Histórias do Mar - da ideia ao filme

June 30, 2017 | Autor: Alexandra Carneiro | Categoria: Community Development
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Histórias do Mar Da ideia ao filme, um percurso de ASC 1

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Alexandra Carneiro e Jorge Curto Manuel Costa

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e o contributo de Ana Catarina Craveiro4

Introdução Tudo começou no dia 26 de Setembro de 2011, na Biblioteca da Escola Secundária de Rocha Peixoto, quando a turma do 10ºQ, Curso Profissional de Animador Sociocultural no âmbito da disciplina de Área de Estudo da Comunidade, assistiu a uma sessão orientada pelo Dr. Manuel Costa a propósito da exposição itinerante «A Lancha Poveira – 20 anos da Fé em Deus», iniciativa da Biblioteca Municipal, onde funciona a coordenação do projecto de dinamização da Lancha Poveira. A empatia que se gerou nesse encontro foi impulsionadora para tudo o que se passou depois, quando a coordenadora da Biblioteca Escolar, Profª Albina Maia informou sobre o trabalho que havia sido proposto pela Biblioteca Municipal a propósito do Dia do Pescador, 31 de Maio. Este é um texto a muitas vozes. Não tantas quantas as ondas do mar que lhe servem de pretexto, mas com todas as que foram dando corpo e sons a um caminho feito de diálogo e de desafios. Organizado em quatro partes, este é o registo dos testemunhos do processo vivido ao longo do projeto Histórias do Mar. Ideia e diálogo: portos de partida Alexandra Carneiro

No contexto da cultura relacional em que vivemos, as instituições de caráter sócio educativo têm a responsabilidade (e o compromisso) de desenvolver e fomentar mecanismos de colaboração que contribuam para a consecução da sociedade educativa e da cidade educadora mais robusta e capaz de promover de forma efetiva 1

Professora na ES Rocha Peixoto, Póvoa de Varzim. Diretora do Curso Profissional de Animador Sociocultural e

professora da disciplina de Área de Estudo da Comunidade. 2

Professor na ES Rocha Peixoto, Póvoa de Varzim. Professor das disciplinas de Área de Expressões e de Animação

Sociocultural do Curso Profissional de Animador Sociocultural. 3

Diretor da Biblioteca Municipal Rocha Peixoto; responsável pela Lancha Poveira “Fé em Deus”; secretário da Rede

Nacional da Cultura do Mar. 4

Aluna do Curso Profissional de Animador Sociocultural (2011/14, ESRP)

a dignidade da natureza humana. Para a vida em comunidade, é essencial que haja encontro e diálogo; esta é a pedra angular de qualquer projeto e neste, em particular, assume uma tripla dimensão. Histórias do Mar são diálogos: inicialmente, institucionais; depois, entre pessoas de diferentes gerações, com

diversas

experiências de vida da qual dão testemunho; e, finalmente, diálogo tecnológico pela combinação e utilização de diferentes meios de registo e de processamento e organização da informação. Longe de acontecerem isoladamente, estas três dimensões sobrepõem-se ao longo do processo, tal e qual as ondas nas marés… O diálogo institucional começou na primeira reunião com o diretor da Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim, Manuel Costa. Foi então que surgiu a ideia inicial para que os alunos recolhessem testemunhos sobre vivências do mar. No desempenho da Direção de Curso, esta proposta de trabalho colocava-nos perante a oportunidade de os próprios alunos serem os sujeitos de desenvolvimento. Este destaque sustentavase naturalmente na possibilidade de registo e fixação da memória e conhecimento da vida quotidiana, dos usos e costumes de gerações anteriores às dos nossos jovens – incitados para entrevistarem os seus pais e avós. Usando os meios tecnológicos, hoje em dia tão acessíveis, os alunos poderiam/deveriam gravar relatos de histórias, tradições, experiências de vida de pessoas mais velhas acerca do mar. Lançado o desafio, abriram-se as portas ao diálogo intergeracional e a novas formas de comunicação, quer no seio familiar quer com pessoas (des)conhecidas, pondo à prova o caráter “pesquisador”. O facto de alguns alunos terem optado por interlocutores fora do círculo familiar ou de vizinhança, revela-nos de que forma a apropriação deste trabalho deu significado e sentido, por exemplo, à escolha vocacional pela Animação Sociocultural, revelando-lhes uma dimensão desta que não conheciam. O propósito escolar do projeto permitiu desenvolver e/ou descobrir competências essenciais, ao mesmo tempo que abriu um campo de significação ligada à vida quotidiana dos alunos, enchendo-os de sentido de passado e futuro. De repente, as histórias “lá de casa” deixaram de ser “sempre a mesma coisa…”, “ já sei isso, já me contaste…”, para se tornarem centros de interesse e de motivação para “os trabalhos da escola”. Também o uso do telemóvel como ferramenta preferencial foi desafiador, inclusive para os entrevistados… Colocado para além do seu uso comunicacional e lúdico, tornou-se um precioso aliado de aprendizagem (a par da câmara digital); os alunos puderam explorar formas de aprendizagem a partir dos seus objetos de uso quotidiano.

Contando com o apoio e incentivo incondicional da Biblioteca Municipal e da Escola, foi com orgulho e muita emoção que os alunos apresentaram as Histórias do Mar no dia 1 de Junho de 2012, no pólo de leitura da Biblioteca que funciona no antigo café Diana Bar – responsabilidade maior, se lembrarmos que Régio escreveu neste antigo café de tertúlias. A dignidade com que se revestiu esta apresentação esteve patente nas cadeiras todas ocupadas – representantes das instituições (incluindo a Câmara Municipal), familiares, professores, amigos, entrevistados e curiosos juntaramse para assistir. No final, o Diana Bar ficou cheio da maresia que entrava pelas janelas e pelas vozes de todos quantos falaram sobre a experiência: os alunos sobre o trajeto hesitante e sobre as curiosas descobertas, os entrevistados, sobre as recordações que ficaram por contar… E não acabou ali. Para a turma do 10ºQ, houve ainda a oportunidade de terminar este trabalho no mar, como que atracando no porto de partida. No dia 23 de Junho de 2012, pudemos navegar na lancha poveira, ao largo do mar da Póvoa de Varzim. Implicar os alunos no projeto, torná-los sujeitos de desenvolvimento, abriu um caminho para a cidadania mais consciente, para a ação sociocultural mais organizada, mais coerente – aprendizagens que lhes serão certamente preciosas ao longo da sua vida. À vivacidade do sentimento de territorialidade e pertença a um lugar que todos os poveiros têm, os alunos juntaram o conhecimento. A viagem feita com este trabalho levou à consubstanciação dessa pertença, despertando responsabilidade social nos jovens perante a sua herança e património cultural. A Biblioteca Municipal e a educação para o património Manuel Costa

As bibliotecas públicas só cumprem a sua missão social, educativa e cultural se estiverem intimamente ligadas aos territórios e às pessoas. É nesse sentido que são consideradas o centro de informação das comunidades e garantem o acesso a todo o tipo de informação, nomeadamente sobre a herança cultural local. Mas considero que não basta garantir o acesso a essa informação. É igualmente importante envolver a comunidade na (re)construção das suas identidades, para que a vivência desse património comum seja devidamente valorizada, sobretudo pelos jovens, cada vez sujeitos aos efeitos massificadores da globalização cultural. As escolas são parceiros privilegiados no desenvolvimento de projectos que potenciem a vivência da identidade local, pois potenciam um trabalho em rede que gera sinergias acrescidas, como comprova o vasto leque de projectos bem sucedidos que venho realizando com a Escola Secundária Rocha Peixoto e sobretudo este em

particular, que desenvolvi com a Professora Alexandra Carneiro e os seus alunos. Cumpriram o duplo objectivo que lhes foi proposto: registar memórias ligadas ao mar, usando telemóveis em contexto educativo, como preconiza a UNESCO. O resultado que apresentaram e o balanço que fizeram desta experiência evidencia que através dessa “metodologia” superaram dificuldades técnicas e motivacionais e descobriram de forma lúdica um património cultural que afinal também é seu, como foi notório na apresentação que fizeram no âmbito das comemorações do Dia do Pescador e na viagem que a bordo da Lancha Poveira “Fé em Deus”. Importa referir que este projecto foi desenvolvido no âmbito da presidência da Rede Nacional da Cultura do Mar, que a Sociedade de Geografia de Lisboa atribuiu ao Município da Póvoa de Varzim (entre 2011 e 2013) e está integrado no plano de educação para o património marítimo criado pela Biblioteca Municipal Rocha Peixoto para todos os níveis de ensino. Isto significa que estas iniciativas têm não só um alcance local mas também nacional. Os desafios apresentados às escolas implicam esse tipo de compromisso. Em contrapartida, criam-se projectos devidamente estruturados e há um apoio efectivo da equipa da Biblioteca em todas as fases do desenvolvimento dos projectos. As “Histórias do Mar” estão agora disponíveis na Biblioteca Municipal, enriquecendo a informação sobre o património cultural imaterial que estamos empenhados em preservar, tanto em suportes tradicionais como em ambiente digital. É por isso muito gratificante para mim constatar que os responsáveis do curso e os alunos contribuíram para enriquecer a herança cultural da sua comunidade. A Cultura é simultaneamente factor de diferenciação dos territórios e de atractividade turística e disso estão bem conscientes os futuros animadores culturais envolvidos neste projecto. À bolina na Animação Sociocultural Jorge Curto

Quando fui desafiado pela Alexandra Carneiro para colaborar neste projeto que ela desenhou para a turma de Animadores Socioculturais da nossa escola, devia logo ter suspeitado de que esta sua iniciativa iria assumir outros contornos; não por duvidar da qualidade e alcance do seu trabalho ou por antecipar a saudável tendência para as suas ideias extravasarem a mera experiência em contexto de sala de aula, mas sim porque não me estava a ver escrever estas linhas para serem aqui apresentadas. Mas enfim, como estou convicto de que a verdadeira Animação passa também por aqui, tento ensinar os meus alunos que não se deve desperdiçar uma boa ideia e, imbuído

de um espírito aventureiro, tento eu próprio dar o exemplo e parto à descoberta de outros mares. Espero, sinceramente, que não estejam à espera de um rasgo de genialidade artística ou de uma entusiasmante escrita ou ainda de um cativante relato que arrebate a vossa imaginação; o intuito desta comunicação é, tão simplesmente, descrever o processo e as fases pelas quais passou este projeto e deixar aqui o testemunho e uma reflexão pessoal sobre o trabalho desenvolvido. Zarpámos para esta viagem com a ideia de entrevistar pessoas, de variadas faixas etárias mas que, em comum, tivessem histórias ligadas ao mar para contar. Munidos de câmaras fotográficas e de filmar (muito poucas) mas sobretudo de telemóveis, os nossos alunos começaram por cartografar possíveis destinos onde pudessem desembarcar e descobrir como, em tempos passados, as gentes da zona da Póvoa experienciavam as atividades marítimas. Deste modo aportaram em cais de pescadores, vendedoras de pescado, sargaceiras, veraneantes, e outros que, cada um à sua maneira, viveram do mar e para o mar. A recolha destes testemunhos efetuou-se em condições, diria eu e continuando a aproveitar a semântica que até aqui nos trouxe, por vezes... tempestuosas. Mas tal como os mareantes de antanho, começa-se por navegar à vista antes de conseguir a necessária perícia para navegar à bolina. Durante este percurso, apercebemo-nos do quão precioso é ter um mapa bem desenhado das rotas que temos de percorrer até chegar ao nosso destino; dito de outra maneira, sentimos a necessidade de restringir a informação obtida, pois algumas das dificuldades com que nos deparámos foi que o material recolhido era tão rico, mas por vezes demasiado vasto, pouco aprofundado, repetitivo o que, por vezes, fazia com que nos perdêssemos. Daí a importância de debater e delimitar o âmbito e os conteúdos da entrevista, escolher bem o tipo de perguntas a fazer, de modo a que o protagonismo seja dado ao entrevistado, concedendo-lhe tempo para se exprimir, com as suas pausas, os seus (sor)risos, as suas interjeições e exclamações... e fazer com que se consiga captar toda uma linguagem não verbal tão rica como aquela expressa nas suas palavras. Uma outra dificuldade teve que ver com a arte de navegar; não basta estar ao leme, mas temos de posicionar o barco de forma a aproveitar o vento da melhor forma possível, sabendo que alguns pequenos ajustes aqui e ali evitam uma viagem mais sinuosa e acidentada; o posicionamento da câmara, bem assente, apanhando o entrevistado de proa e o entrevistador fora do seu alcance, à popa, olhando-o de frente e atento à rota, permitindo que o convidado se desvie mas, com arte e engenho trazê-lo de novo ao rumo traçado ou, até, aproveitar para explorar um outro percurso;

o posicionamento da luz... quando o sol está de frente ofusca-nos, impede-nos de ver o caminho e de avistar terra; por fim, quando a entrevista se faz em plena tempestade, o bramir dos elementos circundantes são impeditivos de uma boa comunicação; o segredo está em procurar climas mais amenos. Os apetrechos e aparelhagem de navegação postos ao nosso dispor são, também eles, muitos e variados. Exigem alguma perícia e conhecimentos para saber operar com eles e deles aproveitar as suas potencialidades. Ao fazer o registo vídeo das nossas viagens, acabámos por ficar com uma multiplicidade de ficheiros que, depois, é necessário passar para computador (nada que um simples cabo de dados não resolva). As complicações começaram com a análise deste conjunto de informações dispersos por ficheiros em vários formatos, de diferentes tamanhos, resoluções diversas com imagem mais ou menos bem definida que vamos ter de tratar, em primeiro lugar. Este pode ser um processo moroso, que pode absorver muito tempo e pode implicar várias tentativas de conversão até acertar com aquele formato, aquela resolução e aquelas propriedades que permitem, posteriormente, compor e editar o filme propriamente dito. Por os alunos não terem, ainda, adquirido este conhecimentos e porque, volto ao início, este trabalho destinava-se a ser apresentado em público e pretendia-se que se constituísse como um (modesto) contributo para a preservação da nossa memória coletiva, esta tarefa de edição final do filme foi, especificamente, a minha participação. Atualmente, todos os alunos tem a possibilidade de, através de software disponibilizado em qualquer computador, fazer uma edição básica de um filme. Simplesmente essas ferramentas são muito limitadas nas suas possibilidades de edição e, como qualquer Animador, não queremos apenas que o nosso trabalho seja bom... queremos, também, que seja bonito. Com tudo isto, pudemos gritar “Terra à vista” no passado dia 1 de Junho com a apresentação pública do filme. Porém, como em qualquer viagem, o mais importante não é tanto chegar ao destino como apreciar o percurso por tormentoso que às vezes este possa parecer. E o que resultou deste percurso, foi enriquecedor, gratificante e válido. Enriquecedor, porque nos confrontou com outras realidades, aquela vivida pelas gerações mais antigas que constituem o nosso passado e que ajudaram a moldar a nossa realidade presente. Gratificante, pelas aprendizagens que foram sendo feitas: como preparar uma entrevista, como conduzi-la, em que condições se deve fazer, que ferramentas utilizar para depois facilitar a sua edição... Válido, porque não somente demos o nosso contributo para perpetuar a memória do nosso passado como também ficamos na posse dos meios para fazer mais e melhor... mesmo quando os ventos não são de feição.

A voz dos alunos… Contributo de Ana Catarina Craveiro

Quando a Professora nos informou que o Dr. Manuel propôs este trabalho ninguém pensou que ia resultar no projeto que resultou. No início a ideia era cada aluno da turma conseguir uma entrevista com uma pessoa que soubesse algo relacionado com o mar. Mas os professores e o Dr. Manuel ficaram tão motivados depois de verem alguns trabalhos que quiseram avançar com isto e mostrar à população poveira o que nós conseguimos recolher. Eu e a minha colega, a Ana Silva, fomos escolhidas para produtoras executivas e tivemos que conseguir por o projeto a andar para a frente com a ajuda do professor Jorge e da professora Alexandra. Tínhamos que organizar a turma, avaliar quem se empenhava mais e quem se empenhava menos, isto tinha que resultar num filme. Então nós decidimos criar grupos de 3 pessoas e cada grupo ficou responsável por trabalhar com 3 vídeos, tinham que cortar as partes mais importantes a incluir no filme final. Quando conseguimos ter os vídeos cortados passamos para a edição, que era com o professor Jorge. Enquanto estávamos a tratar da edição dos vídeos para dar origem ao filme, decidimos propor que existissem 3 temas mais específicos que organizassem os testemunhos sobre o mar. Mais tarde, quando já estava tudo pronto, fomos convidar os nossos entrevistados para eles irem ver o documentário e também distribuímos cartazes informativos pela Póvoa para que os interessados pudessem assistir a um pouco daquilo que a nossa Póvoa tinha e que “não devíamos deixar morrer”. Tal como referi no dia da apresentação [1 de Junho de 2012, Diana Bar] quero sublinhar o facto de nós, a juventude poveira, darmos pouco valor à cultura da Póvoa e só quando formos mais velhos talvez vejamos aquilo que deixamos para trás.

Histórias do Mar pode ser visto em: http://player.vimeo.com/video/45269683 ou http://www.maissemanario.pt/index.php?page=news&idn=4138&city=pvz

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