Holocausto - o aljube das recordações

June 1, 2017 | Autor: C. Henriques Pereira | Categoria: Holocaust
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14 Notícias de Colmeias - Fevereiro 2015

História e estórias de Colmeias 45

Celso Santos

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A HISTÓRIA E O TEMPO - 2

Maria de Jesus Jorge

(escrita com modelo

Carolina Henriques Pereira

do novo acordo ortográfico)

Maria de Jesus Jorge, nasceu no lugar de Eira Velha – Colmeias a 30 de Outubro de 1917. Era também conhecida por várias designações: a ti Maria do leite; a ti Ferradora; a ti Jorge; a ti Maria do Aires. Foi batizada na Igreja Paroquial de Colmeias. Era filha de Aires Jorge, da Eira Velha, nascido em 1888 e falecido aos 80 anos em Fevereiro de 1968; e de Adelina de Jesus Carpalhoso, da Eira Velha, falecida em Janeiro de 1967, desta não consegui saber a data de nascimento. Segundo esta Senhora, Maria Jorge, os seus pais morreram com a diferença de 13 meses um do outro. Esta nossa conterrânea teve os seguintes 3 irmãos: 2 irmãos gémeos falecidos poucas horas depois de terem nascido – o José e o Manuel; e uma irmã com 90 anos felizmente ainda viva (2014) – Gracinda de Jesus Jorge. Pelo facto de naquele tempo os filhos terem de ajudar os pais na lavoura e nas lides domésticas, e note-se que aos 7 anos já ela andava à frente das vacas, nunca chegou a frequentar a escola, aprendeu apenas com o seu pai a assinar o seu nome mas, segundo o que ouvi, também conseguia ler devagarinho qualquer coisinha ainda que das letras maiores. Uns meses antes de casar, era Verão, depois de andar na rega do milho até às 10 horas da manhã, juntamente com a sua irmã, Gracinda Jorge, partiu a pé para Fátima com a finalidade de comprar umas imagens encaixilhadas para enfeitar as paredes da casa, este procedimento era usual na altura dos casamentos, a estas imagens a Senhora Maria Jorge chamava santinhos; segundo ela, os mesmos foram comprados mesmo junto à Capelinha das Aparições. A quando desta entrevista, ainda pude ver um quadro desse tempo que representava o Sagrado Coração de Jesus, tão amado na nossa Paróquia de Colmeias. O regresso desta viagem a Fátima foi também da mesma maneira, a pé com o cavalo amarelo carregado de compras, é fácil de perceber que o cansaço foi grande nesse dia, e certamente que a chegada já foi bem perto da noite. É admirável a força desta Senhora, partir para Fátima a uma hora já adiantada do dia e, assim, obrigada a suportar a força do maior calor. É de notar que este cavalo amarelo era do seu pai, Aires, que o emprestava ao Padre Assis quando este precisava de se deslocar a certos lados, principalmente a Leiria, e o pagamento deste empréstimo do cavalo era feito com rações de milho, que o www.noticiasdecolmeias.com

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Notícias de Colmeias - Fevereiro 2015 15

Padre Assis recebia dos paroquianos, pois era assim que se pagava a pensão nesse tempo. Este cavalo era provido de muito boa inteligência, também era usado nos trabalhos da terra, sei que tirava água ao engenho, ou à nora, e é curioso o que sucedia com este cavalo – quando a água estava a terminar ele sentia a carga leve e desatava aos berros, como que avisando os do-

no recinto do Santuário, nesse tempo só pedras e barro, um peregrino desatou aos gritos, dizendo: “ai uma estrelinha tão linda no Céu, olhem que linda estrelinha!... lá vai ela, lá vai ela” – nesse momento toda a gente que ouviu o homem caiu de joelhos em terra e se pôs a olhar para o Céu, incluindo esta nossa conterrânea, se foi milagre ou não fica o mistério. Maria Jorge era

vezes, dizem que a cura era certa. Cura da Zipela – “Donde vens Pedro? – venho de Roma – que viste lá meu real senhor? – muita zipela e zipelão – volta atrás e vai curá-las – com quê meu real senhor – com 3 folhinhas de oliveira, 3 pinguinhas de água e 3 pinguinhas de azeite bento para alumiar o Santíssimo Sacramento”. No último Crisma realizado em Colmeias, no dia 7 de Setembro de 2014, Maria Jorge encontrava-se também nesta cerimónia, e quando o Senhor Bispo, António Marto, entrou na Igreja e viu esta nossa conterrânea, nesse momento dirigiu-se até ela e deu-lhe dois beijos, atitude que lhe vai ficar gravada para sempre no coração. Tem sido sempre uma senhora que transmite paz, mesmo quando afetada pelas mazelas da vida nunca mostrou ou mostra qualquer revolta, as filhas ao aperceberem-se de qualquer sofrimento dela, ao perguntarem-lhe o que se passa, ela diz sempre que está bem. As armas desta Senhora São vida longa e amor, Sem canudo é professora E mestra do seu labor.

nos que a água terminara. No dia 4 de Dezembro de 1943, Maria Jorge casou com o jovem, Luís Caetano (02/05/1912–20/08/1967), do lugar da Chã – Colmeias, este casamento aconteceu na Igreja Paroquial de Colmeias, e foi presidido pelo Pároco de então – Padre João Maria de Assis Gomes, o Padre Assis, como era mais conhecido. Os padrinhos deste casamento foram, do noivo: Manuel Caetano Novo, do lugar da Chã e Luís Caetano Novo, do mesmo lugar, é de notar que estes eram irmãos. As madrinhas da noiva foram: Uma Luísa, esposa do seu tio Manuel Carpalhoso, do lugar de Eira Velha, e uma Maria, também sua tia, do mesmo lugar, nada mais consegui saber destas duas madrinhas. Depois do Matrimónio, o casal foi residir para casa dos pais do noivo, no lugar da Chã. Deste casamento nasceram os seguintes filhos: Maria Luísa Jorge Caetano, nascida a 02/12/1944; Manuel Jorge Caetano (06/04/1946 – 10/02/2010), este como se vê já falecido. Agostinho Jorge Caetano, nascido a 10/11/1947; Maria Idalina Jorge Caetano, falecida aos 8 dias de idade; Emídio Jorge Caetano, nascido a 29/04/1953; Lurdes Maria Caetano, nascida a 02/03/1962. Numa certa peregrinação a Fátima, Maria Jorge foi testemunha de um possível milagre, que foi o seguinte: já

muito procurada para fazer determinadas curas através de orações e outras técnicas caseiras ou populares, aqui ficam dois exemplos: Cura do Cobrão – “Eu te escrevo, cobra ou cobrão, bicho ou serpente, seques daqui para trás e não andes mais para a frente, em louvor do Santíssimo Sacramento, Pai Nosso Avé Maria”. Esta oração poderia ser recitada várias vezes, mas tinha de terminar sempre em número ímpar, 3 vezes, 5 vezes e por aí fora; enquanto durava esta oração, uma faca de costas roçava em circulo por cima de toda a zona da pele afetada e, na maior parte das

São muitos anos de vida, Noventa e sete feitos, Metida na sua lida Por entre passos direitos. Senhora Maria Jorge De respeitável linhagem Já fez um longo caminho E continua em viagem. Parabéns pelos noventa Com a soma de mais sete E muitos mais aguenta Pois sua vida promete.

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[email protected] Compreender a vida humana é uma tarefa complexa e inacabada. Assim o é, sobretudo, quando ao tentarmos entendê-la a dispomos num bloco uniforme de comportamentos e sensações raramente adaptáveis a situações completamente antagónicas. Ao pensarmos o sofrimento humano impõem-se-nos os grilhões do tempo, um tempo em constante renovação e onde as recordações e as memórias comuns permanecem aprisionadas. O acto de recordar é mais que a simples lembrança ou memorização, representa a nulidade do esquecimento. As palavras ideográficas, por sua vez, ao apresentarem-se como âmago explicativo de genuínos acontecimentos acabam por manifestar-se numa amálgama de recordações e memórias apenas parcialmente decifráveis. Tal acontece quando interiorizamos o valor significativo das palavras «Holocausto» e «Shoah». Holókauston designa em grego, o acto de consumação pelo fogo. A palavra aqui brevemente definida à primeira vista nada é mais que a significação de algo, ainda que contenha antecipadamente uma conotação, todavia negativa. Porém, a sua conexão histórica transcende esta incompleta definição. Outro vocábulo com este relacionado é a palavra hebraica Shoah, bem mais expressiva pelo seu significado nefasto e catastrófico. Ambas representam ideograficamente recordações, memórias e acima de tudo, a vida e o sofrimento humanos de um tempo não esquecido. São a corporalização escrita de um acontecimento histórico perpetrado conscientemente por homens comuns, como aqueles com que diariamente nos cruzamos nos vários recantos de uma qualquer cidadela. O maior perigo, ainda hoje, é considerarmos estes homens como monstros inconscientes. Deixemo-nos de ilusões e tratemos as coisas como elas são. Olhemos para estes homens como cidadãos nacionalistas, como trabalhadores habilitados e organizados, como pais, filhos, netos. Seres impiedosos, efectivamente, mas que não deixavam

antes de tudo o resto de serem seres humanos conscientes das suas acções e das futuras consequências dos seus actos. No Holocausto não há nada de inconsciente ou de fortuito, tudo resultou de um projecto ideológico e propagandístico calculado ao milímetro com réguas e esquadros de profunda vexação que delinearam e ceifaram vergonhosa e catastroficamente a

talvez seja este o que mais choca não exclusivamente pela sua dimensão e propagação assustadora, mas igualmente pela carga simbólica que legou à história da Europa e do mundo. Ao evocarmos a responsabilidade cívica e moral por esta catástrofe estaríamos quase que a esvaziar a Europa. Muitos foram aqueles que directa ou indirectamente, pactuaram com

clusive, Portugal (que já tinha conhecimento da deportação, desde 1941) deverão continuar a estar isentos de culpa? Muita informação era abafada e censurada, mas os governos sabiam-no. Os campos de extermínio, que celebram este ano setenta anos de libertação, e de que hoje tanto falamos, são apenas o culminar de um longo processo de extermínio e não a sua única

Após a libertação de um campo de concentração, uma enfermeira da Cruz Vermelha cuida de um sobrevivente, 10 de abril de 1945 - CORBIS IMAGES vida de seis milhões de judeus e de tantos outros indivíduos, homens, mulheres, crianças, ciganos, negros, deficientes. Sabemos por certo, que o Holocausto nazi não é um acontecimento único na história. Outros genocídios são conhecidos e estão documentados, porém,

este «empreendimento» enviando famílias e comunidades inteiras para a morte. Recordemos sempre que tanto os países do Eixo como os países Aliados tinham informações das deportações dos judeus e dos crimes perpetrados pelos nazis. Países como os EUA, a Inglaterra e in-

expressão. O campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polónia, permanece um aljube de inúmeras recordações à semelhança de muitos outros campos de extermínio espalhados por toda a Europa. O Memorial and Museum Auschwitz-Birkenau (Polónia), o Yad Vashem Ho-

locaust Memorial Museum (Israel) e United States Holocaust Memorial (EUA) são alguns dos edifícios memoriais que relembram as vítimas do Holocausto. Detêm a responsabilidade histórica e humana pela preservação destas recordações aprisionadas no interior da alma humana e encerradas em ruínas de dor e sofrimento. Não obstante, cabe-nos igualmente a nós, cidadãos, resgatarmos das profundezas do passado a memória destes indivíduos. Como referiu, certa vez, Paul Ricoeur, «Graças ao trabalho de memória, completado pelo de luto, cada um de nós tem o dever de não esquecer mas de dizer o passado, de um modo pacífico, sem cólera, por muito doloroso que seja» (RICOEUR, Paul – Memória, história, esquecimento, 2003). Um dos poemas mais humanos que conheço foi escrito por um sobrevivente do Holocausto. Sobrevieram-lhe recordações e memórias igualmente aprisionadas, a que o tempo não deu resposta nem sossego. Este seu poema memorialístico pode ser visto como a máxima expressão da exteriorização do aljube de recordações que em tempo algum, tombarão no esquecimento. Se isto é um Homem «Vós que viveis tranquilos/ nas vossas casas aquecidas,/ vós que encontrais regressando à noite/comida quente e rostos amigos,/considerai se isto é um homem:/quem trabalha na lama,/ quem não conhece a paz,/quem luta por meio pão,/quem morre por um sim ou por um não./Considerai se isto é uma mulher:/ sem cabelo e sem nome,/sem mais força para recordar,/vazios os olhos e frio o regaço,/como uma rã no inverno./Meditai que isto aconteceu./ Recomendo-vos estas palavras,/esculpi-as no vosso coração,/estando em casa, andando pela rua,/ao deitar-vos e ao levantar-vos./Repeti-as aos vossos filhos./ Ou que desmorone a vossa casa,/ que a doença vos entrave/que os vossos filhos vos virem a cara». (Primo Levi, Se isto é um Homem, 2010). www.noticiasdecolmeias.com

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