9, n. 10, p. 68-80, jul./dez. 2004. MUNAKATA, Kazumi. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. São Paulo, 1997. Tese (Doutorado em História e Filosofia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. REICH, Rob. El método socrático: qué es y cómo debe usarse em el aula. www.pucp.edu.pe/cmp/docs/metodo_socratico. Capturado em 12 nov. 2005. RODRIGUES, José Honório. A periodização na História do Brasil. In: Teoria da História do Brasil: introdução metodológica. 3 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. pp. 125-144. RUSEN, Jorn. El desarrollo de la competencia narrativa en el aprendizaje histórico. Uma hipótesis ontogenética relativa a la conciencia moral. Propuesta Educativa, s.d.t., n. 7, p. 27-36, out. 1992. 65

H ITAMAR FREITAS SMITH JÚNIOR, Datus C. Guia para editoração de livros. Recife: Editora Universitária da UFPE; Florianópolis: Editora da UFSC, 1990. WARDE, Mirian Jorge. Para uma História disciplinar: psicologia, criança e pedagogia. In: FREITAS, Marcos Cesar de (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 1997. pp. 289-310.

66

3 A História ensinada e a História por se ensinar a partir das conferências e congressos sobre do ensino secundário brasileiro (1922/1934)

H

H ITAMAR FREITAS

Q

uem investiga teorias do ensino de História nos estudos secundários não pode passar ao largo dos eventos em que os eruditos, políticos e os técnicos apresentaram suas posições e predispuseram-se a debater diante de um público especializado. Aqui, trato dos congressos e conferências interestaduais ou nacionais convocadas pelo governo da União e por entidades representativas de tais comunidades envolvidas com os saberes escolares e do ensino superior. Qual modelo de ensino secundário se queria efetivar no início da República? Quais os formatos defendidos para o ensino de História nesses momentos de reflexão sobre as políticas públicas educacionais? Este texto descreve e situa as várias alternativas verbalizadas na década de 1920, em meio aos ricos debates sobre as ideias de Estado, nação, elite e educação escolar.

1

68

Desde a tentativa fracassada do Congresso de Instrução de 1883 – conselheiro Antônio Almeida Oliveira e senador Leôncio de Carvalho (do qual resultou a Exposição pedagógica de 1883 – Conde d’Eu, Leôncio de Carvalho, Visconde de Bom Retiro, Manuel Francisco Correia, Franklin Dória) –, a lista cresceu bastante. Segue, entretanto, essa relação, ainda não exaustiva: I Congresso de Ensino – São Paulo, 1911; II congresso de Ensino – Belo Horizonte [...], presidido por Everardo Backeuser; III Congresso de Ensino – Salvador [...], presidido por Arlindo Fragoso; Conferência Interestadual de Ensino Primário – José Augusto, São Paulo, 1921; IV Congresso Brasileiro de Instrução Secundária e Superior – Ramiz Galvão/Carlos de Laet, Distrito Federal, 1922. Por instituições privadas, tivemos as iniciativas da Associação Brasileira de Educação, as chamadas Conferências Nacionais de Educação: I Conferência Nacional de Educação – Fernando Magalhães e Lisímaco da Costa, Curitiba, 1927; II Conferência... – Belo Horizonte, 1928; III Conferência... – São Paulo, 1929; IV Conferência... – Distrito Federal, 1931; V Conferência... – Niterói, 1933; IV Conferência – Fortaleza, 1934. A Federação de Sociedades Nacionais de Educação promoveu uma [Reunião de Educadores] – Licínio Cardoso, Rio de Janeiro, 1930, o Centro Dom Vital de São Paulo, promoveu o Congresso de Educação – São Paulo, 1931, e a Confederação Católica de Educação realizou dois Congressos: Distrito Federal, 1934 e Belo Horizonte, 1937. (Cf. Lourenço Filho, 1946, p. 5-16; Silva, 1926, p. 350-351; Nagle, 1996, p. 290-291; Peres, 1973, p. 145-146).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Congresso Brasileiro de Educação Superior e Secundária (Rio de Janeiro, 1922) Vários foram os eventos desse tipo.1 Aqui, entretanto, centrarei atenção sobre os certames nos quais o ensino secundário foi objeto específico de exame, respectivamente, no início e no final da década de 1920. O primeiro deles ocorreu no Rio de Janeiro, como desdobramento das comemorações do primeiro centenário da Independência do Brasil. À solicitação do Governo, atenderam as direções da Universidade do Rio de Janeiro e do Colégio Pedro II no sentido de organizarem o “Quarto Congresso Brasileiro de Educação Superior e Secundária”, efetivado entre setembro e outubro de 1922. O modelo do Congresso fora buscado em São Paulo, que produziu o “Primeiro Congresso de Ensino” (1911). Na organização da quarta versão estiveram Ramiz Galvão - presidente do Conselho Superior do Ensino e reitor da Universidade do Rio de Janeiro, Paranhos da Silva, Paulo de Frontin, Conde de Affonso Celso, Aloysio de Castro, Carlos de Laet e Euclides Roxo. (Cf. Silva, Anais..., 1926, p. 350-353). Desse grupo nasceram as teses, ou melhor, as questões que deveriam ser Tabela n. 1 - Balanço quantitativo dos pareceres do “Quarto Congresso Brasileiro do Ensino Superior e do Ensino Secundário” (Rio de Janeiro, 1922)

Discriminação Teses gerais Ensino superior Ensino jurídico Ensino de engenharia Ensino médico Ensino secundário

Parcial

Total 35 28

12 2 14 47

Obs.: Quadro elaborado a partir dos dados fornecidos pelos Anais do IV Congresso Brasileiro de Instrução Superior e Secundária (1922),1926, p.199-320. v. 1. 69

H ITAMAR FREITAS

discutidas no evento – teses gerais, sobre o ensino jurídico, médico e de engenharia, e acerca do ensino secundário. Teses que, certamente, deram o perfil do que pensavam também os próprios componentes maiores. Era a posição do Rio de Janeiro e não a do Brasil, reclamou, inclusive, o delegado do Espírito Santo, Elpídio Pimentel. (Cf. Anais..., 1926, p. 351-352). No Congresso, havia delegados de dezesseis estados brasileiros. Mas, como a participação incluía representantes de institutos de ensino superior e de ensino secundário federais, equiparados e particulares, além das Associações afins,2 era clara a supremacia da voz do Rio de Janeiro – secundada por São Paulo – sobre as demais experiências locais.3 Observemos, agora, as áreas de interesse dos participantes, no que tange ao ensino secundário, tomando como dados a quantidade de teses aprovadas no Congresso: 2 3

70

Liga Pedagógica do Ensino Secundário e Federação Brasileira das Ligas pelo Progresso Feminino. Releve-se o fato de que o congresso tratava de ensino superior e ensino secundário. No Distrito Federal – Rio de Janeiro – situava-se a maioria das instituições mantidas pela União. São Paulo, por outro lado, era exemplo de potência econômica e de investimentos vários nas referidas áreas. Sobre o cotidiano do Congresso, vejam esse depoimento do professor Elpídio Pimentel, delegado do Espírito Santo que não conseguiu a aprovação de todas as propostas endereçadas ao certame. A fala irônica do professor dá noção do conteúdo das atas, também publicadas junto aos Anais do IV Congresso: [...] “assisti a debates acalorados, intrometendo-me neles, algumas vezes; vi modestos alvitres provocarem inesperadamente, ásperos diálogos, entrecortados de apartes impertinentes; conheci o sr. Freitas Malta, incansável e tenacíssimo em suas convicções educativas, presas nas malhas de circunlóquios fatigantes; desgostei involuntariamente ao dr. Paranhos da Silva, ilustrado e infatigável secretário do Congresso, quando me insurgi contra a distribuição das comissões e orientação dos nossos trabalhos; louvei a coragem com que o sr. Mozart Monteiro narrou aos ilustres embaixadores lusitanos, que nos foram visitar, heroísmo e fatos da história de Portugal, que eles devem conhecer melhor do que nós; tive a honra de ser amparado, quando a maioria recusava apoio a todas as minhas indicações, pelo nacionalismo inteligente e esclarecido do dr. Pedro Couto; ainda espero que os delegados paulistas provem, contra as afirmações oficiais, como prometeram, as irregularidades do Ginásio da cidade de São Paulo; enfim, guardo, da maneira distinta, polida, elegante, como que o conde de Afonso Celso dirigiu todos os nossos trabalhos, gratíssimas impressões.” (Pimentel, 1923, p. 51).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Tabela n. 2 - Balanço quantitativo das conclusões do “Quarto Congresso Brasileiro do Ensino Superior e do Ensino Secundário” referentes ao ensino secundário

Discriminação Referências Adoção do alfabeto da Association Phonétique Iternationale...e de livros didáticos p/ línguas... 1 Criação de três externatos no RJ, vagas para órfãos e filhos de funcionários civis no Pedro II 1 Criação de uma escola normal superior no Pedro II e incorporação do Pedro II à Universidade do Brasil 1 Divisão do curso secundário em ciclo-ciências e ciclo-letras (contra indicado) 1 Educação Moral e Cívica (provisão e habilitação de inspetores) 1 Ensino ao sexo feminino (franqueado no Pedro II) 1 Ensino de Desenho (obrigatório) 1 Ensino de Filosofia (começando com Psicologia experimental) 2 Ensino de Física (método e conteúdo) 1 Ens. de Geografia (ampliação, exames, lab., método, cosmografia) 4 Ensino de Geometria descritiva, analítica e mecânica (extinção) 1 Ensino de helenismo (restauração) 1 Ensino de História (perspectiva geral, + Corografia, conteúdos, método) 5 Ensino de História natural (método, pré-requisitos e conteúdos) 2 Ensino de Humanidades (proibição de matérias facultativas) 1 Ensino de Latim (obrigatório, método) 2 Ensino de Língua portuguesa (uniformização da gramática) 1 Ensino de línguas (método direto + método teórico) 1 Ensino de Literatura brasileira e literatura portuguesa (restauradas) 1 Ensino de Química e Física (desdobramento de cadeiras) 1 Exame de admissão ao ensino secundário (matérias) 1 Exercícios de Ginástica (profissional habilitado) 2 Extensão dos programas e liberdade didática para o professor 1 Liga Pedagógica do Ensino Secundário (reconhecimento das contribuições da...) 1 Nacionalização do ensino (disciplinas obrigatórias: Língua portuguesa, História do Brasil, Geografia do Brasil e direção dos estab. de ensino) 1 Noções de música (profissional habilitado) 1 Preparatórios (exames, médias, recomendações, composição de bancas, freqüência) 8 Representação do magistério particular na Comissão do Ens. Secundário 1 Seriação do ensino secundário 1 Trabalhos manuais 2 Fonte: Anais do IV Congresso Brasileiro de Instrução Superior e Secundária (1922), 1926, p. 199, 320. v. 1. 71

H ITAMAR FREITAS

Não sejamos tão severos com o evento de 1922 como o foram Jorge Nagle (1997) e Tirza Peres (1973).4 Claro que esse tipo conferência, nos anos 1920, resultou em conclusões bastante assimétricas: em um momento, tratava da viabilidade da criação de um Ministério da Educação, em seguida recusava indicações e propostas por não ter poderes de modificar a Constituição; era favorável ao progresso pedagógico do ensino secundário, citando experiências internacionais –, mas contrário à presença de metodólogos estrangeiros no Brasil;5 queria nacionalizar o ensino e, ao mesmo tempo, respeitar o direito de cada Estado da federação, credo religioso, doutrina política, e vontade familiar de escolher a forma de educar os seus meninos; desejava impulsionar a instrução a partir dos institutos oficiais do Distrito Federal, embora mantendo, concomitantemen-

4

5

6

72

Para Jorge Nagle, tais eventos de onde se produziam análises coletivas não passavam de “exposições genéricas e pouco sistemáticas e amadurecidas, salvo algumas exceções [como o “Inquérito” de Fernando de Azevedo (s.d.)]. [...] De um modo geral, neles foram propostas e analisadas questões muito particulares, isoladas e de importância secundária, bem como questões muito gerais, estas presas a exemplos estrangeiros; disso resultava, de um lado, a ausência de um plano orgânico de reconstrução educacional, de outro, a desconsideração da situação histórico-social brasileira.” (Nagle, 1997, p. 290). Heitor Lyra da Silva e Pedro do Couto são dois exemplares de tendências opostas: o primeiro sugeriu não somente a remessa de professores brasileiros ao estrangeiro para trabalharem em instituições de ensino na Europa e nos Estados Unidos, como também propôs a contratação de professores estrangeiros “para virem ao Brasil ensinar metodologia de ensino primário e secundário” (Cf. Anais, 1926, p. 168-169, v. 1). O segundo, professor de História do Pedro II, identificouse com um “nacionalista extremado”, avesso à presença de qualquer tipo de estrangeiros e da manutenção de hábitos colonizados, como o costume mantido entre os intelectuais do seu tempo: o de empregar o francês, cotidianamente, mesmo em locais e ocasiões informais. (Cf. Anais..., 1926, p. 621-627, v. 2) Também as “teses” orientadoras dos debates ganharam a forma de perguntasretóricas – perguntas induzidas, fechadas – a exemplo dos congressos que lhe seguiram.

Histórias do Ensino de História do Brasil H

te, as prerrogativas da iniciativa privada etc.6 Para este capítulo, entretanto – que não se destina a medir o alcance das medidas saneadoras dos problemas educacionais do período –, o exame dos debates e das conclusões do Congresso torna-se bastante rendoso. É que na dispersão e nos fragmentos de posições dos vários professores podemos chegar a algumas conclusões acerca do ensino secundário e do ensino de História que se queria construir a partir daquele marco refundador do nacional – o Centenário da Independência. Em primeiro lugar, o secundário tematizado foi majoritariamente o “curso de humanidades”7, cujo caráter “clássico” reivindicou-se “de par com o desenvolvimento científico exigido pelas necessidades dos modernos tempos”. (Anais...,1926, p. 204). Defendeu-se a diversidade de “interesses regionais” e nacionais, o que significava a impossibilidade de “uniformização” de cursos, compêndios, programas e a contra-indicação da presença de mestres norte-americanos para ensinarem “metodologia do ensino primário e secundário” aos professores brasileiros (Anais...,1926, p. 233); solicitou-se a “ampla liberdade de ensino particular”, com exames realizados nos ginásios oficiais ou em bancas nomeadas pelo Conselho Superior de Ensino. A instituição do Colégio Pedro II como “paradigma” do ensino secundário também foi pleito dos mais louvados, e com uma indicação exemplar: o colégio mode-

7

No anunciado das teses, a expressão “as/das/nas humanidades” é referenciada sete vezes; “curso de humanidades” – cinco; “ensino de humanidades” – um; “curso secundário” – apenas duas vezes, além do título “Teses do ensino secundário” . (Cf. Anais..., 1926, p. 35-46). 73

H ITAMAR FREITAS

lo voltaria a emitir o título de bacharel em Letras e ganharia foros de Faculdade de Filosofia e Letras da União, sendo, por isso, imediatamente incorporado à Universidade do Rio de Janeiro.8 Boa parte desse perfil foi construída pela Liga Pedagógica do Ensino secundário, sediada no Rio de Janeiro, que também participara9 da organização do Congresso Interestadual do Ensino Primário, em 1921. No IV Congresso, a Liga estava representada por Carlos Delgado de Carvalho,10 8

9

10

74

Nesse ponto, a comissão não fez mais que referendar o dispositivo legal orçamentário n. 4.555, de 10 de agosto de 1922, que permite ao governo, “sem aumento da subvenção, restabelecer no Colégio Pedro II o Curso de Bacharelado, de acordo com a Congregação, aproveitando o dito instituto como Faculdade de Letras, que será incorporada à Universidade do Rio de Janeiro”. (apud. Antunha, 1980, p. 210). Faculdade, porém, continuou a ser reivindicada. Em 1923, os representantes do Pedro II Ruch, Gabaglia e Lafayet formavam comissão para estudar uma futura reforma de ensino. Estava incluso no parecer: “...atendendo às prementes necessidades do magistério secundário devia ser criada no magistério do Colégio de Pedro II seção de caráter superior, sob o nome de Faculdade de Letras, habilitando professores e concorrendo para o desenvolvimento da cultura das humanidades, da História e da Filosofia. Funcionaria a Faculdade no Externato, sob a direção do mesmo diretor, do mesmo pessoal docente e administrativo do colégio. [...] Ao aluno que concluísse o curso da Faculdade seria conferido o título de bacharel em letras e a licencia docendi docendi”. (Ruch, Lafayet e Gabaglia, 1923, apud. Dória, 1937, p. 258-259). Em 29 de agosto de 1925, “a Congregação [do Pedro II] manifestava ‘o seu pleno contentamento pelo restabelecimento do bacharelado em letras e pelas demais disposições de recente reforma de ensino.” (Dória, 1937, p. 263). Junto à Liga Pedagógica do Ensino estavam outras organizações privadas: Liga de Defesa Nacional – representada por Laudelino Freire; Liga Nacionalista de São Paulo – Sampaio Dória; Liga Contra o Analfabetismo – Maria Reis Santos. (Cf. Lourenço Filho, 1946, p. 10). Professor de Inglês (a partir de 1920, substituto, e catedrático em 1924) e de Sociologia (1927); diretor do Pedro II no período 1930/1931. (Cf. Dória, 1937, p. 246, 260, 279; Carvalho, 192[7], p. 25-31). Conta Escragnolle Dória que, em 1927, vários professores experimentaram “nas aulas o uso de tests tests, facultado pelo regimento. Dois professores, Antenor Nascentes e Delgado de Carvalho, adotaram definitivamente tal processo de avaliações aproveitamento nas sabatinas e concursos bimestrais de suas aulas.” (Dória, 1937, p. 282). O uso do “test” é um importante indicador da introdução de uma nova Psicologia educacional no ensino secundário.

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Francisco Venâncio Filho, A. Figueira de Almeida, Jonathas Serrano e José Piragibe. Há testemunhos de que todo o programa do certame tenha sido discutido previamente na instituição. Sua participação foi alvo de louvores por parte da 5a Comissão. O parecer n. 47, que encerra os trabalhos sobre o curso de humanidades e de preparatórios, levou “ao conhecimento do plenário do Congresso a excelente impressão” deixada pelas contribuições da Liga Pedagógica do Ensino Secundário. (Cf. Anais.., 1926, p. 319-320). Sobre o ensino de História, o debate foi mais alongado, comparando-se à quantidade de intervenções acerca das demais disciplinas constantes nos programas. Releve-se o fato de que, já nas teses gerais, a professora Bertha Lutz11 atrelava a finalidade do secundário – “solidificar a cultura geral” e fornecer aos alunos as “diretrizes seguras para a orientação futura” – às vocações educadoras da História da civilização (Cf. Anais..., 1926, p. 242, v. 1). Na comissão específica, ao caráter educador da História, lhe foi acrescentado o status de disciplina obrigatória no ensino brasileiro, juntamente com o de Corografia do Brasil e o da Língua nacional. A tríade contribuiria enormemente para a “efetiva nacionalização do ensino no Brasil”. (Cf. Anais...1926, p. 302-303, v. 1). Ainda sobre História do Brasil, resolveu o Congresso que a disciplina comporia o conjunto de preparatórios aos cursos de Farmácia e de Odontologia, requisito extin-

11

Nem todos os autores das propostas aqui citadas (que se transformaram em pareceres) puderam ser identificados nas atas e na exposição das conclusões do Congresso. 75

H ITAMAR FREITAS

to em 1915.12 O exame de admissão ao curso secundário ganharia a seguinte orientação para essa mesma disciplina: (prova oral, apenas, sem sorteio de pontos), versando o exame sobre os episódios mais salientes, do que se exigirá conhecimento elementar mais ligado às causas e consequências, tendo o exame por fim verificar se o candidato tem noção clara, ainda que incompleta, da evolução do país, desde o descobrimento, da sua vida social e política. Proscrever-se-hão do exame minúcias, o acúmulo de nomes, o rigor de datas. (Anais..., 1926, p. 266; p. 319, v. 1).

Sobre a História universal, sugeriu-se “o maior desenvolvimento possível [d]o estudo da História contemporânea, de indiscutível utilidade para a educação da juventude, porquanto esse estudo a identifica, mais do que os anteriores [Histórias antiga, média e moderna], com o estado atual da evolução da sociedade”. A proposta foi defendida pelos professores Renato Jardim13 e Fernando Raja Gabaglia.14 Jardim denunciou o excesso de História antiga e a falta de tempo para a História contemporânea. Em apoio a Jardim, “um congressista” atribuía à ausência da História contemporânea a incompreensão de algumas pessoas sobre as causas da 1a. Guerra Mundial. Ao presentismo de Jardim e Gabaglia, contrapunham-se Lupércio Hoppe e Mozart Monteiro 15 que estendiam a 12 13 14 15

76

Artigo n. Professor Professor Professor

171, do decreto 11.530, de 18 de março de 1915. paulista de Geografia. de [Geografia] no Pedro II. da Escola Normal [do Rio de Janeiro]. (Cf. Dória, 1937, p. 272).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

mesma importância da contemporaneidade às demais épocas. Hoppe compreendia os períodos da História como em eterna preparação, como causa e consequência. Portanto, para “apanhar as leis da História”, seria fundamental considerar os tempos anteriores. Um exemplo: no percurso do entendimento da ideia de pátria era necessário não desprezar a ideia de família – a pátria se constituía por famílias, que juntas compunham a humanidade.16 (Cf. Anais..., 1926, p. 304, v. 1; p. 669, v. 2). As intervenções no sentido de melhoramento do ensino enfocaram também as orientações gerais de ciência da História e de ciência da Pedagogia. O ponto de vista do ensino de História do Brasil foi assunto destacado. O parecer relatado por Honório de Souza Silvestre17 indicava que a disciplina seria ministrada sob o “ponto de vista geral”, ao que foram emendadas indicações contrárias, apelando para as orientações regional e universal. O plenário manteve a ideia primeira, posto que o pensamento dominante a esse respeito era a defesa dos princípios “unionista” – unidade territorial – e “patriótico”. (Cf. Anais..., 1926, p. 88, 400-403 v.1).

16

17

No momento em que Lupércio Hope defendia seu ponto de vista, “um sr. Congressista” interrompeu dizendo: “A humanidade se compõe de classes. Estas é que têm atualmente a tendência de se congregar de país para país.” Lupércio Hoppe assim respondeu: “Perdão: a humanidade se compõe de pátrias e as pátrias é que se compõem de classes. E o que eu desejava assinalar, simplesmente, era que, ao comemorarmos o nosso Centenário a vitória da humanidade é consagrada por esse fato de estarem aqui presentes, movidas pelos sentimentos mais elevados e mais dignos, nações fortes e fracas, ricas e pobres, todas elas dando uma prova de carinho e de afeto ao Brasil.” (Anais..., 1926, p. 669, v. 2). Professor substituto da cadeira de Geografia do Colégio Pedro II em 1917 e catedrático da mesma cadeira no ano seguinte. (Cf. Dória, 1937, p. 239). 77

H ITAMAR FREITAS

A segunda intervenção recomendou “especialmente o estudo da História da América na cadeira de História universal”, louvou a iniciativa dos ginásios de São Paulo, que mantinham a cadeira de História do Brasil, extinta no próprio Pedro II e solicitou dos poderes públicos a junção “e como caráter obrigatório, [d]a cadeira de Corografia à de História do Brasil.” Este último não fora ponto pacífico. A propositura formulada por Figueira de Almeida – representante da Liga Pedagógica do Ensino Secundário – foi contestada por Mozart Monteiro que, na qualidade de professor de História, defendia rigorosamente a ideia de especialização da História do Brasil. Para ver aprovada a junção das referidas cadeiras, Fernando Raja Gabaglia argumentou que a aliança já fora praticada no Pedro II, antes da reforma Rivadávia, sendo professor o renomado Capistrano de Abreu. Ademais, disse Gabaglia, não se tratava de “mistura de conteúdos”. A iniciativa reinstituía a cadeira de “‘Estudos nacionais’ encarados os dois fatores – “Terra e Homem” –, como já se fazia “em todos os países americanos: o estudo conjunto do meio físico e do homem”, e a exemplo da proposta “do delegado da Universidade de São Marcos, na Colômbia”, que sugeria o mesmo para a História da América, proposta acatada pelo Congresso. (Cf. Anais..., 1926, p. 297, v. 1; 631-633, v. 2). O debate mais acalorado se deu em torno da seguinte tese: A Comissão de Ensino Secundário emite o voto de que o professor no ensino secundário deverá orientar o ensino da História no sentido de não tornar esta disciplina uma simples relação de nomes e de datas, nem tampouco uma sucessão de batalhas, uma glorificação de reis e de heróis. Deve ser essencialmente narra78

Histórias do Ensino de História do Brasil H

tiva e sobretudo deve interessar, terminando pelo estudo teórico da civilização. (Anais...,1926, p. 774, v. 2)

Já vimos esse conjunto de expressões em outros momentos deste texto. É quase um clichê e identifica o método de ensino a ser execrado, desde os escritos do final do século XIX. O problema da aprovação do parecer, no entendimento de Mozart Monteiro e de Honório de Souza Silvestre, era o fato de ele deixar subentendido que tal forma de ensinar História predominava nos ginásios brasileiros, uma inverdade nociva à imagem do Brasil, diziam. Além disso, havia outro agravante: o parecer baseava-se na observação de um professor estrangeiro, um certo senhor Armstrong que ousava ensinar português “sem as devidas habilitações.” Sobre o tema também opinou o “jacobino” Pedro do Couto.18 Ele cita a experiência de João Ribeiro, seu colega de História no Pedro II, para testemunhar que no Brasil não se ensinava daquela forma. Renato Jardim contra-argumenta. Acompanhemos esse momento do debate: Pedro do Coutto – ... Srs., tenhamos a coragem de ser brasileiros! (muito bem). Renato Jardim – Tenhamos a coragem de dizer a verdade! O estudo da História em nosso país é geralmente mal feito. Pedro do Coutto – “Geralmente” não satisfaz. Peço a V. Ex. que especialize algum colégio, hoje, em que esse

18

Pedro do Couto era professor de História universal do Pedro II. A partir de 1925, assumiu a cadeira de História do Brasil, recém-restaurada também no Internato. (Cf. Dória, 1937, p. 291). 79

H ITAMAR FREITAS

estudo seja mal feito, que indique algum professor que o ministre mal. Renato Jardim – Não estou no dever de especializar. Pedro do Coutto – Quem acusa, prova! Renato Jardim – Já ressalvei exceções que existem, honrosíssimas. Agora penso que não devemos estar fazendo patriotismo de palavras, que não é disto que necessitamos, e até podia lembrar que um dos melhores autores de História do Brasil foi um estrangeiro – Southey. Julgo preferível reconhecer quando o ensino é mal orientado, para que o erro seja corrigido. (Há muitos outros apartes). Pedro do Coutto – Direi ao ilustre sr. Dr. Renato Jardim que S. Ex. não se deve basear no vácuo. Renato Jardim – Não é o que estou fazendo: refiro-me, ao contrário, a fatos que conheço perfeitamente. Somente não os aponto, um por um, porque acho que não devo trazer aqui casos pessoais. Pedro do Coutto – Digo de novo que ensinar a História como um simples desfilar de datas e de nomes é profundamente imbecil. (Apoiados). Renato Jardim – Pois, sendo assim, como V. Ex. diz, há mais de um imbecil em nossa terra; e os próprios compêndios adotados dão testemunho disso. (Protestos). (Anais..., 1926, p. 776-777, v. 2)

Nesse momento, Floriano de Brito19 fez referências ao compêndio “modelar” de João Ribeiro e ao manual de

19

80

Professor de Francês, grande cultor das humanidades no Pedro II. Lecionou como catedrático no período 1903/1927. (Cf. Dória, 1937, p. 275-276).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Lacerda Coutinho e, reforçando o ataque a Renato Jardim, citou o também professor de História Jonathas Serrano. O debate chega a um estado hilariante quando Lupércio Hoppe faz a defesa da importância do estudo das batalhas, exemplificando com os episódios de Salamina e de Lepanto. Mas, logo os ânimos são serenados quando o professor Figueira de Almeida emite a sua opinião: nada havia de antinacional naquele parecer. Ele mesmo assistiu “à leitura da tese na Liga Pedagógica, e, se houvesse alguma increpação injuriosa ao ensino da História, ... seria o primeiro a protestar” (Anais...,1926, p. 779, v. 2). Encerrando a sua fala, Almeida aumentou o rol de bons professores de História no Brasil. Além de Pedro do Coutto e João Ribeiro, citou Capistrano de Abreu e Escragnole Dória.20

20

Na Memória histórica do Colégio de Pedro II, Escragnolle Dória faz questão de registrar, pelo menos, dois aspectos inovadores da sua prática pedagógica: 1) em 1907, “o professor de História universal, da América e do Brasil, Escragnolle Dória, lecionando História pátria no 6o ano do curso ginasial, inaugurou a prática de visitas a sítios ou instituições, lições com caráter objetivo, assim por exemplo a visita pela turma de 6o anistas de 1907 ao morro do Castelo, para explicação dos primórdios do Rio de Janeiro. No curso de visitas foram professor e alunos recebidos nas seções de manuscritos e medalhas da Biblioteca Nacional, nas diversas seções, histórica, administrativa e judiciária, do Arquivo Nacional. No Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro acharam-se os visitantes amavelmente acolhidos pelo bacharel em letras dr. Vieira Fazenda, bibliotecário do Instituto solícito em patentear a futuros colegas livros e manuscritos referentes aos estudos de História pátria.” 2) “No decurso do ano letivo de 1931, realizaram-se na aula de História natural do Externato interessantes preleções da disciplina por alunos, preleções às quais, a convite do professor Potsch, davam presença vários professores do Colégio. Tais exercícios, antes inaugurados nas aulas de História do professor Escragnolle Dória, serviam de estímulo a alunos (...) Mostravam-se assim os alunos do Colégio não só empenhados em dar largas de inteligência como a patentear sentimentos de coração.” (Dória, 1937, p. 212, 292). 81

H ITAMAR FREITAS

Quando tudo se encaminhava para a manutenção do texto original, Moraes Andrade entrou na liça e desmontou o final do parecer, aquele trecho que indicava: “Deve ser essencialmente narrativa e sobretudo deve interessar, terminando pelo estudo teórico da civilização.” O caráter narrativo foi criticado porque “a História que vai pelos reis e pelas batalhas” é “essencialmente narrativa”. O “deve interessar” também contradizia a proposta, pois era justamente a História dos reis e das batalhas a que mais interessava aos “meninos”. Assim, para indicar que o estudo da História se realizasse “como é feito modernamente”, e não como nos tempos do professor Berquó, o parecer teria que ser reescrito. E foi essa a emenda aprovada em plenário que respondeu à tese n. 11:21 “O ensino da História no curso de humanidades deve ser principalmente um estudo das civilizações dos fatos históricos, por suas causas ou antecedentes e efeitos ou consequentes, criticados racionalmente.” (Anais...,1926, p. 781, v. 2). Vejamos agora o que se discutiu sobre o tema nas primeiras conferências promovidas por uma associação de caráter privado, no final da década de 1920.

A III Conferência Nacional de Educação (São Paulo – 1929) A III Conferência Nacional de Educação foi escolhida por tratar especificamente do ensino secundário e, também, por ter sido iniciativa de uma instituição civil, a Associação Brasileira de Educação, que congregava as

21

82

“Que caráter deve assumir o estudo da história no ensino de humanidades?”

Histórias do Ensino de História do Brasil H

mais notáveis personalidades do meio educacional, formadas entre as décadas de 1910 e 1920. Nascida em 1924 – na opinião de Veiga Miranda22 – a A.B.E. empunhou as armas arriadas pela Liga de Defesa Nacional,23 que encerrara suas atividades com o fim da 1a. Grande Guerra. Eram bem distintos os contextos de fundação desses grêmios – tempos de guerra e tempos de paz, respectivamente. A maior parte dos objetivos, porém, coincidia, “sendo a exaltação da nacionalidade e a grandeza do Brasil os seus pontos capitais.” (Miranda, 1929, p. 15). Esse desideratum deu o mote para que o então diretor do Ginásio São Paulo ombreasse as

22 23

Diretor do Ginásio do Estado de São Paulo às vésperas da III Conferência (1929). O objetivo principal da Liga, expresso no artigo n. 1 dos seus Estatutos, era “congregar os sentimentos patrióticos dos brasileiros de todas as classes”. Este seria cumprido através da manutenção das idéias de “coesão” e “integridade nacionais”; propagação da educação popular e profissional; difusão do “amor à justiça e do culto ao patriotismo”; defesa do trabalho, lavoura, indústria, comércio, ciências e artes nacionais; combate ao analfabetismo; apoio à instrução militar; estímulo ao estudo da história e da língua pátrias, principalmente na escola primária e em colônias de estrangeiros. A Liga era administrada por um presidente – Wenceslau Braz; nove vice-presidentes – João Alfredo, Almirante Alexandrino, Ruy Barbosa, Rodrigues Alves, Caetano de Faria, Vicente Lustosa de Lima, Gabriel Osório de Almeida, Pedro Lessa, João Pandiá Calógeras, Miguel Couto, Miguel Calmon; comissão executiva – Pedro Lesa, Miguel Calmon, Olavo Bilac (secretário geral), Joaquim Osório, Afonso Vizeu; conselho fiscal – Homero Batista, Alberto de Faria, Guilherme Guinle; e diretório central – Afonso Celso, Alberto de Faria, Alfredo Ellis, Aloysio de Castro, Alvaro Zamith, Antonio A. de Figueiredo, Antonio C. R. de Andrade, Antonio Müler dos Reis, Augusto D. A. Lima, Viveiros de Castro, Bernardo Monteiro, Candido Gaffrée, Candido de Oliveira, Carlos de Laet, Carlos Peixoto, Cícero Peregrino da Silva, Clovis Beviláqua, Félix Paxeco, Gabriel O. de Almeida, Guilherme Guinle, Coelho Neto, Homero Batista, Inocêncio de L. Bastos, Jeronymo M. Jardim, João Alfredo, João G. Carvalhal, João G. P. Lima, João T. Soares, Joaquim S. Ribeiro, Jorge Street, José B. Bormann, José C. F. de Faria, Luiz S. dos Santos, Miguel Couto, Nuno de Andrade, Oscar da Porciúncula, Oscar Lopes, Oswaldo G. Cruz, Raul Pederneiras, além dos já citados nas comissões anteriores. A origem desses era plural. Havia homens de letras, parlamentares, ex-conselheiros do Império, industriais, agricultores, juristas, diretores de repartições públicas, gente da imprensa e militares da Marinha e do Exército. (Cf. Estatutos..., 1916). 83

H ITAMAR FREITAS

missões de Olavo Bilac e de Heitor Lyra da Silva, dignos fundadores da Liga de Defesa Nacional – 1916 e da Associação Brasileira de Educação – 1924. O contemporâneo paulista também explicitou os diferentes “meios de ação das duas campanhas”: A Liga de Defesa Nacional falava aos moços das escolas, aos cidadãos esclarecidos, exortando-os ao bom cumprimento dos seus deveres políticos. Tratando de propagar livros, encomendava catecismos cívicos e publicações de incitamento patriótico. A A.B.E. propunha em primeiro lugar a vulgarização das cartilhas escolares, atacando o grande bloco dos habitantes analfabetos. Vem de baixo para cima, do centro para a periferia, enquanto a outra voltava os olhos, antes de mais nada, para a superfície já desbravada, já culta ou semi-culta e procurava torná-la mais eficiente profligando-lhe a apatia e a indiferença para com os problemas nacionais. (Miranda, 1929, p. 17).

A síntese romanceada – tempos de paz, tudo pelo esclarecimento das massas etc. – omite, certamente, o caráter político partidário da entidade no momento de sua fundação,24

24

“Em outubro de 1924, um grupo de treze intelectuais cariocas fundou, em uma sala da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Educação. A iniciativa foi o resultado de entendimentos iniciados em março do mesmo ano, em reunião promovida por Heitor Lyra da Silva. Aproveitando a passsagem de Lysimacho da Costa pelo Rio, programou um jantar no Hotel Glória, para o qual convidou Everardo Backeuser, Edgar Süssekind de Mendonça e Francisco Venâncio Filho, cuja finalidade era discutir a viabilidade de uma Federação de Associações de Ensino. Nele, segundo relato de Venâncio Filho, decidiu-se pela inoportunidade da Federação e optou-se pela organização de um partido político – a Ação Nacional – que foi iniciada com a redação e a circulação de um documento a ser subscrito por um número estimado em quinhentos adeptos. O documento esclarecia que, alcançado tal número de signatários, seriam eleitos representantes para elaborar projetos que viabilizassem o programa firmado.” (Carvalho, 1998, p. 54-55).

84

Histórias do Ensino de História do Brasil H

comenta Marta Carvalho: “[f]oi do malogro da organização da Acção Nacional que nasceu a A.B.E. (...). O documento que iniciou a Acção Nacional...vinculava os propósitos educacionais reformistas a um programa de reordenação político-jurídica do país.” (Carvalho, 1998, p. 5455). A “campanha educacional” da A.B.E, entretanto, só ganhou publicidade a partir das três conferências realizadas entre 1927 e 1929. O calor dos debates nesses fóruns reproduziu as relações de força – entre sessões e dirigentes da A.B.E – e os seus Anais e Inquérito depuseram sobre os vários projetos em disputa em torno das ideias de Estado, nação, elite e civismo. Sobre esse último, Marta Carvalho identifica duas correntes majoritárias: O civismo de Fernando Magalhães e seu grupo valorizava-se como tradição e pregava virtudes, como a Ordem e o Trabalho, transubstanciadas por uma difusão católica da Fé, da Esperança, da Caridade, do Devotamento etc. Já o civismo do grupo [Ferdinando] Labouriau se distinguia pela valorização do Dinamismo, que neles vem reiterado como Energia, Força, Velocidade, elementos propulsores daquilo que seria uma “nova mentalidade brasileira” emergente. Em termos educacionais, tais civismos assumiam também formas diversas. No primeiro caso, exaltava-se o papel moralizador da escola e, no segundo, avançava-se a política de “valorização do homem brasileiro” como fator de produção e ativação de “usinas mentais” na Universidade. Neste segundo caso, acreditava-se que “o êxito de qualquer empreendimento depende infalivelmente da qualidade do material 85

H ITAMAR FREITAS

humano útil, efetivo, isto é hígido, culto, especializado.” Poder-se-ia dizer que o primeiro privilegiava a Ordem como condição de qualquer progresso e que, o segundo, o Progresso como meio mais eficaz de garantir a ordem. Neste jogo de fins e meios, questões de procedência da Ordem ou do Progresso eram descaracterizadas pela generalidade das proclamações com que se enaltecia a importância da educação, Ordem e Progresso. (Carvalho, 1998, p. 61).

É esse tipo de disputa que dará a direção dos vários projetos de secundário e do lugar da História nessa dualidade de ensino. Mudanças no quadro ocorrerão quando a geração de “profissionais” da educação assumirem o comando da A.B.E., por volta de 1934. Por isso, tinha razão Lourenço Filho quando afirmava – às vésperas da III Conferência – que, se as observássemos pelo lado técnico, não haveria como cobrar avanços, pois os eventos dessa natureza reuniam professores, políticos, administradores e vários outros representantes da sociedade. Conferências educacionais da A.B.E. não seriam o espaço adequado para o refinamento de questões metodológicas ou doutrinárias. O programa da II Conferência, por exemplo, “era extenso demais, e sem sistema.” Bastava a leitura da relação de temas “para chegar-se a tal conclusão: 1 – Educação política; 2 – Educação sanitária; 3; – Educação agrícola; 4 – Educação doméstica; 5 – Ensino primário; 6 – Ensino normal; 7 – Ensino secundário; 8 – Ensino superior; 9 – revisão dos compêndios nacionais do ensino primário...” (Lourenço Filho, 1929, p. 10). 86

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Sob o ponto de vista da elaboração de políticas educacionais, aquilo em que realmente um certame nacional poderia contribuir, as conferências tiveram papel relevante. Apesar da sua incapacidade de impor resoluções aos governos, as conferências de Curitiba e de Belo Horizonte produziram consensos importantes a respeito do ensino primário e superior. “Quanto ao ensino secundário, no entanto, cada cabeça, cada sentença...” (sic.). (Lourenço Filho, 1929, p. 11). Em Belo Horizonte, o debate polarizou-se entre a delegação de São Paulo e a Comissão da A.B.E. – majoritariamente formada por educadores do Distrito Federal. Os paulistas levaram proposta fechada, elaborada por lentes do Colégio do Estado. O pessoal do Rio de Janeiro estava muito dividido. Com tantas divergências – entre os próprios cariocas, entre os paulistas e cariocas – não se chegou nem mesmo a um acordo acerca das finalidades do secundário. (Cf. Lourenço Filho, 1929, p. 12). Daí, proposta de solução variando enormemente: curso integral, curso bifurcado; estudos clássicos, com predomínio do latim, estudos modernos, com predomínio de línguas vivas; mesmo quanto a esta última solução, uma só língua (francês ou inglês), ou duas, ou três... Divergências tão acentuadas fazem pensar, e pensar seriamente, quando nascidas entre membros do escol intelectual da nação, entre indivíduos que, em muitos casos votaram a sua vida ao estudo do problema. Eis porque, resolveu a II Conferência que na II se tratasse de tal assunto [o ensino secundário], exclusivamente. (Lourenço Filho, 1929, p. 12). 87

H ITAMAR FREITAS

Lourenço Filho não carregou nas tintas ao resumir os trabalhos de Belo Horizonte. É possível que tenha até minimizado o calor dos embates – ele nada escreveu sobre as discussões travadas em torno do ensino normal. Sobre o ensino secundário – que nos interessa de perto – basta conhecer as principais medidas rascunhadas na proposta da A.B.E. do Rio de Janeiro para avaliar o humor da delegação bandeirante.25 “As bases para uma reforma” da escola secundária26 projetavam um ensino a ser “mantido integralmente pelo Governo Federal”, funcionando sobre um “tronco comum”, de quatro anos, seguido por três “ramos” de dois anos cada um:27 o ramo

25

26

27

88

Para uma síntese das principais discussões das Conferências da A.B.E., dos interesses partidários e das concepções doutrinárias em jogo, consultar, principalmente, os capítulos 2 e 5 da tese de Marta Carvalho, fartamente empregada neste texto. As “bases” foram elaboradas como substitutivo aos artigos do Decreto n. 16.782 A de 13 de janeiro de 1925. É importante registrar que nos programas-”modelo”, apresentados pela referida Comissão, a “metodologia e norma de exame” constitui tópico independente nos programas das disciplinas. Nele são explicitados, quase sempre de forma imperativa – “o professor terá que..., fará que..., procurará... etc. – o tipo de aula a ser ministrado, a forma de verificação de aprendizagem, a distribuição da matéria, os objetivos específicos de alguns conteúdos, as finalidades da ciência de referência, as indicações para o trabalho dos alunos, material didático, por sensu como fim, uma ou outra orientação psico-pedagogógica stricto sensu, estimular o “interesse” do aluno, fornecer noções “intuitivamente”. Os programas anexados tratam de Direito usual, Filologia românica, Etnologia, Filosofia, Psicologia lógica e estética, Biologia geral, Matemática, Geografia e Sociologia. (Cf. Oliveira, 1929a; 1929b.) A divisão do secundário em “ramos” e “tronco”, em “ciclos”, “seções” e “cursos” já fora tentada, sem resultados efetivos, em várias ocasiões, desde a proclamação da República. Tirsa Peres relaciona algumas inniciativas: a do ministro Amaro Cavalcante, na última década do século XIX; os projetos de Passos de Miranda (1904/1907), de J. J. Seabra (1905), de Tavares de Lyra (1907) e de Esmeraldino Bandeira (1910); e a proposta de Paranhos da Silva, no I Congresso de Instrução Secundária (São Paulo, 1911) – ‘um fundamental e outro complementar, parcelado este em duas seções, literária e científica’. (Peres, 1973, p. 46).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

das letras – canal de acesso às faculdades de direito e de letras; das ciências – faculdades de medicina, engenharia e de ciências; e o ramo técnico.28 O secundário da A.B.E. forneceria (ou elevaria?) a “cultura média geral do país” – indício de finalidade intrínseca para essa modalidade. O substitutivo, entretanto, mantinha aberta a possibilidade de realização do “exame total do tronco em uma só época aos candidatos maiores de 18 anos”. (Oliveira, 1929a, p. 13-40; 1929b, p. 145-182). Essas propostas significavam, entre outras coisas, a vontade de poder da inteligentzia do Distrito Federal e a concretização das aspirações dos catedráticos do Pedro II: finalmente, o “paradigma” – expressão de largo uso na Congresso de 1922 – se transformaria em “matriz de cópias idênticas” espalhadas pelo Brasil – para usar a feliz expressão de Kazumi Munakata (2004, p. 9). E quanto à História a ser ensinada? A “História” – grafada dessa forma, sem o “geral” ou “do Brasil” – seria ministrada em três das quatro séries do “tronco”. “Higiene e noções de anatomia e fisiologia”, “noções elementares de direito usual” e História seriam as únicas, dentre as treze matérias, a não frequentarem todos os anos desse curso. No “ramo de ciências e no “ramo de letras”, História da civilização ocuparia a segunda série, com três horas semanais. No “ramo técnico”, os alunos estudariam “História contemporânea de 1870 aos nossos dias” e “His-

28

Não há informações sobre a função desse ramo de estudos. Quanto ao “tronco”, ele por si só habilitaria os concludentes à matrícula nas escolas Naval, Militar e Superior de Agricultura e Veterinária. (Cf. Oliveira, 1929b, p. 19n.). 89

H ITAMAR FREITAS

tória da América – uma disciplina em cada ano. Se levarmos em conta apenas o curso básico ou curso comum, o espaço ocupado pela História seria ampliado de 5,6% do total do currículo (1917) para 7,3%, uma taxa superior a todas as outras situações da História nas diferentes reformas republicanas até então. O fato curioso está na grade curricular dos cursos de ciências ou letras, não há distinção no peso da História. Contabilizados como cursos de seis anos – quatro do curso básico + dois em cada curso complementar –, ambos reservariam apenas 6,5% da grade entre as mais de vinte disciplinas estudadas em cada “ramo”. No curso “técnico”, não apenas a quantidade e os conteúdos chamam a atenção, mas também o espaço reservado à História, que poderia chegar a 9,2% do total do currículo. Seria a maior taxa encontrada em todas as configurações do secundário, desde a fundação do Pedro II. Da II Conferência, portanto, ficaram o desenho favorável ao ensino da História e os resquícios desse conflito de posições. Mas, já em território familiar, preparando o campo para o próximo debate (combate?) – a III Conferência –, o professor Veiga de Miranda, diretor do Ginásio de São Paulo, relatava a sua versão dos fatos ocorridos em Belo Horizonte e reafirmava a posição sobre configuração do novo ensino secundário brasileiro. O sumo das ideias fora publicado na revista Educação29 –, onde

29

90

“Órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública e da Sociedade de Educação de São Paulo”. Seguem os nomes dos componentes da comissão de redação da revista em 1929: “Pela Diretoria Geral da Instrução Pública – Dr. Amadeu Mendes, Prof. João Toledo, Dr. Carlos da Silveira; pela Sociedade de Educação – Dr. Roldão de Barros e Prof. Lourenço Filho. (Cf. Educação, v. 6, 1929).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Miranda fez troça das políticas centralizadoras sob a capa de patrióticas e antiseparatistas – políticas difundidas pelos dois diretores da A.B.E.. A “unificação do ensino”, fosse ele no primário, fosse no normal ou secundário, da forma como se projetava, seria um equívoco, já comprovado historicamente. Esse tipo de medida impunha grande risco à autonomia dos Estados, além de ser um flagrante desrespeito às peculiaridades regionais. Em síntese, as teses da A.B.E. em Belo Horizonte, sobre os cursos normais (passíveis de federalização) e sobre o secundário, agrediam o sólido preceito do Manifesto Republicano de 1870 – “Os estados brasileiros precisam de autonomia para viverem unidos”. (Miranda, 1929, p. 29). Sobre o ensino secundário, na opinião de Miranda, as teses da A.B.E. resumiam-se a chorar as mazelas sem distinguirem o essencial do assessório. O principal problema seria definir a finalidade do curso e que, acerca do tema, não se afastava muito da posição dominante do “Inquérito” de O Estado de São Paulo, organizado por Fernando de Azevedo em 1926. 30 Na verdade, Veiga Miranda incorporava as concepções de George Dumas, citado literalmente em trabalho mais longo publicado an-

30

Dessa consulta aos doutos de São Paulo, podem ser flagrados o inconformismo com a política educacional da União para o secundário e a vontade de estender o modelo paulista aos demais estados da federação. Para além das “conclusões” conciliadoras de Fernando de Azevedo, o Inquérito exterioriza a pluralidade de posições acerca do que deveria constituir-se o novo ensino secundário brasileiro, a partir da Reforma João Luiz Alves (1925). Vejamos a opinião dos consultados sobre três aspectos do ensino secundário. 91

H ITAMAR FREITAS

tes da III Conferência:31 o ensino secundário não é processo seletivo para o ensino superior.32 Ele deve fornecer a cultura geral média e “tem por objeto a formação das elites, razão por que se costuma dizer que um país vale o

1 2 3 4 5 6 7 8

Finalidades Formar os espíritos Preparo geral, desinteressado Preparo do Honnête homme Basear a cultura de um povo Formar o cidadão ideal Formar a mentalidade e o caráter – –

Organização C. básico + letras/ciências C. básico + letras (bacharel) Curso integral

Conteúdos Humanidades clássicas



Humanidades clássicas (base) Línguas clássicas (base)

Curso integral Curso integral – Curso integral

Cultura clássica Matérias literárias

Humanidades clássicas + ciências H. clás. + ling. e ciên. Modernas Ciências e líng. modernas + hum.

Legenda: 1 – Rui de Paula Souza; 2 – Mário de Souza Lima; 3 – Amadeu Amaral; 4 – Ovídio Pires de Campos; 5 – Raul Briquet; 6 – Teodoro Ramos; 7 – Reinaldo Porchat; 8 – Artur Neiva. Fonte: Azevedo, s.d. Registre-se também que a História foi referenciada por dois comentadores: o jornalista Amadeu Amaral, inspirado em Alfredo Fouilet (Educação moral), afirmou que a “matéria” comunicava aos espíritos as ideias de “universalidade”, o “dom da simpatia” e o “senso social e humano”, além de estimular a “imaginação” por meio da “história dos descobrimentos, pela evocação das grandes figuras”. (Amaral, in: Azevedo, A educação na encruzilhada..., 1926, p. 220-221). Para Raul Briquet, médico e professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, a História importava na “formação do cidadão ideal”. Essa finalidade somente se cumpriria no bojo de um plano que abrangesse “a criação da mentalidade e do caráter pelo estudo da filiação assim histórica como lógica das ciências, das culminantes manifestações da arte, e pela assimilação dos exemplos de energia e continuidade deixados pelos grandes vultos da história.” (Briquet, in: Azevedo, A educação na encruzilhada..., s.d., p. 235). 31 Cf. Miranda, “O ensino secundário”, 1929, p. 45-105. 32 Veiga Miranda torce para que o secundário não seja pré-requisito à matrícula nas faculdades – essa forma de seleção já ocorria em muitas universidades francesas. Ele afirma que os interessados poderiam passar livremente para o ensino superior. Para tanto, sua proposta deixava aberta a possibilidade de coexistirem o regime de preparatórios e o curso humanístico. Interessavalhe muito mais a existência de um curso humanístico que formasse um certo grupo de cidadãos, no alto nível do Pedro II – nível anterior às reformas de Benjamim Constant. (Cf. Miranda, O ensino ...,1929). 92

Histórias do Ensino de História do Brasil H

que vale o seu ensino secundário” (Dumas, apud, Miranda, 1929, p. 61). Como estratégia conjunta, Miranda seguia a posição do Colégio São Paulo: 1) o secundário possuía um fim em si mesmo. Não se prestava a utilitarismos como o primário (social) e o superior (profissional). Ele é fundamental para “fortalecer e aguçar o pensamento, despertar a curiosidade científica, o amor da vida intelectual, a faculdade de observação e de crítica” (citando o Parecer da Congregação do Ginásio São Paulo, p. 33). Por isso, não deveria ser dividido em sessões a partir do quarto ano, tampouco fornecer conhecimento especializado. 2) Era necessário fugir-se ao enciclopedismo. Combater a “ineficiência” desse ensino significava simplificar o seu currículo e diminuir o número de matérias. 33 Veiga Miranda avançava ainda mais em relação ao parecer da congregação: Penso que o ensino secundário não pode ser objeto de modificação sem ter em vista algumas quantidades constantes do problema:

33

Noutro confronto de posições acerca do secundário, entre o Colégio São Paulo e o Colégio Pedro II, a situação era bem diversa. Na implantação da Reforma Maximiliano (1915), os paulistas propuseram, “por meio do curso de bacharelado e mesmo do curso propedêutico, um ensino secundário com maior duração e com maior número de disciplinas e de aulas semanais” que os padrões em vigor no Colégio Pedro II. Vejam quadro elaborado por Tirsa Regazzini Peres (1973, p. 47):

Instituições Colégio Pedro II Ginásio São Paulo (c. bacharelado) Ginásio São Paulo (c. propedêutico)

Nº de disc. 10 16 12

Dist. do nº de aulas pelas séries 1a 18 16 16

2a 18 17 17

3a 18 18 18

4a 12 21 15

5a 9 24 13

6a 24 17 93

H ITAMAR FREITAS

1o – o curso não deve passar de seis anos; 2o – o número diário de horas de aulas teóricas nos estabelecimentos oficiais e equiparados não deve exceder a quatro; 3o – o curso primário não é considerado vestíbulo do secundário nem este vestíbulo do superior; deve haver sempre o exame de admissão e o exame vestibular; 4o – uma boa cultura só pode resultar de perfeita conexão entre as matérias, não devendo cada lente considerar a sua cadeira como região inviolável aos demais. (Miranda, 1929, p. 39).

A proposta paulista, apresentada à II Conferência, obviamente, perseguiu tais diretrizes. O programa para o secundário da Congregação do Colégio São Paulo amplia o espaço das humanidades e diminui o número total de disciplinas;34 aumenta o número de horas para a História e mantém a disciplina História do Brasil. Juntas, História geral e História do Brasil, contabilizariam 8,3% do espaço do currículo, aproximando-se do patamar de 1841 (8,5%). Dentro dos estudos clássicos a História também recuperaria terreno (13,5%) em relação à reforma de Carlos Maximiliano – 1915/1925 (10,3%). Mas, essa participação, dentro das humanidades, poder-se-ia considerar modesta, diante da revitalização dos estudos de latim, que cresceria em mais de 100% sobre a reforma de 1915/192535,

34 35

94

Por fusão e exclusão, o currículo passa de 22 (1926) para 12 disciplinas (1929). Coerente com as finalidades do ensino secundário – uma espécie de cultura geral média, base para a preparação de qualquer atividade profissional – os conteúdos mesclavam estudos clássicos e estudos científicos, tendo como disciplinas-base o Latim e as matemáticas.

Histórias do Ensino de História do Brasil H

recuperando status correspondente ao da primeira metade do século XIX. Sobre a seriação, nenhuma mudança para a História: História universal secundava a Geografia e encerrava-se com a História do Brasil. Haveria, apenas, o deslocamento das 2a, 3a, 4a, e 5a séries – reforma Luiz Alves, 1926/1929 –, para as 3a, 4a, 5a e 6a séries em 1929.36 Talvez fosse pertinente transcrever agora as palavras de George Dumas sobre o ensino não autorizado e o ensino ideal para a matéria de Clio. Mas, por que Dumas? Porque o francês forneceu as finalidades para o secundário formulado por Miranda.37 Observem que as finalidades da História são também bastante coerentes com essa concepção de cultura geral média e de ensino das elites diretoras do país: (...) E o ensino de História universal, essencialmente narrativo, sobrecarregado de datas, de nomes de batalhas, de nomes de reis e guerreiros? Spengler diz que na História se ensina tudo o que se poderia ignorar e não se ensina tudo o que se deveria saber. Não

36

37

Por conta das finalidades do ensino secundário, a proposta não discute conteúdos. Talvez fossem considerados elementos acessórios para a discussão naquele momento, a exemplo do formato dos exames, das bancas, e dos métodos de ensino. Para maior conhecimento das ideias dominantes sobre a organização do secundário pelos paulistas entre as décadas de 1920 e 1950, é instigante comparar “o projeto político-pedagógico que se lia nos periódicos da imprensa liberal de oposição desde a década de 1920” – cujo exemplo emblemático é A crise nacional, de Júlio de Mesquita Filho (1925) –, as edições e reedições de Educação na encruzilhada, de Fernando de Azevedo, e as formulações do secundário ao modo de André Dreyfus e de Laerte Ramos de Carvalho, disseminadas do interior da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP e de O Estado de São Paulo. (Cf. Bomtempi Júnior, 2001). 95

H ITAMAR FREITAS

será tanto assim. Mas a verdade é que o curso de História, como é dado mesmo em nossos melhores compêndios, e portanto como é ensinado mesmo em nossos melhores colégios, está a cem léguas de um curso mediocremente secundário. (...) Efetivamente não basta ensinar a História com mais minúcias informativas do que no ensino primário, para que se ministre um ensino que mereça o nome de secundário. Podem-se dar várias lições primárias sobre o século de Luiz XIV, resumindo nelas os fatos conhecidos ou considerados como tais: pode-se ao contrário dar, numa hora, uma lição secundária sobre o mesmo século se, a esse propósito, se fizer a crítica do valor do testemunho das fontes de informação, da imparcialidade dos historiadores, e se insistir na significação política, social e filosófica dos fatos referidos. No primeiro caso, dão-se à criança noções cuja utilidade é incontestável; no segundo orienta-se o ensino dos fatos para a cultura geral e para a formação lógica do espírito. (Dumas, apud. Miranda, O ensino..., 1929, p. 60).

A escolha do ensino secundário como único tema da III Conferência já significava um progresso na direção de um debate mais especializado. Ainda assim, para evitar a dispersão de energias e de tempo, a A.B.E. providenciou um inquérito sobre o assunto que circulou entre os intelectuais no mesmo ano do evento. O questionário, transformado em livro, abordou a finalidade, organização, conteúdo dos programas e das disciplinas, mesas examinadoras e processos de exame, formas de disseminar a eficiência do secundário, de articulá-lo aos ensinos primário e profissio96

Histórias do Ensino de História do Brasil H

nal, e de convencer à “opinião pública” sobre a relevância de um estudo – “base da cultura média do país”. (Cf. Oliveira, In: Inquérito..., 1929, p. 8-9). Daqueles que responderam ao Inquérito,38 a maioria esmagadora pertencia aos estabelecimentos escolares situados no Distrito Federal. Juntos, o Colégio Pedro II e a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz somaram dezessete representantes. Também contribuíram, ainda no Rio de Janeiro, os professores das faculdades de Medicina e de Direito, da Escola Normal do Distrito Federal, dos Colégios Santo Inácio e La Fayete, e do Curso Jacobina. Das outras unidades da federação vieram as representações da Bahia – Isaias Alves e Arquimedes Guimarães; Minas Gerais – J. C. d’Afonseca, Lúcio José dos Santos, Roberto de A. Cunha e Rodolfo Jacob; Espírito Santo – Departamento local da A.B.E.; e São Paulo – José Piragibe e a delegação do Ginásio do Estado de São Paulo (Mário de Souza Lima, Alexandre Corrêa e Augusto de Souza Barros). Paulistas afinados com o Colégio São Paulo e cariocas do núcleo da Secção de Ensino Secundário da A.B.E sustentaram suas respectivas posições – já comentadas neste tópico. Outras ideias, porém, foram arremessadas aos 38

Quarenta e duas respostas foram publicadas. Sobre os critérios para a formação da lista dos inqueridos, a Secção do Ensino Secundário da A.B.E. registrou em nota apensa à publicação que “procurou ouvir, nesta Capital [Rio de Janeiro] como nos Estados, as autoridades no assunto, autoridades pelo seu conhecimento especializado, pela sua posição social ou pelas duas qualidades reunidas. Muitos deixaram de responder à consulta, outras justificaram, por motivos diversos, o seu impedimento de atender ao apelo de prestigiar com a sua opinião o estudo desse importantíssimo problema nacional.” (Inquérito..., 1929, p. [330]. 97

H ITAMAR FREITAS

leitores do Inquérito. Propostas que se referiam, principalmente, às formas de organização. A ideia dominante contemplava um secundário seccionado em “tronco” e “ramos”.39 Mas, alguns radicalizavam em sentido contrário: os baianos e o carioca Antenor Nascentes pelo secundário integral ou uniforme; Salvador Froes (RJ) com a escola única, de inspiração francesa, – primário, secundário, superior integrados; Fernando de Magalhães (RJ) na defesa de cursos preparatórios e cursos ornamentais em escolas separadas e Isabel Jacobina Lacombe sugerindo os círculos concêntricos. Quanto às finalidades, os verbos empregados indicam a pluralidade de concepções: preparar – para a vida, para a mocidade, família e sociedade, para os cursos técnicos e superiores; desenvolver e desdobrar as faculdades; iluminar o cérebro e adestrar a mão; firmar o caráter; fixar o ensino primário; completar o ensino primário; cultivar as faculdades física, intelectual e moral; afinar cabedais intelectuais; eliminar os inaptos; construir homens do melhor tipo – homens de primeira classe; difundir cultura humanística; fornecer elementos para uma continuada autoinstrução, cultura geral, cultura média do povo, ensino geral para o terreno da prática; ajustar o homem ao meio social; integrar o indivíduo na espécie; despertar o interesse pela atividade produtiva e o sentimento cívico; e, por fim, a expressão majoritária: formar o espírito,

39

98

Outras expressões para essa forma de organização: básico/diversos ramos; tronco/secções; tronco geral/ramificações; ciclos; fundamental/ complementares; fundamental/especial; e infraestrutura/superestrutura.

Histórias do Ensino de História do Brasil H

a mentalidade média, a camada intelectual, a elite intelectual, a elite do saber. Não obstante a pluralidade de sentidos para o secundário, a maioria dos consultados optou por conciliar o ensino clássico com o moderno e o ensino das ciências matemáticas e físico-naturais. A própria estrutura hegemônica do curso – divisão em tronco e ramos – permitia a presença dos tipos dominantes de ensino em voga: línguas e literaturas antigas + História e Geografia, línguas e literaturas modernas, e as várias disciplinas enfeixadas na rubrica de ciências. O lugar da História, especificamente, atravessava incólume essa batalha de finalidades, de formas de organização e variedade de conteúdos e, ainda, como a tônica da estrutura do curso rumava para a divisão em ciclo básico e ciclos complementares – fazendo cumprir as principais finalidades inscritas na lei de 1925 e advogadas pela maioria dos consultados –,40 a História não somente permaneceria como disciplina dos cursos gerais (troncos), como também frequentaria, em graus diferenciados, diversos cursos especializados ou de preparação às escolas superiores.41 Uma ou outra sugestão singia-se à posição da História – do Brasil ou geral – nas séries, como o fizeram Lúcio José dos Santos42 e Virgílio Correia Filho.43 Ambos aconselharam o deslocamento dessas disciplinas para os últi40

41

42

43

Finalidade em si mesma e propedêutica aos cursos profissionais de escolas ou faculdades. Ver, entre outras, as respostas de Carlos Werneck, Fernando Magalhães e Fernando Nerêu de Sampaio (Inquérito..., p. 121, 144-147). “Da Escola de Minas de Ouro Preto, da Escola de Engenharia de Belo Horizonte. Ex-Diretor da Instrução do Estado de Minas”. Nos Anais, não há informações sobre esse consultor. 99

H ITAMAR FREITAS

mos anos do curso, visando maior inteligibilidade por parte dos alunos.44 Sobre os conteúdos a ensinar, tem-se o caso de Alceo do Amoroso Lima que, de todas as questões apresentadas limitou-se, apenas, a reivindicar a introdução da educação moral e religiosa e da educação física45, e a criação das disciplinas de História da civilização americana e de História da América. Isaías Alves, por outro lado – sem também destoar do sentido nacional que o secundário deveria incorporar – criticava a falta de autonomia para a História do Brasil. Era mister, ao contrário [de incluir a História nacional na História geral],46 dar sólidas noções de História pátria, como desenvolvimento das atividades cívicas e das forças econômicas. Onde fazer esse trabalho cultural? Numa cadeira de História geral, que deve

44

45

46

“[...] a seriação das matérias é mal feita, seja em vista da dependência entre elas, seja por serem colocadas algumas muito cedo no curso. Muitas vezes, ensinei História da civilização a meninos que, talvez, devessem estar ainda na escola primária. Quando indagava das causas, relações e consequências dos acontecimentos, observava logo que, mesmo conservando-se tranquilos, deixavam os meus jovens ouvintes de seguir a minha exposição. Contavalhes, porém, subitamente, interrompendo a exposição, uma anedota histórica, e imediatamente as fisionomias se iluminavam, os olhares se tornavam inteligentes. Era o interesse que surgia, o interesse sem o qual não há ensino. Para ensinar é preciso, é essencial despertar no aluno o interesse pelo ensino.” (Santos, In: Inquérito..., 1929, p. 239). “Quanto à Geografia e à História, ousaríamos sugerir pequena alteração, que transferisse esta para as duas últimas séries, em que se faria o estudo da História do Brasil, em particular, e da civilização, em geral, do qual somente consideraria os sucessos relevantes, sem descer à minudências excusadas para os não especializados. (Correia Filho, In: Anais, 1929, p. 315). “Segundo os métodos da chamada escola ativa, tendo em vista as condições de nossa psicologia nacional.” (Lima, in: Inquérito..., 1929, p. 74). Como proposto no currículo da A.B.E.

100

Histórias do Ensino de História do Brasil H

ter o caráter crítico, e apresenta os vários aspectos da humanidade passada em tão resumidos panoramas que mal perduram os traços gerais na memória dos jovens? Não. É necessário que o ensino da História pátria seja um elemento de formação da consciência cívica. (Alves In: Inquérito..., 1929, p. 197).

Houve sugestões para incorporação dos avanços do movimento científico – as ciências de referência – no ensino de História. Gastão Ruch,47 dizia que a História, “incitada pela obrigação de encarar cada vez mais os fatos políticos, sociais e econômicos da humanidade debaixo do prisma da evolução civilizada”, deveria seguir o desenvolvimento das ciências: “a tendência fatal reside no acréscimo contínuo das aquisições feitas ao cabedal já existente, de onde decorre a elaboração de novas teorias para sua explicação.” (Ruch, In: Inquérito…, 1929, p. 172-173). Bem mais contundente foi a representação da A.B.E. do Espírito Santo, que solicitou a ampliação do espaço para a História do Brasil e a incorporação de uma teoria da História não hegemônica entre os eruditos brasileiros: “[n]a Geografia e História devemos seguir uma orientação sociológica, fazendo o estudo da antropogeografia americana especializada no estudo geral da civilização dos povos, sem descer a detalhes desnecessários.” (Inquérito..., 1929, p. 324). Contudo, em ousadia e criatividade, Lidolfo Xavier48 destacou-se dos demais. Era um entusiasta do ensino clássico e de um secundário pau-

47

48

Professor de francês do Pedro II e autor de livros escolares de história universal. “Do Instituto La Fayette e da Sociedade de Geografia”. 101

H ITAMAR FREITAS

tado nos “preceitos da higiene e da disciplina”, e que levasse em conta algumas conquistas da Psicologia educacional – diríamos hoje – sintonizada com Stanley Hall. Dentro desse estalão, propôs um programa para a História que abrangesse todas as quatro séries de um suposto curso geral: Para o estudo da História, é bem necessário verificar o que pretendeu Paul Desjardins, fundando a ‘Escola de Cultura Comum’, que a guerra destruiu, em 1914. No plano frustrado dessa escola, entre o intervalo das consultas sobre negócios, empresas, solo, colheitas, transportes, circulação, moeda, crédito, desenho, artes, religião, filosofia, vida jurídica e política, psicologia do trabalho, História das ciências, arte da interpretação clara e da firme razão, tudo isso ministrado em conversações-passeios, alteradamente (sic) com as oficinas, onde os jovens deverão adquirir o adestramento de uma profissão; como coroamento desses estudos de 4 anos, dar-se-á desde o primeiro até o último, em dose de 1 hora e meia por semana, o seguinte programa de estudos históricos e críticos, sempre sob a forma de investigações do passado em função de atualidades: 1 ano – a) Origem e fundamento das nossa idéias sobre o trabalho; b) História da fraternidade. 2 ano – a) História da razão. 3 ano – a) História da piedade e da simpatia; b) História da honra. 4 ano – a) História do patriotismo; b) História da justiça.” [...]. Na História da civilização se deverá dar grande cunho às literaturas dos séculos XI ao XX, com exemplos edificantes. (Xavier, In: Inquérito..., 1929, p. 229-231). 102

Histórias do Ensino de História do Brasil H

O desenrolar da III Conferência, em setembro de 1931, apresentou um desfecho previsível: a ruptura entre educadores paulistas e membros do Departamento da A.B.E. do Rio de Janeiro. A política centralizadora dos cariocas, a falta de traquejo político dos seus dirigentes maiores, a tentativa de imposição do seu modelo de secundário, a desconsideração das resoluções tomadas pela II Conferência, e a indiferença em relação aos educadores de São Paulo – presumíveis responsáveis pela organização do evento de 1929 –, resultaram na criação de uma entidade concorrente, sob a liderança de São Paulo: a Confederação Nacional de Associações de Educação.49 De nada valeu a elaboração de uma proposta conciliatória para o

49

A Federação Nacional das Sociedades de Educação foi fundada em território carioca. Tinha por objetivo a coordenação “dos esforços de todas as sociedades federadas, em prol da educação nacional” e nascia com o apoio de sociedades do Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde mantinha sede. Figuras de proa testemunharam os seus primeiros momentos: “senador José Augusto, ministro Renato Jardim, deputados João Simplício, Fulvio Aducci, Clodomir Cardoso, Jayme de Barros, professores Frota Pessoa, Celina Padilha, Alcides Bezerra, Mário Brito”. O motivo para a criação foi apontado, sem meias palavras, por Vicente Licínio Cardoso, aquele que se encarregaria de liderar a nova entidade, com a licença dos líderes paulistas: a “Sociedade de Educação de São Paulo..., congregando os melhores elementos dessa capital...por motivos muito justos, resolveu em março último desligar-se da a ‘A.B.E’ hibernando, originalmente, em silêncio respeitável, pela demissão em massa de 3 de seus presidentes (Renato Jardim, Sampaio Dória, Veiga Miranda), seu secretário geral (Lourenço Filho) e de seus sócios mais conspícuos.” (Cardoso, In: Federação Nacional das Sociedades de Educação, 1930, p. 167). Observem os nomes que foram excluídos da A.B.E e da organização da III Conferência e comparem com alguns dos redatores das conclusões do evento para o ensino secundário. Piccarolo e Isoldi, por exemplo, são pessoas ligadas aos estudos clássicos, à fundação – a partir do IHGSP – da Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo (1931), instituição livre, que desapareceu com a criação da USP. 103

H ITAMAR FREITAS

secundário entre o formato defendido pela A.B.E e o modelo produzido pelos paulistas.50 Quanto à História, o coquetel de formulações, como vimos, permaneceu em expansão: teorização rarefeita, uma ou outra citação a um historiador autorizado, um pedido para ampliação e autonomia do espaço destinado à História do Brasil, a introdução da História da América. A significação dos estudos históricos, o caráter intrinsecamente educador e função pragmática e nacionalista foram a tônica. Mas, era, ainda a contribuição não especializada, fato perceptível na defesa da imagem do ensino de História do Colégio Pedro II, não importando quem fosse o dono da cadeira nos tempos da primeira República. Uma política uniformizadora para a disciplina, somente seria cunhada no período revolucionário, em programa encomendado pelo ministro de Estado aos agora profissionais da Educação – a reforma Francisco Campos.

50

“Conclusões das Comissões Reunidas do Ensino Secundário – 1) A organização do ensino secundário deve responder à dupla exigência de assegurar um nível elevado da cultura geral aos que não se destinam a estudos superiores e de preparar para as especializações das carreiras universitárias os que puderem dar a sua formação intelectual mais prolongado desenvolvimento. 2) No ginásio, no curso único de seis anos, sem bifurcação alguma e sem matérias facultativas, se procura obter a cultura geral da personalidade por uma combinação harmônica dos estudos clássicos (latim e grego), das ciências fundamentais e dos estudos modernos, reduzidas as disciplinas ao número necessário e organizados os programas de modo que se perca em extensão e se ganhe em profundidade. 3) Pelo governo da União ou dos Estado serão criadas escolas do tipo ‘Realschule’, com curso fundamental comum e ramos especializados. 4) o ginásio conduzirá às universidades de qualquer tipo, levando à escola, tipo ‘Realschule’, exclusivamente técnica. (a) Mário P. de Souza Lima – presidente; Antonio Piccarolo – relator; C. A. Barbosa de Oliveira; Dr. Leonardo Van Acker; D. Ludgero Jaspers; Américo de Moura; Eng. Prof. Dante Isoldi; Alexandre Correia; Sud Mennucci.” (III Conferência Nacional de Educação, 1930, p. 155-156).

104

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Referências ALVES, Isaias. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. pp. 188-200. ANTUNHA, Heládio Cesar Gonçalves. A instrução na primeira República (segunda parte): a União e o ensino secundário na primeira República. São Paulo, 1980, 271p. Tese (Professor Titular de Metodologia do Ensino e Educação Comparada) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. AZEVEDO, Fernando de. A educação na encruzilhada. 2 ed. São Paulo: Melhoramentos, s.d. pp. 97-109. CARVALHO, Carlos Delgado de. Discurso no ato da posse da cadeira de inglês do Externato do Colégio de Pedro II, em 24 de setembro de 1924. Anuário do Colégio Pedro II. Rio de Janeiro: Tipografia da Encadernadora, 192[7]. pp. 2531. v. 7. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde nacional e fôrma cívica. Bragança Paulista: Edusf, 1998. CONGRESSO BRASILEIRO DE INSTRUÇÃO SUPERIOR, 4., 1922, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Tipografia da Rua do Carmo, 1926. v. 2. DÓRIA, Escragnolle. Memória histórica do Colégio de Pedro Segundo (1837/ 1937). Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, [1937]. Educação, São Paulo, v. 6, n. 1-2, jan./fev. 1929. Estatutos da Liga de Defesa Nacional. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1916. Federação Nacional das Sociedades Educação. Revista de Educação, Salvador, n. 2, p. 163-170, fev. 1930. III Conferência Nacional de Educação: conclusões das Comissões Reunidas do Ensino Secundário. Revista de Educação, Salvador, n. 2, p. 154-162, fev. 1930. LIMA, Alceu Amoroso. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. p. 72-74. LOURENÇO FILHO, Manoel Bergström. A Segunda Conferência Nacional de Educação. Educação, São Paulo, v. 6, n. 1-2, p. 3-12, jan./fev. 1929. 105

H ITAMAR FREITAS __________. Congresso e Conferência de Educação: rápida resenha histórica. In: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Primeiro Congresso Nacional de Educação, Rio de Janeiro: Serviço de Documentação do Ministério da Educação e Saúde, 1946. pp. 5-16. MAGALHÃES, Fernando. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. pp. 143-145. MIRANDA, J. P. da Veiga. A Conferência de Belo Horizonte. Educação, São Paulo, v. 6, n. 1-2, p. 15-29, jan./fev. 1929. MUNAKATA, Kazumi. Um prefácio desnecessário. In: GASPARELLO, Arlette Medeiros. Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da escola secundária brasileira. São Paulo: Iglu, 2004. pp. 9-11. NAGLE, Jorge. A educação na primeira República. FAUSTO, Boris (coord.). História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano – sociedade e instituições (1889/1930). 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. pp. 259291. OLIVEIRA, C. A. Barbosa de. O problema brasileiro da escola secundária: bases para uma reforma – organizadas pela Associação Brasileira de Educação. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., 1929. pp. 13-40. _______. O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. Educação, São Paulo, v. 7, n. 1-2, 1929. p. 145-182. PERES, Tirsa Regazzini. Educação republicana: tentativas de reconstrução do ensino secundário brasileiro – 1890/1920. Araraquara, 1973, 181 p. Tese (Doutorado em Educação) – Departamento de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. PIMENTEL, Elpídio. [Fala]. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE INSTRUÇÃO SUPERIOR E SECUNDÁRIA, 4., 1922, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Tipografia da Rua do Carmo, 1926. pp. 351-352. ________. No Congresso de Ensino Secundário e Superior. A Educação, Rio de Janeiro, p. 51-58, jan. 1923. RUCH, Gastão. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. pp. 167-173. 106

Histórias do Ensino de História do Brasil H

SAMPAIO, Fernando Nerêu de. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. pp. 146-148. SANTOS, Lúcio José dos. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. pp. 236-243. SILVA, Paranhos. [Fala]. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE INSTRUÇÃO SUPERIOR E SECUNDÁRIA, 4., 1922, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Tipografia da Rua do Carmo, 1926. pp. 351-352. WERNECK, Carlos. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. pp. 122-123. XAVIER, Lindolfo. [Resposta]. In: O problema brasileiro da escola secundária: bases do inquérito destinado à Terceira Conferência Nacional de Educação. São Paulo: A.B.E., [1929]. pp. 223-235.

107

4 Pedagogos, educadores e o ensino “científico” de História (1880/1935)

H

O

que é ser pedagogo ou ser educador no período entre as reformas do início da primeira República e a instituição da Universidade no Brasil? Uma definição operacional e, portanto, genérica, atemporal, seria a de que pedagogo e educador são vocábulos sinônimos para nomear os profissionais que atuavam em ações públicas ou privadas relativas à instrução. Seriam, portanto, pedagogos ou educadores, todos aqueles que estivessem diretamente envolvidos com essa atividade, discutindo e publicando, planejando, dirigindo estabelecimentos de ensino, escrevendo livros didáticos ou ministrando aulas. É esse segundo tipo de profissional, além do historiador, que busco conhecer – ele também discute, pratica e teoriza sobre o ensino de História, notadamente nesse período onde a uniformização, promovida pelo governo da União, ainda não se houvera efetivado. Mas, sair do profissional – pedagogo, educador – para a área de conhecimento ou para a disciplina – Pedagogia, Educação – não modifica o estado do problema. A ambiguidade se mantém, embora com questões bem mais difundidas: o que era Pedagogia no tempo da primeira República? Em que consistia esse saber codificado por Johann Friedrich Herbart (1776/1841)1 e o que a Pedagogia teve a

1

A trajetória da Pedagogia como disciplina acadêmica ou como campo de ciência possui um divisor de águas: o trabalho de Johan Friedrich Herbart (1776/1841). É esse professor de Filosofia que transforma os estudos sobre educação em Pedagogia científica, mediante a publicação de Pedagogia geral (1806) e Da representação estética do mundo como objeto principal da educação e das letras sob a aplicação da Psicologia e da Pedagogia (1852). Nesses textos foram expostos, respectivamente, os fins e os meios de uma pedagogia cientifica, fundadas sobre dois elementos: a Ética e a Psicologia. (Cf. Herbart, s.d, e1946; Luzuriaga, 1946; Hilgenheger, 199-).

Histórias do Ensino de História do Brasil H

dizer, no interior dos mais importantes cursos normais de São Paulo e do Rio de Janeiro, sobre o ensino de História?

No rastro da(s) Pedagogia(s) Com bastante propriedade, Mirian Warde afirma que “nenhuma disciplina ou ciência constitui sua identidade de uma vez para sempre e nem mantém, ao longo do tempo, as mesmas referências, os mesmos problemas ou orientações da pesquisa” (Warde, 1997, p. 292). Portanto, se se quiser conhecer a trajetória da Pedagogia no Brasil, será necessário compreender, sobretudo, o modo como seus profissionais são formados, como se profissionalizam (Cf. Lepenies, apud. Warde, 1997, p. 292) e as relações entabuladas com outros campos de conhecimento, também frequentemente em mutação. Agindo dessa forma, não será difícil constatar que a História da Pedagogia disciplina/ciência contempla uma diversidade de conflitos religiosos, políticos, institucionais que variam com o país, a sociedade, a universidade, a escola ou o curso de formação de professores que se queira pôr os olhos. Em outras palavras, examinados os debates sobre o caráter científico da Pedagogia, no período pós-Herbart2, teremos tantas Pedagogias quanto o número de teóricos destacados nesses estudos: Alexandre Bain, Herbert Spencer, Èmile Durkheim, Edouard Claparède, John Dewey e Eduard Lee Thorndike – so-

2

Como efetuado por Warde (1997), acerca da Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos. 111

H ITAMAR FREITAS

mente para ficar com os maiores formadores de opinião – o que indica, de início, a impropriedade da busca da unidade epistemológica para esse novo campo. Esse relativismo, essa pluralidade das condições de possibilidade na construção da Pedagogia científica não deve, porém, inutilizar os esforços de uma História do saber. Em meio à diversidade de experiências vivenciadas por esses autores, que resultaram na classificação da Pedagogia como ciência prática, ciência teórica, arte, campo de ação da Psicologia, dando-lhe os nomes de educação, ciência da educação, ciências da educação, arte de ensinar etc., é possível identificar, ao menos, dois movimentos característicos. O primeiro, é a relação pendular da Pedagogia com a Filosofia – de cunho metafísico ou de cunho naturalista etc.; o segundo, é o grau da relação estabelecida com a Psicologia – que vai da aliança à submissão – bem como o tipo de Psicologia reivindicado para tornar científica a Pedagogia. Esses dois movimentos são bons indicadores sobre as identidades da Pedagogia em solo brasileiro. Eles ajudam a compreender as dicotomias presentes nos cursos normais e materializadas em manuais para uso dos professores e nos programas das disciplinas: pedagogias mais centradas nos fins (pedagogias gerais) ou nos meios (pedagogias específicas); centradas na Filosofia da educação ou nas metodologias de ensino; no saber-fazer cotidiano ou nos modernos processos didáticos; enfatizando a relevância do meio social ou enfatizando os mecanismos psíquicos do aluno etc. Ambos foram contemplados pelos estudos que tentaram sintetizar a História da Pedagogia em solo pátrio – 112

Histórias do Ensino de História do Brasil H

ainda que não tenham sido os seus objetos originais, insistindo na abordagem epistemológica da Pedagogia. (Cf. Libâneo, 2000; Carvalho, 1997 e 2001). Um dos pontos consensuais que se pode extrair desses textos de bases teóricas tão distintas é a constatação de passagens datadas – de uma Pedagogia “eclética” para uma Pedagogia “tecnicista” – no caso de José Carlos Libâneo –; de uma Pedagogia “corretora” para uma Pedagogia “molde” – para Marta Carvalho. Ao fundo, a mesma periodização ou, pelo menos, os mesmos divisores de águas – os anos 1920, os nomes de Lourenço Filho e Sampaio Dória (para Carvalho) e de Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo (para Libâneo), o sucesso da Psicologia experimental e a “profissionalização dos cursos normais – como já havia sido apontada por Azevedo em sua Cultura brasileira e detalhada por Jorge Nagle (2001) em sua tese de livre-docência. Enfim, o que distinguiu a última década da primeira República em relação às precedentes foi a preocupação bastante vigorosa em “pensar e modificar os padrões de ensino e cultura das instituições escolares nas diferentes modalidades e nos diferentes níveis: ... a ampliação do nível de formação, os primeiros sinais de articulação com o ensino médio e o alargamento do ciclo profissional, a introdução de princípios e técnicas do escolanovismo.” (Nagle, 2001, p. 283). Todavia, não obstante as silimitudes entre os dois textos, na mudança de escalas, ou seja, do exame “em largos traços” para a investigação sobre experiências dos cursos normais e da literatura educacional produzida no Rio de Janeiro e em São Paulo etc., é Marta Carvalho quem melhor delineia o que se estava reivindicando como Pedagogia científica ao exami113

H ITAMAR FREITAS

nar a trajetória dos discursos “que buscaram legitimar-se como saber pedagógico de tipo novo, moderno, experimental e científico.” (Carvalho, 1997, p. 270; 2001, p. 138-139, grifos da autora). Para Carvalho, o processo de legitimação da Pedagogia como saber científico no Brasil contempla dois momentos. O primeiro se dá com a criação da cadeira de Psicologia aplicada à educação, a instalação do gabinete e do curso especial de Antropologia e Psicologia pedagógica – ministrado pelo italiano Hugo Pizzoli. Essas iniciativas de Oscar Thompson, então diretor da Escola Normal (SP) em 1914, elegeram a Psicologia – psicognóstica e pedotécnica – como saber responsável pelo caráter científico da nova Pedagogia.3 O segundo momento é menos caracterizado como de mudança de paradigma científico e mais como mudança de ordem política – embora sejam, ambos, processos de disciplinarização social. Para Carvalho, nos anos 1920, com o “problema nacional” detectado pelos ‘entusiastas da educação’, a “Pedagogia deixava-se impregnar pelos novos ritmos da sociedade técnica e do maquinismo.” Regenerar o povo através da higiene – saúde – e da educação era uma “alternativa aos impasses postos pelos determinismos raciais – a impossibilidade de progresso num país mestiço. Assim, “disciplinar não é mais prevenir ou corrigir. É moldar... Eficiência era o novo nome da disciplina.” (Carvalho, 1997, p. 285-287). Num segundo texto, Carvalho mantém a periodização e o argumento. A análise dos discursos continua orientando a

3

Em linhas gerais, através da frenologia de medições, buscava-se “discriminar as crianças normais das anormais” com o intuito de formar classes homogêneas. (Carvalho, 1977, p. 276-277). Assim, a pedagogia se fazia “ortopedia” – arte da prevenção ou da correção da deformação.” (idem, p. 278).

114

Histórias do Ensino de História do Brasil H

pesquisa sobre a cienficização da Pedagogia, mas o objeto agora é a literatura pedagógica, ou melhor, “duas modalidades de configuração material de impressos destinados ao uso de professores” que visam à conformação das práticas escolares (Carvalho, 2001, p. 139). Num primeiro momento – tempo que se estende de 1892 a 1925 – a Pedagogia foi compreendida como “arte de ensinar.” Era uma Pedagogia “fundada no princípio de que ensinar a ensinar é fornecer bons moldes e de que aprender a ensinar supõe ter visto fazer.” (idem, p. 143, grifos da autora). Daí, a proliferação de revistas e manuais de Pedagogia com larga oferta de modelos e lições. Esse período tem os seus ideólogos – Caetano de Campos e Oscar Thompson. Na década de 1920, porém, começou a vigorar a “Pedagogia da escola nova.” Seu grande idealizador foi Lourenço Filho. A nova Pedagogia visava a constituir “a cultura pedagógica do professorado” por intermédio de coleções que forneceriam “um repertório de informações e de referenciais críticos para o professor, orientando-lhe a leitura como prática inventiva rebelde à prescrição de modelos.” Marta Carvalho alerta que a mudança nos discursos sobre a Pedagogia científica “deu-se em duas direções distintas, mas complementares: a de um progressivo didatismo e a de uma hiper-valorização das ‘ciências’ da educação como fundamentos da prática docente. Nesse processo, o impresso pedagógico se didatiza em uma proliferação de discursos sobre os métodos ou sobre os fundamentos da prática docente.” (idem, p. 157). Conhecidos os marcos, atores, periodização e ideias dominantes acerca dos saberes pedagógicos, verticalizemos, então, a estratégia de Marta Carvalho, pondo os olhos em dois lugares de produção: os currículos dos cur115

H ITAMAR FREITAS

sos de formação de professor e a literatura denominada como pedagógica – dentro desta, estavam os manuais de ensinar a ensinar História.

A Pedagogia nas escolas normais4 Focalizando as lentes sobre currículos e organização dos cursos normais em duas instituições modelares para o Brasil – A Escola Normal da Praça e a Escola Normal do Distrito Federal – veremos, certamente, que a História desse tipo de ensino pode ser descrita como a trajetória da separação entre o curso de caráter propedêutico e o curso técnico-profissional (Cf. Tanuri, 1979), itinerário que tem como marcos significativos, para o caso paulista, a reforma Sampaio Dória (1920) e a reforma Fernando de Azevedo (1933); e, para o caso do Distrito Federal, as reformas promovidas por Azevedo Sodré (1916), Fernando de Azevedo (1928) e Anísio Teixeira (1932).5

4

5

Apesar da ênfase nos anos 1920, este texto parte sempre do início da primeira República. As prescrições da reforma Benjamin Constant são a base para estabelecer o recorte temporal. Quanto às fontes, sempre que possível, foram empregados os documentos de maior proximidade com o fenômeno em estudo. Para São Paulo, não foi difícil o acesso à legislação e aos relatórios da administração da Escola Normal. Do Rio de Janeiro, apenas alguns periódicos educacionais do período e os trabalhos recentes produzidos pela pesquisa universitária foram consultados. Mas, falar em trajetória e itinerário não significa aceitar a tese de que os cursos normais anteriores à separação propedêutico/técnico eram desprovidos do caráter profissional. Configura-se, no mínimo, anacronismo cobrar dos reformadores do final da monarquia ou do início do período republicano a idéia de que o futuro professor primário deveria cumprir um programa de estudos tão especializados como os que foram estabelecidos nos Institutos de Educação, no início dos anos 1930. (Cf. Rodrigues, 1930, p. 176; Almeida Júnior, 1948, p. 19; Souza, 1998, p. 65).

116

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Quadro n. 1 - Disciplinas “profissionalizantes” na Escola Normal da Praça (1880/1933) e na Escola Normal do Distrito Federal (1881/193[1])

Ano Escola Normal da Praça 1880 Pedagogia e Metodologia 1890 Org. e direção de escolas Exercícios práticos 1892 Pedagogia e direção de escolas Anatomia e Psicologia 1893 Pedagogia Exercícios de Ensino Anatomia e Psicologia Psicologia e Moral 1894 Exercícios de ensino 1896 Pedagogia e direção de escolas Exercícios de ensino 1904 Pedagogia e Educação cívica Anatomia Fisiologia e Noções de higiene Exercícios de ensino 1912 Pedagogia e Educação cívica Psicologia experimental Métodos e processos de ensino Crítica ped. e exercícios de ensino 1921 Prática pedagógica Psicologia Anatomia humana Fisiologia humana e biologia Didática – regência de classe 1925 Pedagogia Psicologia pedagógica Anatomia e Fisiologia humanas Noções de Geologia e Puericultura Higiene 1929 Pedagogia Psicologia pedagógica Didática Anatomia e Fisiologia humanas Noções de Geologia e Puericultura Higiene

Ano 1881 1888

Escola Normal do Distrito Federal Pedagogia e Metodologia elementar Pedagogia [e Prática]

1893

Prática

1897 1911

Pedagogia Pedagogia Pedagogia Pedagogia Pedagogia

1913

1913

1921

1928

e e e e e

Metodologia Psicologia Metodologia Psicologia Metodologia

Pedagogia e Psicologia Psicologia Prática escolar Prática escolar Pedagogia Psicologia* Prática escolar Pedagogia Didática História da educação Higiene e Puericultura Psicologia experimental

Legenda: (*) Disciplina facultativa. Fonte: Acácio, 1993; Vidal, 2001; Evangelista, 2001; e Nascimento, 1999. 117

H ITAMAR FREITAS Quadro n. 2 - Disciplinas “profissionalizantes” no Instituto de Educação de São Paulo (1933/1935) e na Escola de Professores do Distrito Federal (193[3)

Ano Instituto de Educação (SP) 1933 Curso de professor [secundário] Pedagogia Psicologia geral e educacional Prática de ensino História da educação Fisiologia e higiene da criança Estudo do crescimento físico da criança Higiene da escola Fundamentos da Sociologia Sociologia educacional Investigações sociais em nosso meio

Ano Escola de Professores (DF) [1931] Curso de professor [primário] Literatura Inglês ou Alemão Fisiologia humana Psicologia Estatística aplicada à educação História da Filosofia Sociologia Desenho Educação física

1934 Curso de professor primário (IEUSP) Biologia educacional Psicologia educacional Sociologia educacional Matérias e prática de ensino primário 1935 Curso de professor secundário (IEUSP) Biologia educacional aplicada ao adolescente Psicologia educacional Sociologia educacional Metodologia do ensino primário História e Filosofia da educação Educação secundária comparada Metodologia do ensino secundário Fonte: Acácio, 1993; Vidal, 2001; Evangelista, 2001; e Nascimento, 1999.

A primeira leitura sobre as grades curriculares de ambas as escolas indica a presença da disciplina Pedagogia em quase todas as reformas realizadas. Da Monarquia à República, num período de quatro décadas, percebe-se que ela esteve situada nos últimos anos dos currí118

Histórias do Ensino de História do Brasil H

culos e, apenas em 1888, no Rio de Janeiro, ela ocupou os três anos do curso. Também somente em uma reforma ela é banida. Isso ocorreu no Rio de Janeiro, em 1892, sob a orientação de Benjamin Constant. Na palavra do especialista, a supressão se deu por conta da classificação comteana das ciências, adotada no ensino normal nesse período. (Cf. Acácio, 1993). Bem mais significativo foi o exame das companheiras da Pedagogia, ou seja, as disciplinas junto às quais a Pedagogia apareceu, configurando o suposto perfil “profissionalizante” do curso normal. O conjunto de disciplinas não propedêuticas ou, eminentemente, “profissionalizantes” constituiu-se de Pedagogia, Metodologia e Prática, até a década de 1880. Com as reformas republicanas, esse grupamento foi ampliado, sem, todavia, configurar-se numa evolução quantitativa progressiva do número de disciplinas. As modificações foram bastante irregulares. As separações só ganham uma certa continuidade com as mudanças curriculares dos anos 1926 a 1929, quando foram consolidadas a autonomia das disciplinas Psicologia, Didática e Fisiologia, momento em que também ganharam espaço a Sociologia e a História da educação. Quanto à Pedagogia, ela apareceu autonomicamente em seis das vinte e uma formatações dos currículos em análise. Quando acompanhada, a Pedagogia dividiu o título (da disciplina e/ou da cadeira) e o espaço no currículo com a Metodologia em cinco ocasiões. Nas demais ocorrências – foram dezenove, ao todo – a Pedagogia apareceu junto à Prática, Direção de escolas, Educação cívica, e Psicologia, todas com duas ocorrências. Pedagogia sur119

H ITAMAR FREITAS

giu também como adjetivo em três casos: prática pedagógica, Psicologia pedagógica e Crítica pedagógica. A mais frequente parceira da Pedagogia, a Metodologia, somente foi título autônomo em 1912, em São Paulo. As expressões método e metodologia não foram além de 1913, ano da última referência no Rio de Janeiro. É provável que a Metodologia ou Métodos e processos de ensino tenha assumido o rótulo de Didática, que entrou nos currículos em 1921 e, convivendo autonomicamente com a disciplina Pedagogia, aí permaneceu até a instituição dos cursos superiores de formação de professor.

X X

X

X

X

1931

X

1929

1921

X

1926

1912

1894

1904

X X

1896

X

1893

X*

1892

1º 2º 3º 4º 5º

1890

Ano

1880

Quadro n. 3 - Posição da disciplina Pedagogia nos currículos da Escola Normal da Praça – (1892/1931)

X X

(*) Sem indicação do lugar no currículo. Fonte: Leis e decretos do Estado de São Paulo – 1890/1931. Quadro n. 4 - Posição da disciplina Pedagogia nos currículos da Escola Normal do Distrito Federal (1881/1928)

Ano 1881 1888 1890 1893 1897 1911 1913 1916 1921 1928 1º X 2º X X X 3º X X X 4º X X X X* X* X 5º X (*) Sem indicação do lugar no currículo. Fonte: Acácio (1993) e Vidal (2001). 120

Histórias do Ensino de História do Brasil H

É lamentável que os estudos especializados sobre cursos de formação de professor concedam pouca atenção às disciplinas Didática e Metodologia, enfatizando muito mais a Prática e a Pedagogia. Voltando à Pedagogia, podese concluir que o seu título e o seu conteúdo mudaram várias vezes no período analisado, quase sempre ao sabor dos conflitos domésticos entre professores, das tentativas de acomodação de uma ou outra personalidade nas congregações, da economia de cadeiras, da concepção de ciência da ideia de formação de professor (francesa, norte-americana etc.). A Pedagogia seguiu, ora a Filosofia (da educação), a Psicologia, ora os Métodos e processos, a Didática, ora a Prática em escolas modelo, complementar ou de aplicação. Com a criação dos institutos de educação, ou seja, com a elevação dos estudos pedagógicos ou de educação ao status de conteúdos ensináveis no estágio superior (universitário), a disciplina foi pulverizada nas várias seções que compuseram as entidades carioca e paulista. Em ambas, ela desapareceu como disciplina. Psicologia, Metodologia, Didática, Prática de ensino etc., que vinham autonomizando-se (ou, pelo menos, ocupando horários em separado), ganharam novas companheiras: História da educação, Biologia, Sociologia, Administração etc., compondo o que, na leitura de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, receberam o nome de ciências da educação. Ao invés de uma Pedagogia geral – com os princípios (filosóficos e/ou científicos) da educação – e de uma Pedagogia especial, particular, com seus meios, métodos e processos (ao invés de uma formação de professor repartida em fins e meios) – ter-se-ia, nos dois institutos, uma gestão 121

H ITAMAR FREITAS

mais equilibrada entre os fins, conteúdos e meios, e práticas de ensino. A Metodologia, alojada inicialmente (nos currículos dos cursos normais) na Pedagogia especial, dentro da formação das ciências da educação, foi situada de modos diferentes, obedecendo às orientações de Fernando Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho. Nas visões de Fernando de Azevedo e de Lourenço Filho, que buscavam conciliar formação literária e preparo especializado do professor (Cf. Azevedo, apud. Vidal, 2001), a Metodologia do ensino primário e Metodologia do ensino secundário tinham lugar garantido como disciplina (e cadeira). A Prática de ensino era separada da matéria de ensino. “Tais indicações concerniam ao núcleo da proposta de formação do magistério, sendo oferecida na FFCL a formação específica e no IEUSP a pedagógica, o que implicava numa separação entre a formação no plano dos conteúdos do ensino, reduzida a formação pedagógica à manipulação dos meios de ensinar.” (Evangelista, 2001, p. 253).6 Na Escola de Professores do Distrito Federal, vigorando a proposta de Anísio Teixeira, tanto a Metodologia, quanto a Didática especial seriam abominadas – em seu emprego isolado. Naquela instituição, tais disciplinas foram integradas ao estudo dos conteúdos ensináveis no

6

Dentro da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, por volta de 1936, a discussão metodologia/ensino de matérias era superada pelo desprezo aos cursos instalados no Instituto de Educação. Professores estrangeiros e brasileiros e boa parte dos alunos demonstravam desinteresse pela formação pedagógica, notadamente o curso de Didática. Alguns mestres pensavam que “o professor já nasce feito”, sendo fundamental, apenas, o domínio da ciência de referência – Matemática, História etc. (Cf. Bontempi Júnior, 2001, p. 200-204).

122

Histórias do Ensino de História do Brasil H

primário/secundário e ambas, sob a rubrica de “cursos de matérias”, agiriam também de forma integrada com os cursos de fundamentos e a prática de ensino. Os métodos de ensino de História, por exemplo, não seriam estudados como lições, ou como fórmulas a priori priori. Nesse sentido, o modelo adotado seria o dos colleges norteamericanos. (Cf. Vidal, 2001, p. 101-118). Em suma, é forçoso concluir que o exame dos usos da expressão Pedagogia, no ambiente de formação de professores do Rio de Janeiro e de São Paulo, sofreu os mesmos influxos das conclusões de Warde (1997) acerca da Pedagogia na Europa e nos EUA. Tivemos tantas Pedagogias quanto o número de teóricos envolvidos – Azevedo, Teixeira e Lourenço Filho – e isso sem falar nos projetos vencidos dentro das escolas normais, nas propostas que não diferenciavam formação profissional de formação moral e que tiveram alguns dos intelectuais católicos como pontos de difusão. Apesar da dispersão, tendências dominantes não devem ser negadas e é fato hoje que o tempo científico passou a ser reivindicado, com maior ênfase, entre os anos 1920 e meados de 1930; que o pêndulo foi fixando-se na Psicologia, Sociologia e Fisiologia, abandonando a estética/ética herbartiana; que o caminhar para a Psicologia migrou da disciplina mental para as teorias comportamentalistas. Nas escolas normais, a disciplina Pedagogia foi observando a gradativa especialização dos seus objetos. Fez alianças, ganhou companheiras e foi eliminada como título de disciplina e como título de curso, que passou a chamar-se “de formação de professores.” No nível superior, viu autonomizarem-se as metodologias e as didáticas, 123

H ITAMAR FREITAS

atribuições abrigadas nos manuais do início da República, como “Pedagogia específica ou particular.” Em meio a esses tortuosos itinerários, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a Pedagogia em migalhas transformou-se em curso superior com finalidades, estrutura curricular e clientela pouco precisos, marcando um conflito identitário entre os seus propugnadores que estende os efeitos desse empreendimento até o final do século XX. (Cf. Chagas, 1976, p. 56-77).

Os impressos pedagógicos e o ensino de História Tabela n. 1 - Estatística e periodização da bibliografia pedagógica brasileira (1812/1941)

Número de obras Percentual

1812/1888

1890/1929

1930/1941

193 20%

352 36%

432 44%

Fonte: Tabela construída a partir dos números divulgados por Briquet e Lourenço Filho (1998, p. 247).

Da mesma forma que ocorreu nos currículos das escolas normais e dos institutos de educação, na literatura pedagógica, reunida e organizada a partir da instituição do INEP – acervo também trabalhado pelos autores já citados – pode-se constatar uma tendência à especialização – livros destinados aos professores que tratam com anormais e supernormais, e obras para uso dos professores polivalentes e de matérias do primário e do secundário. Os primeiros indicadores foram apresentados pelo próprio Lourenço Filho em 1944 (Cf. Lourenço Filho, 1999; Nagle, 2001, p. 339n.). No levantamento sobre a “biblio124

Histórias do Ensino de História do Brasil H

grafia pedagógica brasileira”, ele constata a explosão desse gênero editorial nos anos 1930. Qualitativamente, a virada cientista e especializadora na Pedagogia pode ser situada a partir de meados da década de 1920. Nessa época, vieram à lume os trabalhos sobre testes, as “coleções especializadas”, as traduções de autores escolanovistas, e os manuais para as ciências da educação ou para as disciplinas constituintes dos cursos superiores de Pedagogia. Quadro n. 5 - Obras inaugurais da bibliografia pedagógica no Brasil (1846/ 1930)

Ano 1846 1865 1868 1876 1878 1883 1886 1890 1910 1910

Marco inaugural Primeiro trabalho sobre o ensino normal Primeiro trabalho de doutrina sistemática de Pedagogia * Primeiro trabalho sobre o ensino de Higiene Primeiro trabalho sobre o ensino profissional Primeiro compêndio de Pedagogia de autor nacional* Primeiro trabalho sobre idéias e realizações pedagógicas no estrangeiro Primeira tradução das Lições de coisas de Calkins Primeiro trabalho sobre educação e unidade nacional Primeiro trabalho adaptando o ensino à moderna Psicologia Primeiros estudos sobre crianças anormais*

1917 1920 1920 1920

Primeiro compêndio sobre o ensino de História – Jonathas Serrano Publicação de Da educação física – Fernando de Azevedo Primeiros trabalhos adaptando a educação às necessidades sociais Primeiras traduções de Parker, Dewey, Kilpatrick, Thorndike, Clapared, Binnet, Durkheim Primeiro trabalho de exposição sobre o movimento de testes Primeiras coleções especializadas – “Biblioteca de Educação” e “Atualidades Pedagógicas” Publicação de Como se ensina Geografia – Firmino Proença Primeiras obras de Sociologia educacional, administração escolar e interpretação estatística Publicação de Metodologia do ensino geográfico – Carlos Delgado de Carvalho

1924 1925 1929 1930 1930

125

H ITAMAR FREITAS Quadro n. 5 - Obras inaugurais da bibliografia pedagógica no Brasil (1846/ 1930) Continuação

Ano

Marco inaugural

[1930] Publicação de A matemática na educação secundária – Euclides Roxo 1932 Publicação de Como ensinar linguagem – Firmino Costa 1934 Publicação de L’enseignement des langues vivantes – Antônio Carneiro Leão 1935 Publicação de O idioma nacional na aula secundária – Antenor Nascentes 1935 Publicação de Teoria e prática do ensino secundário – Lacerda et al. (Sete disciplinas) 1935 Publicação de Como se ensina história – Jonathas Serrano Obs: As datas grifadas referem-se às décadas e não ao ano expresso. Ex: (1920). Os marcos “primeiros” (*) são cunhados por Lourenço Filho. Os demais, foram deduzidos da bibliografia apresentada por Lourenço Filho e Raul Briquet (1998, p. 251-291), e Carvalho e Toledo (2004, p. 10-13). O período sombreado corresponde ao recorte temporal privilegiado nesse tópico – “Os impressos pedagógicos e o ensino de história”. Fonte: Briquet e Lourenço Filho, 1998, p. 247; Schmidt, 2003.

De posse desse mesmo material levantado por Lourenço Filho, Jorge Nagle (2001) apurou o foco sobre a produção da década de 1920.7 No detalhamento, na caracterização esboçada, ficou mais nítida a emergência da produção literária sobre pedagogias particulares ou pedagogias destinadas às matérias de ensino. Elas apareceram no trabalho de Nagle sob as classes de: “obras de caráter essencialmente didático” e coleções pedagógicas. Em meio à trajetória da(s) Pedagogia(s) – de disciplina(s) de formação de professor primário a curso(s) superior(es),

7

... e não sobre o tempo da “explosão editorial” constatada por Lourenço, pois era a Primeira República que interessava ao autor de Educação e Sociedade.

126

Histórias do Ensino de História do Brasil H

de formação de técnicos e de docentes para as escolas normais e secundárias –, a velha tarefa do “como ensinar” continuou ocupando os teóricos da formação de professor. Tanto nos cursos de Metodologia, quanto nos cursos de matérias, houve mesmo a necessidade de enfrentar problemas e de divulgar experiências. Ocorre que a literatura específica para o ensino de História, seja nos compêndios de Pedagogia geral, seja nos livros especializados e nos artigos de vulgarização, debruçou-se, dominantemente, sobre o ensino primário. O secundário raramente foi tema de reflexão para os formadores ou para os próprios professores que dele se ocupavam. A resposta para esse rareamento da literatura sobre o ensino de História no secundário parece simples. Se a comunidade de professores do secundário era diminuta e se não havia, pelo menos até meados dos anos 1930, formação especializada para essa classe de docente8 e, ainda, se o ápice da interferência do governo da União no secundário só aconteceu em 1942, é plenamente compreensível a ausência de teorização sobre o eixo Pedagogia–História no/ do curso secundário e, consequentemente, a baixa produção de livros técnicos acerca desses temas.

8

Mesmo depois de abertas as faculdades de Filosofia, as escolas de professores e institutos de educação, o número de professores do secundário com formação em cursos superiores não se havia ampliado consideravelmente até meados da década de 1940. Dentro da área das humanidades, os cursos de História e Geografia foram os segundos em crescimento até 1945. A matrícula foi elevada em 106% entre [1934] e 1945, passando de 230 para 473 alunos. Logo após, posicionavam-se os cursos de ciências e letras em geral (44%), Filosofia (25%), e Pedagogia (-14%). Em relação ao número total de alunos no nível superior no Brasil, os cursos de Geografia e História ampliaram a sua participação de 1,1% para 3,0%, entre 1939 e 1943. (Cf. Cunha, 1986, p. 331). 127

H ITAMAR FREITAS

De fato, a literatura sobre o ensino de História no primário não é rara. Nos mercado paulista e carioca circulavam, direta ou indiretamente, os teóricos respeitados, como Gabriel Compayré, Alexandre Bain, Herbert Spencer, John Dewey que eram consumidos, de forma sintética, nos manuais de Pedagogia geral. Compayrée e Nicolau Botelho e as emblemáticas obras pedagógicas de Camillo Passalacqua (1887) e de Manoel Bomfim (1926, apud. Schmidt, 2003, p. 6) tinham espaço nos cursos de formação docente. Mas, foi o professor cubano A. M. Aguayo (1935) o mais citado, desde o início dos anos 1930.9 Assim, se considerarmos as iniciativas brasileiras de teorizar sobre o ensino de História em seus traços dominantes, veremos que as mesmas circunscreveram-se numa periodização semelhante à que foi exposta sobre a cientifização da(s) Pedagogia(s) no Rio de Janeiro e em São Paulo. Foram, em princípio, lições práticas da arte de ensinar,10 registradas por experientes professores de escolas normais paulistas nas páginas da revista Escola Pública, desde 1893 em São Paulo – descrição, apresentação de retrato e elaboração de esquema sobre a vida de destacados personagens da História do Brasil; e, provavelmente, os processos “repetitórios” e “sinópticos” do próprio Camillo Passalacqua (1887). Foram, em seguida, variados experi-

9

10

Suas orientações para o ensino de História foram reproduzidas em Práticas escolares, manual escrito por seu tradutor no Brasil, o professor da Escola Normal anexa ao Ginásio Ipiranga, Antonio D’Ávila. Isso não quer dizer que essa prática tenha se encerrado no início do século XX. Para um inventário das “lições” de História veiculadas “nos periódicos educacionais paulistas na Primeira República”, dominantemente destinadas ao ensino primário, ver Nogueira (2001).

128

Histórias do Ensino de História do Brasil H

mentos para livrar o ensino de História dos excessos da preleção e cronologia progressiva, tais como: o emprego de biografias e da História anedótica – Oscar Thompson (1910); a educação histórica pelo exemplo dos grandes homens brasileiros (como José Bonifácio), veiculados num moderno livro didático – Maurício de Camargo (1915); o uso do método analítico e regressivo – C. Martinez (1916); as “historietas interessantes” ao espírito das crianças sobre a vida de “brasileiros ilustres” - João F. Pinto e Silva (1919); o emprego de biografias, a busca de causas e consequências, uso de álbuns históricos, cinema, excursão a lugares “históricos” (método intuitivo) – DGIP/SP (1930). Registre-se, porém, que já em 1917 surgiu o primeiro livro específico para a disciplina, o Como ensinar História, de Jonathas Serrano, mas foi ainda, como os demais, voltado para a experiência do professor com a escola primária. Esta iniciativa nasceu da orientação reformadora de Afrânio Peixoto que solicitou aos professores da Escola Normal do Rio de Janeiro a elaboração de um manual, contendo a metodologia de ensino específica das matérias lecionadas por cada um. (Cf. Venâncio Filho, 1944, p. 398). Entretanto, somente nos anos 1930, a produção de Pedagogias particulares ganhou notoriedade, como deixa entrever o levantamento de Lourenço Filho já destacado nesse texto.11 11

Não sem razão, Maria Auxiliadora Schmidt identificou “dois momentos em que a Didática da História esteve presente sob a forma de manuais destinados a professores. Um deles refere-se ao conteúdo da Didática da História como parte dos manuais de Didática Geral, seja de autores brasileiros, seja de autores estrangeiros traduzidos para o português. Outro momento refere-se a manuais específicos de Didática da História, produzidos por professores de escolas primárias e secundárias e da Escola Normal.” (Schmidt, 2003, p. 6). 129

H ITAMAR FREITAS

Também nessa década, efetuaram-se as primeiras tentativas sistêmicas de pedagogizar o ensino secundário, devendose tal fator, em grande medida, à fundação dos Institutos de Educação e das Faculdades de Filosofia. Datam desse período as publicações de Geografia, Português entre outras. Sobre História, são representativos o Como ensinar História, de Jonathas Serrano, e A História no curso secundário, de Murillo Mendes. Ambos foram produzidos em 1935 por dois experimentados professores de escolas normais, respectivamente, do Rio de Janeiro e de Campinas. Ambos militavam pela Pedagogia científica – adotando os avanços da mais nova Psicologia; ambos estavam enfronhados no debate acerca das escolas novas no Brasil; ambos destinaram os seus trabalhos, direta ou indiretamente, aos cursos superiores de formação de professor, obras produzidas no momento em que se debatia o Plano Nacional de Educação, ou seja, no segundo epicentro da política de modelização do ensino secundário no Brasil. O que diferencia esses dois manuais da literatura específica que lhes antecede e da que lhe vem depois é a reflexão ampliada sobre o ensino de História nos cursos secundários. Eles não oferecem conselhos práticos, como também não informam sobre a mais moderna didática produzida segundo padrões científicos. Eles oferecem uma espécie de política pública para o ensino de História cobrindo desde a concepção de educação, passando pelas finalidades do secundário até chegarem às questões mais prosaicas que o professor de História deveria enfrentar no seu cotidiano. Em outras palavras, esses manuais expressam, cada um a sua maneira – um predominantemente americanista e outro relativamente francófilo –, a intenção de se instituir uma Pedagogia adaptada à reali130

Histórias do Ensino de História do Brasil H

dade da legislação e das características do povo brasileiro – uma Pedagogia da História à brasileira. Enfim, o que diferencia essas duas propostas de Pedagogia da História é a sua situação como um tipo intermediário entre os conteúdos (práticas) correspondentes às disciplinas de metodologia, do início do século, e Didática elaborada nos anos 1950, no interior das faculdades de educação, cuja tese de Amélia Domingues de Castro é um marco a ser considerado – Princípios do método no ensino da História (1952).

Referências ACÁCIO, Liéte de Oliveira. Instituto de Educação do Rio de Janeiro: a História da formação do professor primário (1927/1937). São Paulo, 1993. 331 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. AGUAYO, A. M. Didática da Escola Nova. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935. ALMEIDA JÚNIOR, A. A Escola Normal e a sua evolução. In.: Poliantéia comemorativa – 1846/1946: 1º Centenário do Ensino Normal de São Paulo, São Paulo: Departamento de Educação, 1948. pp. 15-19. BONTEMPI JÚNIOR, Bruno. A cadeira de História e Filosofia da USP entre os anos 40 e 60: um estudo das relações entre a vida acadêmica e a grande imprensa. São Paulo, 2001. 295 p. Tese (Doutorado em História e Filosofia Educação) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História e Filosofia da Educação, Pontifícia Universidade Católica. BRIQUET, Raul e LOURENÇO FILHO, Manoel Bergström. Educação In: MORAIS, Rubens Borba de e BERRIEN, William. Manual bibliográfico de estudos brasileiros. Brasília: Senado Federal, 1998. pp. 225-291. v. 1. CAMARGO, Maurício de. [Relatório]. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo - 1915. São Paulo: Augusto Siqueira, 1915. pp. xxxiii-xxxv. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a História da educação é a História da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos César 131

H ITAMAR FREITAS de. (org.) História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista: USF-IFAN, 1997. pp. 269-287. _______. A caixa de utensílios e a biblioteca: Pedagogia e práticas de leitura. In: VIDAL, Diana Gonçalves e HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. Brasil 500 anos: tópicas em História da educação. São Paulo: Editora da USP, 2001. pp. 137-167. _______. e TOLEDO, Maria Rita de Almeida. A coleção como estratégia editorial de difusão de modelos pedagógicos: o caso da Biblioteca de Educação, organizada por Lourenço Filho. CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 3, 2004, Curitiba. Anais... Curitiba: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004. 1 CD-ROM. CASTRO, Amélia Americano Franco Domingues. Princípios do método no ensino de História. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1952. CUNHA, Luiz Antônio. A universidade temporã. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986. DIRETORIA GERAL DA INSTRUÇÃO PÚBLICA. Programa de ensino para as escolas primárias. São Paulo: Diário Oficial, 1930. EVANGELISTA, Olinda. Formar o mestre na universidade: a experiência paulista nos anos de 1930. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, p. 247-259, jul./ dez. 2001. HERBART, Johann Friedrich. Antologia. Buenos Aires: Losada, 1946. _______. Pedagogía general derivada del fin de la educación. Madrid: La Lectura, s.d. HILGENHER, Nobert. Johan Friedrich Herbart (1776/1841). Perspectives: Revue Trimestrielle d’Education Comparée, Paris, v. 23, n. 3-4, p. 668-684. LIBÂNEO, José Carlos. Educação: Pedagogia e didática – o campo investigativo da Pedagogia e da Didática no Brasil: esboço histórico e buscas de identidade epistemológica e profissional. In: PIMENTA, Selma Garrido (org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2000. pp. 77-129. LUZURIAGA, Lorenzo. Antologia de Herbart. Buenos Aires: Losada, 1946. MARTINEZ, C. Metodologia da História. In: Rudimentos de Pedagogia (IV ANO): pontos organizados de acordo com o programa das Escolas Normais do Estado de São Paulo. [São Paulo]: Typ. Pirassununga, 1916. pp. 41-45. 132

Histórias do Ensino de História do Brasil H

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na primeira República. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. NASCIMENTO, A. A formação do professor primário no Estado de São Paulo: a Escola Normal de Campinas. In: Memórias da educação: Campinas (1850/1960). Campinas: Editora da Unicamp, Centro de Memória – Unicamp, 1999. pp. 57-101. NOGUEIRA, Fausto Henrique Gomes. Entre teorias e prescrições: o ensino de História nos periódicos educacionais paulistas na Primeira República. São Paulo, 2001. Dissertação (Mestrado em História Social) – Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. PASSALACQUA, Padre Camillo. Pedagogia e metodologia: teoria e prática (para uso dos alunos da Escola Normal de São Paulo). São Paulo: Typ. Jorge Seckler, 1887. PINTO E SILVA, João F. [Relatório] In: REIS JÚNIOR, João Chrysostomo B. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo - 1910/1911. São Paulo: Tipografia Siqueira, Nagel, [1911]. p. 44. RODRIGUES, João Lourenço. Um retrospecto: alguns subsídios para a História pragmática do ensino público em São Paulo. São Paulo: s.n s.n, 1930. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Lições de métodos: o ensino de História em manuais destinados à formação de professores no Brasil: 1930/1970. In: “HISTORIA DE LÃS IDEAS, ACTORES E INSTITUCIONNES EDUCATIVAS” – CONGRESO IBEROAMERICANO DE HISTORIA DE LA EDUCACION LATINOAMERICANA, 6, 2003. Memoria. México: El Colegio de San Luis, CESUUNAM, 2003. CD-ROM. SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890/1910). São Paulo: Editora da Unesp, 1998. TANURI, Leonor Maria. O ensino normal no Estado de São Paulo (1890-1930). São Paulo: Faculdade de Educação, USP, 1979. THOMPSON, Oscar. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretário do Interior. In.: Anuário de Ensino do Estado de São Paulo - 1909/1910. São Paulo: Tipografia do Diário, 1910. p. 166. VENÂNCIO FILHO, V. Jônatas Serrano, educador. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 6, p. 396-400, out. 1944. VIDAL, Diana Gonçalves. O exercício disciplinado do olhar: livros, leituras e práticas de formação docente no Instituto de Educação do Distrito Federal (1932-1937). Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2001.

133

H ITAMAR FREITAS WARDE, Mirian Jorge. Para uma História disciplinar: Psicologia, criança e Pedagogia. In: FREITAS, Marcos César de. (org.) História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista: USF-IFAN, 1997. pp. 289-310.

134

5 A invenção dos testes no ensino secundário de História (1928/1935)

H

H ITAMAR FREITAS

F

inda a unidade, findo o mês, o professor pergunta: – Vamos fazer um teste teste? Os alunos tremem. Eles te mem ser avaliados. Não importa a forma. A ideia de ser “testado” é sempre incômoda, seja nos bancos do ensino fundamental, seja nos exames vestibulares. Mas, se for um teste “de marcar X”, ou melhor, se for uma avaliação objetiva, a situação muda consideravelmente. O aluno pode contar com a sorte praticando o “chute”. Não precisa “colar”, pois o lembrete providencial está inserto nas próprias alternativas indicadas. Some-se a essas vantagens o fato de ele não ser obrigado a construir algumas linhas justificando a resposta. O teste também conta com a simpatia de professores. É fácil de aplicar, rápido para corrigir. Até em cursos de licenciatura, onde o exercício da composição (escrita) pode parecer fundamental e insubstituível, a avaliação objetiva já encontra os seus prosélitos. Com ela, o professor não perde muito tempo corrigindo deficiências do ensino médio, ensinando os futuros professores/historiadores a formular um enunciado de sentido completo (frase). Observem que, até aqui, empreguei os vocábulos teste, prova, exame sem distinção, e mais: tomei o teste (um tipo de avaliação) por (toda) a avaliação, como se procede cotidianamente entre alunos e professores. Mas, quando a palavra teste incorporou esse sentido de avaliação da aprendizagem histórica? Quando foi metonimizada? Se o leitor entender que o historiador predispõe-se a fornecer respostas históricas, sempre parciais e temporárias, deverá, certamente, prestar atenção aos particulares exemplos mencionados a seguir, situados na década de 1930. Desse período, colhi as primeiras discussões sobre 136

Histórias do Ensino de História do Brasil H

a introdução do Test” – grafados dessa forma: em inglês, em itálico e iniciado por letra maiúscula – nas práticas do professor do secundário. Tematizar os “Tests”, entretanto, não é somente saciar a curiosidade sobre a gênese dessa prática; é também estudar a formação do campo pedagógico no Brasil por meio de suas inovações educacionais, sintetizadas em clássicas expressões: organização de classes homogêneas, atendimento aos interesses e habilidades individuais dos alunos e, obviamente, a palavra Tests. (Cf. Carvalho, 1997). Transformar o teste – essa constituinte do “aparelho docimológico” das disciplinas escolares (Cf. Chervel, 1990) – em objeto de estudo é explorar as trocas efetuadas entre a Pedagogia e a Psicologia e, enfim, examinar o resultado do encontro entre a prática tradicional – no sentido de dominante, estável e duradoura – e a chamada inovação. Antes dos dois exemplos, na Escola Normal do Distrito Federal e no Colégio Pedro II, vejamos alguns flagrantes do emprego dos Tests, não necessariamente restritos ao ensino de História no Rio de Janeiro e em São Paulo nos anos 1930.

Da Psicologia à Pedagogia A palavra teste vem do latim (Testis = testemunha) através do inglês (test = prova). Em sentido etimológico, “fazer um teste seria dar testemunho ou fazer uma prova.” (Van Kolck, 1974, p. 15). Na bibliografia das décadas de 1920 e 1930, muito provavelmente, onde houver este 137

H ITAMAR FREITAS

lexema, ter-se-á tratado de Psicologia e/ou Pedagogia. Mas, os testes em Psicologia não foram produto exclusivo dos que se ocuparam com problemas educacionais. Como exemplos podem ser relacionados os testes de personalidade de Helena Antipoff em Minas Gerais – 1930; os testes psicotécnicos de Anita Paes Barreto em Pernambuco – 1930; os testes vocacionais de Roberto Mange em São Paulo – 1925; os testes psicotécnicos e de inteligência efetivados por Ulisses Pernambucano em Pernambuco, em 1927 e 1931; e os testes mentais efetuados por Eliseu Viana no Rio Grande do Norte – 1930. Na revista Educação – um privilegiado veículo de divulgação do saber pedagógico em São Paulo –, há notícias da expansão desse instrumento, tanto na área da saúde, quanto nos círculos militares. Em 1928, por exemplo, ao tratar da ação da Psicologia “na educação da saúde”, na escola elementar, o articulista seguia um roteiro onde constava o desenvolvimento da inteligência; as ideias abstratas, a capacidade para generalizar; o vocabulário; as dinâmicas do procedimento do saber e fazer; apelo ao instinto e à emoção; a lei do exercício; a lei do efeito; higiene mental; padrões de resultados; métodos para medir resultados; trabalho experimental na educação da saúde; a relação entre o desenvolvimento físico e o mental; e a diminuição da consciência de si próprio. O tópico referente à “medição dos resultados” assim informava: “estão começando a receber atenção os métodos para avaliar a educação da saúde. Por este motivo, o trabalho deve ser claramente relacionado com os resultados dos ‘tests’ do progresso na educação física e os conhecimentos do aluno a respeito de hábitos sadios e de vida higiênica.” (Educação, v. 3, n. 2, 1928, p. 197). 138

Histórias do Ensino de História do Brasil H

No ano seguinte, a aplicação dos testes pelo Exército Brasileiro era sintomaticamente veiculada no mesmo periódico educacional. A entrevista concedida pelo chefe do Corpo de Formação Sanitária do 4º Regimento de Infantaria de Quitauna, Renato Varandas de Azevedo, informa do uso dos testes – provavelmente com cartões impressos, resolução de problemas – “para conhecer a aptidão funcional de cada indivíduo, o grau de desenvolvimento de sua memória ou de suas capacidades de comando.” (Azevedo, 1929, p 139). Quanto aos testes para a resolução de problemas educacionais, dois nomes são destacados pela bibliografia específica: Lourenço Filho e Noemy Rudolfer. Em 1928, em palestra realizada na Sociedade de Educação, Lourenço Filho explicou os passos que o levaram a elaborar a primeira escala brasileira de medidas: os Testes ABC. Disse que “a ideia de organização destes Tests nasceu-lhe não só para ocorrer uma boa necessidade prática na organização das classes de analfabetos, como um meio de tornar mais palpável junto aos professores a vantagem da utilização dos Tests psicológicos, ou seja dos Tests que medem a capacidade de aprender.” (Lourenço Filho, 1928, p. 317). Neste mesmo ano, os testes de escolaridade ou pedagógicos – para verificar o aproveitamento do aluno – e os testes mentais ou psicológicos – que mediam as qualidades mentais do aluno, servindo como elemento de orientação profissional – eram prescritos pelo Regulamento do Ensino do Distrito Federal. Afirmava Paulo Maranhão (1929), em sua Escola experimental, que os testes psicológicos experimentavam a atenção, a vontade, percepção, associação de ideias, memória e inteligência ou faculdade de pensar. 139

H ITAMAR FREITAS

Em 1930, dez professores brasileiros visitavam os Estados Unidos da América, a grande matriz dos Tests, a convite da Carnegie Endowement. Entre eles estava Noemy Silveira, que ficou impressionada com o princípio básico da educação norte-americana: “adaptar o indivíduo à vida que ele tem que viver, com o característico de nossa época, – a mudança.” Um preparo avesso aos dogmas, aos padrões filosóficos ou religiosos, fundado na necessidade de o indivíduo viver a própria experiência, para criar os próprios princípios. Passa assim a ser interna uma autoridade que, na escola tradicional, era externa. (Silveira, 1930, p. 154). Daí a importância da Psicologia, separando os indivíduos por classe, testando, “julgando e classificando o resultado do ensino e, consequentemente, dos professores”.1 As impressões de Noemy Silveira transformaram-se em projetos e fizeram escola. É o que se pode perceber com o curso de J. B. Damasco Penna (1934), ministrado aos alunos da Escola de Professores do Instituto de Educação nos meses de outubro e novembro e dedicado a própria Noemy Silveira. O curso compunha-se por oito lições, versando sobre comportamento; definições de inteligência; evolução, operação e atributos; princípios de

1

A professora Noemy permaneceu por cinco semanas nos EUA, frequentando salas de educação (classes) de vários tipos de “anormalidades” e assistindo aulas nos Teachers College de Nova York. Trouxe boas impressões dos experimentos educacionais produzidos nos laboratórios de Psicologia de Pinter, Thorndike, Watson e Spence e relacionou os notáveis que ministravam cursos de especialização para educadores no Teachrs College: Kilpatrick, Dewey, Kanndel, Monroe, Wilson, Pinter, Thorndike, Gates, Whitley, Russell, Alexander, Taup e Kinston.

140

Histórias do Ensino de História do Brasil H

medidas; elementos mensuráveis; e questões gerais de técnica de aplicação de testes. Outros brasileiros também fizeram incursões pela Psicologia “norte-americana”, importando o instrumento “teste” para os trabalhos na área da educação – as metodologias baseadas nos testes. Foram os casos de Oscar Machado da Silva (1903/1984), que estudou Pedagogia no Alabama, a partir de 1925, e filosofia em Dalas, por volta de 1927.2 A experiência de Isaías Alves (Bahia, 1898/ 1968) é mais conhecida: dedicou-se “ao magistério antes mesmo da sua formatura e obteve, em 1931, o Masters of Arts e Instructor in Psychology pelo Teachers College da Colúmbia University, tendo estudado com Edward Lee Thorndike”. A partir de 1931, Alves atuou como professor de Psicologia educacional na Escola Normal e, “entre 1932 e 1935, montou, no Rio de Janeiro, o Serviço de Testes no Serviço de Medidas Escolares do Instituto de Educação, na gestão Anísio Teixeira.” (Campos 2001, p. 37-38).3 A apropriação da Psicologia e, particularmente, dos Tests norte-americanos – para uso na educação, notadamente – não se deu sem conflitos. Indícios de ideias con-

2

3

Entre 1930 e 1946, Machado era “lembrado entre os seus alunos, no Rio Grande do Sul, como um behaviorista devido a sua forte ligação com autores como Thorndike e Watson.” (Campos, 2001, p. 212). Nesse movimento entre Brasil e Estados Unidos foi também importante a ação de Francisco Campos que “além de inserir disciplinas de Psicologia no ensino normal secundário e superior, o autor da reforma (em Minas Gerais) promoveu a viagem de estudos das professoras Inácia Ferreira Guimarães, Amélia Monteiro de Castro, Alda Lodi, Benedita Valadares Ribeiro e Lúcia Schimidt Monteiro de Castro aos EUA para estudar com Dewey na Universidade de Colúmbia.” (Campos, 2001, p. 111). Para um maior conhecimento sobre a história da Psicologia no Brasil, sobretudo, dos anos 1920/1930, consultar: Gatti, 1997; Lourenço Filho, 1971; e Rudolfer, 1936. 141

H ITAMAR FREITAS

trárias podem ser localizadas em vários momentos ao longo das décadas de 1920 e 1930. A crítica de Manoel Bomfim, por exemplo, é dirigida aos supostos exageros “à generalidade das apreciações a respeito da mecanização dos testes.” (Bomfim, 1928, p. 6). Para George Dumas, Os “tests”, os famosos “tests” dos quais se usa e abusa, têm uma certa aparência de objetividade, porém apenas atingem as faculdades abstratas da memória, da inteligência, da imaginação artificialmente postas em atividade, e não podem atingi-las, nem em seu jogo espontâneo. São ainda processos superficiais, em que a Psicologia do adulto é implicitamente considerada como o critério e a norma. Quem ousaria ufanar-se de conhecer uma alma de criança depois de haver feito uma criança passar por todas as provas de um laboratório?” (Dumas, 1928, p. 99).

A crítica aos teóricos norte-americanos prossegue na década seguinte com o trabalho de Lucia Magalhães e Joaquim Ribeiro – Estrutura e aprendizagem: novos rumos da Psicologia pedagógica (1936). Ambos anunciamse como alternativa ao materialismo mecanicista representado pelos “reflexos condicionados de Pavlov, na Rússia e ao behaviorismo – teoria dos arcos reflexos – nos Estados Unidos da América do Norte. O mais contundente ataque ao experimentalismo norte-americano, ao associacionismo e à Psicologia da educação estruturada por Thorndike, veio com os estudos de Helena Chelb (1944), assistente da seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia do Instituto “Sedes Sapientiae”. 142

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Da Pedagogia para o ensino de História Louvação e repulsa à(s) Psicologia(s) da educação norte-americana(s), tudo isso é muito genérico. Serve apenas para dar noção sobre várias questões em jogo nesse momento de cientificização da Pedagogia na formação de professores primários, ou seja, na psicologização do campo pedagógico. Ocorre, entretanto, que as motivações para louvação e repulsa aos testes – concepções filosóficas, científicas, políticas e de credo religioso – também pesavam na adoção, ou não, de algumas técnicas objetivas para a verificação da aprendizagem do aluno de História e do curso secundário. O fulcro do problema estava nas diferenças de apropriação da Psicologia no âmbito dos ensinos primário e secundário. No secundário brasileiro dos anos 1920 e grande parte dos anos 1930, os estudos pedagógicos (embebidos de Psicologia experimental) ainda não migravam para as salas de aula. Os cursos de formação de professores não existiam, e os mestres eram, quando muito, especialistas na matéria – leia-se, historiadores membros de Institutos Históricos – ou habilitados oradores. O predomínio da preleção, o ensino centrado na autoridade do professor e o exercício das faculdades mentais – tudo isso sob a interpretação de cada talentoso catedrático – davam o tom da Pedagogia vigorante. Por essa concepção pedagógica, as formas de “estudo” (atividade dos alunos) da matéria prelecionada eram, basicamente, a rememoração pela cópia, pela leitura, pelos constantes e sucessivos preenchimentos de questionários. O controle do aprendido, obviamente, reproduzia os 143

H ITAMAR FREITAS

exercícios indicados: o questionário – que poderia ser respondido oralmente (a arguição) ou por escrito – e a composição – elaboração de um texto descritivo, narrativo ou dissertativo. Assim, avaliava-se o volume de dados retidos na memória do aluno, a capacidade de comparar, de estabelecer relações, de abstrair e de sintetizar informações. Dessa forma, mensurava-se a habilidade dos estudantes em futuras tarefas de escrita e de oratória – exercícios necessários ao futuro homem da política, do mundo das letras ou do sistema produtivo. Com o incremento das viagens de estudos aos EUA, a visita de psicólogos europeus ao Brasil, a instituição dos primeiros cursos superiores para a formação do professor secundário (1934) e ainda, com as ideias e práticas difundidas pelos movimentos escolanovistas – os cursos, as conferências, as coleções pedagógicas e as intervenções da reforma Francisco Campos (1931) –, os testes utilizados pela Psicologia experimental acabaram batendo à porta das congregações dos cursos secundários normal e propedêutico e das aulas de História no Rio de Janeiro. Agora, não tanto como técnica de separação de classes ou de gradação de inteligência entre os alunos – práticas do ensino normal/primário –, mas como instrumento administrativo de promoção e como forma de julgar o rendimento de alunos dentro de uma turma/série em particular. Na cadeira de História do Colégio Pedro II, entre 1926 e 1944, estava um católico militante e desconfiado de quase toda a contribuição da Psicologia originária de John Dewey e de seus herdeiros: professor Jonathas Arcanjo da Silveira Serrano (1885/1944). Ele preferia Edouard 144

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Claparède como esteio da sua Pedagogia histórica. Católico e anti-materialista também era o professor de História do Instituto de Educação do Distrito Federal, Alfredo Balthazar da Silveira. Para ambos, o secundário tinha finalidades formativas, enquadradas em princípios do Cristianismo. Os dois abonavam a ideia de trabalho com as faculdades mentais. Como se comportariam, então, diante da novidade dos testes no ensino de História?

O lugar dos testes na experiência de Balthazar Silveira O professor Balthazar Silveira não era, exatamente, o que se poderia classificar como escolanovista militante. Basta conhecer seus conselhos sobre os métodos para o ensino de História para tipificá-lo como um adepto da Pedagogia tradicional. Ele sugeria o emprego dos métodos etnográfico, cronológico, cicerônico, anedótico e biográfico. Nada de método de projetos, de ensino ativo, de experimentação individual ou quaisquer outras expressões da vulgata dos renovadores. A aula modelo de História da civilização depõe sobre a sua concepção pedagógica e historiográfica: Durando as aulas do curso secundário quarenta e cinco minutos, penso que, reconhecida a qualidade de ciência de educação cívica à História da civilização, seria proveitoso aplicá-los da seguinte forma: a) vinte minutos de preleção; b) dez minutos de arguição aos discípulos; c) dez minutos de uma exposição feita por um dos alunos acerca de um ponto, já explicado, em aulas anteriores, e, escolhido, livremente, por eles; d) 145

H ITAMAR FREITAS

cinco minutos de narração de uma lenda nacional. (Silveira, 1935, p. 267).

Todavia, quando trata dos meios de verificação da aprendizagem, Balthazar pode surpreender o olhar do pesquisador: ele abraça o “sistema de testes” com muito entusiasmo. Introduziu-se no Instituto de Educação, a cujo corpo docente tenho a honra de pertencer, o sistema dos testes, para se apurar o aproveitamento das alunas; apliquei-o, a princípio, com as reservas necessárias, mesmo porque a brusca alteração nos métodos e programas de ensino nem sempre traduz uma sadia orientação pedagógica. Verifiquei, ulteriormente, que certas espécies de testes possuíam indisputáveis vantagens;” (Silveira, 1935, p. 267).

E quais seriam tais vantagens? O teste possui grandes virtudes, seja no aspecto psicopedagógico, seja no efeito moralizante que impõe às formas de avaliação. O estímulo ao hábito de pensar e o fortalecimento da memória dos estudantes são virtudes psicopedagógicas cultivadas pelos testes de múltipla escolha. Quanto ao aspecto moralizante, Silveira repete mais de uma vez: o professor não é infalível. Às vezes deixa-se levar pela simpatia (ou antipatia), pela proteção a determinado aluno ou às ideias e ao estilo com os quais se expressa na composição. No regime tradicional de avaliação – provas de dissertação, exames orais –, as pistas desse mau julgamento quase nunca são encontradas. As palavras são leva146

Histórias do Ensino de História do Brasil H

das pelo vento e as redações, pouca gente habilita-se a reexaminá-las. Com os testes, isso não acontece. As provas são conservadas. As questões são objetivas e o julgamento do mestre não deixa dúvidas quanto ao merecimento do examinado. Um terceiro e último atenuante dos benefícios do novo sistema estaria na economia do tempo. Com os testes, pode-se avaliar todos os alunos sobre vários pontos importantes do programa, o que não é possível com o exame oral (um por um, em sala de aula) ou com a redação – alguns sintetizam em demasia, outros se derramam em digressões distanciando-se da questão principal. A apologia ao moderno sistema de avaliação não se produz sem o toque do talento desse professor não necessariamente adepto da “Pedagogia norte-americana”. Ele aceita o emprego dos testes de múltipla escolha, de enumerar os fatos na ordem cronológica correta, mas afirma: em História, “conquanto não tenham o rótulo estrangeiro, que, ainda, seduz os que descrêem nos esforços dos seus patrícios”, os “testes motivados” podem contribuir ainda mais. Para Silveira, os testes motivados oferecem “uma segura amostra da erudição do aluno e, afirmando ou negando, desenvolverá ele curtas considerações que serão suficientes para ser calibrado o seu progresso nas disciplinas de História da civilização, de Geografia e de Português”. (Silveira, 1935, p. 274). Exemplos de questões do teste motivado: 1. “Hamurabi foi o legislador de Esparta”. A resposta certa seria: “Errado, Hamurabi foi o legislador da Assíria e o de Esparta foi Licurgo. 2. “Homero escreveu a Eneida.” Resposta: “A Eneida foi escrita por Virgílio, poeta que viveu no tempo de Augusto, e Homero escreveu a Ilíada.” 147

H ITAMAR FREITAS

O lugar dos testes na experiência de Jonathas Serrano Na experiência do professor Jonathas Serrano – dentro do colégio Pedro II, inclusive –, os meios para verificar se os discípulos compreenderam a matéria apresentada também deveriam ser renovados. Mas, a renovação em Serrano tinha sentido claro (ele era um escolanovista): os instrumentos deveriam estar dosados segundo as possibilidades mentais do aluno e da classe. A avaliação da aprendizagem teria que incorporar os principais avanços em termos da Pedagogia renovada, ou seja, os resultados da Pedagogia orientada pela Psicologia experimental. Esses princípios prescreviam que, somente em casos raros – onde houvesse discussão preliminar entre os vários mestres da disciplina História –, dever-se-ia administrar a mesma verificação a todos os alunos e classes (embora, não para todos os anos). Para Serrano, os tipos indicados se configurariam no tradicional “questionário metódico” e na inovação “psicopedagógica” do período, os tests educacionais. Os questionários contemplavam o quê, quem, quando, quais, como e por que e requeriam respostas sobre nomes, episódios, datas capitais, indicação de anterioridade e de sucessão dos fatos históricos. Não apenas as questões, mas também o nível de precisão nas respostas seriam graduados ao nível mental. Assim, não se exigiria a exposição de causas e consequências para os alunos da primeira série ginasial. Nesse estágio bastaria cobrar a noção de séculos, a explicitação de alguns conceitos, a correção de alguns nomes sem maior esforço crítico por parte do aluno. 148

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Utilizados dessa maneira, os questionários metódicos guardariam grande distância em relação aos fastidiosos jogos de perguntas e respostas exercitados à exaustão. A isso costumavam chamar, indevidamente, de método socrático. Mas, para honrar o nome do filósofo, as questões não poderiam privilegiar a faculdade da memória em detrimento do raciocínio. O método socrático, na origem, era coisa muito mais inteligente. (Cf. Serrano, 1935, p. 84). Os testes são o outro tipo de verificação indicado por Serrano. Para ele, nem todo método antigo de verificação de aprendizagem deve ser cultivado, como também não se deve execrar todo novo experimento por conta da sua nacionalidade ou do credo de seus divulgadores e usuários. Ambos têm vantagens e defeitos. O teste pode deixar passar um aluno desprovido de eloquência, que não saiba articular ideias e frases, incompetente na arte de narrar, compor e contar – diziam os detratores desse tipo de avaliação. Os testes, todavia, permitiriam uma justa apreciação por parte do examinador. As questões postas são objetivas e as respostas também, não havendo chances para controvérsias: apenas uma alternativa está correta, apenas uma palavra se encaixa na lacuna. Essas vantagens – a equidade e a objetividade – bastam para que Serrano indique o emprego dos testes como mecanismo de controle, seja dos tipos de lacuna (completar a frase), de múltipla escolha (sublinhar os parênteses que contêm a resposta correta), seja dos tipos de progressão crescente ou decrescente (ordenar cronologicamente). Mas, finalmente, qual o lugar dos testes na Pedagogia de Serrano? Uma solução serena para a escolha do adequado processo de verificação seria conciliar o modo clás149

H ITAMAR FREITAS

sico – questionários metódicos – com os modos modernos – os testes. Dessa forma, poder-se-ia aproveitar as maiores vantagens das duas estratégias: a imparcialidade no julgamento e a possibilidade de detectar problemas de elocução e composição escrita e/ou de interpretação dos alunos diante da matéria lecionada. Para as sabatinas e provas mensais, seriam aplicados os tipos clássicos – arguição, composição escrita, questionários metódicos; para as provas parciais e finais de exame, o professor lançaria mão dos testes. (Cf. Serrano, 1935, p. 115).

Conclusões Pelos dois exemplos acima, evidentemente, não dá para responder à questão de quando foi o teste metonimizado. Mas, já se pode saber que: 1. no ensino de História, no início da década de 1930, o teste significava um tipo de avaliação e não toda a avaliação; 2. na virada dos anos 1920 para 1930, essa modalidade de controle migrou das experiências da Psicologia, sobretudo, a norte-americana, para a Pedagogia; 3. a introdução dos testes representou um avanço na profissionalização do professor do secundário. A adoção de mecanismos de controle e de economia de esforços e tempo mais eficientes no cotidiano docente trariam também a possibilidade de moralização das formas de se promover alunos, dependentes em grande medida do prestígio familiar e dos dotes retóricos do aprendiz, e da simpatia do professor. Os testes também tornariam possível a uniformização de conteúdos e práticas entre catedráticos, até então centradas no “talento” individual do mestre. As “vocações” poderiam, enfim, dialogar. 150

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Nos casos discutidos, percebe-se que o primeiro professor, Balthazar da Silveira, adota o sistema de testes. A apropriação, evidentemente, implica em (re)significação. E é isso que ele faz quando defende os “testes motivados”, ou seja, um tipo híbrido entre a forma clássica e a inovadora. Para ele, apenas dizer sim ou não, certo ou errado não bastaria para hierarquizar os alunos, sob o ponto de vista do rendimento. Era preciso agregar a justificativa – uma janela para o aluno demonstrar a sua erudição. Quanto ao professor Jonathas Serrano, escolanovista militante, o teste é adotado em suas formas originais. A modificação estaria na distribuição dos tipos de avaliação – tradicional e inovador – durante o ano letivo. As exigências formais da memorização, das expressões escrita e oral seriam postas em prática nas avaliações parciais, e os testes viriam nas avaliações finais. Esses exemplos demonstram, portanto, como uma inovação é consumida, triturada e incorporada ao cotidiano do professor. Não há mudanças radicais em termos de método, exercícios ou avaliação da aprendizagem em História. Síntese e acomodação são as palavras que melhor exprimem o encontro entre duas tradições. O teste venceu. Basta ver o livro didático de História e os manuais destinados ao professor do secundário nos tempos que se seguem à década de 1930. Os testes chegaram, talvez, ao cume do seu prestígio nos anos 1970, sendo combatidos, em seguida, como verdadeiro palavrão, quando instrumentalizavam a Pedagogia tecnicista. O teste sedimentou-se no senso comum como a avaliação por excelência, mas as práticas ditas tradicionais foram conservadas no ofício docente. Hoje, não obstante as mu151

H ITAMAR FREITAS

danças de paradigmas – historiográficos e/ou pedagógicos – e de público escolarizável (entre os 11 e os 14 anos), as práticas dissertativas/interpretativas costumam ser reivindicadas por alguns mestres que exigem cada vez mais uma educação “de qualidade”. Qualidade, nesse contexto significaria espírito humanístico? Estaríamos voltando aos ideais de “formação” da adolescência, em vigor na Primeira República?

Referências ANTUNES, Mitsuko Aparecida Makino. Sobre a formação de psicólogos: aspectos históricos. Psicologia da Educação, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 35-56, ago./dez. 1997. AZEVEDO, Renato Varandas [Entrevista]. Os testes americanos e sua aplicação pela primeira vez no Exército Brasileiro. Educação, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 139-140, jul./set. 1929. BOMFIM, Manoel. Método de testes. Rio de Janeiro: s.n, 1928. CAMPOS, Regina Helena de Freitas (org.). Dicionário Biográfico da Psicologia no Brasil: pioneiros. São Paulo: Imago, 2001. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a História da educação é a História da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos César (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista: USF-IFAN, 1997. pp. 267-287. CHELB, Helena. Estudo crítico das leis do aprendizado de Thorndike. Anuário da Faculdade de Filosofia do Instituto “Sedes Sapientiae”, São Paulo, p. 76-90, 1944. CHERVEL, Andre. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 2, p. 177-254, 1990. DUMAS, George. O preconceito normalo-cêntrico em Psicologia. Educação, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 97-100, abr. 1928. Educação, São Paulo, v. 3, n. 2, 1928. 152

Histórias do Ensino de História do Brasil H

GATTI, Bernadete. O que é Psicologia da educação? Ou, o que ela pode vir a ser como área de conhecimento? Psicologia da Educação, São Paulo, v. 5, n. 2, p. 73-90, ago./dez. 1997. LOURENÇO FILHO. Manoel Bergström. A questão dos tests. Educação, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 317-319, jun. 1928. _______. Visão histórica de Lourenço Filho sobre a Psicologia no Brasil. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 113-142, jul./set. 1971. MAGALHÃES, Lúcia e RIBEIRO, Joaquim. Estrutura e aprendizagem: novos rumos da Psicologia pedagógica. Rio de Janeiro: Record, 1936. MARANHÃO, Paulo. Escola experimental. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 1929. PENNA, J. B. Damasco. Bibliografia. Educação, São Paulo, v. 9, p. 105-115, dez. 1932. _______. Iniciação ao estudo das medidas da inteligência: notas de um curso. Revista de Educação, São Paulo, v. 5, p. 7-85, mar. 1934. RUDOLFER, Noemy da Silveira. Como se refletiu no Instituto de Educação a evolução da Psicologia. In: A evolução da Psicologia educacional através de um histórico da Psicologia moderna. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1936. SERRANO, Jonathas. Como se ensina História. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1935. _______. Escola Normal: centro de pesquisas pedagógicas e de irradiação educativa. Educação, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 274-287, jun. 1928. SILVEIRA, Alfredo Balthazar da. Ligeiras observações sobre o ensino da História da civilização. Revista Brasileira de Pedagogia. Rio de Janeiro, v. 3, n. 14, p. 268-275, mai. 1935. SILVEIRA, Noemy. Visita dos professores brasileiros aos Estados Unidos. Educação, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 153-156, jul. 1930. VAN KOLCK, Odette Lourenço. Técnicas de exame psicológico e suas aplicações no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1974.

153

6 HISTÓRIA E ESCOLA NOVA: as inovações do professor Cesarino Júnior para o ensino secundário em São Paulo (1928/1936)

H

H ITAMAR FREITAS

... foram as reformas do sistema de ensino nas décadas de 1930 e 1940 que promoveram a centralização das políticas educacionais e colocaram o ensino de História no centro das propostas de formação da unidade nacional, consolidando-a, definitivamente, como disciplina escolar. (Fonseca, 2003, p. 52).

C

ertamente, essa tese não é nova. A ideia de que o ensino de História consolidou-se entre as reformas Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942) ganha sentido, notadamente, na volta da História do Brasil ao currículo do secundário, na manutenção/ampliação do espaço dedicado à História, seja num currículo de caráter cientificista, seja numa grade com perfil humanista. Numa abordagem que dá voz às demandas exteriores à escola, supõe-se que o surto nacionalista, ditatorial e centralizador de 1930 tenha representado um divisor de águas1 na História do “regime” ginasial. “Consolidação”, portanto, estaria ligada à centralização e à uniformização do ensino secundário. Mas, esse mesmo lapso de tempo esconde outra alteração significativa. A década de 1930 guarda as primeiras tentativas de forjar uma teoria do ensino de História destinada ao curso secundário, e dentro de padrões escolanovistas, ou seja, propondo ensino ativo, respeitando os interesses e as possibilidades cognitivas do aluno. Da mesma forma que Jonathas Serrano em Como se ensina História (1935) e Murilo Mendes em A História no ensino secundário (1935) (Cf. Freitas, 2004 e 2006), o professor campineiro Antônio Ferreira Cesarino Júnior

1

Para alguns, como ruptura; para outros, como ápice de uma evolução gradual.

156

Histórias do Ensino de História do Brasil H

também divulgou a sua iniciativa e é sobre ela que tratarei nas páginas que se seguem. *** Cesarino Júnior (1906/1992) era aquele assíduo sócio do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, entronizado em 05/06/1934, que defendeu o restabelecimento da cadeira de História do Brasil nos cursos secundários, apartada das disciplinas que tratavam das Histórias da América e do restante do Mundo. (Ata do IHGSP, 22/04/1935; Cf. Ata, 06/05/1935 e 25/04/1939). Cesarino foi também autor de livros didáticos. No ano 1935, em coautoria com Alcino Muniz de Souza, dava à publicidade a coleção História da civilização, destinada aos cinco anos do curso ginasial. Não é exagerado supor que tenha difundido em livro a sua Pedagogia da História, já que ocupava um dos mais cobiçados postos do magistério da capital: era “lente catedrático” do Ginásio São Paulo, desde o início da década de 1930. Os indícios estão na própria lista de objetos doados ao IHGSP. A 05/05/1934, um mês antes de ser aceito no Instituto, Cesarino ofertava as suas “Apostilas de História” (Cf. Ata, 05/05/1934). Doze meses depois, agregava à biblioteca da “Casa de São Paulo” o livro intitulado O ensino da História do Brasil. (Cf. Ata, 20/07/1935). Para a infelicidade desta pesquisa, tais obras não foram localizadas até o fechamento do texto.2 Mas, conve-

2

As “Apostilas de História” e O ensino de História do Brasil não foram relacionadas na bibliografia de Cesarino Júnior, elaborada por Irene Barbosa (1997, p. 243). 157

H ITAMAR FREITAS

nhamos: um mestre do quilate de Cesarino, elogiado por Sampaio Dória (Cf. Barbosa, 1997, p. 112), não morreria sem deixar registrados em papel alguns traços da sua Pedagogia da História. Onde poderíamos encontrá-los? Em Campinas, berço da sua trajetória inicial, é certo. Cesarino Júnior era filho do bedel do Ginásio Estadual de Campinas e foi “enfrentando preconceitos”, como afirma sua biógrafa – Irene Maria Ferreira Barbosa (1997), que ele cursou o bacharelado em Ciências e Letras (1918/ 1923) do Ginásio do Estado (antigo “Culto à Ciência”) e chegou à cadeira de História no mesmo estabelecimento de ensino (1928). (Cf. Barbosa, 1997, p. 79, 104-113, 239). Vejamos o que ele registrou a respeito do concurso para o Ginásio Estadual de Campinas: O Ginásio do Estado era selecionado. Quando entrei, encontrei muita oposição, não só durante o concurso como depois de empossado, nomeado. Havia alguns que me olhavam atravessado – pela cor também, é claro. O Paulo Decourt é um que nunca me aceitou! (Cesarino Júnior, apud. Barbosa, 1997, p. 110).

Cesarino daria aulas de História, depois de exercer o magistério em colégios particulares da cidade como o Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora, o Colégio São Luiz e o Colégio São Benedito. Irene Barbosa dá indícios do que seria a Pedagogia da História produzida pelo campineiro: Depois [do concurso para o Ginásio do Estado], o professor Cesarino Júnior lança-se ao trabalho e continua a incomodar, na medida em que considera o ensi158

Histórias do Ensino de História do Brasil H

no de História desvinculado da realidade do aluno, e propõe algumas inovações, fazendo seminários, propondo pesquisas, criando uma sala-ambiente onde havia uma galeria de mapas e figuras históricas estudadas, acabando por escrever um livro: História da civilização. O trabalho sério e inovador parecia não agradar a alguns. Na entrevista, o professor Cesarino declara que “há gente que não gosta de tudo que é inovação.” (Barbosa, 1997, p. 110).3

A inovação no ensino de História Em que consistiria o ensino inovado de História, desde o final do século XIX até a primeira metade dos anos 1930, em pleno debate sobre as escolas novas em São Paulo e no Rio de Janeiro? O professor Francisco Azzi compendiou as maiores conquistas em tal sentido, mas não sem antes alertar para os desafios impostos pela própria natureza da matéria, como fizera Lourenço Filho no prefácio de Como ensinar História, de Jonathas Serrano (1935): “É a didática da História talvez a de mais delicada e difícil atuação dentre todas as que concernem às

3

Segue o restante da citação: “isso colaborava para desagradar seus opositores, uma vez que era considerado um inovador. Professor rigoroso em sala de aula, enérgico com a cobrança a respeito das aulas dadas, amigo dos alunos fora da escola, conta que a mãe ficava entusiasmada com a visita dos alunos do filho em sua casa.” Em seu depoimento, Cesarino declara: “Para mim, o Culto à Ciência representa tudo: foi a base de minha carreira, tem valor sentimental e tem valor histórico”. (Apud. Barbosa, 1997, p. 110). 159

H ITAMAR FREITAS

disciplinas de que se compõem o curriculum escolar. E, sobretudo, quando se trata de principiantes”. (Azzi, 1938, p. 3). Vejamos o inventário de inovações compendiado pelo professor Francisco Azzi:4 Muito se preocuparam com o problema os americanos (do Norte), sempre diligentes e engenhosos, senão vanguardeiros e originais no excogitar processos que facilitem qualquer aprendizado, tornando-o mais interessante, por isso que apela mais para a atividade própria, espontânea e consciente do escolar. Recorreu-se a toda sorte de expedientes, mais ou menos felizes e proveitosos, ainda que nem sempre lógicos e racionais. Partiu-se, por exemplo do presente próximo e conhecido para remontar ao passado mais remoto e mais estranho; passou-se da História local para a nacional e a geral. A Geografia e a História andaram mais frequentemente associadas, bem como ambas com as demais matérias de ensino, pondo-se em prática o brocardo clássico – “Tout est dans tout”, súmula antiga da “teoria da concentração” de Herbart ou da hoje tão falada “globalização”. Empregaram-se também as “dramatizações”. A biografia e a anedota, à porfia, disputaram a preferência às ilustrações impressivas e aos mapas esquemáticos. Organizaram-se “leituras” adequadamente escolhidas e reservou-se muitas vezes lugar especial à “História

4

O texto de Francisco Azzi foi escrito em 1935.

160

Histórias do Ensino de História do Brasil H

narrada pelos contemporâneos”. Os quadros sinóticos, os das sincronias, os questionários, as exposições escritas não foram esquecidas. De tudo se lançou mão, inclusive da música e da poesia. O cinema, as projeções e a gravura em profusão, como é fácil imaginar, abriram novas e preciosas facilidades para esse gênero de ensino. Não faltaram, ainda em nosso meio, manuais e guias didáticos estimáveis. (Azzi, 1938, p. 3-4).

Ao citar a produção de manuais e guias didáticos, Francisco Azzi faz referências ao Metodologia da História de Jonathas Serrano (1917) e conclui referindo-se à História da civilização de Cezarino Júnior e de Alcino Muniz de Souza, “provectos e abalizados catedráticos da matéria, nos ginásios oficiais, respectivamente, de São Paulo e Campinas”: “Ora, depois de tudo isso, os autores deste belo livrinho, mestres cultos e experimentados, não poderão deixar de nos dar nele o fruto amadurecido da prática e dos estudos próprios ou alheios” (Azzi, 1938, p. 4). Mas, onde estaria o “fruto amadurecido da prática” ou a “inovação” anunciada na autobiografia de Cesarino Júnior? A resposta pode ser buscada na forma de tratamento do aprendiz. Pode-se dizer que os autores descobriram o aluno do primeiro ano ginasial - o aluno era (ainda) uma criança. Essa percepção os levaria a modificar o formato do livro didático. Os textos deveriam ser mais atrativos, trazendo os leitores para dentro da aula e para junto da matéria História. O vocabulário simples, a introdução de perguntas (com as imediatas respostas) relacionadas ao cotidiano do menino, a definição e o exemplo antes de anunciar 161

H ITAMAR FREITAS

o conceito, os verbos no pretérito perfeito e imperfeito, a abundância de frases coordenadas, a ênfase na descrição e a composição estruturada como narrativa caracterizam a História da civilização para o primeiro ano ginasial. Vejamos como seria ministrada a aula de introdução aos estudos históricos destinada à mocidade: Escutem. Vocês vivem num tempo e numa cidade em que há luz elétrica, telefone, automóveis, estradas de ferro, igrejas, escolas, etc. Pensem um pouco: sempre foi assim? Em toda parte é assim? Vocês sabem que não. Não ignoram que ainda há pouco tempo não existiam todas essas coisas tão úteis e que elas não existem ainda hoje em muitos lugares. O Brasil é hoje governado por um governo constitucional e há pouco tempo estava sob o regime ditatorial. Vocês sabem que os homens e as mulheres não se vestem hoje como se vestiam há pouco tempo. Tudo muda: o governo, a moda, a iluminação, os meios de transporte, tudo. Se tudo muda, não será interessante saber como se vivia antes de nós? Como se comia, como se vestia, onde se morava, como era o governo, quais eram os costumes, a religião, os estudos, as estátuas, a música, tudo o que constitui a vida de um povo, a civilização enfim? Eis o que vamos estudar: a História da civilização, a narração do modo pelo qual os homens que viveram antes de nós se alimentavam, se vestiam, construíam e mobiliavam as casas, organizavam o governo, o exército, o comércio, as fábricas, a religião, a pintura, a escultura, a música, as escolas, os estudos, toda a sua vida, enfim. Além disto tudo, a História da civili162

Histórias do Ensino de História do Brasil H

zação narra o que os homens fizeram de importante e que deu em resultado uma mudança qualquer no seu modo de viver, numa determinada época. Isto é o que se chama fato histórico. Nós vivemos apenas uns setenta anos, que tanto pode durar a vida de um homem. Os fatos que lhes vamos contar se passaram há cem, duzentos, trezentos, quinhentos, mil, dois mil, três mil, quatro mil anos, de modo que a maioria deles não foi assistida nem por nós, nem por nossos avós, nem pelos avós dos nossos avós. Como os conhecemos, pois? Nós os conhecemos, é claro, porque alguém os contou, falando, ou escrevendo por meio de uma carta, de um jornal, de um livro, de uma inscrição, etc. Os fatos foram contados por quem os viu a uma outra pessoa; esta os contou a um terceiro, e assim por diante, de geração em geração, esses fatos foram contados durante milhares ou centenas de anos, até chegarem ao nosso tempo. Essa repetição constante, quando falada, se chama a tradição oral. Os escritos dos homens que viveram antes de nós se chamam documentos históricos. Escavando a terra, ainda hoje, encontramos ruínas de casas, de igrejas, de estátuas desses homens, assim como armas, moedas, medalhas, etc., que eles usaram. Tudo isso se chama monumentos históricos. Assim, vêem vocês que a tradição oral, os documentos e os monumentos são os meios pelos quais podemos conhecer os fatos históricos. Esses meios, todos juntos, se chamam fontes históricas. Na próxima lição mostraremos como, por meio das fontes, se descobriu a civilização de um grande povo. (Cesarino Júnior e Souza, 1938, p. 12-14, grifos dos autores). 163

H ITAMAR FREITAS

Outra estratégia bastante empregada na História da civilização foi a adoção de um recurso da oralidade para trazer o aluno à cena (da aula e da História): “Qual de vocês, jovens patrícios, não gosta de ler ou de ouvir contar Histórias? Lembram-se dos contos de fadas e de príncipes encantados...? (...) Viram vocês quanta coisa sabemos sobre os antigos egípcios? (...) Se vocês olharem o mapa do mundo, tal como é hoje, acharão o Egito” (...) Lembram-se vocês da Palestina, região várias vezes conquistada pelos assírios e babilônios? Pois é dela que lhes vamos contar a História. (Cf. Cesarino Júnior e Souza, 1938, p. 11, 25, 26). Era assim que os autores “falavam” aos alunos do ginásio. Notem que a escrita sob essa forma, tanto é própria para a leitura silenciosa, em casa do aluno, quanto é válida para o ofício do professor: os recursos metalinguísticos (lembram-se, viram, etc.), para os alunos, representam a fala do mestre e são, sobretudo, para os mestres inexperientes, um guia de como atuar em sala de aula. Essa forma simpática e afetiva de tratar o pequeno leitor não significaria em si uma inovação. Desde o final do século XIX, os intelectuais que escreviam para as crianças já se utilizavam da mesma estratégia – “meus amiguinhos” etc. A inovação, portanto, poderia estar em outro elemento: na preocupação dos autores com o aparato de cognição dos alunos: “O professor escolherá, dentre os exercícios que seguem cada lição, os mais adequados ao nível mental da classe”. Assim, poder-se ia compreender melhor a primeira frase da lição n. 1, v. 1 – “Há muitos anos, mais de um século, vivia numa cidade da França, um moço muito inteligente e estudioso, profes164

Histórias do Ensino de História do Brasil H

sor de História numa escola adiantada, a Faculdade de Grenoble.” (Cesarino Júnior e Souza, 1938, p. 16). Essa forma de anunciar a distância temporal indicaria que os autores conheciam as dificuldades dos alunos para compreenderem a localização de eventos em escalas mais abrangentes, daí o artifício dos contos de fada – Há muito tempo.... Ocorre que os conceitos de “século”, “milênio” são fartamente utilizadas nos capítulos seguintes. Em termos de tempo, porém, há uma atitude frequente na História da civilização que não era tão comum entre os professores no período: a estratégia de comparar, buscar diferenças entre o passado e o presente, como pode ser vista nesse fragmento sobre os persas: (...) As suas classes sociais eram mais ou menos as mesmas dos egípcios, assim como o seu governo, chamado o despotismo, porque o rei tinha um poder absoluto, isto é, podia fazer tudo o que quisesse. Hoje não é assim: todos, inclusive os próprios reis ou presidentes da República, são obrigados a obedecer à lei, diante da qual todos os homens são iguais. (Cesarino Júnior e Souza, 1938, p. 57).

Esse exemplo, deixando vazar mais que uma atividade para o aluno (um preceito liberal/republicano após o Estado Novo), pode ser percebido com maior ênfase no conjunto de questões e exercícios insertos ao final de cada lição.

165

H ITAMAR FREITAS

QUESTIONÁRIO 1. Mostre no mapa a Assíria. Como se chama o rio que a banha? E as suas principais cidades? quê? 2. Ali há tantas ruínas como no Egito? Por quê 3. Quem era Sargão II? Por que se chama “segundo”? 4. Quais eram os costumes dos reis assírios? 5. Como tratavam eles os vencidos? Por quê? 6. Na Assíria havia as mesmas classes que no Egito? Quais eram? 7. Nota você outras semelhanças entre os assírios e os egípcios? Quais? 8. E diferenças diferenças? Quais? 9. Descreva a religião assíria. Compare-a com a egípcia. 10. Eram os assírios instruídos? Em quê? Que nota você de semelhante entre os assírios e os ignorantes de nossos tempos? 11. Que quer dizer Sargônidas? Quais foram eles? Que fizeram de importante? 12. Como terminou o poderio assírio? EXERCÍCIOS 1. Sinopse (quadro sinótico). 2. Desenhe o mapa do mundo, mostrando onde ficava a Assíria. 3. Desenhe o mapa da Assíria, indicando o rio Tigre e regiões mencionadas na lição. Organize um álbum com as figuras que en4. Álbum [Organize contrar sobre o tema em revistas, jornais e reclames]. 5. Complete as frases: a) Os reis assírios eram muito ..........porque .......; 166

Histórias do Ensino de História do Brasil H

b) Os reis assírios viviam em ......, ou em .......nos seus palácios, como o de ........construído por ordem de ..........; c) Um templo assírio ou caldeu se chamava .......... e nele sacerdotes chamados ..........prestavam culto aos deuses ..........; d) Os deuses assírios eram ..........ou .........., sendo o principal ..........; e) Os Sargônidas foram ..........; f) O império assírio terminou com ..........de ..........pelos .......... 6. Diga quais são as frases certas e as erradas das seguintes: a) A religião dos assírios era em tudo igual à dos egípcios; b) A astrologia é a ciência dos horóscopos; c) O maior dos Sargônidas foi Assurbanipal; b) As crenças assírias eram politeístas; e) As construções artísticas eram iguais às egípcias 7. Recordações 8. Lista (Cesarino Júnior, 1936).

Pelo exemplo acima, a inovação em História estaria, em primeiro lugar, na tentativa de adotar o ensino ativo em História – ativo no sentido de por o aluno em atividade (mental e física, de tomar decisões etc.). Daí os descritores linguísticos indicarem não somente o responda (quem, quais, quando, como e por que), mas também o “compare” e perceba “semelhanças” e “diferenças” (no 167

H ITAMAR FREITAS

tempo dos assírios, semelhanças e diferenças entre passado assírio e o presente do aluno), descreva, sintetize esquematicamente, desenhe, monte (um álbum), complete, indique o certo e o errado, recorde e liste. Os autores não explicitam a relevância de cada uma dessas atividades, bem como a sua importância em termos de formação de interesses no exercício/desenvolvimento de faculdades ou no desenvolvimento de funções (não falemos ainda de capacidades e habilidades). A divisão questionário/exercício também não é justificada e isso nos permite conjeturar livremente. Pode-se entendê-la como etapa da didática tripartite (leitura, questionário, exercício), posta em prática pelos autores nos ginásios de São Paulo. Assim, questionário e exercícios poderiam significar, respectivamente: 1. questionários para a aula/exercícios para casa; 2. guia para o professor/trabalho individual para o aluno; 3. trabalho de interpretação do texto/trabalho de memorização; ou 4. roteiro de avaliação (para a nota)/roteiro de treino para essa mesma avaliação. Sem saber ao certo a função das atividades, fico, portanto, impedido de concluir sobre os traços fundamentais da Pedagogia da História expressa nesse livro didático, além do que já foi exposto acima, sobre a epistemologia histórica professada pelos autores – a tradição metódica que vai da Alemanha à França e inclui Ernest Berhein e Langlois e Seignobos (respectivamente, partícipes da Escola Histórica e da Escola Metódica). A desgraça, entretanto, transforma-se em alento: mesmo que se pudesse chegar aos traços principais daquela teoria do ensino de História para o secundário, restaria 168

Histórias do Ensino de História do Brasil H

sempre a dúvida: era a Pedagogia de Cesarino ou a Pedagogia de Muniz de Souza? Para a sorte desta pesquisa, Cesarino Júnior deixou mais registros, além do que foi descrito sobre o seu livro didático. Por volta de 1936, motivado pelas constantes consultas sobre qual seria o “método aconselhável no ensino da ciência de Clio”, Cesarino Júnior redigiu “apressadamente” alguns conselhos que tantas vezes havia dado “verbalmente” aos “professores novatos” que o procuravam.

Os conselhos de Cesarino Os conselhos de Cesarino Júnior são literalmente o seu método de ensinar História no Ginásio São Paulo. O método de um “especialista”, como se dizia nos anos 1920, ou seja, o método de um profissional da História (em oposição a um profissional da educação, o professor ou estudioso dos cursos normais). A opção pela ciência da História com valor em si é declarada nas primeiras frases daquele artigo, publicado na prestigiada Revista de Educação (órgão da Diretoria de Ensino de São Paulo): Para nós, a História é a ciência que tem por objeto o estudo das transformações das instituições no tempo. Seu escopo é mostrar-nos o como e o porque (sic) dessas transformações e explicar-nos por que as instituições são hoje o que são, e como chegaram a sêlo. Nessa conformidade a História deve ser ensinada como uma ciência e como uma ciência deve ser aprendida. (Cesarino Júnior, 1936, p. 52, grifos do autor). 169

H ITAMAR FREITAS

Para o especialista, portanto, as finalidades do ensino de História descendiam diretamente dos objetivos da ciência da História. Se esta compõe o currículo e se o seu objetivo é mostrar o “como” e o “porquê” das transformações e “explicar” a situação presente, não há que perder tempo justificando a sua importância. Cesarino parte direto para o método. O método compreende o ensino e a aprendizagem. No vocabulário do autor, o método de ensino constitui-se da “transmissão dos conhecimentos pelo professor e sua reprodução pelos alunos” (Cesarino Júnior, 1936, p. 52). O trabalho do professor, portanto, efetua-se por meio da “preleção viva”, onde o mestre fala, desenha, passeia pela classe, observa a fisionomia dos audientes. Os alunos, por sua vez, intervêm na aula com perguntas, dúvidas, comparações e recordações. A transmissão dos conhecimentos também se efetua de forma indireta. Neste caso, o professor não faz mais que seguir a episteme da História-ciência e o ofício do historiador. Se a História se conhece indiretamente, o seu aprendizado deve seguir a mesma orientação. Deve-se reproduzir algumas estratégias da pesquisa histórica; a heurística é fundamental. A escola, portanto, deve reunir as fontes clássicas – moedas, medalhas, estátuas, figuras, manuscritos – em “salas ambientes”, ou seja, espaços que conservam pequenos arquivos e museus (que simulem o ateliê do historiador?). O mestre também deve pôr os alunos em contato com os monumentos, excursionar por museus, pinacotecas, bibliotecas e arquivos e fazer uso dos recursos visuais disponíveis – mapas, desenhos, retratos e projeções (fixas ou móveis). Todo 170

Histórias do Ensino de História do Brasil H

esse aparato tem uma função fundamental: “materializar o ensino”, ou seja, fazer bom uso do concreto. A segunda parte do método, como registrado acima, trata, especificamente, do lugar do aluno. De início, também pode-se distinguir uma teoria da aprendizagem: os alunos não aprendem “somente de oitiva, mas também atuando, comparando, refletindo, observando.” (Cesarino Júnior, 1936, p. 53). O grifo no vocábulo “atuando” indica bem o tipo de Pedagogia que se quer efetivar: em História, o ensino deve partir do concreto e o aprendizado se consuma na atividade do aluno. Não que se queira produzir pequenos historiadores, mas, sobretudo, colocar um arsenal de fontes concretas que lhe estimulem e lhe permitam comparar, refletir e observar. Essas são as formas pelas quais os alunos “adquirem” o conhecimento histórico, em outras palavras, o modo como podem “reter as linhas gerais dos acontecimentos”, ou ainda, o “decorar” de maneira consciente. (idem, p. 54). Cesarino distingue a “transmissão” da etapa da “reprodução”. Não é claro, entretanto, na distinção e no papel desta última. Reprodução é processo ou resultadoavaliação da aprendizagem? O que está suficientemente definido são as estratégias indicadas para a execução da tarefa: os alunos aprendem (ou demonstram que aprendem) construindo quadros sinópticos, cronológicos, sincrônicos, genealógicos, comparativos, de respostas escritas, questionários e testes. Postos em uso todos esses recursos didáticos, os alunos poderiam, finalmente, aprender de forma “consciente” ou (repito) reter “as linhas gerais dos acontecimentos”. Essa estratégia afastaria de vez o maior dos males da aprendizagem em vigor: as disserta171

H ITAMAR FREITAS

ções orais e escritas – que quase sempre resultam na decoração de minúcias ou em “literatice barata”. O professor Cesarino, enfim, arremata: Para forçar o aluno à reflexão, mandamos fazer a sinopse do quadro negro com giz branco, e em seguida corrigi-la por outro aluno, com giz de cor. Damos depois a palavra ao primeiro aluno para defender o seu trabalho e a seguir ao segundo para sustentar as correções feitas. Ao depois, permitimos as observações de qualquer outro aluno sobre sinopse e correções e encerramos o debate com as nossas corrigendas. Interessamos assim a classe toda no assunto (o que não acontece geralmente quando há apenas o diálogo entre o arguente e o arguido) e estabelecemos uma sã emulação entre os alunos. (...) [Ao contrário de muitos autores para os quais estes quadros devem ser feitos pelo professor], pensamos que o professor apenas deve ensinar os alunos a fazer os primeiros, construindo eles, ao depois, meros exercícios históricos (...) como se faz em Gramática com as análises e em Matemática com os problemas. (idem, p. 54).

Conclusões Algumas conclusões podem ser extraidas nesse breve exame sobre os fragmentos da Pedagogia da História anunciada por Cesarino Júnior. Em primeiro lugar, pode-se dizer que as mudanças propostas na fabricação do livro didático História da civilização eram, certamente, da au172

Histórias do Ensino de História do Brasil H

toria do professor campineiro. E esse anúncio quer dizer também que o maior problema do ensino da História (tal e qual diziam vários profissionais universitários franceses do final do século XIX em relação à ciência de Clio) estaria no método. Outra conclusão importante relaciona-se ao ecletismo do seu método: melhor seria falar em sincretismo. Nos “conselhos” estão presentes as sugestões rotineiras – a preleção, os questionários –, mas também lá figuram as mais recentes conquistas em termos de Psicologia da educação: os testes codificados e difundidos por pesquisadores como Edward Lee Thorndike, como o completar a frase e o grifar a frase certa ou a errada. Nos “Conselhos” de Cesarino também estaria uma nova função para a memória: não mais um processo de registro de informações dispersas. Memorizar é captar (de forma consciente) as conclusões produzidas pelo aluno a partir do estabelecimento de relações de informações várias. Ele não memoriza porque consegue decodificar e repetir o que está escrito. Ele retém “as linhas gerais do conhecimento” mediante a comparação, observação, reflexão sobre fontes históricas; em outras palavras, ele memoriza porque compreende (como o conhecimento histórico é produzido). A distância que queria o mestre Cesarino demarcar entre as suas práticas no Ginásio São Paulo e no Ginásio de Campinas e as práticas da maioria dos professores do seu tempo estaria, enfim, na oposição às principais estratégias de ensino e de aprendizagem – respectivamente, a preleção clássica e a composição escrita. Mas, transcorridos quase setenta anos do seu anúncio, podemos 173

H ITAMAR FREITAS

afirmar que a “inovação” propalada nos “conselhos” e nos fragmentos biográficos transcritos por Irene Barbosa (1997) concentra-se na atenção dirigida ao aprendiz. Nos “conselhos”, sobretudo, as atividades são destinadas ao desenvolvimento, pelos alunos, de determinadas (na ausência de melhor termo) capacidades. Assim, os quadros sinóticos auxiliam no desenvolvimento da capacidade de análise; quadros cronológicos permitem o desenvolvimento da capacidade de ordenar, pôr em sequência, comparar e fornecer a ideia de mudança; os quadros sincrônicos levam à ideia de síntese e de simultaneidade; quadros genealógicos podem fornecer compreensão de causa e consequência de fatos da política (“guerras, revoluções, alianças etc.”); os quadros comparativos, por fim, permitem a pesquisa sobre semelhanças e diferenças entre instituições e até civilizações. O leitor pode argumentar que essa gama de recursos já se encontrava à disposição de muitos professores do curso secundário – desde, pelo menos, o início do século XX – nos livros didáticos de Jonathas Serrano, João Ribeiro, Oliveira Lima entre outros. Onde estaria, então, o caráter inovador da sua Pedagogia da História? A resposta é simples: Cesarino Júnior queria que os próprios alunos construíssem os quadros sinópticos, cronológicos, sincrônicos etc. Ao professor só caberia ajudar a fazer os primeiros. Os próximos recursos seriam produzidos pelos alunos como “meros exercícios históricos...como se faz em Gramática com as análises e em Matemática com os problemas”. (Cesarino Júnior, 1936, p. 55). O que pregava o professor paulista era a necessidade de “forçar o aluno à reflexão”, disponibilizando as fontes históricas 174

Histórias do Ensino de História do Brasil H

em suporte palpável – o ensino pelo concreto – e estimulando-o a construir o saber histórico escolar. Assim, os recursos didáticos apresentados não visavam a facilitar o ofício do mestre (apenas); eles eram a própria ferramenta para o aluno apreender, construir e compreender o discurso dos historiadores. “Aprender fazendo” era a máxima que poderia sintetizar esse aspecto da Pedagogia de Cesarino Júnior e a chave para fazer chegar “o ensino ativo sobre as coisas do passado” na escola secundária, como bem reivindicavam os seus próceres Francisco Azzi e Lourenço Filho. Mas, por que esse tipo de discurso não se expandiu nos anos 1930 e 1940? Por que “demorou-se”5 tanto tempo para incorporar a análise, síntese, comparação, observação, descrição, debate, comparação, identificação de semelhanças e diferenças etc. como capacidades básicas a serem desenvolvidas no/pelo aluno no ensino de História? Por que tais propostas eram consideradas por Cesarino como inovações? Obviamente, várias respostas podem ser fornecidas, respeitando a historicidade e um certo ritmo conjuntural dos fatos relacionados às práticas de ensino no Brasil. Deixo aqui apenas uma hipótese, que mobilizará nova pesquisa: as capacidades “descobertas” pelo professor Cesarino Júnior eram consideradas, apenas, um instrumento de como melhorar a retenção dos conteúdos (dizemos hoje, conceituais) históricos, as informações destacadas sobre o passado da espé-

5

Evidentemente, o “demorou-se” trata-se de um anacronismo para melhorar o enunciado da hipótese. O que para nós parece bastante óbvio não deveria, necessariamente, sê-lo para os homens dos anos 1930. 175

H ITAMAR FREITAS

cie humana e da nação brasileira, conteúdos fundamentais para a manutenção da vida. Por mais que se pensasse no aluno, o valor e os fins do ensino de História estavam incrustados na própria ciência da História e não no potencial crítico que as operações do historiador erudito poderiam fornecer à disciplina escolar e, consequentemente, ao futuro cidadão. Assim, na raiz do inovador, também nascia a limitação da proposta didática. Cesarino Júnior era um especialista, um historiador (ou, pelo menos, um especialista que ensinava História) que via nas estratégias escolanovistas uma oportunidade para consolidar a relevância do saber de Clio. Crítica e comparação eram instrumentos para entender e aprender a gostar da ciência, da crítica e da comparação. Nesse sentido, o professor paulista teria incorporado apenas a metade da lição dos historiadoresprofessores da Escola Metódica. Os franceses queriam transferir as tarefas do historiador para o ensino de História, mas tinham a intenção de formar cidadãos críticos, capazes de reconhecer os discursos verdadeiros (não dogmáticos, não religiosos, não demagógicos). A Pedagogia do documento, a crítica documental, e o trabalho de síntese eram instrumentos para a proteção do regime republicano francês (Cf. Hery, 1999). Seriam necessários muitos cursos de formação de professor e cursos de formação orientados por várias tendências da Psicologia pósexperimental para interpretar o saber de Clio como componente de um currículo e um entre vários contribuintes para formar o cidadão.

176

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Referências Atas do IHGSP de 05/05/1934, 05/06/1934, 20/02/1935, 22/04/1935, 06/05/1935, 05/06/1935, 20/07/1935, 05/08/1936. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 38, p. 229-306, 1940. AZZI, Francisco. À guisa de prefácio. In: CESARINO JÚNIOR, Antônio Francisco e SOUZA, Alcino Muniz de. História da civilização. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1938. pp. 1-4. BARBOSA, Irene Maria Ferreira. Enfrentando preconceitos: um estudo da escola como estratégia de superação de desigualdades. Campinas: Centro de Memória da UNICAMP, 1997. CESARINO JÚNIOR, Antônio Francisco e SOUZA, Alcino Muniz de. História da civilização. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1938. CESARINO JÚNIOR, Antônio Francisco. Como ensinamos História. Revista de Educação, São Paulo, v. 13 e 14, p. 52-60, mar./jun. 1836. FREITAS, Itamar. A Pedagogia da História de Murilo Mendes (São Paulo, 1935). Saeculum – Revista de História, João Pessoa, n. 11, pp. 162-175, ago./dez. 2004. ______. A Pedagogia da História de Jonathas Serrano para o ensino secundário brasileiro (1913/1945). São Paulo, 2006. Tese (Doutorado em História da Educação) – Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. FONSECA, Thais Nivia de Lima. A História como disciplina escolar no Brasil. In: História & ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. pp. 37-71. FOULQUIÉ, Paul. Escola ativa. In: As escolas novas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952. p. 111-115. FREITAS, Itamar. O ensino de História nos estudos secundários: tempos de consolidação (1892/1942). In: V ENCONTRO NACIONAL PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA, 2004, Rio de Janeiro. V Encontro Nacional perspectivas do Ensino de História: Programação e Resumos. Rio de Janeiro: UERJ, 2004. pp. 57-58. HERY, Evelyne. Un siècle de leçons d’histoire: l’histoire enseignée en lycée de 1870 à 1970. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 1999. LOURENÇO FILHO, Manoel Bergström. O ensino renovado e a História. In: SERRANO, Jonathas. Como se ensina História. São Paulo: Melhoramentos, 1935. pp. 7-12. 177

H ITAMAR FREITAS MENDES, Murillo. A História no curso secundário: monografia para o concurso da cadeira de Metodologia do Ensino Secundário do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo: Gráfica Paulista – João Bentivegna, 1935. RABELLO, Sylvio. O tempo e o mundo histórico. In: A representação do tempo na criança. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. pp. 173-178. SERRANO, Jonathas. Como se ensina História. São Paulo: Companhia melhoramentos, 1935.

178

7 A HISTORIOGRAFIA ESCOLAR NA COMISSÃO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO: pareceres de Jonathas Serrano (1938/1941)

H

H ITAMAR FREITAS

O

fenômeno da “consolidação” da História como disciplina escolar do secundário no período 1931 e 1942 já é consenso entre os historiadores da educação. O argumento de que o tempo circunscrito nas reformas Francisco Campos e Gustavo Capanema representa um divisor de águas para a História ensinada ganha força no fato de a História do Brasil ter voltado ao currículo (1942) como disciplina independente. Também pesou nesse consenso, notadamente, a manutenção/ampliação do espaço dedicado ao saber de Clio nos estudos secundários, seja num currículo de caráter cientificista, seja numa grade de face humanista – como o foram, respectivamente, as duas citadas prescrições. Além desses condicionantes, seria importante acrescentar a criação de uma certa pedagogia da (ou para o ensino de) História a ser disseminada por todo o Brasil, na esteira do processo de uniformização do ensino secundário (Cf. Hollanda, 1957; Silva, 1959; Antunha, 1980). Nessa pedagogia, constava também como fundamental a uniformização dos livros escolares. E o governo da União tratou de provê-la, estabelecendo, mediante decreto-lei, em fins de 1938, “as condições de produção, importação e utilização do livro didático” no país. (Cf. Decreto-Lei n. 1006, 30 set. 1938). Não era “a primeira vez que se faz[ia] a seleção rigorosa de livros didáticos no Brasil”, como noticiou-se em 1941. Os governos estaduais encarregaram-se da tarefa antes mesmo da União. Claro que as iniciativas paulistas, por exemplo, ocorridas de 1907 em diante (Cf. Cardim et al, 1908), contemplavam apenas os livros destinados ao en180

Histórias do Ensino de História do Brasil H

sino primário – livros de leitura e livros de matéria. Os livros empregados na Escola Normal da Praça e no Colégio São Paulo eram indicados pelos catedráticos e submetidos ao crivo das respectivas congregações. Mas, a partir de 1910, pode-se perceber um aumento na teorização sobre o conceito e o emprego desse recurso pedagógico, culminando com uma refinada proposta de triagem a cargo da comissão formada por Sampaio Dória (relator), Américo Moura e Plínio Barreto em 1917. (Cf. Thompson, 1910; China, 1913; Reis Júnior, 1915; Alves, 1917; Dória et al, 1917). A grande diferença da iniciativa federal, entretanto, estava na sua esfera de abrangência e do poder normatizador. As decisões tomadas pela Comissão Nacional do Livro Didático - CNLD deveriam ser respeitadas em todo o Brasil, e a sua competência somente não alcançaria o ensino superior. É por isso que se pode vislumbrar a CNLD como fator de modificação de alguns aspectos do ensino secundário. Se, antes da reforma Campos (1931), as posições epistemológicas e os valores morais de cada professor – filtrados nos programas de ensino – formatavam o livro didático, é muito provável que, depois das prescrições da década de 1930, inversamente, os impressos tenham dado a direção das aulas, com todo o seu arsenal de ilustrações, quadros sinópticos e sincrônicos, cronologias, exercícios e, principalmente, as “orientações metodológicas”, prescritas pelo governo da União. (Cf. Freitas, 2004, p. 214). Este texto, entretanto, não faz a crítica das políticas públicas sobre o livro didático, nem avalia o grau de intervenção do governo federal, tampouco aponta os pre181

H ITAMAR FREITAS

cursores em tal sentido.1 Aqui se promove, somente, uma prospecção nas rotinas da Comissão Nacional do Livro Didático, buscando respostas para questões bastante debatidas pelos pesquisadores da área: o que é ser didático em se tratando do ensino de História? Quais os “segredos internos” da historiografia destinada à comunidade escolar? O objeto de análise são os pareceres elaborados pelo professor e historiador Jonathas Serrano – catedrático do Colégio Pedro II e da Escola Normal do Distrito Federal –, durante o primeiro ano de vigência da referida Comissão. Antes de tratar dos pareceres, saibamos um pouco mais sobre a criação e o funcionamento dessa instância prescritiva.

A Comissão Nacional do Livro Didático O Decreto-lei que normatizava a produção, circulação e uso do livro didático no Brasil, documento fundador da CNLD, identificava no gênero “livro didático” duas espécies singulares: o compêndio, que expunha “total ou principalmente a matéria das disciplinas constantes dos programas escolares”, e o livro de leitura, “utilizado para a leitura dos alunos em sala de aula”. O mesmo dispositivo

1

Um comentário sobre a ação da CNLD nos anos 1950 e a crítica aos dispositivos legais de criação e instalação da Comissão – truísmos, falhas de redação, intromissão na esfera de competência dos Estados e dos municípios, o espírito “anti-regional” e “centralizador”, podem ser acompanhadas no capítulo XIII do clássico livro de Guy de Hollanda (1957): Um quarto de século de programas e compêndios de história para o ensino secundário brasileiro: 1931/1956.

182

Histórias do Ensino de História do Brasil H

deixava a escolha dos livros didáticos a cargo dos professores – obviamente, entre aquelas obras autorizadas pela Comissão. Também liberava os mestres quanto ao “processo de utilização dos livros adotados”, mas fazia uma intervenção significativa no modo de ensinar ao proibir o “ditado de lições constantes dos compêndios ou o ditado de notas relativas a pontos dos programas escolares”. O governo queria extirpar, por decreto, uma prática escolar que, mesmo no secundário francês daquela época, era abonada pela maioria dos professores. O esperado era que tudo isso vigorasse a partir de 1º de janeiro de 1940. (Cf. Decreto-lei n. 1006, 30 set. 1938). Mas, quais seriam os juízes? E quanto aos critérios de seleção? Na primeira menção ao problema, o Decreto-lei n. 1006 determinava a convocação de “pessoas de notório preparo pedagógico e de reconhecido valor moral.” (idem, Cap. II, art. 9). Cinco meses depois, a CNLD ganhava forma: seriam dezesseis membros e não mais sete, como previa o decreto fundador; e o mais importante, julgo: de “especialistas em metodologia” – das línguas (2), ciências (3) e técnicas (2) – requeria-se, agora, a presença do “especialista nos vários assuntos do ensino préprimário, primário, normal, profissional e secundário”. (Decreto-lei n. 1177, 29 mar. 1939). Não se pode afirmar se tal critério foi ou não cumprido à risca. Mas, a comissão designada pelo presidente da República compôs-se, certamente, por figuras de escol – como se dizia à época – destacadas nos debates sobre o mesmo secundário, inclusive dos anos 1920: Abgar Renault, Alvaro Ferdinando de Souza da Silveira, Armando Pinna, Waldemar Pereira Cota, Maria Junqueira 183

H ITAMAR FREITAS

Schmidt, Antonio Carneiro Leão, Jonathas Archanjo da Silveira Serrano, Leonel Franca, Rodolpho Fuchs, Arthur Torres Filho, Euclides de Medeiros Guimarães Roxo e Carlos Delgado de Carvalho. Ocorre que o ano de 1939 se extinguira, o dia final havia chegado – o 1º de janeiro de 1940 –, e a Comissão não dera conta do trabalho, segundo a voz do próprio Executivo. A solução encontrada foi o relaxamento dos prazos: a CNLD funcionaria até 31 de dezembro de 1940 e a datalimite para a adoção dos livros autorizados seria o 1º de janeiro de 1941. (Cf. Decreto-lei n. 2359, 3 jul. 1940). Não creio que a comissão tenha descurado das suas tarefas. É provável que não tenha trabalhado, efetivamente, no período 1939/1940. O que alimenta essa hipótese é a emissão de portaria do Ministério da Educação e Saúde baixando “instruções para o funcionamento”.2 (Cf. Portaria n. 253, 24 dez. 1940). Esse mesmo dispositivo, ao final do ano 1940, que dava vida à CNLD, também codificava o rito de seleção, que se iniciava com a entrega dos originais à Comissão. Das mãos do presidente do órgão, o livro era repassado a um relator e a dois revisores, membros da secção relativa à matéria compendiada pelo livro – secção de línguas e literaturas; Matemática e desenho; ciências físicas e naturais; Geografia; História; Filosofia; Sociologia e Pedagogia; metodologia das técnicas; e matérias do ensino primário. O relator teria 30 dias,

2

Isso explica também a ampliação do prazo final de circulação de livros didáticos não autorizados pelo Ministério da Educação, de 1 de janeiro de 1941 para 1 de janeiro de 1942. (Cf. Decreto-lei n. 2934, 31 dez. 1940).

184

Histórias do Ensino de História do Brasil H

contados a partir do recebimento, para emitir o seu parecer. Aos revisores, concedia-se o prazo de 15 dias. Depois dos especialistas, seria a vez da seção de redação estabelecer o seu julgamento, “negando”, “concedendo” ou indicando modificações na obra. Os pareceres seriam levados a plenário, a quem caberia a decisão final. Jonathas Serrano, como vimos, foi guindado à condição de membro em 1930, como especialista da seção de História. Academicamente, estaria respaldado pelo trabalho desenvolvido na Escola Normal do Rio de Janeiro, como professor e administrador, desde 1916. No Colégio Pedro II, fora catedrático de História universal a partir de 1926, além de ter escrito obras pedagógicas para professores – Metodologia da História na aula primária (1917), A escola nova (1932), Como se ensina História (1936) – e alunos do ensino primário e secundário – Epítome de História universal (1915), História do Brasil (1931) e História da civilização (1935) em vários volumes e séries. É preciso registrar, contudo, a condição de católico militante e de homem próximo a Lourenço Filho e Gustavo Capanema. Isso, certamente, contou bastante para a sua inclusão no seleto grupo que ditaria o padrão do novo didático brasileiro.

Os pareceres de Jonathas Serrano Qual o formato de um parecer? Os documentos são breves. Ocupam de duas a três folhas, datilografadas em espaço 1,5 cm. Encimada pelo cabeçalho, “Comissão Nacional do Livro Didático/Secção História”, a primeira página contém o número do processo, nome do autor, da obra, edição, editor, cidade, ano de publicação e do vere185

H ITAMAR FREITAS

dicto: pode ou não pode ser autorizada como livro didático, segundo a legislação vigente. Já foi mencionado que o decreto fundador da CNLD prescrevia os elementos a serem avaliados: linguagem, informações de natureza científica ou técnica, e o emprego dos preceitos fundamentais da Pedagogia e das normas didáticas oficialmente adotadas. (Dec.-Lei n. 1006, 30 set. 1928, art. 21). O parecer, contudo, não segue, necessariamente, a essa ordem. Mas, no geral, contempla todos os quesitos apontados pelos dispositivos como fundamentais. Nos textos de Serrano, forma e conteúdo parecem destacar-se como os grandes eixos da crítica. As observações, todavia, no momento da composição, misturam comentários sobre gramática e expressão – forma – com as indicações sobre omissões, exageros e erros crassos em matéria de datas, indicação de lugares, personagens e divergência de interpretação – conteúdos. Com alguma paciência, poderemos agrupar os itens acima em cinco categorias e identificar os erros mais recorrentes ou, pelo menos, a quantidade de intervenções de Jonathas Serrano no ato de julgamento de cada obra e no total acumulado durante o ano de 1941: incorreção da linguagem (72,7%), omissões, exageros e equívocos em termos de conteúdos históricos (15,4%), problemas metodológicos e didáticos – a expressão é do próprio Serrano – (4,9%), inadequabilidade de estilo da linguagem (4,2%), deficiências materiais e tipográficas (1,4%).

186

31/05/1941 31/05/1941 19/08/1941 27/08/1941 29/09/1941 18/10/1941 09/1291941 18/12/1941 23/12/1941

Estêvão de Meneses Ferreira Pinto Alfredo Gomes Alfredo Gomes Joaquim Silva Joaquim Silva Estêvão Pinto Joaquim Silva Joaquim Silva Rocha Pombo Carlos Góis, Azevedo Corrêa e Abdias Silva Não identificado

16/12/1941

Data do parecer 27/03/1941 08/04/1941

Autor

Tabela construída sobre os pareceres de Jonathas Serrano. Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, cx. n. 9.

1 2

História da civilização (2ª série). Recife: Livraria Universal, 1939. História do Brasil (5ª série). São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1940. 360 p. v. 1. 3 História do Brasil (4ª série). São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1940. 4 História da civilização (1º ano ginasial). São Paulo: s.n., 1941. 5 História da civilização (2º ano ginasial). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. 6 História da civilização (1ª série). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937. 7 História da civilização (4º ano ginasial). 13 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. 8 História da civilização (3º ano ginasial). 15 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s.d. 9 História do Brasil. 19 ed. São Paulo: companhia Melhoramentos, s.d. 10 Pontos de história do Brasil para uso dos grupos escolares e escolas singulares II, III e IV anos. [Belo Horizonte]: Paulo Azevedo, s.d. 11 História da civilização (3ª série). 3 ed. Rio de Janeiro: J. R. de Oliveira, 1941. 12 Não identificada (Processo n. 13.373-39).

Obra examinada

Quadro n. 1 - Relação das obras de História do Brasil e de História da civilização examinadas por Jonathas Serrano, no âmbito da Comissão Nacional do Livro Didático – 1941

Histórias do Ensino de História do Brasil H

187

188

1

1

1 1 13 3

3

2

1

1

1 1

1

5

1

1

6

1

1

1

1 1

Obras analisadas/Pareceres emitidos 4 5 6 7 8 9 7 15 9 1 6 1 7 3 1 2

2

1

1

3 7

1

4 2 3 5 2 2 2 1 1

2

2

2 1 1 1

10

1

1

11

Tabela construída sobre os pareceres de Jonathas Serrano. Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, cx. n. 9.

Grafia dos nomes próprios e estrangeiros Grafia em geral Impropriedade vocabular Cacofonia Acentuação Neologismo Concordância nominal Coloquialismo Uso da vírgula Flexão verbal Construção/sintaxe Cumprimento do programa oficial Estilo Papel, encadernação, impressão Metodologia, Didática e Psicologia Indefinição da linguagem (discente/docente) Incorporação da pesquisa histórica Conteúdo

Equívocos identificados

Tabela n. 2 - Estatística dos equívocos identificados por Jonathas Serrano nos livros didáticos de História do Brasil e História da civilização, submetidos à Comissão Nacional do Livro Didático no ano de 1941

H ITAMAR FREITAS

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Comecemos pelo grupo mais numeroso de incorreções apontadas: as questões de gramática. Serrano não perdoa os problemas de acentuação, concordância nominal, flexão verbal, o uso da vírgula e da grafia em geral. Mas, o desleixo ou a ignorância sobre a perfeita forma de comunicar os nomes de autores, personagens, principalmente aqueles de origem estrangeira, é, talvez, a falta mais grave a ser considerada. A merecida atenção pode estar relacionada ao seu empenho em normatizar esse tipo de escrita – trabalho inserido em seu Como se ensina História (1936). O desprezo com a língua-mãe no que diz respeito ao emprego de neologismos, de metáforas descabidas (“período gangrenoso da monarquia”) e aos parágrafos mal construídos também são alvo das críticas do professor. Esse trecho do parecer sobre a primeira edição da História do Brasil, de Alfredo Gomes, demonstra bem a sutileza de Serrano, ao fazer troça da escrita do didático: O autor emprega várias vezes o vocábulo independentista (ps. II e 14) que em geral não figura nos léxicos. Usa de carestias no plural (p. l22) e de têrmos quais despistar (23) e dupla (320) tirados da linguagem familiar ou popular. Parece aceitar a construção instalar-se-ia fábricas (p. 24). Refere-se a distâncias agudas, o que mesmo no figurado é estranhável. Emprega o têrmo abspotismo (p. 19), que não conhecemos na linguagem comum. A revisão é péssima no que se refere a vírgulas e só a p. 18 bastaria para exemplificar. (passim). Deve ser ainda lapso de revisão não incluido na Errata a seguinte forma verbal de frase da página 169: “O 189

H ITAMAR FREITAS

ministério Rio Branco interviu tambem na chamada questão epíscopo-maçônica.” (Serrano, Processo n. 38.524-40, NA/JS, cx. 9, grifos do autor).

Além das questões gramaticais e de uso inadequado da língua, o relator faz considerações sobre as formas de construção do parágrafo que resvalam numa avaliação do estilo das obras. Assim, o mesmo Alfredo Gomes foi hiperbólico, Carlos Góis possuía um estilo “curioso” (?) e na obra de Azevedo Corrêa e Abdias Silva faltava clareza, havendo laconismos em demasia que dificultavam a compreensão por parte dos alunos. A palavra estilo não significa apenas uma certa forma de escrever, uma marca do autor. Estilo também representa uma classificação sobre o gênero. Daí, a possibilidade de estar a obra vazada em “estilo didático” ou não. Esse critério pesou bastante na decisão de negar a autorização para que a História do Brasil (19ª edição), de Rocha Pombo, fosse utilizada na escola secundária. Pelos erros, infere-se que a didaticidade do manual dependeria da configuração material, da sua estrutura – existência de quadros sinópticos, por exemplo – e não somente da correção gramatical ou do adequado emprego da língua. O bom didático estaria ligado à boa proporção dos tipos, à qualidade do papel, encadernação e impressão, ao uso correto do itálico e ao aparato iconográfico selecionado. Vejamos esse trecho correspondente aos Pontos de História do Brasil, de Carlos Góis: Trata-se de simples opúsculo, de aspecto material paupérrimo, impressão desagradável em mau papel, sem 190

Histórias do Ensino de História do Brasil H

uma única ilustração, retrato ou mapa, bastante só pela pobreza e nenhum atrativo de apresentação para tornar tedioso, senão detestável, o estudo da disciplina. Não se sabe aliás a que espécie de leitores se destina propriamente a obra, se aos discentes ou docentes, pois o ponto 1º explica o que se deve entender como cousas antigas da localidade, mas de modo geral e abstrato, sem nenhum exemplo concreto. O ponto 2º é uma enumeração, por ordem alfabética, das sedes de municípios, cidades e vilas, inclusive as criadas pela Lei n. 843 de 7 de Setembro de 1923. É uma espécie de Dicionário corográfico, que abrange 38 páginas, com inúmeras datas, decretos, anedotas e lendas históricas. Não há porém, (insistimos nesta observação), nenhum retrato, gravura, mapa ou qualquer recurso iconográfico. Aridez absoluta e desalentadora. (Serrano, 1941, Processo 7.460/39, AN, cx n. 9, grifos do autor).

Quanto às questões “metodológicas”, releva-se a obediência – poderíamos dizer – a alguns princípios pedagógicos: 1) atentar para a coerência da linguagem destinada aos alunos – o emprego das mesmas formas de construção do começo ao fim do livro; 2) evitar os erros de linguagem para que os alunos não os reproduzam como certos; 3) advertir ao professor para que ele estabeleça a “dosagem” de certos assuntos – como por exemplo, manipular os fatos da pré-História (para as duas séries iniciais do ginásio) – “de acordo com o respectivo nível mental”; 4) obedecer às “instruções metodológicas” da Reforma de 1931, que tratam da Didática aplicada ao ensino 191

H ITAMAR FREITAS

de História da civilização. Esse último tópico é, talvez, o maior problema de Psicologia/Pedagogia encontrado nos didáticos do período. Serrano explica: As instruções pedagógicas que acompanham os programas oficiais expedidos, em 30 de junho de 1931, pelo Snr. Ministro de Estado da Educação e Saúde Pública, na parte referente à História da Civilização recomendam: nas duas séries iniciais do curso, ter-se-á presente que o aluno não possui, via de regra, capacidade para entregar-se a estudos mais abstratos e sistemáticos. É por isso aconselhável, particularmente na primeira série, a História biográfica e episódica, que apresentará, afim de melhor despertar o interesse, os acontecimentos de História geral ligados à vida dos grandes homens. Padece o livro do Snr. Professor Joaquim Silva do defeito comum a quasi todos os compêndios existentes em português e escritos especialmente para a primeira série, após a reforma Francisco Campos, não obstante as instruções precitadas e de modo particular o trecho acima transcrito. Limitam-se os autores a escrever um resumo elementar da matéria que vai ser depois mais desenvolvida nas séries seguintes de 2ª a 5ª do curso fundamental do ensino secundário. É evidente a não observância das recomendações de caráter metodológico e didático a que nos referimos. (Serrano, 31 mai. 1941, AN, FJS, cx. n. 9)

Os erros são graves e, na avaliação de Serrano, não há meias palavras. Mas, quando trata dos problemas de 192

Histórias do Ensino de História do Brasil H

conteúdo, a sua ironia se derrama ainda mais. Desses, há vários tipos: da omissão, passando pela troca, adulteração, exagero no tratamento das datas, dos nomes dos personagens, lugares e episódios, até a elaboração de hipóteses pouco lógicas. Somente dois pareceres não fazem referência a esse tipo de incorreção. O erro mais comum é a troca ou incoerência de datas – um problema que pode ter origem na fabricação do impresso – ano 771 em lugar de 711, por exemplo. Serrano exige precisão: a batalha de Crécy ocorreu em 1346 e não 1347. Mas, eximir a responsabilidade de determinado autor quando este anuncia que a idade mínima para o aparecimento do homem foi de 100.000 anos, aí é pedir demais..., segundo o professor. Não incorporar a pesquisa histórica de ponta é também outro problema notado. O parecerista reclama que a maioria dos compêndios tem exagerado em relação aos “efetivos bárbaros” e sugere leituras: “já é tempo que se reduzam [os dados sobre os povos bárbaros] às justas proporções, de acordo com os trabalhos de Ferdinand Lot e outros mestres”. Serrano também informa sobre a recente localização da batalha do ano 454: ocorreu entre “Orléans e Troyes e não deve mais ser nomeada de “Campus Mauriacus”. A nacionalidade de Colombo está mais que provada. Não há por que duvidar sobre a sua “genovesidade”. Serrano também aponta algumas poucas omissões, o nome da sede do governo egípcio – Memfis. Mas, o que determina a reprovação de uma obra é mesmo a exclusão da História contemporânea do Brasil, relativa ao período 1920/1940. 193

H ITAMAR FREITAS

Outros problemas, como o excesso de minúcias, a seleção “infeliz” de “leituras” sobre Joana D’Arq, bem como da ciência moderna incomodaram ao crítico. Isso, porém, não bastou para desautorizar a circulação das obras. O que ocorreu, no máximo, foi uma ironia destilada ao se deparar com afirmações do tipo: os negros maometanos no Brasil adoravam Alá, Olurunuluá (sic) e Mariana – “mãe de Deus, eram, portanto, semimonoteístas (sic),” ou ainda, que Tiradentes teria exercido, simultaneamente, as funções de soldado, mascate, dentista, médico, cirurgião, mineiro e enfermeiro. Mas, Serrano nunca elogia os pontos positivos? Isso é raro. Um exemplo: ele felicitava-se quando determinado texto corrigia omissões dos programas de História estabelecidos pelo Ministério. Ele regozijava-se quando determinado autor tingia a sua obra de “sadio patriotismo”. Ele envaidecia-se quando seus livros eram, de alguma forma, empregados como modelo. Mas, denunciava, e com bastante sarcasmo, quando deturpavam as suas orientações. O balanço final dos seus relatórios, não obstante os reparos listados acima, é muito positivo para os autores e editores de livros didáticos de História daquele período. Pode-se dizer que o parecerista não era muito severo na emissão das notas. Dos doze relatórios examinados, houve apenas duas reprovações: uma pela quase total ausência dos requisitos didáticos (linguagem adequada, imagens etc.), pela não observância dos programas oficiais; e outra pela omissão da História contemporânea, a História do Brasil do período 1920/1930. Em relação ao trabalho final da CNLD, no ano de 1941, a Comissão de História da qual Serrano fazia parte, exa194

Histórias do Ensino de História do Brasil H

minou vinte e três livros. Isso indica que o professor foi responsável por metade dos pareceres (52%) e a maioria deles sobre o ensino secundário. Naquele mesmo ano, um total de mil oitocentas e dezoito obras foram apresentadas para análise. Desse número, apenas quatrocentas e noventa e seis foram examinadas. À comissão de História foi remetido um dos menores conjuntos. Comparando-se com a atividade das demais comissões, pode-se dizer que uma das menores taxas de reprovação coube aos livros de História, posto que a Comissão de Ciências Naturais recebeu cento e trinta e três obras e recusou noventa e oito, resultando uma reprovação de 71%; a de Filosofia, Sociologia e Pedagogia recebeu trinta e cinco e reprovou vinte e dois (63%); a de Matemática e Desenho acolheu oitenta e quatro e recusou cinquenta e três (63%); Línguas e Literaturas recebeu sessenta e cinco e reprovou trinta e três (53,5%); enquanto a de História foram apresentadas vinte e três e recusadas apenas cinco (21,7%).

Conclusões Esse breve exame dos pareceres de Serrano, além de descrever os elementos responsáveis pela didaticidade do livro de História, fornece apenas uma representação do que seria, segundo a visão do professor, a escrita da História destinada ao ensino secundário no período posterior à reforma Francisco Campos. Pelos números anunciados acima, pode-se conjeturar que o filtro da União não era tão espesso ou, ainda, que havia um certo grau de homogeneidade nos processos de produção do livro de História, e que o número de produtores nacionais habili195

H ITAMAR FREITAS

tados (autores e editores) para a tarefa foi bastante reduzido no período. Essas hipóteses e representações podem alcançar um outro patamar de certeza se se puder analisar os dez pareceres restantes, os quais, supomos, não tiveram Serrano como responsáveis. Outra providência reveladora seria comparar os comentários de Serrano e o exame das próprias obras submetidas à CNLD para saber em que medida a obra pedagógica e didática do crítico do Pedro II serviu como parâmetro para a avaliação e, em seguida, relacionar o inventário dos acertos ou, na própria expressão de Serrano, o inventário dos momentos em que os autores/editores demonstraram um “louvável senso pedagógico” e se aproximaram da “precisão e serenidade da forma propriamente científica”.

Referências ALVES, Oscar Rodrigues. Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Altino Arantes, presidente do Estado, pelo Secretário do Interior, Oscar Rodrigues Alves - ano de 1917. São Paulo: Estado de São Paulo/Secretaria do Interior, [1918]. pp. 3132. _____. Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Altino Arantes, Presidente do Estado, pelo Secretário do Interior, ano de 1916. São Paulo: s.n., 1917. p. 22. ANTUNHA, Heládio César Gonçalves. A instrução na primeira República (segunda parte): a União e o ensino secundário na primeira República. São Paulo, 1980, 271 p. Tese (Professor Titular de Metodologia do Ensino e Educação Comparada) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. CARDIM, Carlos Alberto Gomes; MORAIS, Teodoro Rodrigues de; e CARNEIRO JÚNIOR, Miguel. Parecer apresentado ao Exm. Snr. Secretário do Interior pela Comissão incumbida de rever a lista de obras adotadas no curso preliminar. São Paulo, 27 de fevereiro de 1908. In.: RODRIGUES, João Lourenço; 196

Histórias do Ensino de História do Brasil H

DORDAL, Ramon Roca; BARRETO, René; e SILVA, José Carneiro da (orgs.). Anuário do ensino do Estado de São Paulo - 1907/1908. São Paulo: Inspetoria Geral do Ensino, Governo do Estado, [1908]. pp. 383-393. CHINA, João B. C. Relatório do inspetor. In: Anuário do Estado de São Paulo 1913. São Paulo: Tipografia Siqueira, 1913. pp. cxii-cxix. DÓRIA, Sampaio; MOURA, Américo; BARRETO, Plínio. Relatório da Comissão. In: Estado de São Paulo - Secretaria do Interior - Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Altino Arantes, presidente do Estado, pelo Secretário do Interior, Oscar Rodrigues Alves - ano de 1917. São Paulo: s.n, [1918]. pp. 31-32. FREITAS, Itamar. A História universal de José Estácio Correia de Sá e Benevides (1890/1903). In: Histórias do ensino e da História. São Cristóvão: Editora da UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2006. pp. 169-224. HOLLANDA, Guy de. Um quarto de século de programas e compêndios de História para o ensino secundário brasileiro: 1931/1956. Rio de Janeiro: INEP – Ministério da Educação e Cultura, 1957. REIS JÚNIOR, João Crisóstomo. Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública ao Secretário do Interior, em 15 de maio de 1915. Anuário do Estado de São Paulo - 1914. São Paulo: Tipografia Siqueira, 1914. pp. 24-25. Relação das obras apresentadas à Diretoria Geral da Instrução Pública para serem submetidas à aprovação. Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Dr. Altino Arantes, Presidente do Estado, pelo Secretário do Interior, Oscar Rodrigues Alves, ano de 1916. São Paulo: s.n., 1917. pp. 35-43. SERRANO, Jonathas. Parecer sobre o livro História da civilização (2ª série). Recife: Livraria Universal, 1939, de Estêvão de Meneses Ferreira Pinto, emitido em 27/031941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História da civilização (1º ano ginasial). São Paulo: s.n., 1941, de Joaquim Silva, emitido em 31/05/1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História da civilização (2º ano ginasial). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, de Joaquim Silva, emitido em 19/08/ 1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História da civilização (1ª série). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1937, de Estêvão Pinto, emitido em 27/08/1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). 197

H ITAMAR FREITAS ______. Parecer sobre o livro História da civilização (4º ano ginasial). 13 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941, de Joaquim Silva, emitido em 29/09/1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História da civilização (3º ano ginasial). 15 ed. São Paulo: SERRANO, Jonathas. Parecer sobre o livro Companhia Editora Nacional, s.d., de Joaquim Silva, emitido em 18/10/1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História da civilização (3ª série). 3 ed. Rio de Janeiro: J. R. de Oliveira, 1941, de Azevedo Corrêa e Abdias Silva, emitido em 23/12/1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História do Brasil (4ª série). São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1940. 300 pp., de Alfredo Gomes, emitido em 31/05/ 1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História do Brasil (5ª série). São Paulo: Edições e Publicações Brasil, 1940. 360 p. v. 1, de Alfredo Gomes, emitido em 08/04/ 1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre o livro História do Brasil. 19 ed. São Paulo: companhia Melhoramentos, s.d., de Rocha Pombo, emitido em 09/1291941. ______. Parecer sobre o livro Pontos de História do Brasil para uso dos grupos escolares e escolas singulares II, III e IV anos. [Belo Horizonte]: Paulo Azevedo, s.d., de Carlos Góis, emitido em 18/12/1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). ______. Parecer sobre obra de título e autor não identificados (Processo n. 13.373-39), emitido em 16/12/1941. (Arquivo Nacional, Fundo Jonathas Serrano, caixa n. 9). SILVA, Geraldo Bastos. A educação secundária: perspectiva histórica e teoria. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. THOMPSON, Oscar. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretário do Interior. In.: Anuário de Ensino do Estado de São Paulo - 1909/1910. São Paulo: Tipografia do Diário, 1910. pp. 3-4.

198

8 NOTAS PARA O ESTABELECIMENTO DE ALGUNS MARCOS INSTITUCIONAIS SOBRE O ENSINO SUPERIOR DE HISTÓRIA NO BRASIL: uma crônica das origens (1908/1946)

H

H ITAMAR FREITAS

Nomes, datas e acontecimentos. Esse é o trio mais odiado entre os profissionais da História que pregam a mudança (qualquer espécie de mudança). Nomes, datas e acontecimentos, por outro lado, são conteúdos conceituais fundamentais a qualquer empreendimento que se habilite a fazer uso do passado de algo ou de alguém. Não há História sem tempo histórico, nem tempo histórico sem calendários. Não há ações sem sujeitos, nem fenômeno educacional escolar sem referência institucional. Conhecedor da relevância de tais orientações, reuni um conjunto de nomes, datas e acontecimentos acerca do ensino da História em nível superior que podem servir como ponto de partida ou de chegada para os pesquisadores preocupados com ensino de História nos períodos que margeiam a instalação dos cursos de Licenciatura em História no Brasil. Daí o modesto e sincero subtítulo: “uma crônica das origens”. *** Os itinerários da História no ensino superior são marcados por três tipos de experiência. A primeira é a instituição de cadeiras isoladas dentro dos pioneiros estabelecimentos de ensino superior “não profissionais”, ou seja, não voltados para as carreiras de Direito, Medicina, Engenharia etc. Trata-se, por exemplo, da cadeira de História do Brasil na Faculdade Eclesiástica de São Paulo (Cf. Lacombe, 1973, p. 151) – que oferecia o curso de Filosofia e funcionou de 1908 a 1914 (Cf. Lacombe, op. cit.; Casali, 1998, p. 164-168), no Mackenzie College – que, além da História do Brasil, mantinha a “matéria” História Uni200

Histórias do Ensino de História do Brasil H

versal, ambas ministradas pelos professores S. M. L. Alvinhac e Cesar Antonelli (Cf. Paula e Silva, [1909], p. 335-336; Almeida Prado, 1961) e Francisco Isoldi (Cf. Esponsel, 1970, p. 119), no Instituto Santa Úrsula, no Rio de Janeiro – com o professor Américo Jacobina Lacombe (Cf. Lacombe, 1976, p. 82), na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, fundada em 1933 – de cujas aulas (História econômica do Brasil) surgiu o livro do mesmo nome, publicado por Roberto Simonsen em 1937 (Cf. Lacombe, 1973, p. 155), e na Faculdade Livre de Filosofia e Letras de São Paulo, mantida pelos monges Beneditinos a partir de 1908 (Cf. Melo, 1975, p. 718). Há poucas razões para assegurar que tais cursos tenham sido os únicos nas primeiras três décadas iniciais do século XX, haja vista as inconsistências da legislação sobre ensino superior que só vai possuir um “estatuto” em 1931. Daí serem relacionados como “exemplos”, pois havia em São Paulo, somente no ano de 1917, quase duas dezenas de estabelecimentos ofertando cursos superiores (De Paula, 1960, p. 277). Esse número exclui as escolas profissionais mantidas pelo Estado e se constitui, basicamente, de escolas, colégios, seminários e até uma Academia de Ensino Musical, com todas as possibilidades de haverem mantido uma cadeira de História (do Brasil, universal ou econômica, eclesiástica, sagrada, da Filosofia ou da arte) em nível “superior”. Dos registros citados acima, cabe destacar a experiência da Faculdade de Filosofia e Letras mantida pelos beneditinos. A instituição iniciou suas atividades em 1908 e no ano seguinte tinha os cursos de Filosofia e Letras reconhecidos pela Universidade de Louvain. Estava 201

H ITAMAR FREITAS

estruturada para conceder diplomas de bacharel aos que completassem o curso de três anos e de doutor, após defesa de dissertação escrita. O curso era ministrado à noite, cinco vezes por semana, nas instalações do Mosteiro de São Bento. Era gratuito e buscava atrair, principalmente, os alunos ou ex-alunos das faculdades de Direito, Engenharia e Medicina, como também os professores públicos diplomados (Cf. Casali, 1998, p. 157-164; Muchail, 1988; Matos, 1936, p. 177-184). Da cadeira de História do Brasil, ocupou-se Afonso de Escragnolle Taunai, que já era professor do Ginásio São Bento. É provável que o renomado historiador do período tenha sido um dos fundadores da Faculdade. Das práticas de Taunay como professor, da função e dos conteúdos da disciplina são poucos os registros. O mais significativo documento é a própria conferência inaugural do curso de História do Brasil (Cf. Taunay, 1914), onde expõe os princípios do método histórico, como era concebido na universidade de Sorbonne no final do século XIX (onde reinavam Charles Langlois e Charles Seignobos). A segunda experiência da História no ensino superior está relacionada às tentativas de implantação de institutos de Altos Estudos, projetados como pré-faculdades de Filosofia. As duas iniciativas conhecidas partiram dos institutos históricos Brasileiro e de São Paulo. No Rio de Janeiro, “cursos de história em nível superior” foram ministrados no Centro de Altos Estudos, fundado em 1916 – que logo se transformou em Faculdade de Filosofia a partir de 1919 (Cf. Lacombe, 1973, p. 152154; 1998, p. 201). Do Centro (ou Academia), participaram como professores: Jônatas Serrano, Fileno de Mo202

Histórias do Ensino de História do Brasil H

rais, Afrânio Peixoto e Leopoldo de Bulhões. A Faculdade encerrou suas atividades em 1922 devido à campanha promovida pelo Colégio Pedro II – que se julgava “o verdadeiro núcleo da cultura universitária”. Mas, os textos de alguns cursos ministrados encontram-se na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, volumes 85, 87 e 99 (Cf. Lacombe, 1973, p. 152; 1998, p. 201). A experiência paulista com os “Altos Estudos” nasceu em 1930 sob a forma de “Sociedade de Filosofia e Letras”, uma espécie de mantenedora da futura Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo. Da primeira diretoria e comissões da Sociedade participaram Spencer Vampré, Artur Bitencourt, Henrique Gelnen, João Cruz Costa, Orlando Fonseca, Otoniel Mota, Artur Mota, Benedito Salgado, Lourenço Filho, A. Almeida Júnior, Francisco Isoldi e Raul Briquet. Ao congratular-se com a criação da sociedade, lembrou o presidente da sessão inicial – Ernesto de Souza Campos – que “nos Estados Unidos da América do Norte, país de preocupações essencialmente práticas e materiais, não poucos são aqueles que se dedicam aos estudos puramente especulativos e de pesquisa desinteressada, sem cuidar do interesse imediato, do proveito pessoal” (Campos, 1954, p. 422). Essa concepção “desinteressada” de faculdade de Filosofia já havia sido esboçada por vários intelectuais, entre os quais o socialista italiano Antônio Piccarolo em 1929, que a transformou em tese da III Conferência Nacional de Educação (Cf. Piccarolo, 1929, p. 274-287). Provavelmente, foi esse o modelo (e projeto de Piccarollo) adotado a partir de 1931, quando a instituição começou a receber os alunos no terceiro andar da Escola Normal da Praça. 203

H ITAMAR FREITAS

A partir de 1935, “com a fundação do novo instituto universitário, [a FFCL da USP], a modesta Faculdade Paulista de Letras e Filosofia perdeu a razão de ser (...) desapareceu sem que se lhe escrevesse a história, sequer uma crônica” (Matos, 1996, p. 294). Para a nossa felicidade, todavia, as aulas de Introdução à crítica histórica ministradas pelo professor Francisco Isoldi foram publicadas em livro em 1933. A terceira experiência da História em nível superior ganhou foros de curso estruturado num grupo de cadeiras no interior das faculdades de Filosofia, segundo a legislação específica de 1931. A primeira a funcionar esteve abrigada no Instituto Superior de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae em março de 1933 (Cf. Lacombe, 1976, p. 82; 1973, p. 155-156; Viana, 1961, p. 13). Os cursos, reconhecidos em novembro de 1934, eram mantidos pelas cônegas Regulares de Santo Agostinho em São Paulo como uma alternativa para as “moças de classe média alta que terminavam seus estudos no Colégio “Des Oiseaux”. Em 1937, o Instituto foi reconhecido como Faculdade Livre e em 1946 foi agregado à Universidade Católica de São Paulo (Cf. Casali, 1998, p. 168-169; Verbum, 1944, p. 381-384). Até o início da década de 1950, o público da Sedes Sapientiae era feminino. A cadeira de História do Brasil continuava sob o controle do já citado Affonso Taunay, desde 1933 (Cf. Sedes Sapientiae, 1953). Já o curso da FFCL/USP iniciou suas atividades em [julho] de 1934, com vinte e nove alunos, muitos dos quais já eram alunos ou ex-alunos dos cursos “profissionais”. Em 1937 era formada a primeira turma do curso de Geografia e História. Os cursos abrigados na quinta subseção 204

Histórias do Ensino de História do Brasil H

da FFCL somente seriam desvinculados por conta da legislação federal em 1955/1956. O corpo docente foi formado por mestres brasileiros e estrangeiros. Para as cadeiras “nacionais” como História da Civilização Brasileira e Língua Tupi-Guarani foram convidados os professores Affonso E. Taunay e Plínio Airosa. Os estudos especializados em Geografia Física e Humana, História da Civilização Americana e História da Civilização, que exigiam conhecimento “atualizado” (europeu/norteamericano), foram entregues aos professores Pierre Monbeig, Paul Vanorden Shaw, Jean Cagé, Fernand Braudel e Émile Coornaert. Os três últimos ocuparam a cadeira de História da Civilização. No final dos anos 1940, os ex-alunos das primeiras turmas, discípulos dos mestres franceses, assumiam o controle do curso. Constituíam, desse modo, a “geração dos formadores” da “escola uspiana de História”: Eurípedes Simões de Paula e Eduardo de Oliveira França (Cf. Capelato et al, 1984; De Paula, 1971; Campos, 1941 e 1954). No Rio de Janeiro, o curso de História era explicitamente orientado para a formação de professores secundários dessa disciplina. Constituía a terceira seção da Escola de Economia e Direito que também abrigava os cursos para professor de Geografia e de Sociologia e Ciências Sociais. As cadeiras foram ocupadas pelos professores Carlos Delgado de Carvalho (Geografia Humana), Jayme Coelho (História da Antiguidade) e Isnard Barreto (História da Idade Média e Moderna). A cadeira de História Geral da Civilização, entretanto, pertencia à Escola de Filosofia e Letras, sendo ocupada inicialmente por Castro Rabelo. 205

H ITAMAR FREITAS

Na UDF também lecionaram professores franceses. Em menor quantidade, em relação a São Paulo, mas com idêntico perfil teórico-metodológico (Cf. Ferreira, 1999). Os cursos da UDF funcionaram a partir de agosto de 1935. A exemplo da USP, houve problemas para o preenchimento das vagas. “Mas no antigo Distrito Federal, os problemas eram ainda maiores em razão da hostilidade do Ministro Capanema. Para evitar seus temidos efeitos, Anísio Teixeira teve pressa em colocar os cursos em pleno funcionamento, sem, contudo, fazer muito alarde” (De Vicenzi, 1986, p. 43). O final dessa instituição é bastante conhecido; a UDF foi extinta em janeiro de 1939. Mas, antes mesmo desse desfecho, o curso de História perdia o seu abrigo institucional com a transformação da Escola de Economia e Direito em Faculdade de Economia Política, responsável por formar cientistas sociais, jornalistas, administradores e economistas (Cf. Fávero, 1980). Com o fim da UDF, o curso foi transferido para a Faculdade Nacional de Filosofia (FNF) da Universidade do Brasil. Nessa agência, desde 1937, História e Geografia compuseram um Instituto que preparava licenciados (no esquema “três mais um”) (Fávero, 2000). Após as reformas de 1946, História e Geografia transformaram-se em departamentos da FNF, responsáveis por formar bacharéis e licenciados em Geografia e História (vinculados). Ainda nesse período, o curso mantinha as cadeiras de História da Antiguidade e Idade Média (Charles Antoine Bom e Carlos Delgado de Carvalho), História Moderna e Contemporânea (Eremildo Luís Viana) História da América (Silvio Júlio de Albuquerque Lima) e História do Brasil (Hélio Viana) (Arquivos, 1947). 206

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Referências ALMEIDA PRADO, A. de. Escolas do ontem e de hoje. São Paulo: Anhambi, 1961. CAMPOS, Ernesto de Souza. Instituições culturais e de educação superior no Brasil: resumo histórico. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941. CAMPOS, Pedro Moacyr. O estudo da História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Revista de História, v. 8, n. 17, abr./jun. 1954. CAPELATO, Maria Helena Rolim, GLEZER, Raquel e FERLINI, VERA Lúcia Amaral. Escola uspiana de História. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8, n. 22, set./dez. 1984. CASALI, Alípio Márcio Dias. Universidade Católica no Brasil: elite intelectual para a restauração da Igreja. São Paulo, 1998. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. DE PAULA, Eurípedes Simões. Algumas considerações sobre a contribuição da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a historiografia brasileira. Revista de História, São Paulo, v. 43, n. 88, out./dez. 1971. De PAULA, Eurípedes Simões. Professor Francisco Isoldi (1879/1960). Revista de História, São Paulo, v. 21, n. 43, p. 277, jul./set. 1960. DE VICENZI, Josefina Braga. A fundação da Universidade do Distrito Federal e seu significado para a educação no Brasil. Forum Educacional, Rio de Janeiro, v. 10, n. 3, p. 1-116, jul./set. 1986. ESPONSEL, José Pedro. Comentários. In: Encontro Internacional de Estudos Brasileiros; Seminário de Estudos Brasileiros, 1., 1972, São Paulo. Anais... São Paulo: IEB-USP, 1972. v. 2. Faculdade Nacional de Filosofia (Universidade do Brasil). Arquivos, Rio de Janeiro, n. 2, p. 99-127, mar./abr. 1947. FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque, PEIXOTO, Maria do Carmo de Lacerda e SILVA, Elisa Gerbasi da. Professores estrangeiros na Faculdade Nacional de Filosofia, RJ (1939/1951). Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 78, p. 59-71, ago. 1971. ______. Universidade e poder. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980. ______. Universidade do Brasil: guia dos dispositivos legais. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, Conped, MEC/INEP, 2000. 207

H ITAMAR FREITAS FERREIRA, Marieta de Morais. Os professores franceses e o ensino da História no Rio de Janeiro nos anos 30. In: MAIO, Marcos Chor, VILLAS BÔAS, Glaucia. (org.). Ideais de Modernidade e Sociologia no Brasil - Ensaios sobre Luiz de Aguiar Costa Pinto. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999, pp. 277-300. GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo. São Paulo. Secretaria Geral da Instrução Pública, 1917. v. 1. ISOLDI, Francisco. Preleções de introdução à história e crítica histórica no ano de 1932 na Faculdade Paulista de Letras e Filosofia. São Paulo: Piratininga, 1932. LACOMBE, Américo Jacobina. Para uma história das origens da Universidade Católica: aula inaugural da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, proferida em 1976. Verbum, Rio de Janeiro, v. 32, p. 71-85, 1976. ______. Ensino da história: no ensino médio e em nível universitário. In: Introdução ao estudo da História do Brasil. São Paulo: Editora Nacional; Editora da USP, 1973 LACOMBE, Américo Jacobina. Entrevista concedida no Rio de Janeiro em 02/ 18/1987, a Alípio Márcio Dias Casali. In: CASALI, A. M. D. Universidade Católica no Brasil: elite intelectual para a restauração da Igreja. São Paulo, 1998, 265 p. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. p. 201. MATOS, Odilon Nogueira. No Centenário de Alfredo Ellis Júnior. Notícia Bibliográfica e Histórica, Campinas, n.163, p. 291-301, out. 1996b. MATTOS, Xavier de. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento. Revista Brasileira de Pedagogia, Rio de Janeiro, v. 5, n. 21, fev. 1936. MELO, Astrogildo Rodrigues de. Os primórdios da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Revista de História, São Paulo, v. 52, n. 104, p. 717-722, out./dez. 1975. PAULA E SILVA, Domingos; BARRETO, René; CARNEIRO JÚNIOR, Miguel (orgs.). Anuário do ensino do Estado de São Paulo - 1908/1909. São Paulo: Inspetoria Geral do Ensino, Governo do Estado, [1909]. PICCAROLO, Antonio. Uma falta no ensino brasileiro: as faculdades de Letras e Filosofia. Educação, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 274-287, nov. 1929. TAUNAY, Afonso de Escragnolle. Os princípios gerais da moderna crítica histórica. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 16, p. 323-344, s.n. 1914. Verbum, Rio de Janeiro, p. 381-384, 1944. VIANA, Hélio. O ensino da história do Brasil. In: História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1961. p. 7-13, t 1. (Período colonial). 208

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Índice onomástico Abreu e Lima, José Inácio de – 55 Abreu, João Capistrano de – 19, 78, 81 Acácio, Liéte de Oliveira – 117, 118, 131 Aducci, Fulvio – 103 Aguayo, A. M. – 128, 131 Airosa, Plínio – 205 Alencar, Barão – 39 Alexander, Professor – 140 Alexandrino, Almirante – 83 Alfredo, João – 83 Almeida Júnior, A. – 116, 131 Almeida, A. Figueira de – 74, 78, 81 Almeida, Candido Mendes de – 18 Almeida, Gabriel Osório de – 83, 83 Álvares, Diogo – 56 Alves, Francisco – 31, 97 Alves, Isaías – 100, 101, 105, 141 Alves, Luiz – 91, 95 Alves, Oscar Rodrigues – 57, 83, 181, 196, 197 Alvinhac, S. M. L. – 201 Amaral, Amadeu – 92 Amaral, Tancredo do – 18, 22 Anchieta, Padre José de – 29, 58 Andrade, Antonio C. R. de – 83 Andrade, Gomes Freire de – 25 Andrade, Moraes – 82 Andrade, Nuno de – 83 Andrade, Paes – 59 Antipoff, Helena – 138 Antonelli, Cesar – 201 Antunes, Mitsuko Aparecida Makino – 152 Antunha, Heládio César Gonçalves – 74, 180, 196 Arantes, Altino – 197 Araújo, José Augusto Melo de – 23, 39 Arcoverde, D. Joaquim – 20 Arruda, José Jobson – 19, 39 209

H ITAMAR FREITAS Assurbanipal – 167 Augusto, José – 68, 103 Azevedo, Fernando de – 72, 91, 92, 95, 105, 113, 116, 121, 122, 123, 124 Azevedo, Renado Varandas – 139, 152 Azzi, Francisco – 159, 160, 175, 177 Backeuser, Everardo – 68, 84 Bain, Alexandre – 111, 128 Bandeira, Esmeraldino – 88 Barbosa, Irene Maria Ferreira – 157, 157, 159, 174, 177 Barbosa, Ruy – 83 Barreto, Anita Paes – 138 Barreto, Franscico Paes – 59 Barreto, Isnard – 205 Barreto, Plínio – 181, 197 Barreto, René – 197, 208 Barros, Augusto – 97 Barros, Jayme de – 103 Barros, Roldão de – 90 Batista, Antonio Augusto Gomes – 55, 65 Batista, Homero – 83 Bellegarde, Henrique – 55 Bernhein, Ernest – 168 Berquó, Professor – 82 Berrien, William – 131 Beviláqua, Clovis – 83 Bezerra, Alcides – 103 Bilac, Olavo – 55, 83, 84 Binnet, Alfred – 124 Bittencourt, Artur – 203 Bittencourt, Circe Maria Fernandes – 15, 16, 39 Bittencourt, Liberato – 20, 47 Bom Retiro, Visconde de – 68 Bomfim, Manoel – 128, 142, 152 Bomtempi Júnior, Bruno – 95, 122, 131 Bonifácio, José – 129 Bormann, José B. – 83 Botelho, Nicolau – 128 Braudel, Fernand – 205 Braz, Wenceslau – 83 Briquet, Raul – 92, 126, 131, 203 Brito, Floriano de – 80 210

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Brito, Luiz de – 58 Brito, Mário – 103 Buckle, Henry Thomas – 20, 24 Bulhões, Leopoldo – 203 Cabral, Pedro Álvares – 34, 49, 53, 58 Cagé, Jean – 205 Caimi, Flávia – 7, 12 Cainelli, Marlene Rosa – 12 Calabar, Domingos Fernandes – 54 Calkins, N. A. – 124 Calmon, Miguel – 83 Calógeras, João Pandiá – 83 Camarão, Felipe – 29 Camargo, Maurício de – 129, 131 Campos, Caetano de – 115 Campos, Ernesto de Souza – 203, 205, 207 Campos, Francisco – 104, 144, 156, 179, 181, 192, 195 Campos, Ovídio Pires de – 92 Campos, Pedro Moacyr – 207 Campos, Regina Helena de Freitas – 141, 152 Cândido, Antônio – 23, 40 Capanema, Gustavo – 156, 179, 185 Capelato, Maria Helena Rolim – 205, 207 Caramuru – 58, 62 Cardim, Carlos Alberto Gomes – 179, 196 Cardoso, Clodomir – 103 Cardoso, Vicente Licínio – 68, 103 Carneiro Júnior, Miguel – 196, 208 Carvalhal, João G. – 83 Carvalho, Carlos Delgado de – 74, 105, 124, 184, 205 Carvalho, Laerte Ramos de – 95 Carvalho, Leôncio – 68 Carvalho, Marta Maria Chagas de – 84, 85, 86, 88, 113, 114, 115, 126, 131, 137, 152, 105 Casali, Alípio Márcio Dias – 200, 202, 204, 207, 208 Castro Aloysio de – 69, 83 Castro, Amélia Americano Franco Domingues – 130, 132 Castro, Amélia Monteiro de – 141 Castro, Lúcia Schimidt Monteiro de – 141 Castro, Viveiros de – 83 Cavalcante, Amaro – 88 211

H ITAMAR FREITAS Caxias, Duque de – 52 Cedronnio, Marina – 12 Celso, Afonso – 69, 72, 83 Cesarino Júnior, Antônio Francisco – 5, 155, 156, 157, 159, 160, 163, 164, 165, 167, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177 Chelb, Helena – 142, 152 Chervel, Andre – 7, 12, 137, 152 Chevallard, Yves – 40, 16 China, João B. C. – 181, 197 Claparède, Edouard – 111, 124, 145 Coelho Neto – 83 Coelho, Jayme – 205 Colombo, Cristóvão – 28, 34 Compayré, Gabriel – 128 Conselheiro, Antônio – 54 Constant, Benjamin – 29, 55, 116, 119 Coornaert, Émile – 205 Corrêa, Alexandre – 97, 104 Corrêa, Azevedo – 186 Correia Filho, Virgílio – 99 Correia, Manoel Francisco – 39, 68 Costa, Duarte da – 58 Costa, Firmino – 126 Costa, João Cruz – 203 Costa, Lysimacho da – 68, 84 Costa, Waldemar Pereira – 183 Coutinho, Francisco Pereira – 58 Couto, Miguel – 83, 83 Couto, Pedro do – 72, 72, 79, 80, 81 Cruz, Oswaldo G. – 83 Cunha, Eclides da – 14 Cunha, Luiz Antônio – 127, 132 Cunha, Roberto de A. – 97 D’Afonseca, J. C. – 97 D’Arq, Joana – 193 D’Ávila, Antonio – 128 De Paula, Eurípedes Simões – 201, 205, 205, 207 De Vicenzi, Josefina Braga – 206, 207 Decurt, Paulo – 157 Desjardins, Paul – 102 D’Eu, Conde – 68 212

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Dewey, John – 111, 124, 128, 140, 141, 144 Diehl, Astor Antônio – 14, 19, 40 Diniz, Fernandez – 18 Dordal, Ramon Roca – 197 Dória, Franklin – 68 Doria, Gastão de Escragnolle – 18, 74, 81, 105 Dória, Sampaio – 74, 103, 113, 116, 157, 181, 181, 197 Dreyfus, André – 95 Dumas, George – 91, 93, 95, 96, 142, 152 Durkheim, Émile – 111, 124 Ellis, Alfredo – 83 Espinoza, Julio Banados – 22 Esponsel, José Pedro – 201 Esponsel, José Pedro – 207 Evangelista, Oinda – 117, 118, 122, 132 Faria, Alberto de – 83 Faria, Caetano – 83 Faria, José C. F. de – 83 Fausto, Boris – 106 Fávero, Maria de Lourdes de Albuquerque – 206, 207 Fazenda, Vieira – 81 Feijó, Antônio – 29, 52 Ferlini, Vera Lúcia Amaral – 207 Fernandes, Cacilda – 61, 64 Ferreira, Antonio Celso – 14, 40 Ferreira, Marieta de Morais – 206, 208 Figueiredo, Antonio A. de – 83 Fleiuss, Max – 20 Fonseca, Deodoro – 57 Fonseca, Orlando – 203 Fonseca, Thais Nivia de Lima – 15, 40, 177 Fouilet, Alfredo – 92 Foulquié, Paul – 177 Fragoso, Arlindo – 68 França, Eduardo de Oliveira – 205 Franca, Leonel – 184 Franckenberg, [Professor] – 18 Freire, Felisbelo – 18 Freire, Laudelino – 74 Freitas, Itamar – 9, 12, 15, 17, 18, 23, 24, 26, 40, 177, 181, 197 Freitas, Marcos César de – 131 213

H ITAMAR FREITAS Froes, Salvador – 98 Frontin,Paulo de – 69 Fuchs, Rodolpho – 184 Gabaglia, Fernando Raja – 74, 76, 78 Gaffrée, Candido – 83 Gally, Christianne – 17, 31, 40 Galvão, Ana Maria de Oliveira – 55, 65 Galvão, Ramiz – 68, 69 Gasparello, Arlette Medeiros – 15, 31, 41, 106 Gates, Professor – 140 Gatti, Bernadete – 141, 153 Gelnen, Henrique – 203 Glezer, Raquel – 207 Góis, Carlos – 186, 190 Góis, Eurico de – 20 Gomes, Alfredo – 186, 190 Gomes, Angela de Castro – 14, 41, 32 Guilherme, Faria – 65 Guimarães, Arquimedes – 97 Guinle, Guilherme – 83, 83 Hall, Stanley – 102 Handelman, Gotfried Heinrich – 32, 41 Hansen, Patrícia – 32, 41 Henrique, D. – 58 Herbart, Johann Friedrich – 110, 111, 132 Hery, Evelyne – 176, 177 Hilgenherger, Nobert – 110, 132 Hilsdorf, Maria Lúcia Spedo – 132 Holanda, Sérgio Buarque – 19 Hollanda, Guy de – 179, 182, 197 Hoppe, Lupércio – 76, 77, 81 Iglésias, Francisco – 14, 41 Isoldi, Dante – 104 Isoldi, Francisco – 201, 204, 208 Jacob, Rodolfo – 97 Jardim, Renato – 76, 79, 80, 81, 103, 103 Jaspers, Ludgero – 104 João II, D. – 58 João VI, D. – 52 Kanndel, Isaac Leon – 140 Kilpatrick, William Heard – 124, 140 214

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Kinston, Professor – 140 Klinke, Karina – 55, 65 Labouriau, Ferdinando – 85 Lacerda, Joaquim Maria de – 5, 45, 47, 48, 49, 51, 52, 58, 59, 62, 65 Lacombe, Américo Jacobina – 200, 201, 202, 203, 204, Lacombe, Isabel Jacobina – 98 Laet, Carlos de – 18, 68, 69, 83 Lafayet, Professor – 74 Lagoa, Sérgio – 63, 65 Langlois, Charles Victor – 20, 21, 168, 202 Leão, Antônio Carneiro – 126, 184 Leão, Múcio – 32, 41, 42 Lee, Peter – 64, 65 Lessa, Pedro – 20, 83 Libâneo, José Carlos – 113, 132 Lima, Alceo do Amoroso – 100, 100, 105 Lima, Antonio D. A. – 83 Lima, Honório – 22 Lima, João G. P. – 83 Lima, Mário de Souza – 92, 97 Lima, Oliveira – 174 Lima, Silvio Júlio de Albuquerque – 206 Lima, Vicente Lustosa de – 83 Lodi, Alda – 141 Lopes, Oscar – 83 Lourenço Filho, Manoel Bergström – 68, 74, 86, 87, 88, 115, 122, 123, 124, 126, 126, 129, 131, 132, 139, 141, Lutz, Bertha – 75 Luzuriaga, Lorenzo – 110, 132 Magalhães, Basílio de – 18, 22, 68, 85, 99, 106 Magalhães, Fernando de – 98 Magalhães, Lúcia – 142, 153 Malta, Freitas – 72 Mange, Roberto – 138 Manoel, D. – 53 Maranhão, Paulo – 139, 153 Maria, Padre Júlio – 20 Martinez, C. – 129, 132 Martins, Wilson – 65 Martius, Karl Philip von – 32

53, 54, 55, 56, 57, 208

90, 103, 105, 113, 153, 175, 177, 185

215

H ITAMAR FREITAS Matos, Cunha – 55 Matos, Gregório de – 29 Matos, Odilon Nogueira – 204, 208 Mattos, Ilmar Rohlof – 42 Mattos, Xavier de – 208 Maximiliano, Carlos – 55, 93 Melo, Astrogildo Rodrigues de – 31, 201, 208 Melo, Ciro Flávio de Castro Bandeira – 41 Melo, Homem de – 18 Mendes, Amadeu – 90 Mendes, Murillo – 130, 156, 178 Mendonça, Edgar Süssekind de – 84 Mendonça, Manoel Curvello de – 46, 65 Meneses, Estêvão de – 186 Meneses, Hermeson – 23, 24, 41 Menezes, Barreto de – 56 Mennucci, Sud – 104 Mesquita Filho, Júlio de – 95 Miranda, J. P. da Veiga – 83, 90, 91, 92, 93, 94, 96, 103, 106 Miranda, Passos de – 88 Mombeig, Pierre – 205 Monroe, Professor – 140 Monteiro, Bernardo – 83 Monteiro, Mozart – 72, 76, 78, 79 Moraes, Marcia Regina Mendes Nunes de – 65 Morais, Fileno – 202 Morais, Rubens Bora de – 131 Morais, Teodoro Rodrigues de – 196 Mota, Artur – 203 Mota, Carlos Guilherme – 23 Mota, Maria Aparecida Rezende – 41 Mota, Otoniel – 203 Moura, Américo – 104, 181, 197 Munakata, Kazumi – 48, 65, 89, 106 Nagle, Jorge – 68, 72, 106, 113, 124, 126, 133 Nascentes, Antenor – 74, 98, 126 Nascimento, A – 133, 117, 118 Nascimento, Alfredo – 22 Nascimento, Jorge Carvalho do – 23, 41 Neiva, Artur – 92 Nogueira, Fausto Henrique Gomes – 128, 133 216

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Novais, Fernando A. – 19, 41 Oliveira, Antônio Almeida – 68 Oliveira, C. A. Barbosa de – 88, 88, 89, 97, 104, 106 Oliveira, Candido – 83 Oliveira, Marcus Aurélio Taborda de – 39 Oliveira, Margarida Maria Dias de – 39, 41 Osório, Joaquim – 83 Otávio Filho,Rodrigo – 20 Padilha, Celina – 103 Parker, Professor – 124 Passalacqua, Camillo – 128, 133 Paula e Silva, Domingos – 201, 208 Pavlov, Ivan – 142 Paxeco, Félix – 83 Pederneiras, Raul – 83 Pedro I, D. – 57 Pedro II, D. – 57 Peixoto, Afrânio – 129, 203 Peixoto, Carlos – 83 Peixoto, Floriano – 28, 57 Peixoto, Maria do Carmo de Lacerda – 207 Penna, J. B. Damasco – 140, 153 Peres, Tirsa Regazzini – 68, 72, 88, 93, 106 Pessoa, Frota – 103 Piccarolo, Antonio – 104, 203, 208 Pimenta, Selma Garrido – 132 Pimentel, Elpídio – 70, 106 Pinna, Armando – 183 Pinter, Professor – 140 Pinto e Silva, João F. – 129, 133 Pinto, Ferreira – 186 Piragibe, José – 75, 97 Pizzoli, Hugo – 114 Pombo, Rocha – 186 Porchat, Reinaldo – 92 Porciúncula, Oscar da – 83 Potsch, Professor – 81 Prado Júnior, Caio – 19 Prado, Almeida – 201, 207 Proença, Firmino – 124 Prost, Antoine – 9, 12 217

H ITAMAR FREITAS Rabello, Sylvio – 178 Rabelo, Castro – 205 Ramalho, João – 56 Ramos, Sílvio (Silvio Romero) – 24, 41 Ramos, Teodoro – 92 Ranzi, Serlei Maria Fischer – 39 Ratzel, Friedrich – 20 Reich, Rob – 63, 65 Reis Júnior, João Chrysostomo B. – 133, 181, 197 Reis, Antonio Müler dos – 83 Reis, José Carlos – 14, 41 Reznik, Luís – 15, 42 Ribas, Joaquim – 18 Ribeiro, Benedita Valadares – 141 Ribeiro, João – 5, 16, 18, 20, 22, 23, 27, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 42, 80, 81, 174 Ribeiro, Joaquim – 32, 42, 83, 142, 153 Rocha, Justiniano José da – 55 Rodrigues, João Lourenço – 116, 133, 196 Rodrigues, José Honório – 14, 42, 65 Romero, Sílvio – 5, 14, 16, 18, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 34, 36, 37, 38, 42, 43 Rosa, Francisco Ferreira da – 22, 18 Rosas, General – 57 Roxo, Euclides de Medeiros Guimarães – 69, 126, 184 Ruch, Gastão – 18, 74, 101, 106 Rude, Adolf – 27 Rude, Adolf – 43 Rudolfer, Noemy da Silveira – 139, 141, 153 Rüsen, Jörn – 64, 65 Russell, Professor – 140 Sá, Men de – 58 Sales, Campos – 57 Salgado, Benedito – 203 Sampaio, Fernando Nerêu de – 99, 106 Santos, Lúcio José dos – 97, 99, 100, 107 Santos, Luiz S. dos – 83 Santos, Maria Reis – 74 Sargão II – 165 Schmidit, Maria Junqueira – 184 Schmidt, Maria Auxiliadora – 126, 128, 129, 133 218

Histórias do Ensino de História do Brasil H

Schnass, Franz – 27, 43 Schwarcz, Lília Mortiz – 14, 19, 43 Seabra, J. J. – 88 Sebastião, D. – 58 Seignobos, Charles – 20, 21, 168, 202 Serrano, Jonathas – 18, 20, 22, 43, 75, 81, 126, 129, 130, 133, 144, 148, 149, 150, 151, 153, 156, 159, 160, 174, 177, 178, 179, 182, 184, 185, 186, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 196, 197, 198, 202 Shaw, Vanorden – 205 Silva, Abdias – 186, 190 Silva, Cicero Peregrino da – 83 Silva, Elisa Gerbase da – 207 Silva, Geraldo Bastos – 198 Silva, Heitor Lyra da – 72, 84 Silva, Joaquim – 186, 192 Silva, José Carneiro da – 179, 197 Silva, José Maria Velho da – 18, 22 Silva, Oscar Machado da – 141 Silva, Paranhos – 68, 69, 88, 107 Silveira, Alfredo Balthazar da – 145, 146, 147, 151, 153 Silveira, Alvaro Ferndinando de Souza da – 183 Silveira, Carlos da – 90 Silveira, Noemy – 140, 153 Silvestre, Honório de Souza – 77, 79 Simiand, François – 12 Simplício, João – 103 Smith Júnior, Datus – 48, 66 Soares, João T. – 83 Sodré, Azevedo – 116 Souza, Alcino muniz de – 157, 160, 177 Souza, Cristiane Vitório – 23, 43 Souza, D. Francisco – 56 Souza, Martim Afonso de – 58 Souza, Padre Belarmino José de – 20 Souza, Rosa Fátima de – 116, 133 Souza, Rui de Paula – 92 Souza, Tomé de – 58 Spence, Professor – 140 Spencer, Herbert – 24, 111, 128 Street, Jorge – 83 Taine, Hyppolite – 20 219

H ITAMAR FREITAS Tanuri, Leonor Maria – 116, 133 Taunay, Afonso de Escragnolle – 17, 202, 204, 205, 208 Taup, Professor – 140 Teixeira, Anísio – 23, 113, 116, 121, 122, 123, 141, 206 Teixeira, Gilson Ruy M. – 43 Tengarrinha, José Manuel – 39 Thompson, Oscar – 114, 115, 129, 133, 181, 198 Thorndike, Eduard Lee – 111, 125, 140, 141, 142, 174 Tiradentes – 54, 56 Toledo, João – 90 Toledo, Maria Rita de – 126, 132 Torres Filho, Arthur – 184 Turin, Rodrigo – 23, 43 Vampré, Spencer – 203 Van Acker, Leonardo – 104 Van Kolck, Odette Lourenço – 137, 153 Vasconcelos, D. Luiz de – 54, 56, 58 Vechia, Ariclê – 15, 43 Veiga, Lourenço da – 58 Venâncio Filho, Francisco – 74, 84, 129, 133 Ventura, Roberto – 23, 43, 43 Viana, Eliseu – 138 Viana, Eremildo Luís – 206 Viana, Hélio – 204, 206, 208 Viana, Oliveira – 20 Vidal, Diana Gonçalves – 117, 118, 122, 123, 132, 133 Vieira, Padre Antônio – 52 Virgílio – 147 Vizeu, Afonso – 83 Warde, Mirian Jorge – 66, 111, 123, 134 Watson, Professor – 140, 141 Werneck, Carlos – 99, 107 Whitley, Professor – 140 Willegagnon, Nicolas Durand de – 58 Wilson, Professor – 140 Xavier, Lindolfo – 101, 102, 107 Zamith, Alvaro – 83,

220

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.