Hormônios de crescimento diplomático

June 29, 2017 | Autor: F. Chagas-Bastos | Categoria: Brazil, Israel, Brazilian Foreign policy, Itamaraty
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QUINTA-FEIRA, 24.07.2014

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS* Hormônios de crescimento diplomático

O

Oriente Médio chacoalha mais do que pesadamente nos últimos meses. Síria, Iraque e Israel afundam-se em problemas cada vez mais difíceis de resolver. Ao mesmo tempo, a comunidade internacional assiste, entre apreensiva e relapsa, a um já continuado banho de sangue, campos de refugiados que só fazem aumentar e incessantes acusações. Há uma velha piada que diz “a diplomacia é feita de espelhos e fumaça”. O interessante, quando a fumaça se dissipa e os espelhos se quebram, é que os diplomatas resolvem falar verdades (por óbvio, com toda a cordialidade que lhes é característica). Os últimos abalos na reputação de Israel, provocados pelos 700 palestinos mortos na nova ofensiva do exército contra o Hamas, derrubaram alguns espelhos e alguns cacos atingiram Brasília. Ontem, 23 de julho, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou uma resolução sobre Gaza e os Territórios Palestinos Ocupados por 29 votos a favor, 1

contra e 17 abstenções. Repassando a lista dos principais votantes antes de breves comentários: i) sim: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, acompanhados por outros países da América Latina e da África; ii) abstenções: Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Japão e Coreia do Sul; iii) não: Estados Unidos. Explicações: Abster-se não significa virar as costas ao problema, mas sim uma discordância amenizada - outros interesses diretos podem impedir um “sim”, uma posição mais enfática. Antes de demonizar os Estados Unidos, é preciso lembrar que são aliados históricos de Israel e não seria desta vez que a política externa norte-americana mudaria completamente. No mesmo dia, seguindo sua postura no CDH, o governo brasileiro divulgou nota na qual condena “energicamente o uso desproporcional da força por Israel na Faixa de Gaza, do qual resultou elevado número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças”. Reprimenda completada pela convocação do embaixador brasileiro em Tel-Aviv para consultas. A fumaça das bombas israelenses parece ter finalmente acordado a chancelaria brasileira... um pouco tarde talvez. Hoje, o porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores de Israel, Yigal Palmor, disse que “essa é uma demonstração lamentável de por que o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua sendo um anão diplomático”. E como se não fosse muito, emendou “o relativismo moral por trás dessa atitude faz do Brasil um parceiro diplomá-

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tico irrelevante, que cria problema ao invés de contribuir para solucioná-los”. Espelho partido, os cacos atingiram em cheio o autoproclamado gigantismo do Brasil. Israel demonstra sinais de fadiga. Ao atacar o Brasil, piora sua imagem num mundo onde a informação é fator importante para a guerra. Uma luta que se diz defensiva, perde cada vez mais terreno ideológico quando fecha canais de negociação, quando viola os Direitos Humanos atacando escolas das Nações Unidas e, para limitar os exemplos, quando reage violenta e desproporcionalmente ao se defender dos ataques do Hamas. Para Tony Judt (importante historiador britânico, judeu, morto em 2010), os avanços econômicos e sociais angariados ao longo de quase sete décadas do Estado de Israel não trouxeram a sabedoria da idade. Ao contrário, o país se comporta como um adolescente delinquente e inconsequente que não se importa com suas ações e tampouco com a opinião do mundo. Ao invés de dirigir a verborragia para Chile ou Bolívia (que cortou correntes de comércio e deu declarações mais duras que a do Brasil, respectivamente), atores não tão relevantes, preferiu acertar o irmão grande da América do Sul. Irrelevante. Também é verdade que o Brasil, em grandes questões do Médio Oriente, não tem o melhor dos históricos. O envolvimento na região é tímido. A última grande tentativa

de influir nos rumos dos conflitos na região foi uma ação coordenada com a Turquia, que traçava um plano para o controle do desenvolvimento nuclear do Irã, prontamente rechaçada pelos Estados Unidos. Entra para o rol de fatos que enfraquecem a boa imagem do Itamaraty no mundo - a posição claudicante com a questão síria pode ser colocada nesta conta. O país reluta a pagar os custos da potência que se arroga. Ao fim do dia, palestinos continuam a ser massacrados pelo exército de Israel, o Hamas continua a lançar seus foguetes, e o Brasil não faz mais que emitir notas tardias. No calor dos acontecimentos, é provável que a chancelaria israelense tenha se inspirado na crônica esportiva brasileira dos últimos dias para compor sua declaração. Há uma crônica falta de hormônios de crescimento diplomático a ambos. As doses funcionariam para crescer de vez e se posicionar assertivamente no mundo, e para não mais precisar esconder o nanismo atrás da maior potência do mundo.

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS É É PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS (UFGD) E DOUTORANDO EM INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

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