Husserl e o projeto de psicologia descritiva e analítica em Dilthey

July 21, 2017 | Autor: Savio Peres | Categoria: Phenomenology, Wilhelm Dilthey
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Peres, S. P. (2014). Husserl e o projeto de psicologia descritiva e analítica em Dilthey. Memorandum, 27, 12-28. Recuperado em ___ de ___________, ______, de www.fafich.ufmg.br/memorandum/a27/peres01

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Husserl e o projeto de psicologia descritiva e analítica em Dilthey Husserl and Dilthey’s project of descriptive and analytical psychology

Savio Passafaro Peres Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Brasil

Resumo O artigo busca elucidar alguns elementos da relação entre Dilthey e Husserl concernentes ao tema da psicologia descritiva. Para ambos os autores, a investigação das formações culturais exige, para sua fundamentação, a abordagem da vida psíquica do sujeito. Em primeiro lugar, o artigo expõe alguns elementos históricos da relação entre Husserl e Dilthey. Em segundo lugar, apresenta o projeto de Dilthey em sua obra Ideias para uma psicologia descritiva e analítica. Ao final, é discutida a avaliação de Husserl frente às concepções de Dilthey, bem como as diferenças e as relações entre a concepção hermenêutica de Dilthey e a concepção da psicologia fenomenológica husserliana, entendida como ciência eidética. Palavras-chave: Wilhelm Dilthey; Edmund Husserl; hermenêutica; psicologia fenomenológica Abstract The article aims to clarify some elements of the relationship between Dilthey and Husserl regarding the topic of descriptive psychology. For both authors, the investigation of cultural formations requires, in its foundation, the approach of the subject’s psychic life. Firstly, the article exposes some historical elements of the relationship between Husserl and Dilthey. Secondly, it presents Dilthey’s project in his work “Ideas for a descriptive and analytical psychology”. At last, Husserl's view of Dilthey’s psychological conceptions is discussed as well as the differences and relations between Dilthey’s hermeneutic conception and Husserl's conception of phenomenological psychology, understood as an eidetic science. Keywords: Wilhelm Dilthey; Edmund Husserl; hermeneutic; phenomenolofical psychology

Elementos históricos da relação entre Husserl e Dilthey A relação intelectual entre Husserl e Dilthey é complexa e não pode ser abordada sem se tomar vários cuidados quanto ao período em que se dá a relação. Por essa razão, irei apresentar brevemente alguns meandros da relação intelectual entre os autores. Em 1894, quando Dilthey (1833-1911) publica Ideias para uma psicologia descritiva e analítica (1833-1911), ele já era uma figura notória da filosofia alemã, ao passo que Husserl, nesta época, era um jovem professor obscuro da Universidade de Halle, conhecido com um simples discípulo de Brentano e Stumpf. Enquanto Dilthey está elaborando um novo projeto de psicologia destinado a fundamentar epistemologicamente as ciências humanas, Husserl emprega o método psicológico descritivo de Brentano para a compreensão dos conceitos Memorandum 27, out/2014 Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP ISSN 1676-1669 www.fafich.ufmg.br/memorandum/a27/peres01

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fundamentais da aritmética (Husserl, 1891). Alguns anos depois, Husserl opera modificações ainda mais profundas no método psicológico brentaniano a fim de clarificar os conceitos fundamentais da lógica e da teoria do conhecimento, como podemos observar em Investigações Lógicas (1900, 1901). Apesar das diferenças de tema, interesse e método, havia entre ambos os pensadores importantes confluências teóricas, dentre as quais a mais notável é a abordagem descritiva da esfera das vivências. Embora confessadamente Husserl não tenha lido as Ideias para uma psicologia descritiva e analítica de Dilthey no período em que estava escrevendo as Investigações Lógicas, Husserl conheceu indiretamente seu conteúdo por meio da ácida resenha publicada pelo psicólogo experimental Hermann Ebbinghaus (1896). Ademais, Husserl havia lido uma obra anterior de Dilthey (1883/2010), Introdução às ciências humanas (Einleitung des Gesteiswissenschaften), sem, entretanto, apreciá-la, dado seu teor positivista (1925/1962, p. 34). Muitos anos depois, Husserl modifica sua posição com relação à obra de Dilthey, considerando-a um marco na história da psicologia (1925/1962). Após a publicação do primeiro volume de Investigações Lógicas, em 1900, Husserl ganha certa celebridade no âmbito alemão devido a sua crítica ao psicologismo lógico. No segundo volume, publicado um ano depois, Husserl emprega o método fenomenológico, definido na ocasião como “psicologia descritiva”. Por efetuar uma incisiva delimitação entre lógica e psicologia e pelas penetrantes análises descritivas da intencionalidade, a obra logo se torna alvo de interesse de vários psicólogos, os quais viram em Investigações Lógicas a realização da ideia brentaniana, de acordo com a qual a psicologia descritiva serviria de etapa metodológica preliminar à psicologia experimental. Essa é uma das principais razões da influência de Investigações lógicas em várias das mais importantes escolas de psicologia experimental da época, como a escola da Denkpsychologie, de Wüzburg, liderada por Oswald Külpe (Spiegelberg, 1965). Enquanto Husserl publica Prolegômenos, Dilthey publica em 1900 sua obra O surgimento da hermenêutica, onde este último busca traçar o vínculo entre filosofia, psicologia e história. Alguns autores consideram que essa obra marca a virada hermenêutica do pensamento de Dilthey, inaugurando sua última fase de produção. Contudo, é preciso observar que a hermenêutica de Dilthey não é uma disciplina autônoma, mas sim internamente vinculada à sua ideia de psicologia como a ciência humana fundamental, como veremos. Ao que parece foi Stumpf, orientador de Husserl em sua tese de habilitação, quem recomendou a Dilthey, seu colega na universidade de filosofia de Berlin, a leitura de Investigações Lógicas (Spiegelberg, 1965, p. 122). O interesse de Dilthey por esta obra foi tamanho, que ele lhe dedicou extensivos estudos, ministrando, em 1904, seminários sobre ela. Um ano depois, em 1905, Dilthey ofereceu a primeira de uma série de conferências na academia de Berlin, “A estrutura psíquica”, em que afirmava que Investigações lógicas poderia ser entendida como o desenvolvimento e a realização de alguns insights presentes em suas

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Ideias para uma psicologia descritiva e analítica (Nazaré, 1987, p. 111). Ainda neste mesmo ano, Dilthey convidou Husserl, que estava em Göttingen, para se encontrarem em Berlin. Husserl, algumas décadas depois, narrou do seguinte modo seu encontro. Eu fiquei inicialmente não pouco surpreso de escutar pessoalmente de Dilthey que a fenomenologia, em particular a análise descritiva da segunda parte, especificamente fenomenológica, das Investigações Lógicas, estava em harmonia essencial com a sua “Ideen” e poderia ser considerada como a primeira peça para uma madura execução metodológica da psicologia que ele tinha em mente como um ideal. Dilthey sempre depositou grande peso sobre esta coincidência de nossas investigações, apesar dos diferentes pontos de partida, e mesmo já em idade avançada, ele retomou com entusiasmo juvenil uma vez mais as suas investigações acerca das ciências do espírito, as quais ele tinha deixado de lado (Husserl, 1925/1962, p. 35).

À medida que as análises fenomenológicas foram progredindo, Husserl, cada vez mais, foi tomando consciência de que Dilthey estava certo ao alegar a coincidência de fundo de ambos os projetos. Alguns anos após a publicação das Investigações Lógicas, Husserl se convence de que Dilthey estava certo em seu julgamento, “(…) a respeito da unidade interna entre fenomenologia e psicologia descritiva e analítica” (1925/1962, p. 35). Em uma carta pessoal de 1929, Husserl afirma que o encontro com Dilthey foi a fonte do impulso para a escrita de Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica (Spiegelberg, 1965, p. 122). Ora, a razão central desta inspiração é clara. A crítica de Dilthey à psicologia natural-explicativa contribuiu para Husserl se dar conta, por volta de 1907, de que em Investigações Lógicas, apesar de ele ter combatido a naturalização das ideias, ele não havia tratado do problema da naturalização da consciência. Ou seja, enquanto em Investigações Lógicas, Husserl combate a naturalização das ideias, apenas depois do encontro com Dilthey é que ele irá atacar aquilo ele denominará de “psicologismo transcendental”, decorrente de do projeto de se fundar a epistemologia sobre a base da consciência tomada como uma entidade natural. Em A Ideia de Fenomenologia (Die Idee der Phänomenologie) (1907/2008), Husserl irá defender a irredutibilidade das leis da consciência (ou leis da vida espiritual) a leis da natureza e, como consequência, a inadequação dos métodos das ciências naturais para a compreensão da consciência. O lugar onde pela primeira vez se observa de forma mais nítida a crítica à naturalização da consciência é no artigo publicado em 1911 na revista Logos, “Filosofia como ciência de rigor” (Philosophie als strenge Wissenschaft). Aí ele ataca, por um lado, o naturalismo, por outro lado, o historicismo como uma das formas de relativismo. Ao tratar do historicismo, Husserl faz referência explícita à Dilthey. O ponto central que entra na mira é o conceito introduzido por Dilthey de “Visão de mundo” (Weltanschauung), conceito esse que Husserl interpreta como uma tentativa falha de derivar a natureza da filosofia do estudo empírico da história (Makkreel, 1975, p. 277). Husserl aceita que a visão de mundo de um indivíduo e de um povo é condicionada pela situação histórica, mas isto não implica na Memorandum 27, out/2014 Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP ISSN 1676-1669 www.fafich.ufmg.br/memorandum/a27/peres01

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impossibilidade de uma filosofia como ciência rigorosa. Tentar derivar o conteúdo da filosofia da visão de mundo de um determinado grupo histórico-social implicaria em historicismo, cuja consequência seria o relativismo. Afirmar que a filosofia é um produto de fatores históricos seria tão absurdo quanto afirmar que as ciências naturais são dependentes apenas da situação histórica (e não da própria relação entre teoria e natureza). Ora, a validade de uma teoria física não deriva da história, mas da relação objetiva entre a teoria e o domínio sobre o qual ela versa. Que determinadas teorias físicas tenham sido sucedidas por outras teorias físicas, não implica em relativismo. É verdade que uma teoria física é condicionada pela visão de mundo, mas ser condicionada não significa ser determinada em seu conteúdo. Para Husserl, teorias não são meras formações culturais, mas unidades objetivamente válidas. Dois peixes mais dois peixes são quatro peixes e isso é válido independente da cultura. Ainda hoje é comum considerar que a crítica ao historicismo de Filosofia como ciência de rigor de 1911 sumariza a posição final de Husserl com relação a Dilthey, marcada pela completa rejeição do pensamento “historicista” e, como derivação, da própria história. Tratase, contudo, de um erro. Ao observarmos a correspondência entre os autores, logo percebemos o tom reconciliatório entre eles. Dilthey afirma que, de fato, ele é contra a ideia de uma metafísica supra-histórica, que buscasse colocar todo conhecimento humano em um único sistema. Contudo, a razão pela qual ele defende essa posição não reside, como havia afirmado Husserl, na mera constatação empírica de que houvesse várias visões de mundo ao longo da história, mas sim na reflexão filosófica sobre as mesmas. Dilthey afirma que ele era contra apenas à ideia de uma metafisica que tenha a pretensão de alcançar a coisa em si e integrar todas as ciências em um sistema absoluto. Husserl responde a carta em tom afável, afirmando que ele reconhecia que Dilthey estava certo ao atacar toda metafísica que pretendesse colocar uma coisa em si por trás dos fenômenos. Acrescenta que suas críticas (apesar de citar literalmente Dilthey no texto de 1911) não eram dirigidasespecificamente para ele, mas para uma sugestão perigosa contida em seus textos, a saber, a do relativismo. Husserl insiste para Dilthey que não há sérias oposições entre eles e que ele está confiante de que “uma longa conversa nos conduziria à plena concordância”. Husserl finaliza observando que o ponto a ser observado é que eles trabalhavam em problemas semelhantes, mas em níveis distintos. Enquanto ele próprio trabalhava no nível da estrutura dos elementos, Dilthey focava em uma análise fenomenológica de escala mais ampla, a morfologia e a tipologia das formações culturais (Makkreel, 1975, p. 277). Apesar do tom reconciliatório entre os autores, seria mesmo possível que uma longa conversa entre eles propiciasse plena concordância? Ao que parece, há uma diferença básica, difícil de ser contornada. Husserl entende que a fenomenologia poderia propiciar o fundamento tanto das ciências naturais quanto das ciências do espírito. Já Dilthey via com

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desconfiança toda tentativa de se encontrar uma unidade subjacente entre as ciências naturais e as ciências humanas. Assim, o projeto de Dilthey se limita ao embasamento das ciências humanas, não tendo nada ou pouco a dizer das ciências naturais. Em outubro de 1911, Dilthey morre, deixando incompleta sua obra, que será publicada ao longo das décadas subsequentes por alguns poucos discípulos. Husserl, por outro lado, ainda terá uma longa carreira intelectual, publicando importantes trabalhos, mas também deixando um grande número de manuscritos inéditos. Tendo isso em vista, não há razões para julgar que, em 1911, Husserl esteja em posse de seu parecer final a respeito de Dilthey. De fato, há, após 1911, dois escritos particularmente importantes, em que Husserl apresenta reflexões sobre o pensamento de Dilthey. O primeiro deles é Ideias II, cujo manuscrito inicial data de 1912, logo após a elaboração de Ideias I. O segundo escrito é Lições sobre psicologia fenomenológica (1925/1962), de 1925. Ambos os textos têm em comum o fato de conter longas seções dedicadas às ontologias materiais, em especial, a ontologia da alma (Seele). Neles, Husserl busca relacionar as análises de vivências com a estrutura do ser humano, em sua dimensão natural e cultural. Mas, dos dois textos, o de 1925 merece especial atenção, já que nele Husserl oferece uma discussão mais detalhada do pensamento de Dilthey. É sobre os comentários deste último texto que irei me apoiar, para clarificar a recepção de Husserl do pensamento de Dilthey. A apreciação husserliana das Ideias para uma psicologia descritiva e analítica A posição de Husserl nas suas Lições sobre Psicologia fenomenológica (1925/1962) a respeito de Dilthey pode ser sumarizada do seguinte modo. Dilthey foi o primeiro a ver que a psicologia naturalística era incapaz de abordar a complexidade da vida humana em sua concretude e em sua integração na história e na cultura. Em vista desta limitação, Dilthey sentiu a exigência de uma nova forma de psicologia, entendida não como ciência natural, hipotética e construtiva, mas como ciência humana, compreensiva, descritiva e analítica. Partindo desta exigência, Dilthey soube, segundo Husserl, apontar corretamente a direção em que a nova psicologia deveria seguir: ela deveria ser fundada na descrição do dado intuitivo. Em outros termos, a nova psicologia deveria ser fundada na experiência. Assim como a experiência exterior possibilita e sustenta as ciências naturais, a descrição da experiência interior propicia a base “empírica” às ciências humanas. Se por empirismo entende-se a aceitação do que é dado na experiência, é preciso não negar que a pessoa tem experiência também de sua própria vida interior, ou seja, de sentimentos, pensamentos, motivações, lembranças, etc. Segundo Dilthey, a descrição das vivências interiores não nos oferece átomos psíquicos, pois cada uma das vivências está integrada à totalidade da vida. Em outros termos, cada vivência é uma parte de um todo estruturado que se chama vida. Cada vida não só possui uma historicidade como está imersa e se constitui em uma cultura. Como cada

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vivência está contida em um horizonte de sentido, é necessária a tarefa de analisá-la e articulá-la conceitualmente a luz do todo. As Geisteswissenschaften Em 1883, com a publicação de Introdução às ciências do espírito (Einleitung in die Geisteswissenschaften), o centro das pesquisas de Dilthey se concentra nas tentativas de fundamentar as Geisteswissenschaften (ciências humanas ou ciências do espírito). Movendo-se nesta direção, Dilthey passa a entender que a psicologia deveria fundamentar as ciências do espírito. A novidade que se pode observar em 1894, com a publicação das Ideias para uma psicologia descritiva e analítica, é a compreensão, por parte de Dilthey, de que a fundamentação das ciências do espírito não pode ser efetuada a partir de uma psicologia entendida como ciência natural. Antes, entretanto, de mostrar o teor da crítica de Dilthey à psicologia naturalista e expormos as razões pelas quais Dilthey pensa que a psicologia descritiva e analítica deve fundamentar as ciências do espírito, é necessário compreender o que Dilthey entende por Geisteswissenschaften. Para isso, o primeiro passo é analisar o próprio termo, fonte potencial de equívocos. O termo “Geisteswissenschaften” é traduzido de várias formas ao português. Muitas vezes é traduzido literalmente, como “ciências do espírito”, mas também encontramos “ciências humanas”, “ciências morais”, “ciências socioculturais”, “estudos humanos”, “ciências sócio-históricas”, “ciências culturais”. Cada uma dessas traduções tem seus méritos, ainda que não estejam livres de problemas, pois cada uma delas carrega sugestões perigosas, que podem impedir uma primeira aproximação ao projeto de Dilthey. Dada essa situação, torna-se necessário estarmos informados da origem do termo e dos possíveis equívocos que podem surgir a partir dele. O termo “Geisteswissenschaften” foi empregado pela primeira vez por Dilthey em sua acepção

própria

na

obra

Introdução

às

ciências

do

espírito

(Einleitung

in

die

Geisteswissenschaften), de 1883. Entretanto, o termo foi introduzido na língua alemã algumas décadas antes. Segundo Makkreel (1975, p. 36), ele foi empregado pela primeira vez em 1849, em uma tradução para o alemão do Sistema de Lógica (1843) (System oflogic) de Mill. O tradutor optou pela expressão “Geisteswissenschaften” para traduzir a expressão inglesa “Moral sciences”. Contudo, existem diferenças entre as “ciências morais” e as “ciências do espírito” de Dilthey, pois estas últimas enquadravam um número maior de disciplinas. Incluía-se nas “Geisteswissenschaften” não só a psicologia, a antropologia, a economia política, o direito e a história, como nas ciências morais de Mill, mas também a filologia e estética (Makkreel, 1975, p. 37). Não raro o termo “Geisteswissenschaften” induz confusões com a doutrina de Hegel. A principal confusão se produz ao passar por alto que a expressão “Geisteswissenschaften” se encontra, em Dilthey, no plural, não se confundindo, portanto, com a expressão singular

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hegeliana “Geisteswissenschaft”. O uso plural do termo indica que Dilthey se afasta da concepção hegeliana de uma metafísica entendida como ciência filosófica totalizante e unificante. Dilthey rejeita veementemente a ideia de se construir um sistema metafísico totalizante que, numa vasta síntese, abarcasse todos os campos do saber, como a história, teologia,

ciências

naturais,

o

direito

etc.

O

projeto

de

fundamentação

das

“Geisteswissenschaften”, ao entender de Dilthey, não possui um sentido metafísico e especulativo, tal como há em Hegel. Pesando o que foi dito anteriormente, é agora necessário observar que o termo “Geisteswissenschaften” não tem correspondente plenamente adequado ao inglês, ao português e às demais línguas latinas. A tradução literal apresenta o problema de sua conotação espiritualista e religiosa, que o termo alemão “Geist” não necessariamente carrega. A tradução por “ciências culturais” revela-se como fonte de novos equívocos, dos quais o mais grave é o da confusão com as Kulturwissenschaften introduzida por Rickert (1863-1936), filósofo neokantiano da escola de Baden, com o qual Dilthey alimentou forte polêmica. No centro da polêmica entre os autores está a disputa sobre a adequada caracterização da psicologia. Rickert, contra Dilthey, defende a posição de que a psicologia deve ser considerada apenas como uma ciência natural, devendo, portanto, ser terminantemente excluída das Kulturwissenschaften (Hodges, 1952, p. 238). Dada essa situação, a tradução por “ciências humanas” conta com algumas vantagens. O termo “humanas” - ao invés de “do espírito”, “mentais”, “culturais” - dá a entender que é a vida concreta o centro unificador destas ciências. Isso se coloca de acordo com o modo como Dilthey compreende sua psicologia descritiva e analítica, a saber, como uma Realpsychologie, ou seja, uma “Psicologia real”, em que a vida psíquica não é mutilada em átomos psíquicos. Isso coincide também com o fato de que Dilthey caracteriza, por vezes, sua psicologia como “Antropologia”. É esta forma de psicologia que deve permanecer na base das Geisteswissenschaften. Como em língua portuguesa o termo ciência é um pouco mais amplo que o termo inglês “science”, é possível optar, apesar dos riscos, pela expressão “ciências humanas”. Feitos esses esclarecimentos, irei usar por vezes “ciências humanas” e por vezes “ciências do espírito”. A proposta de Dilthey em Ideias para uma psicologia analítica e descritiva Em seu ensaio, publicado em 1894, com o título “Ideias para uma psicologia analítica e descritiva” (Ideen über eine beschreibende und zergliedernde Psychologie), Dilthey buscou argumentar a necessidade de se distinguir duas ideias programáticas de psicologia. De um lado, a de uma “psicologia descritiva e analítica”, caracterizada pela análise descritiva do que é dado; de outro lado, a de uma “psicologia explicativa”, de viés naturalista, fundamentada na construção de hipóteses para explicar causalmente o que é dado.

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Entender-se-á por ciência explicativa toda a subordinação de um campo de fenómenos a um nexo causal por meio de um número limitado de elementos (isto é, partes integrantes do nexo) univocamente determinados. Este conceito indica o ideal de semelhante ciência, tal como ele se formou sobretudo graças ao desenvolvimento da física atómica (Dilthey, 1894/2008, p.10).

Segundo o parecer de Dilthey, a psicologia explicativa nasce da falsa ideia de que, pelo fato de o método hipotético ser o mais adequado às ciências naturais, ele deve também ser o mais adequado à psicologia. O problema é que o método natural, embora seja apropriado às ciências naturais, é, em grande medida, inapropriado à psicologia. “O método da psicologia explicativa nasceu de uma extensão ilegítimados conceitos científico-naturais ao campo da vida psíquica e da história” (1894/2008, p.76). Com isso, Dilthey propõe um dualismo metodológico, apartando as ciências da natureza (Naturwissenschaften) das ciências do espírito (Geisteswissenschaften). Há, para Dilthey, uma diferença irredutível das explicações oferecidas pelas ciências naturais com relação à compreensão alcançada pelas ciências do espírito. Um dos traços que marcam o método das ciências naturais é ele ser “construtivo”, opondo-se, portanto, ao método “analítico”. Em psicologia, o método analítico parte do princípio de que o que é dado na experiência interna deve ser analisado, de modo a explicitar suas articulações intrínsecas e extrínsecas. O método analítico não implica em mutilação, mas, pelo contrário, enfatiza a integração das partes em todos complexos. Essa articulação das partes em todos altamente complexos é um dos traços da vida humana. Cada ação, pensamento, sentimento, imaginação, está vinculado à totalidade da vida (Leben), a qual não exprime, diga-se de passagem, um conceito biológico, no sentido da ciência natural. Assim, uma das tarefas metodológicas desta psicologia é a identificação e explicitação do todo no qual a vivência está inserida. Já o método natural-construtivo busca construir conceitos hipotéticos para explicar a correlação entre fenômenos. Dilthey afirma que o método natural-construtivo encontra seus principais modelos na mecânica clássica e na química de Lavoisier. Uma mecânica das representações e uma química dos conteúdos mentais nada mais são do que concepções hipotéticas inadequadas à natureza do psíquico. Uma breve análise da mecânica clássica revela a distinção entre hipótese e fenômeno. As três leis da mecânica, tanto quanto as noções de átomo, massa e força, consistem em hipóteses explicativas, as quais não são diretamente observáveis e, portanto, são construções teóricas, que se confirmam em experimentos. Esses conceitos são construídos sobre a hipótese da causalidade, entendida como regularidade e uniformidade básica da natureza. Estes elementos construídos hipoteticamente servem para explicar e prever uma ampla gama de fenômenos observáveis, como a correlação entre as marés e os ciclos lunares. A concepção, portanto, de que as ciências naturais são ciências estritamente apoiadas na

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experiência não é verdadeira, pois a explicação da experiência exige a construção de hipóteses e de conceitos que não são tirados da experiência direta. Um segundo modelo de ciência natural, em que a psicologia explicativa do século XIX procurou se espelhar, encontra-se na teoria química. Segundo esta teoria, a enorme diversidade de fenômenos com os quais convivemos diariamente – árvores, flores, gatos, minhocas, livros, plantas, nuvens, terra, galáxias, museus, plásticos etc. – pode ser reduzida a diferentes combinações de uns poucos elementos químicos (Dilthey, 1894/2008, p. 35). Em outras palavras, a enorme multiplicidade de seres é produto de poucas leis que regulam a combinação de poucos elementos. A psicologia, quando inspirada por semelhante modelo de ciência, chega a seguinte conclusão: assim como os elementos da tabela periódica compõe a totalidade de objetos que há no universo, a enorme variedade fenômenos psíquicos se constitui da combinação de alguns poucos conteúdos. Como exemplo, temos psicologia associacionista ao estilo dos dois Mill, a qual, segundo Dilthey (1894/2008) “supõe uma química psíquica; quando se conjugam ideias ou sentimentos simples, podem gerar um estado que, para a percepção interna, é simples e, ao mesmo tempo, qualitativamente diferente dos factores que o geraram” (p. 34). Dilthey faz notar que, nas ciências naturais, o número dos elementos explicativos não pode ser infinito ou demasiadamente extenso. Se partíssemos do princípio de que um fenômeno possui não poucas causas, mas tem um número quase infinito delas, resultaria difícil, senão impossível, qualquer progresso em ciência. As formas da psicologia naturalista Se levarmos em consideração o que foi dito anteriormente, tornam-se claras as razões que levam Dilthey a afirmar que a psicologia explicativa implícita ou explicitamente havia seguido dois modelos metodológicos: o associacionismo e o materialismo. De um lado ou de outro, a psicologia explicativa busca se modelar pelas ciências naturais. A teoria psíquica do associacionismo tem, ao ver de Dilthey, clara inspiração, como já discutimos, na mecânica clássica e na química. Já a psicologia de cunho materialista afunda sua principal raiz nos métodos empregados na fisiologia. Embora materialismo e associacionismo constituam psicologias explicativas, modeladas nas ciências naturais, é necessário observar as suas diferenças. O materialismo radical parte do princípio de que os fenômenos psíquicos são plenamente determinados pelo mundo físico. “Toda a teoria que estabelece como base a contextura dos processos físicos e a estes subordina os factos psíquicos é uma teoria materialista” (Dilthey, 1894/2008, p. 37). Uma das consequências do ponto de vista materialista é que a psicologia, entendida como ciências dos fenômenos psíquicos, não pode ser uma ciência autônoma, já que, segundo essa doutrina, fenômenos psíquicos só podem ser explicados pelo comportamento da matéria, em especial, pelos sistemas fisiológicos. Em

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suma, toda psicologia que busque oferecer explicações sobre o comportamento da psique só pode ser psicofísica. Para os defensores desta posição, não é possível investigar as leis causais da vida psíquica apenas observando a própria psique, pois o estabelecimento de leis psíquicas exige que o cientista observe as leis físicas, já que a vida psíquica é um produto do corpo físico e este, pelo seu turno, faz parte do nexo causal da natureza física. Um erro que muitas vezes se faz é o de confundir a tese do associacionismo com a do materialismo.

Embora

eventualmente

vinculadas,

é

preciso

distinguir

as

duas

cuidadosamente. O associacionismo não parte da premissa de que toda psicologia é psicofísica. O psicólogo associacionista pode partir do princípio de que a vida mental é passível de ser compreendida, em determinada medida, “por si mesma”, sem levar em consideração fatores extramentais. O surgimento de uma representação determinada pode ser explicado como resultado da força associativa. Neste caso, temos como objeto da psicologia uma espécie de “sujeito desencarnado”, entendido, por analogia, como uma caixa fechada em cujo interior ocorrem fatos ou eventos psíquicos, governados por leis psíquicas. Neste caso, explica-se um evento psíquico recorrendo estritamente a entidades e leis puramente psíquicas. Por exemplo, a experiência de se lembrar de uma determinada pessoa pode ter sido “causada” pela experiência olfativa do odor do perfume que aquela pessoa costumava usar. Neste caso, supõe-se que a representação psíquica da fragrância do perfume encontra-se associada, em virtude da conjunção constante, com a representação da pessoa evocada. As duas representações se associam devido a uma lei especificamente psíquica, a saber, a lei de associação. Trata-se de uma lei em que não há menção a neurônios ou processos fisiológicos e, portanto, é uma lei “puramente psíquica”. Ao lado do materialismo e do associacionismo, há uma terceira forma de psicologia naturalista apontada por Dilthey: as psicologias do inconsciente (1894/2008, pp. 48-49). É preciso, aqui, usar o plural, afinal é possível construir uma grande variedade de modelos psicológicos, dependendo dos elementos hipotéticos e das leis de funcionamento atribuídos ao inconsciente. Geralmente parte-se da hipótese de que certas representações e instintos inconscientes influenciam, sem que o indivíduo se dê conta, a sua vida psíquica consciente. Contudo, internamente a esse modelo é possível elaborar um grande número de variações teóricas que visam determinar como se comportam essas representações inconscientes e como afetam a vida consciente. As psicologias do inconsciente são claramente teorias explicativas de caráter hipotético, já que, por definição, o inconsciente não se manifesta diretamente ao sujeito e, portanto, não pode ser descrito. Apenas o dado pode ser descrito. Um problema de princípio Segundo Dilthey, as psicologias explicativas sofrem de um problema de princípio. Elas não percebem a diferença entre dois tipos de dados. Para Dilthey, há uma diferença radical entre o modo como a natureza se manifesta com relação ao modo como a vida psíquica

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manifesta-se a si mesma. No caso das ciências da natureza, o nexo entre dois fenômenos não é dado na experiência. Resulta daí a necessidade de se construir hipóteses explicativas a respeito do vínculo invisível que há entre dois ou mais fenômenos da natureza. Em contraste, os nexos entre os fenômenos pertencentes ao mundo do espírito são dados na experiência. “As ciências do espírito partem da conexão psíquica, dada na experiência interna. No facto de a conexão existir primariamente na vida anímica é que consiste a diferença fundamental entre o conhecimento psicológico e o conhecimento da natureza.” (1894/2008, p. 128). Diferentes fenômenos psíquicos (embora possam estar separados no tempo) são partes de um mesmo sujeito, constituem aspectos de uma mesma vida. As vivências não são exteriores ao sujeito e se há um nexo entre elas, este nexo encontra-se no próprio sujeito. Não faz sentido, portanto, dedicar-se a tarefa de construir hipóteses para explicar a vida psíquica. Como o nexo psíquico é dado, o método naturalista revela-se inadequado. A razão é clara: já que o nexo psíquico é dado, não é preciso reconstruí-lo, mas apenas descrevê-lo e analisá-lo. Tendo isto em mente, Dilthey propõe à psicologia o método “descritivo-analítico”. Em outras palavras, a psicologia goza de certa vantagem perante as ciências da natureza, pois não precisa construir teorias para explicar o nexo entre os dados psíquicos. Compreender uma vivência, neste sentido, é compreendê-la como parte de um todo mais amplo. É preciso voltar-se para os dados obtidos em intuição imediata e analisá-los em suas articulações contextuais sem recorrer a hipóteses e inferências. Assim, temos duas situações: 1) As ciências naturais, na medida em que se pretendem explicativas, são necessariamente hipotéticas, pois o nexo entre dois fenômenos naturais encontra-se fora do sujeito. Portanto, é necessário ao cientista natural construir uma teoria, ou seja, um sistema de hipóteses. Por exemplo, o nexo existente entre a dilatação de um metal e o aumento de sua temperatura não é um nexo psíquico, mas transcendente, pertencente à natureza. Como se sabe, a explicação da dilatação do metal se encontra no incremento da energia cinética das moléculas do metal. Esta é claramente uma explicação de tipo natural. 2) A psicologia, ao contrário, pode e deve se constituir como ciência descritiva e analítica, pois os nexos entre as vivências são imanentes. Ao contrário dos nexos naturais, os nexos psíquicos se oferecem na experiência interna. Portanto, não se necessita da construção de hipóteses. Para sua realização, basta analisar o que é dado, como Dilthey faz notar na seguinte passagem: “Ora na psicologia esta conexão de funções na vivência é dada a partir de dentro. Todo o conhecimento psicológico particular é apenas análise desta conexão.” (1894/2008, p. 50). Psicologia descritiva como fundamento das ciências do espírito Por uma questão de princípios, as ciências naturais devem se constituir como hipotéticas, ao passo que a psicologia, ao menos inicialmente, deve se constituir como ciência

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descritiva. Essa distinção está vinculada à distinção entre objetos. O objeto das ciências da natureza são “factos que se apresentam na consciência dispersos, vindos de fora, como fenómenos” (1894/2008, p. 15). O objeto das ciências humanas se “apresentam a partir de dentro, como realidade e, originaliter, como uma conexão viva” (1894/2008, p. 15). Daí a famosa afirmação de Dilthey, segundo a qual "explicamos" (Erklären) a natureza, "compreendemos" (Verstehen) a vida anímica (1894/2008, p. 15). É preciso agora observar que os nexos vitais não dizem respeito apenas à conexão entre vivências, mas também entre estas e as expressões do espírito, como a linguagem, as ações humanas, instrumentos e outros objetos culturais. Todo produto cultural possui um nexo com a vida psíquica do indivíduo e, de modo mais amplo, com a vida psíquica da comunidade. Uma lei jurídica, uma sinfonia, o costume de um povo, as religiões, os mitos, as instituições sociais, as ações humanas constituem expressões objetivas do espírito (1894/2008, p. 20), as quais não são passíveis de uma explicação puramente causal ou natural. A ciência natural, em virtude do procedimento metodológico que lhe é inerente, não pode propiciar uma compreensão satisfatória da religião de um povo, da história da arte, dos movimentos estéticos e de outras expressões do espírito. Não faz sentido explicar as leis naturais que geraram a produção de uma obra literária, por exemplo. Segundo Dilthey, a abordagem às diversas expressões do espírito exige a compreensão das vidas que as produziram e as sustentam nos nexos vitais. É necessário, para a investigação das ciências humanas, não só a intuição de nossas próprias vivências e dos nexos entre elas, mas das vivências de outras pessoas, apreendendo como cada uma delas se deixou motivar pelo seu ambiente. E, por ambiente, deve-se entender não apenas o “entorno físico”, mas algo mais amplo, de modo a incluir os aspectos culturais. E para a apreensão intuitiva da vivência do outro é fundamental a nossa capacidade de nos colocar em seu lugar, a fim de compreendermos suas motivações. É assim que compreendemos fatos e situações históricas. A esse respeito, Husserl tece os seguintes comentários sobre o pensamento de Dilthey: Pode ocorrer que nós erremos na reconstrução histórica, por exemplo, da personalidade de Bismarck e dos motivos que o guiaram em certa decisão. Mas, se a reconstrução é historicamente correta e alcançou uma efetiva e completa intuição, então se torna evidente para nós porque Bismarck, sendo o que foi e sendo motivado de tal e tal maneira, necessariamente decidiu de tal e tal determinada maneira. O entendimento se estende exatamente na medida em que a análise e a reconstrução da motivação se estendem (1925/1962, p. 19).

A interpretação de Husserl é fiel ao intuito de Dilthey nas Ideias para uma psicologia descritiva e analítica. Dilthey, como vimos, não só distingue as ciências da natureza das ciências do espírito, mas também considera que estas últimas se fundamentam na psicologia descritiva e analítica. A relação entre psicologia e ciências humanas deve ser enfatizada neste

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contexto, dado o vínculo entre elas. Para Dilthey, não há como estudar a religião sem levar em conta as vivências religiosas dos homens e, por conseguinte, conceitos como motivo, liberdade, sentimento. Analogamente, a história da arte e da literatura não pode ser estudada sem se atentar às vivências psíquicas tais como o sentimento do belo, do sublime, do ridículo, do humorístico (1894/2008, p. 20). Tanto os sistemas culturais (ex. economia, direito, religião, arte, ciência), quanto as organizações externas (ex. família, Igreja, Estado) “dimanaram da textura viva da alma humana, assim também só a partir dela se podem explicar” (1894/2008, p. 20). Psicologia descritiva e analítica constitui a base não só para as ciências do espírito, mas também da epistemologia. “Na consciência viva e na descrição universalmente válida desta conexão psíquica está contido o fundamento da teoria do conhecimento” (1894/2008, p. 24). É preciso observar que, se Dilthey considera a psicologia analítica e descritiva adequada para a fundamentação da teoria do conhecimento, o mesmo não se pode dizer da psicologia explicativa ou da psicologia tomada como ciência natural. A recepção de Husserl do projeto psicológico de Dilthey Ao avaliar a obra de Dilthey, Husserl, nas Lições sobre psicologia fenomenológica (1925/1962, p. 6) afirma que as duas grandes correntes na Alemanha que reagiram de maneira mais acentuada contra a tendência de naturalização da consciência foram a fenomenologia, por um lado, e a psicologia descritiva e analítica de Dilthey, por outro. Segundo Husserl, o que motivou Dilthey a contrapor-se à psicologia naturalística foi seu interesse em buscar uma psicologia que se prestasse à fundamentação das ciências do espírito. Dilthey foi o primeiro a perceber que todos os movimentos de reforma da lógica e da teoria do conhecimento eram unilateralmente determinados pelas ciências naturais – tendência essa já presente tanto em Kant como nos empiristas ingleses. Ao contrário, Dilthey estava interessado em uma crítica da razão dirigida não às ciências naturais, mas às ciências do espírito. Assim como Kant em sua crítica à razão pura busca construir uma epistemologia que dê conta de fundamentar a mecânica como ciência universal e necessária, Dilthey busca constituir uma epistemologia capaz de abordar a história não como um mero registro de fatos, mas como uma ciência. E mais, Dilthey percebe com clareza que o estudo da vida psíquica não consiste simplesmente em se buscar uma “natureza psíquica”, universalmente válida. A própria ideia de uma natureza psíquica pressupõe um sujeito a-histórico. Ora, a subjetividade é condicionada pela história. É por essa razão que Dilthey, ao invés de efetuar uma psicologia das faculdades da alma, válidas para todo e qualquer ser humano e em qualquer época, busca antes uma psicologia voltada ao homem concreto, o qual é sempre um homem cuja alma carrega em si a marcas de sua circunstância histórica. As Ideias para uma psicologia descritiva e analítica de Dilthey, segundo Husserl, consistiu em um divisor de águas na psicologia na Alemanha. Por um lado, uma psicologia

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caracterizada por originar-se do método experimental da fisiologia e por constituir-se como uma ciência natural ao lado das demais, por outro lado, uma psicologia dotada de outros métodos e concebida para fins radicalmente distintos: o de embasar as ciências do espírito (ou ciências socioculturais) e a teoria do conhecimento. A crítica de Husserl às Ideias para uma psicologia descritiva e analítica Em 1925, Husserl alega que a importância das Ideias para uma psicologia descritiva e analítica de Dilthey encontra-se no problema que ali era instaurado (Husserl, 1925/1962, p. 20). A abordagem aos fenômenos socioculturais está essencialmente vinculada à vida anímica de indivíduos. Como consequência, a compreensão de toda obra humana e de toda manifestação social e histórica exige a compreensão do próprio homem, o que remete, em última instância, à psicologia. Embora Dilthey tenha percebido que a psicologia destinada a este propósito não poderia ser derivada dos métodos naturalísticos, ele teve que enfrentar o problema de oferecer uma nova proposta. Dilthey, segundo Husserl, não obteve pleno sucesso. Apenas apresentou um esboço imperfeito. Ainda assim, Ideias para uma psicologia descritiva e analítica deveria ser entendida como um marco na história da psicologia. De todo modo, a ingenuidade das interpretações naturalísticas das ciências do espírito, prevalente até então, foi quebrada. Pode-se dizer que toda grande literatura das últimas décadas concernente ao método e à natureza da história, e às ciências socioculturais, originou-se com Dilthey (Husserl, 1925/1962, p. 7).

De acordo com Husserl, a maior falha concernente à proposta de Dilthey é que esta se torna mais uma arte descritiva e interpretativa de situações individuais do que propriamente uma ciência: A origem criativa de uma obra de arte se torna individualmente inteligível, encontra uma explicação puramente individual, se nós formos bem sucedidos em projetar a nós mesmos no artista, em sua vida espiritual, no meio circundante que o motiva espiritualmente – e claro, sobre o fundamento de uma interpretação dos dados históricos (Husserl, 1925/1962, p. 12).

Para compreender a obra de Byron, devemos nos colocar em seu lugar, entender seu contexto e suas motivações. Este mesmo modo de proceder é válido para eventos socioculturais: cada qual deve ser entendido em sua facticidade e individualidade, com base nos nexos motivacionais implicados em tais eventos. Mas este modo de proceder, apesar de seus méritos, vai, segundo Husserl, contra a própria ideia de psicologia como ciência. A psicologia não quer ser ciência que tem como seu objeto “as facticidades e individualidades históricas na individualidade de seus nexos (Zusammenhang) motivacionais” (1925/1962, p. 12), buscando torná-los individualmente inteligíveis. A psicologia busca antes “as leis da vida da alma e as leis de acordo com as quais a comunidade espiritual e a cultura, em sua generalidade, se desenvolvem” (1925/1962, p. 13). Husserl, em outras palavras, se esforça em Memorandum 27, out/2014 Belo Horizonte: UFMG; Ribeirão Preto: USP ISSN 1676-1669 www.fafich.ufmg.br/memorandum/a27/peres01

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traçar a linha demarcatória entre uma “psicologia descritiva hermenêutica”, “psicologia geral de fatos” e “psicologia eidética”, esta última entendida como uma ciência de essências, comprometida com a ideia de alcançar leis universais e necessárias. Daí que a psicologia eidética ou psicologia fenomenológica não tem como função descrever e explicar este ou aquele evento ou personagem históricos, mas estabelecer as leis essenciais do psiquismo humano, constituindo deste modo a base das Geisteswissenschaften (1925/1962, pp. 12-13). Essa psicologia eidética, é preciso notar, não exige a realização da epoché e da redução transcendental, mas tão somente da redução eidética (ou redução à essência). Ou seja, a psicologia eidética se instala no quadro de uma ontologia regional e por isso, ao contrário da fenomenologia tomada como filosofia transcendental, tem escopo limitado, pois estuda apenas uma região específica do ser, ou seja, a alma (Seele). Mas isso não significa estudar a alma isolada do mundo, pois Husserl diferencia, na alma, o estrato espiritual, o qual possui duas partes correlatas, o espírito objetivo (formações culturais) e espírito subjetivo, composto por determinadas classes de vivências intencionais de uma pessoa humana. A ideia de se realizar uma psicologia eidética, que seria uma espécie de psicologia filosófica conceitual que fundamentaria a psicologia de fatos, aparece como diretriz programática no § 17 de Ideias I (1950, p. 57) e é plenamente desenvolvida em Ideias II (1912/1952) e nas Lições sobre Psicologia Fenomenológica (1925/1962). Husserl concebe a psicologia eidética como uma ciência mundana (e, portanto, não transcendental), realizada na atitude natural. Vamos resumir as características básicas da nova psicologia, sobre os títulos: a priori, eidética, intuitiva ou puramente descritiva, intencional; trata-se de uma psicologia que permanece na atitude dogmática natural ao invés da atitude especificamente filosófica, isto é, transcendental (Husserl, 1925/1962, p. 33).

A filosofia transcendental, pelo seu turno, consiste em um projeto muito mais abrangente, operando não sobre uma apercepção mundana do eu, mas sobre a reflexão transcendental, o que exige a efetuação da epoché. A fenomenologia, tomada como filosofia transcendental, não tem como escopo buscar as estruturas essenciais do “psiquismo humano”, mas sim as correlações essenciais entre a objetividade e a subjetividade, tratando daquilo que Husserl denominou de “problemas da constituição”. A psicologia fenomenológica, ao operar sobre a base da redução eidética, não busca abordar nem os problemas transcendentais da constituição, nem os problemas empíricos referentes às leis de “coexistência e sucessão” dos fatos psíquicos, mas sim busca estabelecer leis essenciais concernentes aos diferentes estratos da alma. Quais as estruturas essenciais da percepção, da memória, do corpo próprio, dos atos de valoração, etc.? Dilthey, em Ideias para uma psicologia descritiva e analítica, não propõe, de modo sistemático, o estabelecimento de leis gerais da psicologia. Para Husserl, sua afirmação de que vivências são dadas em experiência interna com evidência não constitui, por si só, a base

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para uma ciência. Cada vivência, tomada como fato, consiste em algo individual e irrepetível. Que a vivência seja abordada não como átomo isolado, mas como vinculada à totalidade do nexo psíquico, pode ser uma peça chave para a fundamentação hermenêutica, mas é de pouca valia quando o que está em jogo é o estabelecimento de leis gerais. Como é possível a descrição de uma vivência interior ou a descrição da intuição da vida espiritual do outro produzam mais do que compreensão de algo individual? Como tal processo pode levar a leis psicológicas gerais? É preciso observar que, para Husserl, a psicologia hermenêutica não deve ser descartada, pois ela tem seu âmbito de aplicação legitimado. A psicologia de Dilthey, entendida como arte interpretativa, pode ser valiosa na compreensão de casos concretos e singulares. Compreender as motivações de Bismarck ajuda sem dúvida a conhecer um episódio único da história, mas não se tira daí nenhuma lei psicológica. Segundo Husserl, a psicologia deve persistir em sua tarefa de buscar leis gerais e não pode se limitar a efetuar uma classificação dos tipos humanos. Mas se a hermenêutica pouco auxilia a psicologia, esta, pelo seu turno, é essencial para a fundamentação daquela. Segundo Husserl, este último projeto encontra sua base em uma psicologia eidética, a qual não se confunde com nenhum tipo de técnica psicológica interpretativa, ainda que lhe possa dar subsídios. A psicologia fenomenológica, enquanto ciência eidética, ao apresentar leis de essência, fornece as bases para qualquer psicologia de fatos, inclusive para o tipo de psicologia descritiva e analítica que Dilthey pretendia realizar. Referências Amaral, M. N. C. P. (1987). Dilthey: um conceito de vida e uma pedagogia. São Paulo: Perspectiva. Dilthey, W. (1992). Teoria das concepções do mundo: a consciência histórica e as concepções do mundo; tipos de concepção do mundo e a sua formação metafísica (A. Morão, Trad.). Lisboa: Edições 70. (Original publicado em 1911). Dilthey, W. (2008). Ideias acerca de uma Psicologia Descritiva e Analítica (A. Morão, Trad.). Covilha, Portugal: Lusosofia press. (Original publicado em 1894). Dilthey, W. (2010). Introdução às ciências humanas: tentativa de uma fundamentação para o estudo da sociedade e da história (M. A. Casanova, Trad.). Rio de Janeiro: Forense Universitária. (Original publicado em 1883). Ebbinghaus, H. (1896). Über erklärende und beschreibende ZeitschriftfürPsychologie und Physiologie der Sinnesorgane, IX, 161–205.

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Nota sobre o autor Savio Passafaro Peres é pós-doutorando (Fapesp), na Faculdade de filosofia da universidade católica de São Paulo. Especialista na área de epistemologia da psicologia e história da psicologia. Contato: Rua Cayowaa, 1924, ap. 71, CEP 01258-001. E-mail: [email protected]

Data de recebimento: 27/01/2014 Data de aceite: 09/10/2014

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