Historico de Nagorno Karabakh e obstaculos para a paz

June 8, 2017 | Autor: Igor Patrick Silva | Categoria: Caucasus, The Nagorno Karabakh Conflict
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Histórico de Nagorno-Karabakh e obstáculos para a paz
Por Igor P. Silva

O recente acirramento das disputas territoriais entre Ucrânia e Rússia despertou a atenção da população ocidental para uma série de conflitos congelados com o fim da União Soviética. A identificação com as partes somada à proximidade dos países envolvidos ao costume da porção oeste do globo, faz da rixa entre Kiev e Moscou uma prioridade no debate internacional. Azerbaijão e Armênia - na caixa de "países exóticos" - não têm recebido atenção das Potências, uma negligência que pode custar mais que a instabilidade no local, mas a manutenção da paz no mundo inteiro.

Com histórico secular, o conflito entre os dois países ceifou ao menos 30 mil vidas nos seis anos de guerra formal (1988-1994), de acordo com as estimativas mais modestas dos próprios governos. As tensões, no entanto, datam de séculos antes e permanecem mesmo após o cessar-fogo.

Histórico

Azerbaijão e Armênia estão localizados em uma faixa de 1200 quilômetros de cadeias montanhosas entre os mares Negro e Cáspio. O Cáucaso, como é chamado, é a interseção entre a Europa Oriental e a Ásia Ocidental e pela posição estratégica de "esquina do mundo", sempre foi objeto de cobiça.

Até 1722, a população armênia estava distribuída ao longo de todo o Cáucaso, sob domínio dos impérios Turco e Persa, principalmente em regiões pouco habitadas para evitar que inimigos se servissem de provisões em uma eventual guerra. A gradual expansão do czar russo Pedro I mudaria este status quo. Depois de conquistar as cidades de Derbente e a atual capital azeri, Baku, Pedro I concedeu aos armênios o direito de estabelecer assentamentos ao longo de toda a cadeia montanhosa "livre de perseguições". A estratégia de integração dos armênios ao Império Russo foi perpetuada por descendentes do czar e usada para forçar as fronteiras do domínio russo até os Balcãs, Oriente Médio e parte do Sudoeste Asiático.

Com o status de canato independente desde a queda dos Afsharidas e da morte de seu líder, Nader Xá em 1747, Nagorno-Karabakh foi uma das regiões mais afetadas pelo expansionismo czarista e a aproximação com os armênios. Ao final da Guerra Russo-Persa (1804-1813), com a vitória de Alexandre I e a assinatura do Tratado de Gulistan, o Azerbaijão é oficialmente dividido e conquistado. A Pérsia perde o controle sobre os canados de Karabakh, Gandja, Shekeen, Shirvan, Derbente, Kouba, e Baku. O acordo é reforçado anos mais tarde com o Tratado de Turkmenchay.

É interessante observar que os dois documentos deixam explícitos que a conquista russa se dá sobre terra azeris. Nenhum dos tratados faz qualquer menção a terras armênias, contradizendo a falácia da autodeterminação, usada para reclamar Nagorno-Karabakh posteriormente.

Ao contrário, o 15º artigo do Tratado de Turkmenchay abriu precedentes para que armênios ocupassem o norte do Azerbaijão, ao permitir que a população no Irã viajasse até a Rússia por um ano, carregando todos os seus bens sem taxação de impostos. Armênios sob jurisdição do Império Otomano começam então, a partir de 1929, a se estabelecerem em Karabakh. De acordo com um documento assinado pelo chefe das tropas russas no Cáucaso, Aleksey Petrovich Yermolov, 15 mil das mais de 20 mil famílias na região eram azeris, com armênias somando pouco mais de 4300. Calcula-se que pelo menos 90 mil armênios teriam se estabelecido no antigo canato.

Com o colapso do regime czarista após a Revolução Russa, azeris declaram em maio de 1918, a criação da República Democrática do Azerbaijão, reclamando sua soberania também sobre a porção norte do território. Independente meses depois, a Armênia segue a orientação do presidente americano Woodrow Wilson na Conferência de Paz de Paris e declara como fronteira nacional, territórios "historicamente ligados aos armênios", originando o conflito que se estende até os dias atuais. A filosofia, porém, não era nova: a "autodeterminação armênia" já era interesse nacional desde que a Sérvia, a Romênia e o Montenegro declararam independência, durante a Guerra Russo-Turca.

Durante uma visita do ministro das Relações Exteriores do Império Otomano, o líder do Parlamento Azeri, Alimardan Topchubashov, reconheceu a ocupação mista de Karabakh como resultado das guerras russas, afirmando no entanto que os armênios não eram nativos da região.

Ao princípio, buscou-se uma solução pacífica, mas um massacre promovido por membros da Federação Revolucionária Armênia no final de 1919/início de 1920 colocou por terra qualquer tentativa de acordo. Um banho de sangue contra civis foi perpetrado no distrito de Zangezur. Vilas no distrito de Djavanshir também foram sumariamente atacadas por armênios, que assassinaram muçulmanos azeris residentes. Já em março de 1920, armênios promoveram uma revolta separatista no distrito de Shushua. O levante - supostamente orquestrado com a ajuda dos bolcheviques que se preparavam para conquistar novamente o território azeri - levou a um violento conflito.

Enfraquecido e com questões militares em dois frontes, o Azerbaijão sucumbiu ao 11º Exército Vermelho e foi novamente integrado ao seu território, agora como parte da União Soviética.

Enquanto parte do governo soviético, Nagorno-Karabakh recebeu o status de Oblast autônomo depois de uma série de discussões sobre as fronteiras azeris pelo Escritório do Cáucaso Central. A resolução do dia 5 de julho de 1921, que colocou o Oblast como parte da RSS Azeri, é até hoje contestada pela Armênia, que vê em Stalin o principal motivador da decisão. Nas palavras oficiais do Ministério das Relações Exteriores armênio, a ação é "um ato jurídico sem precedentes na história do direito internacional, quando o órgão partidário de um país terceiro, sem qualquer base jurídica ou autoridade determinou o estatuto de Nagorno-Karabakh". O Azerbaijão nega, apontando que o próprio líder bolchevique Serguei Kirov, por exemplo, se mostrou contrário à resolução no início, sendo seguido por colegas do partido posteriormente.

Ao longo de todo o período sob domínio soviético, o Azerbaijão e a Armênia continuaram travando batalhas políticas, tendo o Kremlin como mediador de suas questões. Em 1988, durante o período da reforma do líder soviético Gorbachev - a Perestroika -, a assembleia local de Stepanakert aprovou uma resolução solicitando a reunificação de Nagorno-Karabakh com a Armênia, baseando-se na maioria étnica indo-européia e cristã que habitava a região. Como já mencionado, a maioria foi construída através de imigrações armênias, motivo pelo qual o Azerbaijão rejeitou a medida. De fato, o especialista em História Antiga do Sul do Cáucaso, Robert Hewsen, provaria 2 anos depois que - embora o Azerbaijão fosse constantemente acusado em conversas com os armênios de "falsificar a história" e a despeito do estabelecimento de persas e medos na região no início do primeiro milênio - a maioria populacional não era constituída por indo-europeus (etnia armênia) naquela época.

Azeris protestavam pacificamente próximos ao assentamento de Askeran, contrários à resolução quando armênios abriram fogo. Dois jovens azeris morreram, contabilizando as primeiras vítimas do conflito se tornaria militar dali a poucos anos.

Em 1 de Dezembro de 1989, o parlamento da Armênia e os representantes de Nagorno-Karabakh assumiram unilateralmente a tarefa de reunir Armênia e Karabakh. O plano foi levado a cabo com base no "Procedimento acerca da Secessão relativa de uma República Soviética da URSS", editado em 1990 e que concedia às regiões autônomas e as minorias étnicas, o direito de se separar da República e determinar o seu estatuto futuro. Com o enfraquecimento de Gorbachev e o fim da União Soviética, Armênia e Azerbaijão se declararam independentes em 1991. Sem um mediador poderoso intervindo na questão, as duas nações subiram a retórica militarista em torno da disputa territorial.

Em 2 de setembro do mesmo ano, Nagorno-Karabakh, em conjunto com a região do Shahumyan, declarou-se como uma República independente. Um referendo foi realizado em 10 de dezembro de 1991 e os armênios de Nagorno-Karabakh aprovaram a criação do estado independente. O certame foi boicotado pelos azeris e não possui sua validade internacional reconhecida. Sem acordos, é detonada a guerra total entre o Azerbaijão e Nagorno-Karabakh, apoiada fortemente pela Armênia.

É também nesse período em que se ocorre um dos maiores massacres já documentados pós-Guerra Fria. Durante a madrugada do dia 26 de fevereiro de 1992, forças armênias em conjunto com o Regimento de Infantaria nº 366 do antigo exército Soviético invadiram a cidade de Khojaly, resultando em 603 mortos, 63 destes crianças. Dias depois, o Ocidente seria sacudido com relatos do acontecimento. "Novas provas de um massacre de civis por militantes armênios em Nagorno-Karabakh [...] Dúzias de corpos espalhados pela região acrescentaram credibilidade à denúncia do Azerbaijão. Escalpelamento foram reportados", noticiou o The New York Times no dia 2 de março. A Revista Times dava conta das primeiras estatísticas e da brutalidade do ataque. "Até agora, cerca de 200 azeris mortos, muitos deles mutilados, foram transportados para fora da cidade [...] A explicação oferecida pelos armênios, que insistem que nenhum inocente foi deliberadamente morto, é pouco convincente", completava a publicação.

Como resultado, a limpeza étnica destruiu famílias e mutilou os que sobreviveram. O Azerbaijão luta até hoje pelo reconhecimento do ataque como um genocídio, uma vez que as vítimas foram executadas exclusivamente pela nacionalidade.

Dando prosseguimento ao conflito, a Armênia capturou mais regiões do Azerbaijão em torno de Nagorno-Karabakh, dominando algo entre 14 e 20% dos territórios azeri. Cerca de 30 mil pessoas morreram, 50 mil ficaram feridas e outras 700 mil tiveram que abandonar suas casas, deslocando-se internamente. O Governo azeri também calcula que atos terroristas armênios perpetrados contra a população do Azerbaijão em metrôs, ônibus, trens de passageiros e aviões, mataram 343 e feriram outras 394 pessoas. Em resposta, o Conselho de Segurança da ONU aprovou em 1993, quatro resoluções (822, 853, 874 e 884) pedindo a imediata desocupação das terras do Azerbaijão.

Em maio de 1994, já militarmente desgastado e com a capital Baku ameaçada, o Azerbaijão assinou uma trégua com a Armênia. O acordo foi mediado pela então Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, especialmente com a participação do Grupo de Minsk, composto por França, Rússia, Estados Unidos e criado 2 anos antes para buscar uma alternativa pacífica para a questão. Tecnicamente ainda em guerra, a linha de separação entre armênios e azeris é uma das mais militarizadas do mundo. Violações ao cessar-fogo são registradas frequentemente e dezenas de pessoas morrem todos os anos no local.

Obstáculos para a paz e perigo para o mundo

O sociólogo alemão Georg Simmel foi o primeiro a estudar e documentar um padrão comportamental que chamou de "atitude de reserva". Bombardeado por estímulos, o homem moderno teria desenvolvido um mecanismo de defesa que o blinda de estímulos, tornando-se impessoal, frio e indiferente. Romper essa bolha social requer empatia. A falta de reconhecimento do Ocidente para um dos principais conflitos territoriais no mundo é um entrave para a paz.

O Azerbaijão é apoiado pela Turquia - uma poderosa vizinha no contexto local - e possui nos Estados Unidos, um aliado financeiro e militar, já que os norte-americanos representam alguns dos principais investidores em terras azeris. A Rússia continua fornecendo armas para ambos os lado, mas, ao contrário do Azerbaijão, a Armênia pertence à Organização do Tratado de Segurança Coletiva, que inclui uma cláusula de defesa mútua em caso de ataque a um dos seus membros (compromisso também assumido pela Rússia nos acordos bilaterais em 2010). Na prática, uma guerra de proporções mundiais pode estourar, caso o Kremlin se veja obrigado a intervir.

Não por acaso, com o descongelamento de conflitos pós-soviéticos iniciado com a questão da Criméia, a retórica russa subiu o tom e mostrou o perigo potencial da violência em Nagorno-Karabakh no cenário internacional.

Após combates na zona do cessar-fogo em meados de 2014, o membro do conselho científico do Centro Carnegie de Moscou, Alexei Malashenko, declarou que não queria "apoiar teorias da conspiração", mas que não excluía a movimentação na região como parte de uma "jogada do Ocidente". O diretor do Centro de Estudos do Moderno Oriente Médio de São Petersburgo, Alexander Sotnichenko denunciou um possível envolvimento dos Estados Unidos no "descongelamento" do conflito", sob a alegação de que "um conflito latente nessa região é um bom instrumento de pressão tanto sobre os países da região, como sobre Moscou". As fronteiras do Azerbaijão compartilhadas com o Irã são outro risco às negociações de paz promovidas por Washington desde janeiro de 2014. Um eventual conflito armado pode militarizar e envolver várias nações no entorno, inclusive a de Hassan Rohani.

A Armênia acusa o Azerbaijão de fazer uma distorção seletiva da história e de demolir monumentos históricos importantes aos indo-europeus, colocando como condições para um tratado de paz o reconhecimento ao direito de autodeterminação do povo de Nagorno-Karabakh, a comunicação deste com a Armênia e a manutenção da segurança local por entidades internacionais. O Azerbaijão não aceita discutir quaisquer dessas questões antes do imediato cumprimento das resoluções do Conselho de Segurança da ONU e consequente desocupação de seus territórios invadidos.

As últimas negociações formais em torno de Nagorno-Karabakh aconteceram em 2007, quando os países concordaram com os Princípios de Madrid. Os pontos em discussão foram revisados em reuniões do Grupo de Minsk posteriormente, mas ainda seguem sem aplicação prática e nenhuma perspectiva de paz.

Conta-se que, ao roubar o fogo dos deuses e dar aos humanos, o titã grego Prometeu foi acorrentado a uma montanha azeri por Zeus enquanto uma águia comeria seu fígado todos os dias até a eternidade. De fato, nos subúrbios de Baku, o fogo surge de forma espontânea - seja no Templo e Ateshgah, seja na própria Montanha do mito -, crepitando silenciosamente. Parece representar o conflito de sua terra, igualmente perigoso e com potencial para incendiar boa parte do mundo a qualquer momento.












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