ICMS-Ecológico e as unidade de conservação no Estado do Rio de Janeiro

June 14, 2017 | Autor: Gapis Ufrj | Categoria: Protected areas, Unidades de Conservação
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Vol. 35, dezembro 2015, DOI: 10.5380/dma.v35i0.41204

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

O ICMS-Ecológico e as Unidades de Conservação no Estado do Rio de Janeiro “ICMS-Ecológico” and the Protected Areas in Rio de Janeiro State Bruna Ranção CONTI1*, Marta de Azevedo IRVING2, Diogo de Carvalho ANTUNES3 1

Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil.

2

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

3

Secretaria de Economia Solidária, Ministério do Trabalho (MTE), Brasília, DF, Brasil.

*

E-mail de contato: [email protected]

Artigo recebido em 6 de maio de 2015, versão final aceita em 23 de setembro de 2015.

RESUMO:

O ICMS-Ecológico constitui um instrumento econômico para o incentivo à adoção de ações ambientais em nível municipal e vem sendo utilizado como ferramenta inovadora, em apoio às políticas públicas de conservação da biodiversidade. Este instrumento condiciona parte da receita de ICMS repassada aos municípios a critérios ambientais, premiando o desempenho ambientalmente desejável e incentivando a implementação de ações com este objetivo. No Estado do Rio de Janeiro, o ICMS-E foi legalmente estabelecido em 2007 e diversos critérios foram definidos para o repasse da verba, entre os quais a existência de unidades de conservação (UCs) em território municipal. Tendo este contexto como inspiração, o objetivo deste artigo é interpretar o papel do ICMS-Ecológico como mecanismo de incentivo econômico à conservação ambiental e suas implicações no processo de criação e gestão de unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, a metodologia adotada envolveu uma pesquisa bibliográfica acerca do ICMS-E enquanto instrumento econômico no âmbito da política ambiental brasileira, a construção de um banco de dados referente ao processo de criação de UCs no Estado do Rio de Janeiro, além da realização de entrevistas com os atores institucionais vinculados ao processo de criação e implementação dessa política no Estado. Os resultados da pesquisa evidenciam que o ICMS-E vem desencadeando avanços importantes com relação à criação e à ampliação de UCs nesse Estado, mas diversas dificuldades precisam ainda ser transpostas para que se possa garantir uma gestão efetiva dessas áreas protegidas. Palavras-chave: instrumentos econômicos; ICMS-Ecológico; Unidades de Conservação.

ABSTRACT: “ICMS-Ecológico” is an economic instrument adopted in Brazil that encourages the adoption of environmental actions at the municipal level and has been used as an innovative tool, in support of public policies for biodiversity conservation. It establishes environmental criteria as conditions for channeling funds raised with added-value taxes to municipalities, rewarding environmentally desirable performances and encouraging the implementation of actions for this purpose. In the state of Rio de Janeiro, the “ICMS-E” was legally established Desenvolv. Meio Ambiente, v. 35, p. 241-258, dez. 2015.

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in 2007, and several criteria have been set for the transfer of funds, including the existence of protected areas in municipal territory. Having this context as inspiration, the purpose of this article is to interpret the role of the “ICMS-Ecológico” as a mechanism of economic incentive for environmental conservation and its implications in the creation and management of protected areas in the state of Rio de Janeiro. Therefore, the methodology involved a literature review about the “ICMS-E” as an economic instrument in the Brazilian environmental policy, the construction of a database about the protected areas creation process in the state of Rio de Janeiro, in addition to holding interviews with institutional actors linked to the process of creation and implementation of this policy in the state. The research results show that the “ICMS-E” has promoted important advances regarding the creation and expansion of protected areas in this state, but there are still many difficulties to be overcome so that we can ensure effective management of these protected areas. Keywords: economic instrument; “ICMS-Ecológico”; protected areas.

1. Introdução O ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, é o principal imposto arrecadador de fundos para os Estados, sendo de fundamental importância para o balanço orçamentário dos municípios. Esse imposto é gerado nas operações relativas à circulação de mercadorias, prestação de serviços, energia e comunicações e tem como respaldo legal o artigo 155 da Constituição Federal, que determina que os Estados e o Distrito Federal são os responsáveis pela instituição, arrecadação e fiscalização de impostos sobre essas operações. Sobre esse tema, a Constituição Federal determina também,

no artigo 158, que 25% do valor de ICMS arrecadado pelos Estados deve ser repassado aos municípios. Além disso, a Constituição prevê que, dos 25% destinados aos municípios, 75% devem ser distribuídos segundo o critério do Valor Adicionado Fiscal1 (VAF) calculado, anualmente, pelo Governo do Estado, tendo por base as declarações apresentadas pelas empresas estabelecidas nos municípios. Os demais 25% são distribuídos segundo Lei Complementar Estadual. A Figura 1 a seguir ilustra, em termos diagramáticos, o que está estabelecido na Constituição Federal com relação à distribuição do ICMS entre Estados e municípios.

FIGURA 1 – Diagrama ilustrativo sobre a distribuição do ICMS segundo a Constituição Federal de 1988. FONTE: Elaboração própria. O VAF é o índice formado pelas informações dos contribuintes sobre seus movimentos econômicos. Serve de base para os repasses constitucionais sobre os valores das receitas de impostos recolhidos pelos Estados e pela União. Quanto mais alto for o índice de um município, maior será o valor a receber. 1

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É importante destacar ainda que a parcela de 25% do ICMS repassada aos municípios conforme Lei Estadual vem possibilitando que os Estados brasileiros incorporem em seus processos de gestão o compromisso ambiental como critério para o repasse desse percentual. E, dessa forma, o ICMS-Ecológico (ICMS-E) vem sendo introduzido nas legislações tributárias de alguns estados (Veiga Neto, 2000). Historicamente, o primeiro Estado brasileiro a se utilizar dessa possibilidade de incentivo econômico foi o Paraná, no início da década de 1990. Mas, atualmente, dezessete Estados da Federação já vêm legislando no mesmo sentido2, cada um deles vinculando critérios específicos associados às suas realidades aos repasses de verbas do ICMS-E, tais como: existência de unidades de conservação ou de áreas de manancial hídrico, qualidade do saneamento ambiental, existência de coleta seletiva de lixo, preservação do patrimônio histórico, existência de reservas indígenas e assim por diante (May et al., 2002). E apesar de cada Estado adotar um conjunto distinto de critérios para o cálculo do ICMS-E a ser destinado aos municípios, as unidades de conservação3 representam, em todos os casos, o quesito que garante a maior parcela desse repasse, uma vez que esta estratégia de conservação da natureza vem sendo reconhecida como de fundamental importância no caso brasileiro (Bensusan, 2006), principalmente após a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Brasil, 2000; 2002). Por esta razão, o quesito “unidades de conservação” foi escolhido como ponto central da análise desta pesquisa. No contexto do Rio de Janeiro, foco do presente artigo, é fundamental considerar que, em 2014, ano de realização da pesquisa, o Estado abrigava a maior concentração de unidades de conservação do bioma Mata Atlântica do país, sendo este um dos mais importantes

e ameaçados hotspots4 mundiais de biodiversidade. Nesse sentido, a gestão dos recursos naturais representa um dos principais desafios estratégicos para o Estado, principalmente considerando a sua importância no contexto ambiental e a necessidade de alinhamento entre conservação da natureza e desenvolvimento econômico. O ICMS-E foi instituído no Rio de Janeiro pela Lei nº 5.100, de 04 de outubro de 2007, que alterou a Lei nº 2.664, de 27 de dezembro de 1996, cujo objetivo, à época, foi estabelecer os critérios de repasse do ICMS aos municípios fluminenses, conforme previsto na Constituição Federal de 1988. Mas a nova Lei passou a incluir critérios de conservação ambiental no cálculo dos repasses aos municípios, prevendo que 2,5 pontos percentuais (da parcela de 25% distribuída aos municípios de acordo com lei estadual) sejam, progressivamente, atrelados a esses critérios. Posteriormente, esse instrumento foi regulamentado pelo Decreto nº 41.844, de 04 de maio de 2009, que estabeleceu os seguintes critérios para o cálculo do índice de repasse do ICMS-E aos municípios: existência de áreas protegidas, qualidade ambiental dos recursos hídricos e disposição final adequada de resíduos sólidos. Com relação às áreas protegidas, critério mais relevante para o cálculo do ICMS-E, o decreto define que estas são as unidades de conservação criadas segundo as categorias definidas pelo SNUC, além das Áreas de Preservação Permanente5 (APPs). Com base no panorama descrito, o objetivo deste artigo é investigar o papel do ICMS-Ecológico como mecanismo de incentivo econômico à conservação ambiental e suas implicações em políticas públicas dirigidas às unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, a metodologia utilizada é do tipo quanti-qualitativa e envolveu três fases complementares, uma pesquisa bibliográfica acerca do ICMS-E enquanto

Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Tocantins. Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2014. 3 Unidade de Conservação é a denominação atribuída pelo SNUC (Lei 9.985/2000) às áreas naturais passíveis de proteção por suas características especiais. Pela Lei, as UCs são “espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração” (Art 1º, I). 4 Hotspot é toda área prioritária para conservação, isto é, de alta biodiversidade e ameaçada no mais alto grau. Disponível em: . Acesso em 18 nov. 2014. 5 As APPs foram instituídas pelo Código Florestal (Lei 4.771/1965 e alterações posteriores) e consistem em espaços territoriais legalmente protegidos, ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicas ou privadas, urbanas ou rurais, cobertas ou não por vegetação nativa. 2

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instrumento econômico no âmbito da política ambiental brasileira, a realização de três entrevistas com interlocutores estratégicos da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro e a construção de um banco de dados sobre as unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro, para a interpretação dos possíveis efeitos desse instrumento econômico para o processo de conservação da biodiversidade. Na fase qualitativa da pesquisa, foram entrevistados os atores institucionais responsáveis pela criação e pela gestão do ICMS-E, para tentar elucidar o processo desde a sua origem até a implantação dessa lei no Estado do Rio de Janeiro. Com esse intuito, foram entrevistados, a partir de um roteiro semiestruturado, a Superintendente de Biodiversidade e Florestas da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro e os coordenadores desse órgão responsáveis pelo acompanhamento da criação das UCs municipais (coordenadora do Programa Pró-UC) e pelo acompanhamento do ICMS-E no Estado (coordenador do ICMS-E). A partir da transcrição e da análise dessas entrevistas, por meio da técnica de Análise de Conteúdo (Barde, 1994), procurou-se interpretar as razões para a criação do ICMS-E nesse Estado, assim como as causas que levaram à sua proposição, os obstáculos enfrentados e os avanços que ainda precisam ser alcançados do ponto de vista institucional. Na fase quantitativa, foi elaborado um banco de dados considerando as unidades de conservação federais, estaduais e municipais criadas no Estado do Rio de Janeiro de 1937 (ano da primeira UC criada no Estado) até o ano de 2013, tendo como base para análise as informações do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação/IBAMA, os dados disponibilizados pelo Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (INEA) e pela Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro (SEA). O intuito, nesta fase, foi investigar, quantitativamente, as implicações do repasse de verbas do ICMS-E no processo de criação e/ou expansão de unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro, em comparação com o período anterior à implementação dessa política no Estado. Além disso, buscou-se, ao longo do período considerado, avaliar a representatividade territorial das unidades de conservação das três esferas administrativas (federal, estadual e municipal) na área do Estado 244

do Rio de Janeiro, para verificar em que medida o processo de proteção da natureza, em nível municipal (UCs municipais), vem adquirindo importância frente às estratégias estaduais e federais de conservação da biodiversidade (UCs estaduais e federais). A análise das UCs das três esferas administrativas se justifica, portanto, pela necessidade de se compreender a evolução das UCs municipais comparativamente às demais, a fim de evidenciar o papel do ICMS-E nesse processo. Para tanto, os parâmetros de análise considerados no banco de dados foram: o número de unidades de conservação criadas em cada esfera, a área de cada uma delas, a existência de instrumentos de gestão e o montante de recursos do ICMS-E repassado aos municípios ao longo do período estudado. Assim, a partir dessa fase de análise quantitativa, foi possível responder a questões como: de que forma o aumento da arrecadação com o ICMS-E no Estado do Rio de Janeiro, nos últimos anos, se evidencia (ou não) no processo de criação e gestão de unidades de conservação? Qual a representatividade das UCs municipais perante as UCs estaduais e federais? O ICMS-E vem funcionando, efetivamente, como incentivo econômico aos municípios fluminenses para a proteção da biodiversidade, por meio das unidades de conservação? Na busca de responder aos questionamentos levantados, o presente artigo está organizado em duas seções, além desta introdução. Na primeira seção se busca, em um primeiro momento, contextualizar a base teórica a respeito do papel dos instrumentos econômicos na política ambiental e, nesse contexto, as potencialidades do ICMS-E no âmbito da política ambiental brasileira. Em seguida, é apresentado o histórico de estabelecimento e formalização desse instrumento no Estado do Rio de Janeiro e são também discutidas as suas implicações em políticas públicas dirigidas às UCs nesse Estado, tendo como foco de análise os processos de criação e gestão dessas áreas protegidas.

2. O papel dos instrumentos econômicos na política ambiental brasileira A utilização de instrumentos econômicos para apoiar ações ambientais no Brasil é recente. E um dos

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instrumentos que vem despertando grande interesse no país é a compensação fiscal, derivada da tributação convencional (Seroa da Motta, 1996), sendo uma delas o ICMS-Ecológico. Mas é importante ressaltar que, além dos instrumentos econômicos, são também utilizados na política ambiental em todo o mundo os instrumentos de comando e controle. Esses dois tipos de instrumentos são caracterizados a seguir, para que se possa possibilitar a discussão do ICMS-E como estratégia de política pública. Os instrumentos de comando e controle (ou regulatórios) se caracterizam pela regulação direta do Estado e têm como objetivo induzir uma mudança de comportamento de indivíduos e/ou organizações por meio de restrições e/ou obrigações a eles impostas. Podem englobar, por exemplo, a proibição total ou a limitação de algumas atividades em determinadas áreas e/ou períodos, o controle do uso dos recursos naturais e/ ou a fixação de padrões de qualidade ambiental. Por meio desses instrumentos, os atores sociais são obrigados a cumprir as regras formalmente estabelecidas ou podem estar sujeitos a processos administrativos ou judiciais, quase sempre envolvendo a aplicação de multas (Almeida, 1997). Os instrumentos econômicos, por sua vez, podem ser caracterizados como aqueles que induzem mudanças de comportamentos, na medida em que a adoção de um determinado comportamento considerado ambientalmente responsável passa a gerar vantagens e/ou benefícios financeiros, de acordo com o nível de conservação ambiental alcançado (Perman, 1996). Apesar de a definição do que se entende por instrumento econômico não ser consensual na literatura, algumas características estão associadas a esse mecanismo no âmbito da política ambiental: a) a existência de um estímulo financeiro, b) a possibilidade de uma ação voluntária, c) o envolvimento de autoridades governamentais, e d) a intenção em direta ou indiretamente assegurar a manutenção e/ou melhoria da qualidade ambiental (OECD apud Veiga Neto, 2000). E apesar da predominância dos instrumentos de comando e controle na política ambiental em grande

parte dos países (Almeida, 1997), os instrumentos econômicos têm sido cada vez mais introduzidos nessas políticas, uma vez que levam em conta o custo de oportunidade da conservação ambiental. No Brasil, vêm sendo criados alguns instrumentos econômicos para estimular a conservação nas instâncias subnacionais, sendo eles: a redistribuição de impostos, como no caso do ICMS-Ecológico; as compensações ambientais e outras ferramentas previstas pelo SNUC; os pagamentos de royalties de eletricidade, petróleo e gás natural, entre outros. Alguns desses instrumentos estão entre os que vêm sendo associados aos denominados “pagamentos por serviços ambientais”, que atendem ao “princípio do protetor-recebedor” (como o ICMS-E), enquanto que outros, como os pagamentos de royalties, se enquadram no “princípio do poluidor-pagador”6. Embora pareça clara a tendência de coexistência entre instrumentos econômicos e de comando e controle nas políticas públicas ambientais em todo o mundo, a discussão sobre as vantagens e desvantagens de cada um deles tende a ser cada vez mais frequente nas pautas das políticas ambientais. Para Barde (1994) e Almeida (1997), algumas das vantagens que podem ser identificadas com relação aos instrumentos regulatórios nas ações ambientais são: a) as autoridades ambientais estão familiarizadas com esta abordagem e normalmente já existem instituições e estruturas de regulação que podem ser utilizadas; b) estes instrumentos são considerados mais eficazes para garantir a proteção ambiental, uma vez que, estabelecidas as regulações referentes ao tema, os atores sociais ficam proibidos de agir à revelia dos padrões estabelecidos; e c) as medidas regulatórias são mais coercitivas que as compensatórias e, portanto, são consideradas mais efetivas na prevenção de danos irreversíveis ao ambiente natural. Parece haver, portanto, segundo os autores anteriormente mencionados, uma percepção de que os instrumentos de comando e controle são mais efetivos no controle de externalidades negativas e impactos desfavoráveis à conservação ambiental. E, segundo Panayotou (1991), os governos tendem a favorecer a adoção de instrumentos

  Para uma discussão sobre os princípios enunciados, ver o trabalho “Uma análise sistêmica do princípio do protetor-recebedor na institucionalização de programas de compensação por serviços ambientais”, de Hupffer; Weyermüller e Waclawovsky, na revista Ambiente & Sociedade (v. 14, n. 1, 2011). 6

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regulatórios porque estes tendem a reforçar a sua autoridade e a satisfazer, em tese, a necessidade de se manter a “situação sob controle”. No entanto, Barde (1994) e Almeida (1997) evidenciam também algumas desvantagens destes instrumentos, como: a) o alto custo financeiro relacionado à manutenção das estruturas de fiscalização dos padrões impostos; b) a possibilidade de que as proibições sejam burladas por meio da corrupção; c) a falta de incentivo à introdução de aprimoramentos tecnológicos de conservação ambiental, uma vez que atingido o padrão estabelecido o poluidor tenderá a não se mobilizar para aperfeiçoar o processo; e d) a falta de liberdade para que atores sociais se adéquem às regras impostas de acordo com a sua capacidade financeira e técnica. No que se refere à realidade dos países em desenvolvimento, Panayotou (1991) discute que os instrumentos regulatórios são de difícil execução em cenários de limitação de recursos financeiros e ausência de instituições ambientais consolidadas. Essa dificuldade resultaria do reduzido orçamento, nesses países, para as ações de monitoramento e fiscalização das ações potencialmente prejudiciais ao ambiente natural, além das dificuldades administrativas envolvidas na execução dessas ações. Outra dificuldade identificada pelo autor para a implementação de instrumentos regulatórios em países em desenvolvimento diz respeito aos baixos valores das multas cobradas, em comparação aos países desenvolvidos, uma vez que esses valores não seriam suficientes para inibir os violadores da lei. Com relação aos instrumentos econômicos, por sua vez, as vantagens reconhecidas por Almeida (1997), Barde (1994), Perman (1996) e Seroa da Mota (1996) dizem respeito à possibilidade de adesão voluntária dos atores sociais à política ambiental e a uma maior flexibilidade para que esses respondam às iniciativas de proteção ambiental de acordo com a sua disponibilidade de tempo e recursos. Os autores destacam ainda a possibilidade de redução de impactos ambientais para além dos limites estabelecidos nos marcos regulatórios, a partir do momento em que o custo da conservação passe a ser financeiramente inferior ao valor da recompensa. Mas, para Perman (1996), o principal ponto positivo

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dessa alternativa seria a possibilidade de geração de um incentivo permanente para a mudança de comportamento, tanto das organizações como dos indivíduos. Algumas desvantagens dos instrumentos econômicos são também mencionadas por Barde (1994) e Almeida (1997). Estes autores mencionam os efeitos distributivos perversos que podem resultar dos incentivos econômicos. Isso porque os atores sociais com maior capacidade financeira e organizacional para a implementação de ações ambientais seriam cada vez mais recompensados, em detrimento daqueles com menor capacitação e/ou poder de interlocução. Além disso, há ainda o perigo de que mesmo aqueles que tenham acesso a determinadas vantagens deixem de realizar as ações que vinham desenvolvendo anteriormente caso a recompensa deixe de existir, o que poderia desencadear processos de degradação ambiental. Seroa da Motta (1996) lembram ainda que os custos administrativos dos instrumentos econômicos podem ser elevados e que são, portanto, necessárias estratégias para o monitoramento e a fiscalização das ações planejadas. Panayotou (1991) discute ainda que outro problema desse tipo de instrumento decorre do tempo demasiadamente longo (do ponto de vista político) para que sejam criadas as condições para uma efetiva mudança de comportamento dos que recebem os incentivos econômicos, sejam eles indivíduos, organizações ou o próprio poder público. No caso brasileiro, Barros et al. (2012) discutem que as políticas ambientais têm se baseado, predominantemente, nos instrumentos de comando e controle, com apenas limitada atenção dirigida aos altos custos desse processo e à limitada capacidade das agências ambientais para o monitoramento e a fiscalização de atividades que impactam negativamente o ambiente natural. E, segundo Seroa da Motta & Reis (1994), os instrumentos econômicos, no Brasil, são ainda aplicados em limitadas ações relacionadas à temática ambiental, como, por exemplo, na preservação das florestas e no controle da poluição hídrica. Nos dois casos, porém, esses instrumentos têm sido frequentemente utilizados para a geração de receita aos municípios, para que estes possam assumir uma maior responsabilidade no âmbito da política ambiental, como discutido no caso do ICMS-Ecológico.

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2.1. O ICMS-E como instrumento econômico na política ambiental brasileira O ICMS-Ecológico representa um instrumento econômico que vem sendo apontado como estratégia complementar aos típicos instrumentos de comando e controle, no contexto da política ambiental brasileira (Chomitz, 1999). Isso porque, como discute Ribeiro (1998), o incentivo decorrente do ICMS-E se traduz na compensação para aqueles municípios que, em tese, demonstram um compromisso com a proteção ambiental, invertendo, dessa forma, o que normalmente acontece quando os mecanismos para a proteção da natureza se baseiam apenas em penalidades, o que por vezes leva à aceleração da destruição do bem natural que se pretendia proteger. A base para o surgimento desse instrumento está expressa na Constituição Federal de 1988, quando nesta está estabelecido que 25% do valor do ICMS arrecadado pelos Estados deve ser repassado aos municípios. E estes repasses devem estar condicionados à seguinte regra: no mínimo ¾ dos 25% de ICMS pertencentes aos municípios devem ser repassados conforme o Valor Adicionado Fiscal (VAF) das operações realizadas por cada ente municipal, e cerca de ¼ do valor cabível aos municípios deve ser definido por critérios estabelecidos em lei estadual (Scaff & Tupiassu, 2004), como já apresentado na introdução deste artigo. Vale destacar, porém, que os Estados pouco utilizam o poder economicamente indutivo contido no permissivo constitucional. E, na realidade atual, os municípios mais populosos ou que geram maior circulação de mercadorias são os que têm, em seus territórios, maiores condições de desenvolver atividades economicamente produtivas, que culminam, na maioria das vezes, em externalidades negativas ao ambiente natural (Scaff & Tupiassu, 2004). Os autores anteriormente mencionados discutem, portanto, que os municípios que se dedicam ao desenvolvimento econômico, em detrimento da conservação ambiental, são premiados com maiores repasses financeiros, pois têm maior possibilidade de geração de receita, em função do padrão de circulação de mercadorias. Por outro lado, aqueles que se comprometem com a proteção da biodiversidade e que teriam, em tese, restrições em sua capacidade de desenvolvimento econômico, recebem

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menores repasses financeiros, por estarem associados a uma menor circulação de mercadorias e serviços. Nessa perspectiva, inúmeras têm sido as reivindicações dos municípios detentores de áreas protegidas, mananciais hídricos, terras indígenas, tendo em vista que estes estão sujeitos, historicamente, a uma dupla penalização: a restrição na utilização economicamente produtiva de parte do seu território e o menor nível de repasses orçamentários. Diante disso, aproveitando a possibilidade que lhes foi constitucionalmente conferida, relativa ao estabelecimento de critérios próprios para o repasse de ¼ da parcela de ICMS aos municípios, uma nova forma de distribuição vem sendo implementada em alguns Estados, cujos parâmetros estabelecidos para tal são de ordem notadamente ambiental: o ICMS-Ecológico (Scaff & Tupiassu, 2004). Esse representa, portanto, um mecanismo de transferência fiscal do Estado para os municípios como forma de pagamento por serviços ambientais, sendo implementado, em sua origem, para promover a conservação da biodiversidade em nível local. E essa transferência fiscal pode ocorrer com dois objetivos: 1) compensar municípios sujeitos a restrições no uso da terra; 2) incentivar municípios a ampliar a área destinada à proteção dos recursos naturais ou aprimorar a gestão desses espaços. A FEAM (1998) chama a atenção também para o estímulo à descentralização da responsabilidade no campo ambiental que este instrumento pode gerar, por possibilitar a estruturação dos municípios para a atuação neste contexto. Ribeiro (1998), por sua vez, discute que o ICMS-E induz os governos locais a investirem em ações priorizadas pelo Estado, produzindo, desta forma, resultados mais interessantes do que se estas mesmas ações estivessem sujeitas a penalidades pelo não cumprimento de compromissos e/ou prerrogativas legais com relação ao tema. Entretanto, é interessante notar que, assim como qualquer recurso destinado aos municípios por meio do ICMS, os recursos do ICMS-E não são vinculados a um fim específico. Ou seja, não há a obrigatoriedade de que os municípios empreguem tais recursos em ações de conservação da natureza. Nesse sentido, Chomitz (1999) ressalta sua preocupação com o fato de esses recursos financeiros não serem “carimbados” em rubricas e/ou ações específicas com esse objetivo. E, sendo assim, são 247

evidentes os riscos de que os recursos obtidos por essa via não sejam empregados no alcance dos objetivos para os quais o ICMS-E foi criado. Um exemplo dessa situação diz respeito ao contexto das próprias unidades de conservação, uma vez que a criação de novas UCs municipais garante uma maior parcela de ICMS-E para o município, mas não implica em garantia de que essas áreas sejam consolidadas e/ ou passem a dispor de mecanismos de gestão essenciais para o alcance dos objetivos para os quais foram criadas (como Planos de Manejo e Conselhos de Gestão, por exemplo). Mas, para Loureiro (2002), este problema poderia ser minimizado, a médio e longo prazos, com a adoção de variáveis mais qualitativas na composição dos índices ambientais utilizados no cálculo do ICMS-E repassado aos municípios (Loureiro, 2002). No caso específico das unidades de conservação, é importante mencionar que alguns Estados já vêm adotando, com este objetivo, indicadores relativos à qualidade da gestão e da infraestrutura dessas áreas. Mas, no Estado do Rio de Janeiro, foco deste artigo, os critérios de repasse do ICMS-E aos municípios se restringem ainda ao número de UCs criadas, sua categoria de manejo, o seu grau de conservação e a existência formal de instrumentos de gestão (Plano de Manejo e Conselho Gestor), não havendo exigências de que esses instrumentos estejam em efetivo funcionamento. O contexto do ICMS-E no Estado do Rio de Janeiro será melhor discutido na seção a seguir, com a apresentação de um breve histórico sobre o estabelecimento e o desenvolvimento desse instrumento no Estado e a análise sobre as suas implicações para as políticas públicas de proteção da natureza, tendo como foco de interpretação os processos de criação e gestão de unidades de conservação.

3. O ICMS-E no Estado do Rio de Janeiro O ICMS-Ecológico foi instituído no Rio de Janeiro pela Lei nº 5.100, de 04 de outubro de 2007. Este do-

cumento definiu que, com relação à parcela de 25% de ICMS destinada aos municípios conforme Lei Estadual (parcela representada na Figura 1 pela cor verde), 2,5 pontos percentuais deveriam ser repassados de acordo com critérios ambientais comprovadamente alcançados nesta esfera. Nesse contexto, as especificações técnicas para a alocação dos 2,5 pontos percentuais distribuídos aos municípios por critérios ambientais foram estabelecidas por meio do Decreto Estadual nº 41.844, de 04 de maio de 2009, que regulamentou a lei do ICMS-E. Para o cálculo do índice de repasse do ICMS-E foram considerados os seguintes critérios: 45% vinculados à existência e ao grau de implementação de áreas protegidas, 30% alocados com base na qualidade ambiental dos recursos hídricos e 25% associados à disposição final adequada de resíduos sólidos. A Figura 2, a seguir, ilustra, em diagrama, a dinâmica de repasse da parcela de 25% do ICMS aos municípios do Estado do Rio de Janeiro, conforme os critérios estabelecidos em Lei Estadual. Dessa parcela, 22,5 pontos percentuais estão vinculados a critérios diversos e 2,5 pontos percentuais são referentes ao ICMS-E. A figura ilustra ainda os critérios utilizados na composição do índice de repasse do ICMS-E nesse Estado. A partir dos critérios ilustrados na figura anterior, o Decreto 41.844/09 descreve a fórmula de cálculo do Índice Final de Conservação Ambiental (IFCA) do município. O IFCA é composto por seis Subíndices Temáticos7, calculados de acordo com diversos indicadores ambientais e sua respectiva ponderação. O cálculo de cada Subíndice Temático está associado a uma fórmula matemática que pondera esses indicadores. O resultado de cada Subíndice Temático do município é, na sequência, comparado ao Subíndice dos demais municípios do Estado, sendo este transformado em Subíndice Temático Relativo (por meio da divisão do valor de determinado Subíndice Temático do município pela soma dos Subíndices de todos os municípios do Estado). Após a obtenção dos Subíndices Temáticos Relativos do município, estes são novamente associados a uma fórmula que resulta no Índice Final de Conservação Ambiental do Municí-

  Os Subíndices Temáticos são: Tratamento de Esgoto, Destinação de Lixo, Remediação de Vazadouros, Mananciais de Abastecimento, Unidades de Conservação (de todas as esferas) e UCs Municipais. Para maior esclarecimento, consultar o Decreto Estadual 41.844/2009. 7

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FIGURA 2 – Diagrama do repasse do ICMS-E aos municípios do Rio de Janeiro e critérios utilizados. FONTE: Elaboração própria.

pio. Esse índice é recalculado a cada ano, para que os municípios que investem em conservação ambiental possam, progressivamente, aumentar a sua arrecadação com base no ICMS. Os critérios que compõem o ICMS-E, seus respectivos subíndices temáticos e os indicadores relacionados a cada um deles, utilizados no cálculo do IFCA (conforme previsto no Decreto Regulamentador do ICMS-E), estão sistematizados na Tabela 1. É possível observar na leitura da Tabela 1 que para cada um dos três critérios considerados na fórmula do IFCA estão associados subíndices temáticos que traduzem, somados, a importância percentual de cada critério na composição do ICMS-E. O critério de maior peso, no Estado do Rio de Janeiro, é o de “Existência e Implementação de Áreas Protegidas”, que se desdobra nos subíndices temáticos “Unidades de Conservação” e “Unidades de Conservação Municipais”. Vale ressaltar que as UCs municipais são contabilizadas duas vezes no cálculo do ICMS-E, por serem consideradas em dois subíndices temáticos. Este fato parece evidenciar

a importância conferida, no Estado do Rio de Janeiro, ao processo de criação de unidades de conservação por iniciativa dos municípios. Os indicadores relacionados aos subíndices “Unidades de Conservação” e “Unidades de Conservação Municipais” contemplam, conforme ilustrado na Tabela 1, a “parcela de área protegida no município”, o “fator de importância da categoria de manejo”, o “grau de conservação” e o “grau de implementação” de cada uma das áreas protegidas. No que diz respeito ao indicador “parcela de área protegida”, este considera a soma, em hectares, da extensão das unidades de conservação no município8, dividida pela área total do mesmo. Com relação ao indicador “fator de importância da categoria de manejo”, é possível afirmar que quanto mais restritiva a categoria de manejo, maior tende a ser a sua representatividade no cálculo do ICMS-E e, consequentemente, maior a arrecadação municipal advinda do processo. O terceiro indicador, que contempla o “grau de conservação” das unidades de conservação, pondera o estado da cobertura vegetal nessas áreas, podendo este

  Desconsiderando as sobreposições entre áreas protegidas no mesmo território.

8

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Destinação dos resíduos sólidos (25%)

Qualidade dos recursos hídricos (30%)

Remediação de Vazadouros (5%)

Destinação do Lixo (20%)

Peso 5 Adiciona 1 ponto ao peso em questão Adiciona de 1 a 4 pontos ao peso em questão Adiciona 1 ponto ao peso em questão Adiciona 1 ponto ao peso em questão Peso 1

- Coprocessamento ou incineração em usina de geração de energia - Consórcios intermunicipais para gestão de resíduos sólidos - Municípios que encaminham parte do lixo domiciliar para reciclagem - Mais de 50% dos domicílios urbanos atendidos por coleta seletiva porta a porta - Programa municipal de coleta seletiva solidária consolidado - Medidas concretas para completa remediação dos lixões

Peso 3

Peso 3 Com tratamento avançado do percolado – adiciona 1 ponto Geração de energia e biogás – adiciona 1 ponto Se receber lixo de outros municípios – adiciona de 1 a 4 pontos

- Aterros licenciados

- Captação e queima de gases

Peso 1,5

- Aterros controlados c/ tratamento do percolado e captação e queima dos gases

Peso 2

Peso 1

- Vazadouros remediados

Peso 0

- Vazadouro/lixão

Municípios recebem proporcionalmente à sua participação na área de drenagem total da bacia

- Aterros controlados c/ tratamento do percolado

- Existência de bacias com captação para abastecimento público de municípios localizados fora da bacia

Peso variável conforme o percentual da população atendida

- % da população urbana atendida com tratamento de esgoto

Mananciais de abastecimento (10%)

Apenas legalmente constituída – Peso 1 Parcialmente implementada – Peso 2 Totalmente implementada – Peso 4

- Grau de implementação (plano de manejo, conselho de gestão, sede administrativa, centro de visitantes, regularização fundiária, infraestruturas de fiscalização)

Primário – Peso 1 Secundário / Emissário Submarino / Estação de tratamento de rio – Peso 2 Terciário – Peso 3

Devastada/não existe – Peso 0 Mal conservada – Peso 1 Parcialmente conservada – Peso 2 Conservada – Peso 4

- Grau de conservação – estado da cobertura vegetal

Peso de 1,5 a 5, de acordo com o nível de restrição ao uso do solo

- Fator de importância da categoria de manejo da UC

- Nível do tratamento

UCs (Federais, Estaduais e Municipais) (36%) + UCs Municipais (9%)

Existência e implementação de áreas protegidas (45%)

Municípios recebem proporcionalmente ao tamanho das áreas protegidas em relação à área total municipal

- Parcela de área protegida no município

Indicadores e respectivas ponderações

Tratamento de esgoto (20%)

Subíndices

Critérios

TABELA 1 – Síntese dos critérios, subíndices e indicadores para o cálculo do Índice Final de Conservação Ambiental do município.

variar entre duas condições: “área devastada” e “área conservada”. O quarto indicador, relacionado ao grau de implementação das UCs, considera a existência/ operação, nestas áreas, dos seguintes dispositivos em apoio à gestão: plano de manejo, conselho de gestão, sede administrativa, centro de visitantes, regularização fundiária e infraestruturas de fiscalização e controle. Caso a UC atenda a pelo menos três desses dispositivos, poderá ser considerada como “parcialmente implementada”; caso atenda a pelo menos cinco desses requisitos, será classificada como “totalmente implementada”. Da mesma forma que para o critério “existência e implementação de áreas protegidas”, para os demais critérios considerados no ICMS-E estão também vinculados subíndices e indicadores, previstos na fórmula de cálculo do IFCA, como ilustrado na Tabela 1. Mas, para além desses critérios, a Lei do ICMS-E (art. 3º) estabelece ainda, como pré-requisito para que o município possa beneficiar-se dos recursos previstos, a existência de um Sistema Municipal de Meio Ambiente composto por uma Secretaria de Meio Ambiente, um Fundo Municipal de Meio Ambiente, um Conselho Municipal de Meio Ambiente e uma Guarda Municipal Ambiental (Rio de Janeiro, 2007), o que parece evidenciar a preocupação do poder público estadual em garantir algum grau de melhoria da gestão ambiental nos municípios, independentemente de estes atenderem ou não aos critérios previstos na composição do ICMS-E. Com base na proposta desse instrumento econômico, a Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro (SEA/RJ), órgão responsável por sua implementação no Estado, pretende atingir os seguintes objetivos: 1. Ressarcir os municípios pela restrição ao uso de seu território, notadamente no caso de unidades de conservação da natureza e mananciais de abastecimento; 2. Recompensar os municípios pelos investimentos ambientais realizados, uma vez que os benefícios são compartilhados por todos os vizinhos, como no caso do tratamento do esgoto e na correta destinação de seus resíduos. (Disponível em . Acesso em: 24 out. 2013).

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Mas, no plano da operacionalização do ICMS-E, sua implementação vem ocorrendo de forma gradativa, de modo que o Estado e os municípios possam se adaptar a essa nova dinâmica. Sendo assim, vem sendo observado um aumento gradual do percentual repassado aos municípios com base nos critérios ambientais definidos pela lei. No primeiro ano de repasse, esse percentual representou 1% do total de ICMS, perfazendo um montante de 37,9 milhões de reais. No ano seguinte, esse percentual foi ampliado para 1,8%, totalizando R$ 83,6 milhões de reais. E nesses dois primeiros anos, 78 municípios foram contemplados pelo ICMS-Ecológico. A partir de 2011, o percentual de repasse passou a ser de 2,5%, o que resultou em um total de 111,5 milhões de reais naquele ano, distribuídos a 85 municípios. Em 2012, ano em que pela primeira vez todos os municípios receberam recursos do ICMS-E, foram a eles repassados 172 milhões de reais e, em 2013, 177,7 milhões. Apesar de essa política ter mobilizado todos os municípios do Rio de Janeiro para as ações ambientais, a SEA/RJ avalia que esse instrumento necessita ainda de importantes aprimoramentos para garantir que as ações ambientais não se limitem apenas ao mero atendimento ao marco legal e jurídico necessário ao recebimento dos recursos financeiros. Dessa forma, encontra-se em discussão na SEA a possibilidade de incorporação, ao processo, de indicadores de cunho mais qualitativo com relação à gestão da biodiversidade. Isso porque, de acordo com a Superintendência de Biodiversidade e Florestas dessa mesma secretaria, “o ICMS-E cobra de forma rasteira a qualidade” e os indicadores até agora estabelecidos ainda não são suficientes para garantir que os municípios estejam efetivamente engajados em prol da conservação da natureza, uma vez que não permitem avaliar se os recursos recebidos pelos municípios estão sendo efetivamente empregados nas ações de cunho ambiental. No caso específico das unidades de conservação, os indicadores disponíveis não são ainda suficientes para permitir a avaliação, por exemplo, da real situação da implementação dos Planos de Manejo (quando elaborados) e da efetiva participação dos atores sociais locais no processo de gestão das unidades de conservação. De acordo com a Coordenação da SEA/RJ responsável pelo apoio aos municípios para a criação de

251

suas unidades de conservação (Programa Pró-UC9), está também em andamento um debate para reformulação do ICMS-E, no sentido de que possam ser a ele incorporadas ações para o monitoramento ambiental junto aos municípios, como ilustrado no depoimento a seguir: Vários setores dentro da SEA e do INEA estão trabalhando em conjunto e propondo a reformulação dos critérios do ICMS-E, porque isso é fundamental. Até agora serviu como uma experiência, mas a gente quer ter um acompanhamento. O cadastro é autodeclarativo, mas eu acredito que para o ano que vem a gente faça um pouco diferente. A gente vai pegar não sei quantas unidades de conservação por região hidrográfica do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, e vamos até essas unidades, verificar o plano de manejo, se realmente a sede funciona. Tipo uma amostragem, para ver a real situação e verificar, por exemplo, se o plano de manejo, que pontua bastante, está sendo realmente implementado (Coordenadora do programa de apoio à criação de UCs - Pró-UC, 2014).

Mas enquanto a reformulação deste instrumento econômico não acontece, a SEA vem investindo na sensibilização dos gestores públicos municipais para que estes direcionem parte dos recursos do ICMS-E ao Fundo Municipal de Meio Ambiente de seus municípios, uma vez que esse é um recurso desvinculado e pode ser utilizado pelo município em qualquer ação pública. Na percepção da SEA, esse caminho de direcionamento do ICMS-E para os Fundos Municipais de Meio Ambiente tende a ser fundamental para garantir a efetividade deste instrumento, uma vez que os recursos do ICMS-E poderão ser aplicados em ações ambientais, de acordo com os critérios aprovados pelos Conselhos Municipais de Meio Ambiente dos municípios, responsáveis pela gestão desses fundos. No entanto, pela perspectiva da SEA, a adoção de medidas de monitoramento da qualidade das ações implementadas pelos municípios só poderá ser realizada a médio prazo. Isso porque a Secretaria está mais voltada

ao aprimoramento dos indicadores do ICMS-E atualmente em vigor, principalmente aqueles que compõem o critério “Unidades de Conservação”. Dentre os problemas reconhecidos, neste caso, pode ser mencionada a falta de adaptação dos indicadores “grau de implementação” e “grau de conservação” às diferentes categorias de manejo de unidades de conservação. Alguns depoimentos obtidos pela pesquisa evidenciam esses problemas: O grau de conservação tem que ter diretivas de acordo com a categoria de manejo. Uma reserva biológica precisa ter 100% de preservação, uma APA não. No caso da APA, as áreas que deveriam estar florestadas é que deveriam ser monitoradas para se avaliar o grau de conservação (Coordenador do ICMS-E na SEA/RJ, 2014). Uma das coisas que incomoda muito o nosso setor é a questão de pontuar por ter infraestrutura. Uma reserva biológica, uma estação ecológica, não precisam de um centro de visitantes. Então a gente tem que desenvolver critérios de acordo com a categoria da unidade (Coordenadora do Programa Pró-UC na SEA/RJ, 2014).

É possível perceber, portanto, que os indicadores relacionados às unidades de conservação precisam ser melhor desenhados, levando-se em consideração as particularidades das diferentes categorias de manejo e, consequentemente, as diferentes restrições impostas ao uso dos recursos naturais. Mas, ainda assim, esta intenção institucional em priorizar a revisão desses indicadores parece evidenciar, mais uma vez, a importância atribuída às unidades de conservação na composição do ICMS-E no Estado do Rio de Janeiro. Diante dos argumentos expostos, a seção seguinte deste artigo busca analisar as implicações desse instrumento econômico no processo de criação e gestão de áreas protegidas, a partir do banco de dados desenvolvido, tendo como base de referência as informações sobre as unidades de conservação federais, estaduais e municipais no Estado do Rio de Janeiro.

 “O Pró-UC tem como objetivo incrementar o percentual e a qualidade das áreas destinadas à conservação formal do ambiente no Estado do RJ. Até agora, o Pró-UC apoiou 11 municípios a criar 41.588 hectares de UCs (atuando na criação de seis UCs de Proteção Integral e cinco UCs de Uso Sustentável) e a adequar outros 70.651 hectares de UCs municipais. Outros 20 municípios já protocolaram pedido de apoio”. Disponível em: . Acesso em: 19 nov. 2014. 9

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CONTI, B. R.; IRVING, M. de A.; ANTUNES, D. de C. O ICMS-Ecológico e as Unidades de Conservação no Estado do Rio de Janeiro

3.1. As implicações do ICMS-E no processo de criação e gestão de unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro O Rio de Janeiro representa um dos estados brasileiros com maior número de unidades de conservação (UCs) federais10, além de ser o segundo em atividade econômica, o que indica uma tendência de pressão antrópica crescente sobre a base de recursos naturais e, consequentemente, sobre as UCs. Esse contexto gera tensões permanentes para a gestão da biodiversidade e vem demandando esforços governamentais sistemáticos para a harmonização entre as políticas públicas de desenvolvimento e de proteção da natureza no território fluminense. Diante desse panorama, pretende-se, a partir de dados quantitativos levantados e sistematizados em um banco de dados sobre o processo de criação de UCs no Rio de Janeiro11, discutir, preliminarmente, o papel do ICMS-E nesse direcionamento, assim como delinear quais as esferas administrativas e categorias de manejo de UCs mais impactadas neste processo. Para tanto, foi construído um banco de dados sobre as unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro, compreendendo informações como o ano de criação, a área em hectares, a esfera administrativa de gestão, a categoria de manejo e os repasses do ICMS-E dirigidos aos municípios no período analisado. Os dados referentes às UCs federais foram obtidos com base no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), disponível no site do Ministério do Meio Ambiente12; os dados sobre as UCs estaduais estão também disponíveis no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação e no site do Instituto Estadual do Ambiente13; e os dados das UCs municipais foram disponibilizados pela Secretaria de Estado do Ambiente (SEA/RJ), mas não estão disponíveis eletronicamente para consulta pública. Por esse levantamento, o Estado do Rio de Janeiro dispõe, atualmente, de um total de 319 unidades de con-

servação (federais, estaduais e municipais), cujas áreas somadas correspondem a 1.770.871 hectares, embora muitas delas estejam sobrepostas territorialmente, não havendo fonte de informação que ilustre, com clareza, os limites desta sobreposição, considerando-se os três níveis de governo. Assim, não é possível se determinar com exatidão o território estadual efetivamente protegido por UCs. No total das 319 unidades de conservação registradas, 19 são de competência federal, 33 de competência estadual e 267 são UCs municipais, distribuídas em 71 municípios do Estado do Rio de Janeiro. É importante ressaltar que, na base de dados sobre as UCs municipais disponibilizada pela SEA/RJ, estão cadastradas 323 unidades de conservação, mas foram apenas consideradas na presente análise aquelas que contam com informações sistematizadas referentes ao ano de criação e à área da UC. Além disso, não foram consideradas na análise as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), uma vez que estas são numerosas e as informações sobre as mesmas não estão ainda mapeadas e/ou consolidadas de forma sistemática. Com base nos levantamentos realizados, na Figura 3, a seguir, é possível verificar a evolução do processo de criação das UCs no Estado do Rio de Janeiro. Mas, para a melhor contextualização desse processo, optou-se por suprimir, na figura, o período de 1937 a 1970, visto que nesse período foram criadas apenas quatro UCs, sendo três de nível federal e uma estadual. É possível perceber, a partir da Figura 3, que o número de UCs municipais criadas no Estado, até o final de 2013, foi significativamente maior que o de UCs de outras esferas administrativas, no mesmo período. No entanto, para além do total de UCs no período estudado, é importante também que se reflita sobre a importância dessas áreas em termos territoriais. A Figura 4, a seguir, ilustra o processo de criação das UCs com relação ao incremento territorial (em hectares):

  O Estado do RJ possui menos UCs Federais que os Estados do Amazonas, Bahia e Pará, principalmente por causa do grande número de reservas extrativistas criadas nesses Estados, conforme dados disponibilizados no CNUC/MMA. Não foram consideradas nesta análise as RPPNs. 11   Nesta análise são consideradas as UCs federais, estaduais e municipais criadas no período de 1937 (ano de criação da primeira UC no Estado) a 2013. 12   13   10

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FIGURA 3 – Evolução no processo de criação de Unidades de Conservação (UCs) no Estado do Rio de Janeiro. FONTE: Elaboração própria a partir dos dados disponibilizados no CNUC/MMA, no site do INEA e na base de dados da SEA/RJ.

FIGURA 4 – Evolução, em área (hectares), das Unidades de Conservação (UCs) no Estado do Rio de Janeiro. FONTE: Elaboração própria a partir dos dados disponibilizados no CNUC/MMA, no site do INEA e na base de dados da SEA/RJ.

Ao se considerar a área total associada às unidades de conservação, é possível afirmar que, apesar de as UCs federais ocorrerem em menor número, estas envolvem uma área total consideravelmente superior em comparação às UCs das demais esferas administrativas (estadual e municipal). Assim, enquanto as 267 UCs municipais abrangem 415.007 hectares e as 33 UCs estaduais abrangem 422.931 hectares, as 19 UCs federais compreendem 932.621 hectares. 254

Em conjunto aos dados apresentados nas figuras anteriores, a Tabela 2 retrata a evolução das UCs no Estado do Rio de Janeiro em número e área, levando-se em consideração as distintas esferas da gestão, para que se possa identificar possíveis mudanças de tendência após o ano de 2007 (ano de criação do ICMS-Ecológico no RJ).

CONTI, B. R.; IRVING, M. de A.; ANTUNES, D. de C. O ICMS-Ecológico e as Unidades de Conservação no Estado do Rio de Janeiro

TABELA 2 – Os períodos de criação de Unidades de Conservação (UCs) no Rio de Janeiro e a influência do ICMS-Ecológico. Período

UCs Federais Quantidade

UCs Estaduais

Área (ha)

Quantidade

UCs Municipais

Área (ha)

Quantidade

Área (ha)

1937 a 1969

3

53.224

-

-

-

-

1970 a 1979

2

109.000

5

55.283

-

-

1980 a 1989

8

542.503

7

63.819

13

12.537

1990 a 1999

4

75.259

4

11.594

47

57.769

2000 a 2006*

2

152.635

9

123.369

87

71.711

2007 a 2013

-

-

8

168.926

120

273.552

* Essa seleção termina em 2006 pelo fato de o ICMS-E ter sido criado no Estado do Rio de Janeiro em 2007. FONTE: Elaboração própria.

Segundo a Tabela 2, a última UC federal criada no Estado do Rio de Janeiro data de 2006, período anterior à própria implantação do ICMS-E nesse Estado. No caso das UCs estaduais, o ritmo de criação foi mais intenso a partir do ano 2000. E no ano de 2002 foram criadas seis dessas áreas protegidas, ano em que a Lei 9.985/2000, que dispõe sobre o SNUC, foi regulamentada pelo Decreto 4.340/2002. Por outro lado, no caso dos municípios, houve um real incremento no processo de criação de UCs na década de 2000 (como no caso das UCs estaduais), mas essa tendência ocorreu especialmente após o ano de 2007, quando foi estabelecido legalmente o ICMS-Ecológico no Rio de Janeiro. Enquanto no período de 2000 a 2006 foram criadas apenas 87 UCs municipais, totalizando 71.711 hectares, nos sete anos seguintes (2007-2013) foram criadas 120 novas UCs, totalizando 273.552 hectares. Parece ter havido, portanto, um aumento real de 38% com relação ao número de UCs municipais criadas e de 281% no incremento da área dessas UCs, em comparação aos sete anos anteriores à criação do ICMS-E. Assim, além de ter servido de provável incentivo para que os municípios pudessem criar novas UCs, o ICMS-E parece ter influenciado também a área total a elas associada, uma vez que este constitui ainda um dos indicadores utilizados no cálculo para o repasse de verbas referente à categoria “Unidades de Conservação”. Além disso, se antes do primeiro repasse de ICMS-E apenas 48 municípios possuíam pelo menos uma UC municipal em seu território, em 2013 esse total já envolvia 71 mu-

Desenvolv. Meio Ambiente, v. 35, p. 241-258, dez. 2015.

nicípios, o que também parece evidenciar a influência do instrumento econômico no processo. No entanto, quando observada a área média das UCs municipais, em comparação à das UCs estaduais e federais, percebe-se que estas são expressivamente menores. Enquanto a área média de uma UC municipal é de 1.554 ha, a área média de uma UC estadual é de 12.816 ha e a de uma UC federal é de 49.085 ha. Apesar de ser compreensível que as UCs municipais sejam menores que as demais, devido à própria área dos municípios frente à área total do Estado e da União, é preciso que se considere que áreas excessivamente reduzidas podem não ser efetivas para a conservação da biodiversidade e podem colocar em questão o próprio sentido de efetividade das UCs municipais com este objetivo, uma vez que elas podem não garantir a manutenção do habitat e das espécies locais se não puderem prover as condições para a sobrevivência e a reprodução das mesmas. Por outro lado, as UCs municipais, ainda que de extensão limitada, podem servir como corredores de conectividade entre as UCs estaduais e federais no território estadual. E, sendo assim, podem ter um papel importante para a manutenção dos recursos naturais no Estado de forma mais estratégica. Nesse sentido, Menezes (2004) discute que as UCs municipais não são menos importantes para o Sistema Nacional de Unidades de Conservação por duas razões. Primeiro, porque a sua existência, em alguns casos, permite que sejam protegidos atributos naturais relevantes para a paisagem, em escala muitas vezes incompatível com a gestão federal ou estadual. Nesse caso, o seu papel para a conectividade entre os 255

remanescentes de maior extensão não pode ser negligenciado. Segundo, porque estas são áreas potenciais para o uso público, permitindo o acesso da população a atividades de lazer e educação relacionadas à natureza. Esta parece ser também a percepção da Superintendência de Biodiversidade e Florestas da SEA/RJ, para a qual as políticas públicas de conservação da biodiversidade não devem atender somente a objetivos estritamente ligados à proteção de áreas previamente definidas como prioritárias do ponto de vista da ciência, mas devem considerar, também, parâmetros como o bem-estar das populações locais e o direito à contemplação e ao contato com a natureza. Dessa forma, no caso de municípios altamente urbanizados, os remanescentes florestais protegidos por unidades de conservação podem ser tão relevantes para os modos de vida locais quanto grandes áreas de conservação situadas em destinos mais isolados. Para além da análise de tendência com base no número e área das UCs municipais, seria importante ainda levar em conta, para a reflexão em políticas públicas, alguns aspectos qualitativos vinculados à gestão das unidades criadas, uma vez que a mera existência de uma UC não garante, necessariamente, a sua consolidação e o cumprimento dos objetivos para os quais esta foi instituída. Contudo, não existem ainda informações sistematizadas a respeito da existência e da real situação de implementação dos instrumentos básicos de gestão de áreas protegidas (Plano de Manejo e Conselho de Gestão) para as UCs municipais. Nesse contexto, optou-se por investigar, apenas como referência para a avaliação proposta, a situação desses instrumentos de gestão nas esferas federal e estadual. Em âmbito federal, das 19 UCs criadas, 13 possuem Plano de Manejo e 17, Conselho de Gestão. Com relação às 33 UCs estaduais, 13 possuem Plano de Manejo e 23, Conselho de Gestão. E, em geral, a União e o Estado possuem estruturas administrativas mais consolidadas para a gestão da política ambiental, o que pressupõe que estes entes federativos estejam mais avançados e/ou habilitados para a implementação de unidades de conservação. Entretanto, mesmo nessas esferas administrativas ocorre ainda um número considerável de unidades de conservação que não dispõem de instrumentos básicos para a consolidação da sua gestão, o que é mais grave, tendo em vista que o SNUC prevê (Lei 256

9.985/2000, art. 27, parágrafo terceiro) o prazo máximo de cinco anos, a partir da data de criação da UC, para elaboração do seu Plano de Manejo. Sendo assim, seis unidades federais e 14 estaduais parecem ainda não estar aptas ao atendimento desse compromisso estabelecido na legislação vigente, uma vez que estas têm mais de cinco anos de existência. A partir deste contexto e apesar de não haver dados sistematizados sobre a realidade dos municípios, é possível inferir que a situação das UCs municipais deve ser ainda mais precária, visto que a elaboração de um Plano de Manejo constitui um processo que demanda recursos financeiros e capacidade técnica. Nesse sentido, a Coordenadoria do Programa Pró-UC, da SEA/RJ, vem discutindo, recentemente, um novo indicador a ser proposto pela Superintendência de Biodiversidade e Florestas para aprimoramento do processo: o cumprimento da regra de cinco anos prevista no SNUC para a criação dos Planos de Manejo das UCs. Nesse caso, os recursos do ICMS-E devem ser empregados também para a elaboração desses instrumentos de gestão. E, sendo assim, este novo indicador tenderá a induzir os municípios a reverterem parte dos recursos obtidos para a consolidação das UCs, em termos de sua dinâmica de gestão. Com relação ao Conselho de Gestão das UCs municipais, há previsão no Decreto regulamentador do SNUC (Decreto 4.340/2002, art. 17, parágrafo sexto), que o Conselho Municipal de Meio Ambiente possa assumir o papel de Conselho de Gestão das UCs municipais, procedimento que vem sendo adotado pelos municípios do Estado do Rio de Janeiro, apesar de ser este bastante controverso. De acordo com a Superintendência de Biodiversidade e Florestas do Estado, este é um tema ainda em discussão na SEA/RJ, pois, embora alguns sejam a favor da manutenção dessa prática, outros são contrários a ela. Nesse sentido, alguns percebem o Conselho Municipal de Meio Ambiente como não representativo daqueles que vivem no entorno das unidades de conservação e são impactados por elas. Mas para os que apoiam a substituição dos Conselhos das UCs pelo Conselho de Meio Ambiente, esta solução seria justificável pelo fato de que a maioria dos municípios é de pequeno porte e, sendo assim, os interlocutores locais tenderiam a ser os mesmos em ambas as instâncias.

CONTI, B. R.; IRVING, M. de A.; ANTUNES, D. de C. O ICMS-Ecológico e as Unidades de Conservação no Estado do Rio de Janeiro

Embora este seja um processo em construção, sujeito a inúmeras polêmicas, o ICMS-E parece ser um dispositivo que vem contribuindo, gradualmente, para estimular a criação de unidades de conservação por parte dos municípios do Rio de Janeiro e a ampliação das áreas delineadas com o objetivo de proteção dos recursos naturais. Mas, no que diz respeito à gestão das UCs municipais, parece ainda haver uma carência de dados que possibilitem uma análise aprofundada das reais implicações do ICMS-E para a melhoria da conservação da biodiversidade em território fluminense.

4. Considerações finais Os instrumentos econômicos, enquanto alternativas para a compatibilização entre a conservação ambiental e o desenvolvimento econômico, se inserem em uma lógica de promoção dos mecanismos de mercado como estratégias de políticas públicas, em um contexto no qual os atores responsáveis por essas políticas devem ser recompensados em função dos custos associados à proteção da natureza. No cenário brasileiro, o ICMS-Ecológico constitui um desses instrumentos, adotado por diversos estados da federação. Nesse sentido, o ICMS-E vem sendo entendido como uma ferramenta de incentivo econômico para a proteção da biodiversidade em nível municipal e vem sendo considerado, por diversos pesquisadores, uma alternativa inovadora em políticas públicas dirigidas à proteção da natureza. Para eles, o ICMS-E introduz uma lógica de estímulo e colaboração entre os entes federativos para o alcance dos objetivos na temática ambiental, em complementação aos tradicionais instrumentos de comando e controle. A análise proposta neste artigo, acerca dos impactos do ICMS-E no processo de criação e gestão de unidades de conservação no Estado do Rio de Janeiro, embora preliminar, parece ter revelado que o ICMS-E de fato contribui para o incremento no número de áreas protegidas. Tal incremento parece ter sido consequência de uma rápida aceleração nos processos de criação de UCs municipais após a instituição do instrumento, motivada, principalmente, pela possibilidade de aumento na receita dos municípios. Desta forma, um dos objetivos Desenvolv. Meio Ambiente, v. 35, p. 241-258, dez. 2015.

principais do ICMS-E, a compensação aos municípios pela restrição do uso de seu território, tem sido atingido. Além disso, a vantagem de um instrumento econômico de induzir a adesão voluntária aos seus propósitos, conforme descrito na literatura (Perman, 1996; Seroa da Motta, 1996; Ribeiro, 1998), é também percebida no caso do ICMS-E, uma vez que o número de municípios fluminenses beneficiados pela política foi crescente a cada ano. Contudo, avanços parecem ser ainda necessários com relação à consolidação das UCs criadas, em termos de seu processo de gestão. Assim, a mera existência do instrumento econômico não parece ser suficiente para garantir a sua efetividade, no que diz respeito a uma mudança de comportamento dos municípios com o objetivo de conservação da biodiversidade ou para o seu comprometimento com o processo de consolidação das UCs, ainda mais ao se levar em consideração o risco de os municípios deixarem de se comprometer com esses objetivos no caso de uma retirada do incentivo econômico, como discutido por Panayotou (1991), Barde (1994) e Almeida (1997). Além disso, em muitos casos, o acesso ao ICMS-E não parece representar um impedimento para que ações incompatíveis com a finalidade dessas áreas protegidas deixem de ser realizadas em seu interior ou entorno. Nesse sentido, ajustes no desenho do instrumento (como a incorporação de indicadores mais qualitativos na fórmula de cálculo do Índice Final de Conservação Ambiental de cada município) são ainda necessários para que este passe a desencadear, de fato, mudanças institucionais relevantes no plano das políticas de proteção da natureza, principalmente no que diz respeito à consolidação das UCs municipais. O estudo realizado parece ter reafirmado, portanto, a necessidade de que este mecanismo esteja articulado a outras ações voltadas à gestão ambiental nos municípios, tais como assistência técnica às prefeituras para o desenvolvimento das capacidades necessárias à sua ação no campo ambiental, aprimoramento dos mecanismos de controle social dos recursos repassados por meio do instrumento e mobilização dos tomadores de decisão para a adequada destinação do repasse, sendo que estas devem estar articuladas em um programa integrado de gestão do ICMS-E. Assim, inúmeros ajustes são ainda necessários para que o ICMS-E passe a representar, de fato, uma estratégia para a consolidação das UCs 257

municipais e para a conservação da biodiversidade em território fluminense. Mas, enquanto esses ajustes não se concretizam, o argumento da existência de unidades de conservação

vem sendo utilizado como meio de aumento da arrecadação dos municípios, sem que haja garantia de melhoria efetiva no processo de conservação da biodiversidade.

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