Ideias de política e política das ideias: a paisagem dos think tanks nos EUA e as estratégias de inserção do Brasil no debate global

December 5, 2017 | Autor: Filipe Nasser | Categoria: Brazilian Foreign policy
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Ideias de política e política das ideias: a paisagem dos think tanks nos EUA e as estratégias de inserção do Brasil no debate global Benoni Belli Filipe Nasser Think tanks are an indispensable part of decision and policy-making processes in the United States. Narratives and discourses of global outreach are crafted and disseminated by prominent US think tanks. Despite her sheer size and recent international rise, Brazil is still an afterthought in the US ebullient think tank scene. This article attempts at suggesting a few courses of action that could be considered by Brazilian government officials, businessmen, scholars, and think tankers with an eye to helping reposition Brazil in the global conversation and forward Brazilian narratives about global themes.

O então conselheiro de Segurança Nacional do presidente Barack Obama, Thomas Donilon, apareceu na sala lotada, em cujas laterais repórteres se acotovelavam. Assim que apresentado à plateia por seu anfitrião, Donilon tomou o púlpito para descrever a rationale por trás do regime de sanções unilaterais norte-americanas contra o Irã. As palavras do conselheiro presidencial estamparam manchetes e matérias de jornais dos Estados Unidos e do mundo no dia seguinte. Meses depois, seria a nova Representante Permanente dos EUA junto à ONU, embaixadora Samantha Power, a aparecer diante de uma plateia seleta para deslindar a política da administração Obama para o conflito na Síria. As palavras da embaixadora ocuparam igualmente jornais, sites, blogs, podcasts e tweets. No auditório principal da Brookings Institution, Donilon havia sido ciceroneado

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e apresentado por Strobe Talbott, que ocupou o cargo de vice-secretário de Estado no governo de Bill Clinton (1992-2000) e que, desde 2002, preside a prestigiosa instituição – considerada pelo tradicional ranking da Universidade da Pensilvânia como o mais importante think tank do mundo.1 Já Power teve como palco o Center for American Progress, organização relativamente jovem – fundada em 2003 –, mas extremamente influente por dar guarida à ala progressista do Partido Democrata, frequentemente associada ao presidente Obama, mas também dotada de vínculos com o casal Clinton. Para ilustrar a importância do centro de pensamento progressista na constelação Benoni Belli e Filipe Nasser são diplomatas de carreira. Este artigo foi escrito a título pessoal, não refletindo necessariamente posições oficiais do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

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de atores políticos de Washington, seus quadros têm sido rotineiramente emprestados à Casa Branca obamista; e seu ex-presidente John Podesta foi recentemente pinçado por Obama para exercer o cargo de assessor especial. Podesta foi, a propósito, o último dos chefes de gabinete do ex-presidente Bill Clinton. A escolha da mensageira e do palco não foi gratuita. A reação do governo Obama ao conflito na Síria produziu sentimentos contraditórios no establishment de política externa norte-americano. Enquanto a opinião pública no país se alinhou ao sentimento não intervencionista exprimido por legalistas e peaceniks, os republicanos e intervencionistas liberais – esta última categoria à qual Power é frequentemente associada – instaram o governo a agir militarmente no Levante. A presença da embaixadora, cujo histórico acadêmico carrega insuspeitas credenciais quanto à convicção nas virtudes do emprego de força militar para impedir violações de direitos humanos em larga escala –, em uma casa normalmente refratária ao papel de “policial do mundo” dos EUA, procurava atender às demandas de audiências variadas em um assunto de evidente complexidade. Os episódios que descrevemos são mais rotineiros do que excepcionais na paisagem de think tanks dos EUA. São também ilustrativos da importância dos centros de pensamento na vida política norte-americana e de seu vínculo com os meios políticos, jornalísticos e acadêmicos. Entretanto, é importante ter presente que a atuação dos think tanks não está circunscrita à promoção de eventos ou à reprodução de ideias gestadas nos gabinetes das autoridades. Pelo contrário, essas organizações servem à produção e à divulgação de análises, pesquisas, ideias, discursos e narrativas frequentemente colocados a serviço do debate público e da própria formulação de políticas públicas.

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A escolha de influentes plataformas de think tanks para alcançar um público qualificado de formadores de opinião não é um fenômeno recente nos Estados Unidos. Basta lembrar, por exemplo, que a revista Foreign Affairs, ligada ao mais tradicional think tank de relações internacionais, o Council on Foreign Relations, foi o veículo escolhido pelo lendário diplomata norte-americano George Kennan, sob o pseudônimo de “Mr. X”, para dar publicidade, em 1946, a suas ideias sobre a União Soviética.2 O texto marcou uma época e foi responsável pela entrada definitiva da noção de “contenção” não apenas no vocabulário político de então, mas também na formulação da política externa norte-americana durante o período da Guerra Fria. Este artigo buscará descrever, em linhas gerais, como operam os think tanks norte-americanos e como se diferenciam de instituições propriamente acadêmicas, além de apresentar os contornos principais de sua paisagem nos dias de hoje. Demonstrará que o Brasil está ainda relativamente ausente dos principais debates travados nos think tanks dos EUA, embora esse panorama comece a mudar paulatinamente. Procurará também sugerir caminhos para que o país possa aumentar a influência, em benefício próprio, no processo de construção de narrativas de alcance global por intermédio de uma estratégia de longo prazo para o relacionamento com os think tanks. Não é nossa intenção, neste ensaio, realizar um inventário de todos os think tanks norte-americanos. O objetivo principal é descrever o panorama e o ambiente político em que operam, de modo a tirar lições para o incremento da influência brasileira. Tampouco temos a preocupação de examinar os diversos centros de estudos brasileiros em diversas universidades, que também possuem impacto importante, mas fogem ao escopo do presente artigo. O foco de nossa investigação são os think tanks como

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um fenômeno político particularmente conspícuo nos Estados Unidos, onde essas instituições, longe de manter uma preocupação com o avanço do conhecimento científico – como seria o caso, via de regra, das instituiçõdes acadêmicas – procuram ter impacto claro e direto no debate sobre políticas públicas.

O que são think tanks Os think tanks têm como vocação e objetivo promover debates sobre políticas públicas, desenvolver pesquisas, análises, ideias, conceitos e narrativas e publicar relatórios, memorandos, artigos e livros refletindo o “estado da arte” do debate público em diferentes esferas e áreas de interesse. Nas palavras de James McGann, são: “Organizations that generate policy-oriented research analysis, and advice on domestic and international issues in an effort to enable policymakers and the public to make informed decisions about public policy issues.”3 Ocasionalmente, a depender da carga genética de cada organização, também defendem agendas políticas, programáticas ou ideológicas, visando à participação, direta ou indireta, na formulação de políticas públicas e nos processos decisórios. Funcionam com base em doações de indivíduos, empresas e fundações, organizando-se juridicamente como instituição sem fins lucrativos, permitindo assim estabelecer fundos fiduciários para manutenção de longo prazo aceitando doações específicas para criação de linhas de pesquisa, cátedras e programas. Os vínculos que estabelecem com doadores não explicam totalmente o perfil das instituições, mas certamente constituem elemento relevante para entender suas inclinações e preferências políticas e ideológicas. A maioria dos think tanks cultiva a imagem suprapartidária, enquanto outros se assumem como “conservadores”, “progressistas” ou “libertários”.

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Nem sempre é fácil distinguir, dentre essas organizações, as que são think tanks por excelência e as que se encaixam melhor no perfil de organizações não governamentais (ONGs) tradicionais ou de grupos que têm como principal missão a defesa de posições, causas e teses específicas perante o governo e o Congresso (advocacy groups). Os think tanks são normalmente classificados pela sua temática de atuação: segurança internacional e defesa, política externa, economia, meio ambiente, urbanismo, temas sociais, etc. Não por outra razão, sua tipologia é variada e imprecisa, e as fronteiras entre as categorias nem sempre são nítidas. As atividades de uma determinada organização podem se transformar e se confundir ao longo do tempo. Organizações de advocacy por vocação como o American Israeli Political Action Committee (AIPAC), o American Jewish Committe (AJC), o National Iranian American Council (NIAC), entre tantas outras, que fazem indisfarçado lobby no Congresso e junto ao Executivo na defesa de suas respectivas bandeiras, também produzem estudos e organizam eventos, sendo possível admitir que, além da militância, desempenham papel semelhante ao das organizações que convencionamos chamar de think tanks. Por outro lado, há organizações normalmente classificadas como think tanks – a exemplo da conservadora Heritage Foundation – que possuem um braço de lobby próprio. Think tanks não são universidades sem alunos, conforme reza uma de suas definições canônicas. Isso porque, apesar de promoverem debates e estudos, os think tanks diferenciam-se das intituições acadêmicas tradicionais por terem como objetivo professado intervir na realidade e influenciar políticas públicas. De acordo com Andrew Selee: “Unlike academic institutions, which seek to produce new knowledge for the sake of expanding the horizons of a field, policy research actively seeks to put practical

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information and analysis in the hands of opinion leaders, who shape policy debates, and decision makers, who make the final choices”.4 Os think tanks trafegam na interseção entre política e academia, recorrendo à gramática da primeira e à sintaxe da segunda, sem serem exatamente fiéis representantes de uma ou outra. Ao se referir especificamente às organizações dedicadas a refletir sobre a política externa norte-americana e a influenciá-la, Kubilay Yado Arin sintetiza a identidade dupla dos think tanks, entre os corredores universitários e os do poder: “The foreign policy think tanks function as ‘brokers of ideas’ between the ‘ivory towers of academia’ an the ‘policy-making world of government’ in the increasingly competitive marketplace of ideas. Think tanks operate on their own to influence decision-making”.5 As ideias gestadas nessas instituições, portanto, procuram manter o selo de qualidade e credibilidade que a utilização de métodos de pesquisa e formulação de hipóteses próprios da academia asseguram, mas seu compromisso não é com a ciência, e sim com a intervenção no debate sobre a formulação e implementação de políticas públicas. O treinamento acadêmico dos diretores e líderes dos think tanks constitui uma ferramenta importante para o trabalho diário nessas instituições. Assim como um MBA é muito valorizado no mundo dos negócios, uma vez que é suposto conferir ao executivo capacidade de análise e gestão que devem traduzir-se em decisões e iniciativas mais consistentes em benefício da empresa, a formação acadêmica é igualmente valorizada no ambiente dos think tanks, embora não seja um pré-requisito para assumir funções importantes em sua estrutura. A complicada questão sobre a neutralidade ou não da ciência e a discussão sobre a interferência das preferências subjetivas na análise do objeto de estudo continuam

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alimentando uma infindável literatura e animando o debate epistemológico na academia. No caso dos think tanks, porém, passa-se ao largo desse tipo de debate, uma vez que o objetivo não é avançar a ciência de maneira objetiva, mas apropriar-se pragmaticamente de seu instrumental para intervir no jogo político e influenciar decisões que afetam a coletividade. É normal, contudo, que no ambiente dos think tanks haja um esforço de preservar o verniz de neutralidade de análises que guardam a aparência de científicas, sem o compromisso real de avançar a ciência propriamente dita. Esse verniz confere um brilho distinto, que enche os olhos, mas é incapaz de encobrir totalmente a tonalidade original da ideia ou da proposta, que revela, na maioria das vezes, a preferência por um caminho ou uma estratégia específica na condução da coisa pública. A eficácia dos think tanks reside, em grande medida, na capacidade de manter o verniz científico para ajudar a legitimar escolhas e decisões que são, em última instância, políticas – e, portanto, norteadas por interesses definidos a priori. As ideias geradas nos think tanks são ideias de políticas e de soluções que podem ser implementadas pelo Estado e pela sociedade, em um mercado por vezes competitivo em que se travam múltiplas batalhas e se enfrentam diversas narrativas concorrentes. E os think tanks são, em seu conjunto, o ambiente por excelência em que a luta política das ideias é travada, em que se busca a consolidação de visões de mundo e narrativas com vocação ou pretensão de tornarem-se hegemônicas. A função social desse tipo de organização é atribuir às ideias papel de protagonista no processo de formulação e execução das políticas públicas. Por essa razão, aos think tanks é facultado o “pensar grande” – o exercício de estratégia e planejamento de mais largo prazo –, benefício permitido

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somente pela distância relativa das contingências do processo decisório, das rotinas burocráticas e do “rame-rame” da política partidária. Exatamente por isso, cabe também aos think tanks e a seus dirigentes a antecipação de temas e tendências, de tal forma que possam municiar o debate político e o processo decisório com análises antes que questões aparentemente secundárias ou obscuras alcancem proeminência. No entendimento de Nancy Birdsall, presidente do Center for Global Development: “one of the most important challenges a think tank faces is how to get ahead of the curve and to think of issues before they become relevant”.6 Na medida em que reclama que seus quadros – acadêmicos e intelectuais públicos, além de políticos e tecnocratas despidos de cargos governamentais – desçam da torre de marfim para travar o “bom combate” das ideias, a dinâmica de funcionamento dos think tanks exige, além do trabalho de pesquisa e análise, a divulgação de seus achados e o engajamento ativo do público-alvo. Para isso, essas organizações recorrem a um variado cardápio de métodos e estratégias de publicidade, que inclui a organização de palestras e audiências públicas (às quais as autoridades frequentemente recorrem para disseminar discursos de seu interesse) e a publicação de memorandos, relatórios, artigos de opinião em jornais e revistas de grande circulação e livros. De fato, as atividades dos think tanks acabam tendo grande repercussão e irradiando suas ideias, propostas e análises porque são também capazes de atrair a atenção dos veículos de imprensa, normalmente ávidos por manifestações e declarações de “especialistas independentes” que ajudem a ilustrar ou a entender determinada questão de interesse geral. Os think tanks e seus “especialistas” correspondem à expectativa e à lógica da mídia de apegar-se às fórmulas sintéticas, mais facilmente

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vendáveis, dos conceitos prêt-à-porter. A mídia vive, de modo geral, sob a pressão do tempo e, premida também pela concorrência, inclina-se facilmente para a utilização de lugares-comuns, adota frequentemente um discurso “pré-digerido” ou “pré-pensado”.7 A disponibilidade de analistas que supostamente se colocam acima do embate político-partidário stricto sensu, capazes de formular ideias e compartilhar análises com aparência de neutralidade tornam os think tanks interlocutores privilegiados da imprensa. O advento da internet e a revolução tecnológica ampliaram consideravelmente esse menu de opções, permitindo que se atraísse o público-alvo dos think tanks para seus sites, blogs, webcasts, contas no Facebook e no Twitter e demais mídias sociais. Como efeito colateral, a vocação global dos principais think tanks norte-americanos é acentuada, uma vez que suas análises, pesquisas, conceitos, narrativas e discursos passam a estar disponíveis, em tempo real, para formadores de opinião virtualmente do mundo todo na língua franca dos nossos tempos. Vale ressaltar que a circulação de ideias e narrativas produzidas nos think tanks norte-americanos é de caráter global. Isso se deve, em parte, ao alcance das redes construídas por essas próprias instituições em parceria com suas congêneres e outros atores governamentais e não governamentais em todo o mundo. Além disso, as análises que produzem não se atêm a temas domésticos dos EUA, mas tratam de temas de interesse verdadeiramente internacional, que afetam direta ou indiretamente todos os países. A relação com a imprensa também ajuda a reforçar esse alcance global, uma vez que a mídia de outros países costuma prestar atenção ao que dizem os mais influentes think tanks. No caso do Brasil, não raro os grandes jornais publicam as opiniões de integrantes de think tanks e seus especialistas em América Latina sobre

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eventos na região e sobre o significado de decisões brasileiras, tanto de política interna quanto de política exterior. Essas manifestações ajudam a moldar uma narrativa específica, muito embora nem sempre reflitam conhecimento profundo sobre a realidade brasileira. Em suma, há uma variada tipologia de think tanks em atuação nos Estados Unidos. Eles podem assumir contornos mais nitidamente conservadores ou progressistas, manter vínculos estreitos ou tênues com os partidos, ou abrigar uma mescla de especialistas conservadores, “liberais” e independentes. De comum, possuem o traço fundamental de buscar soluções práticas para os desafios que governo e sociedade devem enfrentar nas mais diversas áreas, tais como política externa e segurança internacional, reforma do Estado, políticas de distribuição de renda, estrutura tributária, política comercial, energia e meio ambiente, entre tantas outras. Para entender o funcionamento desses centros de pensamento e sua função no sistema de poder norte-americano, é importante ter presente como se inserem na cultura política dos EUA, tema da próxima seção.

A cultura de think tanks nos EUA Segundo a tradicional publicação sobre o tema elaborada anualmente pela Universidade da Pensilvânia, há atualmente 6.826 think tanks no mundo, dos quais 1.828 – ou mais de um quarto do total – baseados nos Estados Unidos. Somente na cidade de Washington e vizinhança, são cerca de 550.8 Os think tanks são parte integrante do animado ecossistema político norte-americano. Juntamente com os partidos tradicionais, a burocracia de Estado, os conglomerados de comunicação, as firmas de lobby,

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as associações de classe e os Super PACs, os centros de pensamento fazem parte do jogo de disputa pelo poder, da definição de políticas públicas e da construção de narrativas e discursos. Os think tanks que buscam cultivar a imagem de isenção e apartidarismo ocupam um lugar único nessa constelação de instituições mediadoras da política, ao constituírem um ponto de confluência e sobreposição em que os representantes das demais instituições podem interagir em um esforço de legitimar ou deslegitimar propostas e ideias de políticas. A cultura política norte-americana favorece as atividades de reflexão e debate sobre os principais temas de interesse público e também a sua interação com a própria vida político-partidária. Há muitas explicações possíveis de por que esses centros de pensamento se firmaram como estrelas de brilho próprio no firmamento político norte-americano. A longevidade das práticas e instituições democráticas no país; o grau de participação da sociedade civil na administração da pólis; a reificação do indíviduo e da iniciativa individual na mitologia fundacional dos EUA; o costume de filantropia, a qual, em parte, deriva desse mesmo mito; até uma certa resistência à presunção de onisciência do governo estabelecido deverão ter contribuído para a germinação de uma cultura de criação e manutenção de instituições de caráter privado, sem fins lucrativos, concebidas para participar do debate público de ideias e influenciar o próprio processo político. Kubilay Yado Arin agrega a sua voz: “The creation of independent research institutes supported by private donations to conduct policy research and provide a forum for ideas and debate is a strongly American characteristic that originates from the nation’s democratic, pluralistic and philantropic tradition.”9 Carlos da Fonseca explica por que o sistema político norte-americano é permissivo

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a esse tipo de atividade, ao argumentar que o sistema de weak party, segundo o qual fundamentalmente os parlamentares têm liberdade para votar de acordo com seus interesses, o de seus distritos e sua própria consciência, encoraja a constituição de trincheiras de ideias. “A descentralização natural de um sistema como o americano favorece a proliferação de um número maior de think tanks, e contribui para a criação de ambiente institucional em que sua influência é mais visível e efetiva”.10 Pode-se dizer que os think tanks considerados mais influentes ainda são aqueles que apregoam sua suposta neutralidade do embate político-partidário e ideológico, buscando dar voz a diferentes tendências e abrir espaço para o debate plural de ideias, dentro de certos limites. Nesse sentido, os principais think tanks almejam evitar o partidarismo sem que deixem de ser políticos até a medula. É certo que nos últimos anos, coincidindo com a chegada ao poder do presidente Barack Obama, a polarização política no país fez minguar o chamado centro, que permitia juntar no Congresso os moderados dos partidos Democrata e Republicano. Esse ambiente político teve impacto sobre o mundo dos think tanks, alguns dos quais acabaram vendo na polarização uma oportunidade de reforçar seu poder de fogo, ao associar-se umbilicalmente a um dos campos. Conforme vimos acima, o think tank faz, nesse caso, uma espécie de dobradinha com seu braço de defesa de interesses e posições junto ao Congresso e ao Executivo, numa divisão de trabalho em que o primeiro fornece argumentos embalados em invólucro pretensamente científico, enquanto o segundo utiliza tais argumentos para a prática do lobby.11 A título de exemplo, a Heritage recentemente recrutou o ex-senador republicano Jim DeMint, da Carolina do Sul, que chegou a abrir mão de seu mandato para presidir a organização e articular o lobby em favor de

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causas conservadoras no Congresso. O caso ilustra a enorme sinergia e a relação orgânica verificada na relação dos think tanks com a elite político-partidária washingtoniana. Na cultura da chamada “porta giratória” (revolving door) nos EUA, os think tanks desempenham um papel crucial, ao fornecer o manancial de profissionais e especialistas que são chamados a ocupar cargos importantes em diferentes níveis da administração pública. Inversamente, é nos think tanks que muitos quadros partidários encontram abrigo quando não estão ocupando posições oficiais. O papel coadjuvante desempenhado pelas carreiras de Estado no país ressalta a vocação dos think tanks e das universidades como repositório de quadros para funções governamentais. De fato, é frequente o trânsito de membros dos think tanks para os quadros governamentais, para os gabinetes de parlamentares, para as fileiras partidárias ou para o setor privado. Um exemplo é o da atual conselheira de Segurança Nacional, Susan Rice, que, antes da chegada do presidente Barack Obama à Casa Branca, dava expediente na Brookings Institution. Mais recentemente, o ex-presidente do Banco Central norte americano (o FED), Ben Bernanke, assumiu função destacada no mesmo think tank. Da mesma forma, considerável parte da equipe responsável pela política externa e pela agenda de “segurança nacional” no governo do ex-presidente George W. Bush foi recrutada em think tanks conservadores – o que não é de se estranhar, dado que os republicanos haviam sido apeados da Casa Branca durante os oito anos de Clinton, e Bush, ao contrário de seu próprio pai, não tinha experiência em matéria internacional. Não é difícil constatar que a política externa de corte neoconservador implementada pelo texano continha todas as impressões digitais de uma escola de pensamento gestada fundamentalmente em organizações como American Enterprise Institute, Heritage

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Foundation, Center for Security Policy e Hudson Institution.12 Alguns desses quadros regressaram ao universo dos think tanks quando Barack Obama conduziu os democratas de volta à Casa Branca. Outro fator explicativo para a riqueza da paisagem de think tanks nos EUA é o papel que o pós-Segunda Guerra Mundial reservou aos Estados Unidos na ordem internacional. Há uma certa corrente historiográfica que identifica na geração de estadistas norte-americanos daquela época a responsabilidade pela própria criação da ordem internacional liberal resultante da vitória dos Aliados. Ungidos à condição de superpotência, de forma até inicialmente relutante, os EUA passaram a envolver-se, para o bem ou para o mal, em virtualmente todas as questões internacionais, o que se tornou mais pronunciado no contexto de disputa por zonas de influência com a União Soviética. Esse novo estado de coisas exigiu a presença de quadros versados em relações internacionais e preparados para influenciar decisões informadas em matéria de política externa e defesa. Foi nesse caldo que a cultura de think tanks prosperou. As principais organizações surgiram, na verdade, antes disso, no contexto da Primeira Guerra Mundial. A Brookings Institution é de 1916; o Hoover Institution on War, Revolution, and Peace, de 1919; e o Council on Foreign Relations foi criado em 1921. O Carnegie Endowment for International Peace nasceu ainda antes, em 1910. Naquela quadra histórica, a motivação para a germinação desses centros de pensamento era sutilmente diferente à do pós-1945: combater a tendência ao isolacionismo internacional que prevalecia na população norte-americana, inclusive em sua elite intelectual. Não é à toa que a ratificação ao ingresso dos Estados Unidos na Liga das Nações – edifício institucional que deve sua planta ao ex-presidente Woodrow Wilson – não foi aprovada por um Congresso recalcitrante e

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absorto por temas internos. Por terem sido desenvolvidos como vacina contra o isolacionismo na política externa norte-americana, os think tanks pioneiros têm inscrito em seu DNA traços liberais e cosmopolitas, em contraste a muitas das instituições de corte nacionalista e conservador surgidas já nos tempos altos da Guerra Fria. Também por essas razões os EUA são sede dos principais think tanks com capacidade de influência não apenas nacional como global. Narrativas, debates e conceitos são criados, forjados, reciclados, reproduzidos, espraiados e irradiados mundo afora a partir dos think tanks norte-americanos de forma sem paralelo. Não é difícil constatar que Washington, além de ser o marco zero da política norte-americana, é também um privilegiado posto de observação da própria política internacional. O número impressionante de think tanks nos EUA rivaliza apenas com o poder de mobilização de recursos demonstrado por vários deles. A cultura que favorece o florescimento desses centros de pensamento é a mesma que valoriza a contribuição de indivíduos extraordinários para o engrandecimento da nação. É uma cultura que também valoriza a busca de soluções não apenas racionais, mas, sobretudo, práticas para problemas concretos. Esses traços, já identificados por Tocqueville em seu clássico sobre a democracia norte-americana, explicam, para além da condição dos EUA como potência mundial, a prosperidade, a influência e o impacto dos think tanks. De fato, o observador externo mais desavisado não deixa de surpreender-se com o prestígio e o respeito que essas instituições gozam e, por consequência, a capacidade de formar opinião de que dispõem. Não é necessário assumir que os EUA ocupem posição hierarquicamente superior aos demais países na ordem internacional – o que seria, de resto, um equívoco – para que se reconheça a importância geopolítica,

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econômica, militar e cultural daquele país. Por isso, até para contestar o triunfo da narrativa de excepcionalidade norte-americana sobre o primado do princípio da igualdade soberana dos Estados, é vital saber navegar no ambiente político norte-americano, do qual os think tanks são parte intrínseca e indissociável. Aliás, a narrativa de excepcionalidade norte-americana é reiterada exaustivamente na cultura local de think tanks, os quais, de modo geral, não só buscam consolidar a ideia de que os EUA possuem deveres e direitos especiais como reclamam aos governantes norte-americanos a manutenção de um (improcedente) status diferenciado nas relações internacionais. Tendo em vista o papel que desempenham no sistema político norte-americano e junto ao grande público, é crescente o interesse de diversos governos e setores privados estrangeiros em encontrar maneiras de inserir-se no debate que ocorre nos think tanks. A busca de formas de participar desse mundo não apenas como objeto de estudo ou alvo passivo de análises, tem levado atores internacionais, em particular governos e empresas, a buscar entender melhor o panorama dos think tanks norte-americanos. Mais do que uma curiosidade intelectual, o que move esses atores externos é a necessidade de evitar que as narrativas construídas nesse âmbito contrariem seus interesses de longo prazo ou os alienem dos círculos decisórios.

O Brasil no debate público dos EUA Diversos parceiros internacionais dos EUA perceberam que a capacidade de atuar junto dos think tanks é parte fundamental de uma estratégia de longo prazo de busca de influência, de abertura de canais de comunicação e de acesso aos tomadores de

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decisão do país. Por essa razão, vários países investem na criação de programas ou “cadeiras” em think tanks, criando a capacidade de influenciar a agenda de debate nessas instituições e de aprofundar o conhecimento sobre a realidade e os interesses daquele país junto ao público que gira em torno dessas instituições: jornalistas, acadêmicos, membros do Executivo e do Legislativo, empresas, especialistas e profissionais dos próprios think tanks. Países como Índia, Coreia do Sul e Turquia perceberam que o investimento nos think tanks, desde que feito como parte de uma estratégia de longo prazo, pode criar predisposição mais favorável à visão e aos interesses desses países, em particular de seu setor privado. Ao contrário do que pode parecer numa análise apressada, não se trata de “comprar lealdade” ou “fazer propaganda”. Esse tipo de esforço, marcado pela busca da venda de uma visão oficialista, estaria fadado ao fracasso, justamente porque os think tanks costumam preservar o verniz da neutralidade. A janela que possuem para tornarem-se mais abertos a interesses e opiniões não convencionais reside no princípio do pluralismo político, um dos valores fundamentais que procuram preservar. Renomadas empresas coreanas financiam cátedras em determinados centros de pensamento não para garantirem informes totalmente simpáticos, mas para terem acesso a formadores de opinião, influenciarem a agenda de debates e garantir que seus interesses e visões sejam levados em conta. A eficácia dos think tanks depende em grande parte de sua imagem de independência, daí a necessidade de evitar uma associação automática ou nexo causal claro entre investimento ou patrocínio e o resultado produzido pelo centro de pensamento. Para as grandes empresas desses países, o retorno obtido com o investimento nos think tanks e na rede de relações que a presença

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ativa nessas instituições proporciona, embora nem sempre totalmente tangível no curto prazo, tem valor inestimável no longo prazo. Esses recursos seriam insignificantes diante dos gastos com escritórios de lobby e consultorias jurídicas contratados muitas vezes quando os interesses e as visões das empresas, de sua sociedade e seu governo não são objeto do esforço prévio junto aos formadores de opinião que gravitam em torno dos think tanks. Não se trata simplesmente de contribuir com recursos financeiros, mas de estreitar o relacionamento por meio da participação em debates e eventos e de construir vínculos de longo prazo entre instituições congêneres. Trata-se de uma estratégia mais sutil, própria da cultura norte-americana, em que a rede de relacionamentos e a capacidade de agregar sua voz a um debate produzem resultado mais legítimo, ao coadunar-se com o mito da competição plural de ideias que competem em igualdade de condições. No caso de empresas que se associam a determinados think tanks, o esforço deve ser realizado não apenas para receber convites para algum evento anual, senão para facilitar um engajamento nas atividades do dia a dia dessas instituições e influenciar sua agenda de debates. A Turquia oferece um exemplo bem acabado de participação in loco no debate norte-americano. O think tank turco SETA, que se dedica a disseminar informação e análise sobre política externa turca e outros temas de interesse, optou por abrir uma representação em Washington para divulgar informações, organizar eventos e participar mais ativamente dos debates patrocinados por outros think tanks norte-americanos. Já alguns grandes conglomerados japoneses e coreanos, como mencionado, preferem contribuir com somas importantes que financiam cátedras ou seminários que ajudam a criar ambiente favorável à discussão de temas de seu interesse.

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É forçoso constatar que o Brasil desempenha papel ainda muito aquém de seu potencial nos palcos norte-americanos, embora esse panorama comece a mudar gradualmente. Uma análise superficial dos eventos, debates, publicações promovidos pelos think tanks constatará facilmente que países de menor dimensão – e importância estratégica – atraem relativamente mais atenção e recursos do que o Brasil. Há várias razões para isso, muitas das quais relacionadas à maior proximidade geográfica de outros países da América Latina – em particular o México –, o que facilita os contatos e as interações entre as elites políticas e intelectuais desses países e os EUA. Nos últimos anos, porém, tem sido crescente o número de brasileiros que se formam em grandes universidades norte-americanas e passam pelo país, como estudantes ou como profissionais empregados por empresas. Os crescentes investimentos de empresas do Brasil nos EUA também é outro fator que estimula a presença de executivos brasileiros. Essa nova massa crítica, no entanto, ainda não gerou um movimento mais ambicioso para superar a relativa ausência brasileira no mundo dos think tanks.13 No passado, houve algumas iniciativas isoladas de ampliar a presença brasileira em think tanks que não chegaram a prosperar ou ter continuidade. Uma grande empresa brasileira patrocinou a presença de um pesquisador na Brookings Institution por um período de 12 meses, mas abreviado para oito meses por contingências pessoais. Não houve renovação do patrocínio. A Georgetown University também contou no passado com um programa Brasil que não foi adiante por falta de recursos. Em geral, há interesse crescente pelo Brasil, o que leva alguns departamentos, áreas e programas à dedicarem algum tempo ao país quando o considera relevante para um debate de interesse mais geral,

POLÍTICA EXTERNA

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como desenvolvimento sustentável, energias limpas ou governança da internet. Em Washington, há três iniciativas que se dedicam primordialmente a questões brasileiras: o tradicional Brazil Institute, ligado ao Woodrow Wilson Center for International Scholars, o Brazil Initiative, criado pela Elliott School of International Affairs da George Washington University, e o Brazil Initiative do Center for Strategic and International Studies (CSIS). No caso da George Washington University, a iniciativa constitui produto de uma doação anônima de ex-aluno daquela Universidade no valor de US$ 500 mil. O programa tem uma vocação eminentemente acadêmica, ainda que busque alcançar também audiência de formadores de opinião. A novidade no panorama dos think tanks de Washington foi o lançamento, em abril de 2014, da Iniciativa Brasil no âmbito do Programa Américas do respeitado CSIS. Considerado o mais importante centro de estudos estratégicos e um dos principais de relações internacionais no mundo, o CSIS lançou a iniciativa com o patrocínio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX-Brasil). Há também organizações latino-americanistas, como o Inter-American Dialogue, o Council on the Americas e o Council on Hemispheric Affairs, que, naturalmente se ocupam de temas de interesse para o Brasil, o que é natural em se tratando do maior país do espaço latino-americano e caribenho. Embora tenham contribuído, de maneira variada ao longo do tempo, para dar visibilidade ao Brasil no mundo dos think tanks, seu mandato abrangente tende a diluir a importância do país no contexto mais geral da região. Apesar do papel positivo que podem desempenhar, é preciso um esforço adicional para atrair essas instituições para temas de interesse brasileiro. Do contrário, a tendência natural é a concentração da atenção em temas que

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podem ser fontes de problemas para os EUA na região da América Latina e Caribe, como crimes transnacionais, drogas e outras ameaças à segurança. Os grandes desafios para um país da importância do Brasil no tocante aos debates em think tanks podem ser assim sintetizados: a) risco de diluição em um contexto mais amplo da região, com consequente simplificação na análise de um país grande e complexo, reforçando estereótipos e distorções de percepção que prejudicam os interesses nacionais; b) os contatos nem sempre estreitos e orgânicos dos especialistas de alguns dos think tanks com a realidade brasileira podem afetar negativamente a capacidade dessas instituições de produzir análises sofisticadas e de levar em conta o potencial da relação com o Brasil em diversas áreas; c) o investimento ainda relativamente reduzido de empresas, academia e de think tanks brasileiros na ampliação do debate sobre o país nos think tanks norte-americanos prejudica a capacidade de influenciar a construção de narrativas sobre o Brasil, dificultando o enfrentamento dos desafios anteriores. Com relação ao primeiro desafio e o risco de diluição no contexto mais amplo da América Latina, o caminho não é negar a identidade latino-americana do Brasil, mas ampliar o conhecimento sobre as características próprias do país. Muitos especialistas em América Latina são fluentes em espanhol, mas não têm treinamento em português. Outros viveram em países da região, mas possuem experiência limitada no Brasil. Essa constatação explica o segundo desafio, ou seja, a falta de uma rede mais densa de relações de muitos desses especialistas com a sociedade brasileira. Há também alguns casos de especialistas que chegaram a viver no Brasil no passado, mas tiveram dificuldade de interpretar as mudanças pelas quais o país passou nos últimos 20 anos. O terceiro desafio, que reforça os dois primeiros, deriva da ausência, em grande

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medida, da cultura de think tanks no Brasil. Com raras e honrosas exceções (como o CEBRI, a FGV e, na área pública, o IPEA e a FUNAG), o país não possui rede ampla de instituições congêneres aos think tanks norte-americanos, nem possui uma cultura análoga em que tais instituições exercem influência e plasmam o debate sobre políticas públicas.14 O efeito concreto, além da dificuldade de forjar parcerias institucionais, é muitas vezes a incompreensão quanto ao importante papel desempenhado pelos think tanks nos EUA. A indicação de um professor ou pesquisador para passar uma temporada em algum centro de pensamento norte-americano ainda não é encarada com naturalidade, ao contrário de um programa tradicional de doutorado ou pós-doutorado em alguma universidade. É forçoso constatar que, embora o Brasil conte com iniciativas importantes e tradicionais – como é o caso do Instituto Brasil do Woodrow Wilson Center, e os esforços de especialistas em órgãos como o Council of the Americas e o The Interamerican Dialogue – seria importante reforçar as atividades e as parcerias para ampliar as atividades que essas instituições promovem, de modo a dar maior visibilidade ao debate de qualidade sobre o Brasil. Além disso, faltaria investir na consolidação da presença brasileira em outros âmbitos não tradicionais, mas nem por isso menos importantes, que se ocupam de temas internacionais. Nos think tanks não especializados em temas latino-americanos, a dificuldade de penetrar pode ser ainda maior. Em geral, essas instituições têm dedicado pouca atenção ao Brasil ou a atenção tende a ser esporádica e não sistemática.

O Brasil no radar A despeito da atenção desproporcionalmente inferior que o país costuma receber desses centros de pensamento global em relação às suas dimensões territorial,

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demográfica, econômica e diplomática, é possível constatar que a recente ascensão internacional do Brasil mobilizou membros dessa comunidade, os quais, se não eram necessariamente especialistas em temas brasileiros, passaram a despertar para a crescente importância do Brasil em uma ordem internacional multipolar. Um exemplo interessante de atenção que gerou debate por algum tempo foi a Task Force dedicada ao Brasil pelo prestigioso Council on Foreign Relations, que levou à elaboração de um relatório, publicado em julho de 2011, contendo valiosas recomendações aos formuladores da política externa norte-americana.15 Entre elas, a sugestão que o governo norte-americano endossasse imediatamente o pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU como forma não só de reconhecer a crescente importância do Brasil nas relações internacionais como também de fortalecer o próprio sistema de segurança coletiva. Esse endosso ocorreu, porém, com alguns votos dissidentes que demonstram concepções ultrapassadas sobre o país, mas ainda assim o apoio da maioria dos integrantes ao pleito brasileiro não deixa de ser um fato de grande relevância. O relatório ainda opinava que deveriam ser criados órgãos dedicados exclusivamente ao Brasil no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional que emprestassem a devida atenção ao que acontecia no país. Para dar uma medida da importância daquele trabalho, relatórios semelhantes foram encomendados para tratar das relações dos EUA com outros grandes países em desenvolvimento: China (abril de 2007), Rússia (março de 2006) e Turquia (maio de 2012). Em senda semelhante, o Brasil tem sido objeto de discussões sobre a reforma da governança global e da compreensão da atuação internacional das chamadas potências emergentes, especialmente após a crise

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financeira de 2008, quando se cristalizou a percepção de que a ordem internacional se tornava crescentemente multipolar. Além do relatório do CFR, estudo elaborado conjuntamente pelo German Marshal Fund e pelo Center for a New American Security incluiu o Brasil entre os Global Swing States, países que nem se alinham automaticamente com o Ocidente rico tradicional nem com as potências percebidas como revisionistas, podendo, portanto, aliar-se taticamente com este ou aquele grupo de países de acordo com seus interesses e/ou leitura do sistema internacional.16 Recentemente, o Carnegie Endowment patrocinou um informe sobre política nuclear brasileira escrito por uma de suas especialistas, que pintou um quadro surpreendentemente equilibrado do Brasil nesse campo, algo nem sempre comum nos debates sobre questões nucleares em Washington.17 Digno de nota, a Brookings Institution acaba de publicar ensaio interessante, de título Brazil’s Rise: Seeking Influence on Global Governance, em que oferece tour d’horizon sobre a política externa brasileira e propõe recomendações de linhas de ação para que o Brasil reforce a sua vocação de potência global capaz de “moldar” os regimes internacionais.18 Em suma, pode-se dizer que o debate sobre o Brasil em centros dedicados à América Latina não corresponde à importância do país na região e no mundo, ao passo que o interesse em think tanks de escopo mais amplo, crescente, tem-se manifestado de maneira espontânea e por imposição da própria realidade, especialmente naquelas áreas em que o Brasil é um ator de maior peso. Ainda assim, essa atenção é conferida de forma ad hoc, de acordo com a necessidade do momento, sem responder a um esforço sistemático de inclusão da perspectiva brasileira nas atividades dos think tanks. Em termos de peso econômico e importância política, o Brasil encontra-se, se comparado

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com outros países de perfil semelhante ou até menores, ainda relativamente ausente desse ambiente competitivo e crucial para defesa de interesses e projeção de valores. Essa relativa ausência – ressaltamos aqui a palavra relativa, uma vez que há um número crescente de atividades relacionadas ao Brasil em termos absolutos – reflete-se em nível insatisfatório de conhecimento da realidade política, econômica e social do país no Executivo e no Legislativo dos EUA, onde prevalecem muitas vezes visões superficiais ou distorcidas que podem prejudicar os interesses brasileiros. É urgente superar, portanto, essa relativa falta de presença brasileira junto aos think tanks como forma de disseminar o conhecimento e ampliar a capacidade brasileira de influenciar os tomadores de decisão e formadores de opinião nos EUA.

Uma estratégia de longo prazo para o Brasil É desnecessário apontar as razões pelas quais um país das dimensões e da tradição internacional do Brasil deve se apresentar nos debates relativos às principais questões internacionais e à governança global. Além do trabalho diplomático tradicional, levado a cabo rotineiramente nos âmbitos bilateral e multilateral – e também em uma frente relativamente jovem conhecida como diplomacia pública –, é importante estabelecer uma presença de peso nos palcos em que os debates são travados e os discursos são plasmados. Em relações internacionais, imagens, percepções, discursos e narrativas importam como instrumentos de projeção e de poder.19 A ascensão internacional do Brasil nas últimas décadas sublinhou a urgência de que o país ocupe um lugar proporcional às suas dimensões e importância também na arena de debate de ideias. Na medida em

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que parte significativa do peso internacional do Brasil pode ser atribuída à seu poder de atração, a seu soft power e à capacidade do país de articular posições entre países de perfis distintos – ricos e pobres, grandes e pequenos, Ocidente e Oriente –, tão mais forte será a posição internacional brasileira quanto puder influenciar os debates, discursos e narrativas globais que nos afetam. Ampliar a presença dos Brasil nos think tanks norte-americanos é uma avenida que deve ser trilhada. É alentador saber que o investimento exigido para fazer diferença nesse ambiente é relativamente baixo em face dos potenciais benefícios a serem auferidos. Além da possibilidade de que os pontos de vista brasileiros sejam disputados em melhores condições – em temas diversos como meio ambiente, biocombustíveis, desarmamento e não proliferação, governança da internet, reforma do Conselho de Segurança da ONU, entre tantos outros –, a maior exposição do país em ambientes qualificados pode colaborar para defender interesses de natureza econômica e comercial e firmar o Brasil como destino de investimentos. Seria praticamente impossível ter uma estratégia única para ocupar espaços em think tanks, influenciar suas agendas e participar de seus debates. A estratégia que se exige de um país complexo e plural como o Brasil deve traduzir-se num esforço multifacetado para criar uma nova dinâmica de relacionamento, investimento, contatos e ocupação de espaços que, no longo prazo, permita aumentar a presença e a influência do país nesse âmbito. Por envolver atores variados (setor privado, governo, instituições acadêmicas e até veículos de imprensa), o esforço de ampliação da presença brasileira deve ser necessariamente um esforço em várias frentes simultâneas. Esse esforço ou estratégia multifacetada envolverá necessariamente a mobilização de recursos humanos brasileiros, a busca de

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parcerias interinstitucionais, o envolvimento do setor privado e a participação ativa de autoridades governamentais. É importante que todos esses atores possam interagir, mas cada um guardará certo grau de autonomia e buscará atuar de acordo com seus interesses e prioridades. No entanto, é plenamente possível explorar uma perspectiva colaborativa, uma vez que todos compartilhariam o interesse em aumentar a presença e influência brasileiras nos círculos decisórios norte-americanos. A estratégia multifacetada passará necessariamente pela criação de oportunidades concretas para que os diversos atores potencialmente interessados nesse esforço possam intercambiar opiniões e juntar forças, sem prejuízo de perseguirem seus próprios objetivos individuais. A estratégia deve abarcar a identificação e mobilização de recursos humanos especializados, o fomento à ocupação de espaços naturais que se abrem e nem sempre são aproveitados, o reforço dos programas e iniciativas sobre o Brasil já existentes e, idealmente, a criação de programas, cátedras ou contratação de pesquisadores brasileiros que contribuam para elevar o perfil da contribuição propriamente brasileira ao debate nos think tanks (esse último objetivo poderia envolver a necessidade de doações por parte de fundações e corporações).

Rede de especialistas brasileiros A busca de maior presença brasileira nos think tanks enfrenta a dificuldade prática da falta de especialistas brasileiros ou de verdadeiros brasilianistas ocupando lugares de destaque nessas instituições. Esse problema deve ser enfrentado com mais participação de especialistas, profissionais e acadêmicos brasileiros nos debates e nas investigações

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patrocinadas por centros de pensamento. Mas quem são esses brasileiros? Não é uma pergunta de fácil resposta. Apesar da massa crítica de brasileiros já referidos (acadêmicos, professores e executivos de empresas nos EUA ou com passagem por aquele país), nem sempre o conhecimento específico e a compreensão sofisticada da realidade brasileira e norte-americana traduzem-se em vocação ou interesse em participar de atividades em think tanks. Esta é uma das áreas em que o governo pode ter um papel de catalisador, juntando os elementos que permitirão o salto de qualidade. A Embaixada do Brasil em Washington deu um primeiro passo nessa direção ao iniciar a consolidação de um banco de dados de especialistas brasileiros e brasilianistas norte-americanos interessados em participar de debates com foco em think tanks. Iniciou, com o mesmo objetivo, a construção de um mapa orgânico dos think tanks norte-americanos, por meio do qual são monitoradas as atividades dos think tanks com o objetivo de identificar potenciais interesses brasileiros. Além disso, a Embaixada vem mantendo conversas com a Brazilian Studies Association (BRASA), tradicional associação que reúne brasilianistas nos EUA e em outros países, com grande presença de acadêmicos que conhecem profundamente o Brasil, falam português e poderiam, em tese, ajudar a elevar a qualidade do debate sobre o país nos think tanks. O mapeamento desses recursos humanos é fundamental para gerar a dinâmica que se pretende, ao estimular os tradicionais especialistas de think tanks a lidar com informação e análise mais profunda, nem sempre disponível na imprensa. É importante reiterar algo que tocamos apenas superficialmente: esse esforço precisa ter como principal objetivo elevar a qualidade do debate e das análises, até para demonstrar que o especialista brasileiro traz em sua bagagem um valor agregado propriamente

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nacional a debates em diversas instâncias. O esforço estará destinado ao malogro se partir do pressuposto que o objetivo deva ser controlar o discurso ou instrumentalizá-lo para avançar posições oficiais. Não se trata disso, mas de permitir que o embate plural de ideias reflita grau maior de conhecimento sobre a realidade brasileira, seus desafios e seus êxitos, superando a perspectiva superficial que de outro modo tenderia a prevalecer. O esforço é muito mais para participar do debate, acrescentar uma perspectiva genuinamente brasileira às discussões, aumentando a chance de influenciar opiniões e narrativas de alcance global. É importante destacar que a montagem de uma estratégia de ampliação da presença do Brasil nos think tanks norte-americanos deve priorizar não só o fomento das atividades de especialistas em Brasil – brasileiros ou brasilianistas –, mas também a inserção de especialistas brasileiros que possuem conhecimento e especialização nos principais debates globais, sobretudo nos temas em que o Brasil possui posição vanguardista: redução da pobreza e da desiguldade, energias renováveis, mudança do clima, governança da internet, etc. Em outras palavras, prender uma bandeira auriverde na lapela de um Brazil Fellow não basta: é preciso posicionar brasileiros nos debates de interesse mais amplo. De fato, seria um equívoco buscar a proliferação de cadeiras sobre o Brasil ou programas dedicados apenas ao Brasil. Mais inteligente, como forma de aumentar a influência brasileira, é ter brasileiros dando as cartas em diversos debates sobre temas de importância para os EUA, para o Brasil e para o mundo. Embora tenhamos buscado distinguir os think tanks das instituições acadêmicas tradicionais, é preciso reconhecer o papel desempenhado por dois centros universitários de elite no treinamento profissional de think tankers: a John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard e o

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Woodrow Wilson School of Public and International Affairs da Universidade de Princeton. Não é coincidência que, dentro dessas escolas, funcionem centros cuja atividade não difere da dos think tanks, como o Belfer Center for Science and International Affairs de Harvard, que ocupa o 21º lugar no ranking dos think tanks norte-americanos elaborado pela Universidade da Pensilvânia e o primeiro lugar entre os think tanks ligados a universidades. Na medida em que nessas instituições são preparados os quadros que ocuparão altas posições nos centros de pensamento (e em diversos governos nacionais), é importante, no âmbito da estratégisa proposta, ampliar o acesso de estudantes brasileiros a essas e outras instituições – o que pode ser feito inclusive por meio de concessão de bolsas de estudo financiadas pelo setor privado brasileiro (a exemplo do que já faz a Fundação Estudar).

Aproveitando espaços abertos e o interesse espontâneo A mobilização de recursos humanos é essencial para a capacidade de indicar participantes em debates de interesse do Brasil ou naqueles setores em que a perspectiva brasileira possa representar um valor agregado à discussão. No caso de programas e iniciativas sobre América Latina, muitas vezes é difícil encontrar dirigentes que possuem conhecimento profundo sobre o país. Essa deficiência pode ser superada, ao menos em parte, se for possível indicar profissionais, especialistas e acadêmicos brasileiros e brasilianistas bem formados e com experiência e vivência no Brasil para participar de diversas atividades. É comum que tais think tanks solicitem indicações de Embaixadas, correspondentes de jornais brasileiros e a brasileiros conhecidos que ocupam cargos em organismos internacionais.

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No entanto, nem sempre é possível encontrar as pessoas que poderiam contribuir para elevar o nível de debate sobre o Brasil. Aqui vale uma anedota que os autores ouviram de um interlocutor durante a pesquisa para a elaboração deste artigo. Segundo nossa fonte, uma contribuição financeira vultosa aportada por um filantropo brasileiro permitiu o estabelecimento de uma cátedra Brasil em uma grande universidade norte-americana. Não obstante, a cátedra tem sido ocupada por nacionais de outros países da região. Se isso ocorre na academia, em que existe massa crítica de professores e alunos brasileiros altamente capacitados, o problema é ainda mais grave no mundo dos think tanks. Nesse caso, não basta abrir espaços de influência e participação, é preciso ter o material humano disponível que ocupará o terreno. Daí a importância de consolidar uma rede de contatos e, sobretudo, criar parcerias com instituições brasileiras que possam interessar-se em estabelecer vínculos com centros de pensamento norte-americanos. Os espaços abertos espontaneamente, portanto, podem ser aproveitados por indivíduos que se disponham a participar mais ativamente de eventos em think tanks ou até mesmo submetam-se a seleções para ocupar cargos. Além disso, a via mais frutífera, por gerar uma relação de longo prazo e contribuir em base mais permanente para a projeção do Brasil nesse campo, seria o da cooperação interinstitucional. A título de exemplo, o principal think tank de estudos econômicos de Washington, o Peterson Institute for International Economics, manifestou no passado recente interesse em abrigar por um ano e meio um economista sênior de alguma instituição brasileira para integrar-se à sua equipe de estudos e pesquisas. Para tanto, a instituição de origem teria de arcar com o salário e manutenção do pesquisador em Washington, algo que pareceria um entrave menor diante do

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benefício de ter alguém em prestigioso centro de pensamento. As instituições brasileiras potenciais candidatas, contudo, não parecem ter despertado para esse tipo de oportunidade. Trata-se de um esforço que deve ser realizado como parte da estratégia multifacetada que propomos. Tratamos aqui do fomento aos acordos interinstitucionais e da ocupação de espaços por pesquisadores individuais, utilizando o mapeamento de potenciais interessados para ativar um debate entre eles sobre a importância desse esforço – algo que o governo brasileiro pode iniciar, mas que deve ser uma tarefa compartilhada com setor privado e instituições acadêmicas parceiras. Isso valeria tanto para os think tanks especializados na região quanto para outros de escopo mais amplo. Um outro componente importante reside em redobrar esforço para que autoridades públicas e empresários brasileiros incluam em seus périplos pelos EUA a participação em debates, abertos ou mais restritos, nos think tanks de maior prestígio. Esse esforço tem sido feito, mas de forma ainda pouco sistemática, uma vez que persiste a incompreensão sobre a importância desses centros de pensamento no contexto político norte-americano.

Influenciando a agenda e criando novas oportunidades Os elementos descritos acima voltados para a ocupação de espaços que se abrem naturalmente ou para aproveitar o interesse existente sobre o Brasil, são parte integrante na perseguição de meta mais ambiciosa, que é criar as condições para que se possa de maneira ativa e permanente criar uma demanda sobre Brasil e especialistas brasileiros, influenciando a própria agenda de debates em um sentido que reflita os valores e interesses da sociedade brasileira.

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Conforme procuramos ressaltar ao longo deste artigo, não propomos uma agenda por etapas, mas a busca de uma nova dinâmica que requer esforço simultâneo em várias frentes. A ocupação de espaços existentes pode evoluir rapidamente para uma relação de longo prazo e vai traduzir-se, mais adiante, em influência sobre a agenda de debates em diversas áreas. De qualquer forma, a ambição de aumentar a influência e adquirir capacidade de moldar o debate ou participar da delimitação das fronteiras de sua legitimidade deve permanecer como o horizonte ou o norte de todo o esforço de relacionamento com os think tanks. Isso pode ser obtido, como se disse, com uma cooperação inteligente entre instituições brasileiras e norte-americanas. Dada a natureza dessas instituições, porém, será muito difícil conseguir influência substancial na definição de suas prioridades sem participação ativa das empresas em seus Conselhos ou sem doações que permitam custear pesquisadores temporários, os non-resident fellows, ou a criação de linhas de pesquisa, iniciativas, departamentos ou mesmo cátedras de caráter mais permanentes. Um ensaio para algo mais ambicioso e que pode ser considerado um projeto-piloto é a iniciativa Brasil do Center for Strategic and International Studies, a que nos referimos acima. Nesse caso, um aporte da APEX-Brasil abriu as portas desse centro de estudos para a definição de um programa de trabalho de um ano, renovável por igual período. O caráter inovador da iniciativa reside na abertura de um diálogo permanente com a área de América Latina do centro para definir temas prioritários e sugerir palestrantes, informes e outras iniciativas. O centro reserva-se o direito de acatar ou não as sugestões, de modo a preservar sua independência, mas o diálogo sobre a agenda é algo inédito, que também pode ser obtido em outros think tanks, desde que cuidadosa-

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mente negociado. Caso o exemplo do CSIS seja bem-sucedido, seu efeito será o de despertar o interesse de empresas, fundações, associações empresariais e doadores individuais brasileiros para a importância de estabelecer vínculos de longo prazo com centros de pensamento. Trata-se de uma aposta que, se produzir os resultados esperados, tenderá a firmar-se no CSIS e atrair novas parcerias e doações para reforçar iniciativas semelhantes em diferentes think tanks. Para que esse esforço ganhe corpo, o papel do setor privado deverá ser amparado pela participação das instituições brasileiras mais próximas ao modelo de think tanks, tendo em vista que são elas as candidatas naturais a forjar parcerias que ajudarão a melhorar a qualidade do debate sobre o Brasil nos EUA e abrir espaços de influência para brasileiros em áreas de interesse global. Não há dúvida que o fortalecimento da cultura de think tanks no Brasil poderá ajudar no estreitamento dos contatos entre think tanks brasileiros e seus homólogos no exterior.

Conclusões Não é incomum que observadores da relação bilateral Brasil-EUA defendam a ideia de que a melhor estratégia para Brasília é ficar abaixo do radar de Washington. A lógica que preside tal argumento é a evidência de que os EUA costumam dedicar atenção prioritária a países problemáticos ou a seus aliados, de modo que, por não pertencer nem a uma nem a outra categoria, o Brasil estaria distante das preocupações mais candentes dos norte-americanos e, por isso, desfrutaria de maior flexibilidade para conduzir suas relações exteriores.20 Ainda que o argumento tenha tido validade em período em que a política externa brasileira não tinha alcance verdadeiramente global, a ascensão do Brasil não permitirá que o país volte a passar despercebido na cena internacional.

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E isso significa que os think tanks norte-americanos terão interesse crescente no Brasil, até pela relevância do país para o debate de temas regionais e globais. A questão que se coloca não é mais se o Brasil será ou não analisado e interpretado nesse ambiente, mas qual produto no mercado de ideias tenderá a obter sucesso de vendas. Dito de outro modo, a questão é saber se o país será objeto passivo de análises e interpretações nos think tanks ou se será capaz de tornar-se sujeito na definição de narrativas que têm impacto sobre sua projeção internacional. É mais válido do que nunca o argumento de que o Brasil não deve pautar sua ação externa e muito menos estabelecer a sua persona internacional vis-à-vis os Estados Unidos. Em todo caso é importante recordar que a ampliação da presença do Brasil nos think tanks norte-americanos não visa somente a influenciar a formulação de política externa dos EUA para o Brasil (ou em temas de interesse direto brasileiro), mas inserir uma perspectiva brasileira nas narrativas globais que são cozinhadas e fermentadas no âmago dessas instituições. Diferentemente de uma visão tributária da escola realista das relações internacionais, o esforço de compreensão do comportamento internacional de uma potência como os Estados Unidos não pode restringir-se ao exame da estrutura do sistema internacional, entendida como a distribuição mundial de poder econômico e militar. É preciso buscar entender igualmente a complexa lógica interna de formulação de políticas e de tomada de decisões, bem como a intricada rede de interesses e valores cruzados e nem sempre coerentes, cuja interação é mediada não apenas pelas agências estatais e pelas instituições públicas, mas também por entes privados. Nesse contexto, os chamados think tanks desempenham uma função crucial no sistema de poder norte-americano, ao constituírem instrumento utilizado para influenciar

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decisões e consolidar visões de mundo em distintas áreas. A necessidade de uma estratégia multifacetada de longo prazo para o relacionamento e a influência junto aos think tanks tem, portanto interesse evidente para a defesa e projeção dos interesses e valores do Brasil nos EUA e no mundo. Essa estratégia passaria não apenas pela mobilização de recursos financeiros, única forma de obter acesso e influenciar as agendas, mas também por esforço de mobilização de recursos humanos e uma utilização inteligente das eventuais contribuições e doações obtidas. Alguns exemplos de doações de brasileiros já demonstraram que apenas recursos financeiros, sem a preocupação de influir na sua aplicação ou na escolha das pessoas responsáveis por gerir programas, pode ter escassos efeitos práticos para o objetivo de projeção de interesses de longo prazo. A estratégia multifacetada que propomos, e que exigirá coordenação e diálogo sistemáticos entre governo, setor privado e instituições acadêmicas, teria de definir objetivos de curto e longo prazos, incluindo, entre outros, os seguintes aspectos: a) identificar áreas e temas de interesse prioritário do Brasil e mapear os think tanks mais influentes nesses setores; b) fomentar a cooperação pontual entre tais think tanks e instituições brasileiras (criação de fellowships seria uma opção nesse sentido); c) identificar profissionais e especialistas brasileiros (ou

norte-americanos com conhecimento profundo do Brasil) para ocupar espaços nos think tanks, de modo a aportar a contribuição brasileira ao debate sobre temas de interesse local e global; d) os elementos anteriores deverão propiciar um plano de investimentos, a ser utilizado por potenciais doadores brasileiros, com vistas à criação de linhas de pesquisa, programas e iniciativas em think tanks que sejam de interesse brasileiro. Se os países são, além de território, população e governo, produto de ideias coletivas, é crucial que seus líderes, políticos, tecnocratas, empresários e pensadores atuem no universo das ideias, não somente animados pelo objetivo de ampliar o conhecimento humano, mas de fincar uma bandeira de seu país. Os think tanks norte-americanos oferecem uma arena privilegiada em que o Brasil reúne todas as condições para figurar com a mesma grandeza que desfila nas relações internacionais. Para tanto, é fundamental não apenas despertar para o papel crucial dos centros de pensamento na política norte-americana e na consolidação de visões de mundo de alcance global, mas buscar uma estratégia que permita mover-se em um ambiente competitivo em que tão importante quanto a criatividade na formulação de ideias de política é manejar com destreza as ferramentas da política de ideias. Outubro de 2014

Notas 1. Vide MCGANN, James, 2014. 2. Vide MR. X. “The Sources of Soviet Conduct”. Foreign Affairs. July 1947.

7. Para uma análise pormenorizada dessa característica estrutural da mídia, ver BOURDIEU, 1997. 8. MCGANN, 2014, p. 19.

3. MCGANN, 2007, p. 11.

9. ARIN, 2014, p.15.

4. SEELE, 2013, p. 26.

10. FONSECA, 2004, p. 139.

5. ARIN, 2014, p. 25.

11. Vide BENDER, 2013.

6. Apud SEELE, 2013, p. 45.

12. FONSECA, 2004, pp. 142-145.

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13. Na academia, há dezenas de centros de estudos brasileiros, mas seu impacto junto aos think tanks de Washington é reduzido. Embora também ajudem a disseminar uma visão mais sofisticada sobre o Brasil, esses centros não substituem uma estratégia para relacionamento com os think tanks. 14. Seria injusto deixar de mencionar o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) como precursor dos think tanks brasileiros em matéria de política externa. Para ilustrar a influência de seus debates no fazer político, os pilares conceituais da Política Externa Independente (PEI), de Jânio Quadros e João Goulart, haviam sido antecipados pelos isebianos na década anterior – em particular por Helio Jaguaribe em seu O nacionalismo na atualidade brasileira.

16. Vide KLIMAN & FONTAINE, 2012. 17. Vide KASSENOVA, 2014. 18. Vide TRINKUNAS, 2014. 19. Há uma rica literatura teórica, liderada por Robert Jervis e Joseph Nye, que respalda esse argumento. Ver, entre outros: JERVIS (1976) e NYE, 2011. 20. É sempre oportuno recordar que a noção de “aliado” no léxico da diplomacia norte-americana não carrega juízo de valor; trata-se de conceito formal. Os “aliados” norte-americanos são divididos fundamentalmente em duas categorias: os membros da OTAN e os “grandes aliados que não são da OTAN” (“non-NATO major allies”).

15. Vide CFR, 2011.

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