IDENTIDADE CULTURAL E TEATRO: UM ESTUDO DE CASO DE UM MOSAICO AFRO-ROMANO 1

May 28, 2017 | Autor: Regina Bustamante | Categoria: Roman North Africa, Roman Mosaics, Theater
Share Embed


Descrição do Produto

IDENTIDADE CULTURAL E TEATRO: UM ESTUDO DE CASO DE UM MOSAICO AFRO-ROMANO1 Prof.ª Dr.ª Regina Maria da Cunha Bustamante

Introdução A História nos permite conhecer melhor o presente e a inesgotável diversidade humana, que nela se manifesta. Renunciando à presunção dos julgamentos definitivos e irrevogáveis, sendo historiadores, devemos nos empenhar em observar a dimensão plural da existência dos homens, isto é, examinar criticamente as ações e especificidades das sociedades humanas. Ao dialogarmos com os antigos, esforçamo-nos por nos colocarmos em lugares específicos do passado, onde eles se moviam, mesmo sabendo que os resultados alcançados por essa aventura serão, muitas vezes, precários. Hartog (2003, p.198) defende que a “manutenção desse jogo do mesmo e do outro, com sua sucessão de problemas e sua história, com suas tensões e suas reviravoltas” faz com que os antigos despertem interesse no presente por serem paradoxalmente “nem mesmo, nem outros e, ao mesmo tempo, um e outro”. O estudo da Antiguidade produz indubitavelmente um sentido de alteridade espacial e temporal, que é operada com a intenção de projetar uma reflexão sobre o presente, estimulando e desenvolvendo um olhar crítico sobre o social. Problemas urgentes do mundo contemporâneo trazem, para o âmbito da História Antiga, campos de visibilidade da vida social que nos ajudam a compreender, através do encontro com a diferença, nossos próprios caminhos e opções. Eis a dialética da duração: como estudiosos da Antiguidade, ao nos debruçarmos sobre o passado, pensamos no presente e pensamos o presente. Assim, o tema contemporâneo da construção das identidade/alteridade culturais suscitou o presente texto.

1. Identidade/alteridade culturais, uma relação dialógica A questão da identidade/alteridade culturais na nossa sociedade está sendo vigorosamente debatida nas teorias sociais. Argumenta-se que as velhas identidades, que uniam e estabilizavam o mundo social por tanto tempo, estão em diluição dando lugar a novas identidades (nacionais, culturais, sociais, geracionais, religiosas, gênero...) e fragmentando o

1

No presente texto, aprofundaram-se aspectos desenvolvidos para a comunicação “Mosaico „O poeta trágico e o ator cômico‟: identidade cultural e elite provincial afro-romana”, apresentada no V Colóquio Internacional “Mito e performance: da Grécia à modernidade”, ocorrido em La Plata (Argentina) no período de 16 a 19 de junho de 2009. O texto foi resultante de pesquisa realizada para a Bolsa de Produtividade do CNPq. A atual versão foi publicada em: BUSTAMANTE, R. M. da C. Identidade cultural e teatro: um estudo de caso de um mosaico afro-

indivíduo moderno como sujeito unificado. Essa denominada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança que está “deslocando” as estruturas e desmanchando as “armações” que davam aos indivíduos e grupos a unidade e a estabilidade no mundo social, ou seja, o conceito de identidades está sendo “descentrado”. O mundo contemporâneo vive uma volatilização de sistemas éticos, de identidades e de solidariedades “locais”. A identidade – que antes oscilava entre a separação de um complexo múltiplo de unidades definidas pelas suas diferenças e uma estrutura capaz de absorver uma multiplicidade de variáveis e ainda assim manter sua unidade básica – estaria agora sendo abordada como uma relação em que o “outro” constitui a identidade do “eu”. Haveria, portanto, uma relação de alteridade no processo de identificação. Os estudos atuais criticam uma perspectiva unitária, monolítica, autônoma, essencialista e a-histórica das culturas. Considera-se que as formas de identidade/alteridade são específicas de um contexto histórico e social determinado, tanto no tocante aos processos internos da sociedade quanto às suas relações e aos contatos com outras sociedades próximas ou distantes. Portanto, pertencer ou não a um grupo ou a uma sociedade é uma construção social e cultural, cujo significado e forma variam no tempo e no espaço, podendo coexistir uma multiplicidade de identidades/alteridades que interagem umas com as outras. Por isso, devemos atentar para as múltiplas interpenetrações e apropriações culturais, que possibilitam o entendimento do aparecimento de identidades e culturas fronteiriças, próprias das práticas de negociação cultural que transcendem às contradições dualistas através das experiências relacionais. Evidenciamos, assim, uma pluralidade de situações de inclusão, assimilação, segregação, estigmatização e exclusão social, que instigam o estudo das diversas estratégias, como por exemplo: homogeneização (estratégias formais e informais de vigilância/punição devido ao grande medo da diversidade), hierarquização da diversidade (estratégias de favorecimento para formação de grupos fechados com lugares hierarquizados) ou “mestiçagem”/“hibridismo” (estratégias de criação de lugares de ambiguidade). Ao lado dos parâmetros para nos situar frente aos “outros” pelo poder econômico e pela autoridade política, estão surgindo novos parâmetros que privilegiam uma visão do “eu” e do “outro” a partir das experiências relacionais do cotidiano, condizentes com os diferentes aspectos culturais presentes em cada sociedade. Assim, a identidade dos grupos humanos seria construída a partir das interações culturais historicamente verificáveis, nas quais se inseriria a concepção de alteridade, permitindo a percepção do homem na sua diversidade, romano. In: ROSA. C. B. da R.; VIEIRA, A. L. B. (Org.). Teatro Grego e Romano; História, Cultura e Sociedade. 1ed.São Luís: Café & Lápis; Ed. UEMA, 2015, v. 1, p. 181-204.

2

como ser essencialmente cultural. Portanto, a mesma operação, que possibilita conceber o “outro”, inscreveria também os parâmetros da identidade: reconhecer-se, substantivar-se, definir para si aquilo que lhe é próprio. Não há constituição em separado do “mesmo” em identidade e do “outro” em diferença. O estudo dos mecanismos de abordagem da diferença em sociedade pressupõe o estudo das formas de reconhecimento em que o grupo compreendese e se fabrica como unidade. Verso e reverso – identidade e alteridade – encontram-se intimamente interligados. Assim, as identidades coletivas envolveriam sistemas complexos de interpelações e reconhecimentos através dos quais os agentes sociais se inscreveriam na ordem das formações sociais de diferentes formas: voluntária, negociada, consensual, imposta e outras. A interação entre culturas acontece com a intersecção de diferentes hábitos, valores e conceitos presentes na sociedade. A interação cultural requer uma concepção de cultura como historicamente reproduzida na ação. Neste contexto, as interações culturais implicariam dinamismo/transformação/alteração/variação de culturas seja em termos diacrônicos ou sincrônicos. Problematizar as diversas formas de identidades/alteridades culturais não implica forçosamente abordar unicamente formas institucionais nem priorizar um conjunto particular de determinações (quer sejam técnicas, econômicas ou demográficas), mas atentar para como se inserem no processo social. Valorizam-se tanto os seus feixes de ativação e modos de assentimento/assimilação quanto as diversas formas de resistência, re-produção, sublevação, subversão, ou seja, as diversas maneiras pelas quais os sujeitos/grupos interpretam, reinterpretam, desviam e fazem circular as múltiplas identidades/alteridades culturais presentes na sociedade, penetrando assim no labirinto das relações e das tensões que o constituem. Neste sentido, pensar diferentes modos de articulação das identidades/alteridades com o mundo social demanda uma sensibilidade para a pluralidade das clivagens (classificação socioprofissional, pertenças de gênero, etnias ou geracionais, adesões religiosas, tradições educacionais, solidariedades territoriais...) e a diversidade dos empregos de materiais ou de códigos compartilhados. Desta forma, os conceitos de identidades/alteridades culturais facultam compreender um campo social compósito. A adoção destes conceitos acaba por

superar

a

lógica

binária

conquistador/conquistado,

explorador/explorado

ou

colonizador/colonizado, que priorizava e valorizava o elemento dominante/estrangeiro em relação ao dominado/nativo. Busca-se entender os processos e resultados das complexas negociações entre diferentes culturas. Assim, pretendemos aqui avaliar as experiências vividas e os significados presentes no discurso construído pela elite provincial da África

3

Romana, que, no presente estudo de caso, se materializa numa imagem vinculada a um mosaico.

2. Imagem, um discurso a ser interpretado No presente estudo, optamos por privilegiar o modo de produção de sentidos da imagem, ou seja, como ela provoca significações. Partimos da premissa de que a imagem é uma linguagem composta de signos e, portanto, passível de interpretação (JOLY, 1997, p. 48). O produtor da imagem encontra-se numa relação dialógica com a sociedade na qual está inserido: produz por diversas motivações culturais e sociais e seus produtos retornam à sociedade reforçando, criticando ou formulando novos valores e práticas. Seguindo Bérard (1983, p. 5-37) consideramos que as imagens correspondem a uma narrativa e seus criadores as fizeram a partir de um repertório comum de elementos estáveis e constantes na sua sociedade. A combinação destes elementos constitui-se numa imagem de conteúdo narrativo. Através destas combinações associativas, podemos passar da relação de referência à relação de significação, daí a pertinência da aplicação da leitura semiótica. Tal como o signo, a imagem está no lugar de alguma coisa para alguém e possui alguma relação ou alguma qualidade analógica desta coisa, constitui-se assim numa representação visual. Apresenta-se como uma ferramenta de expressão e comunicação ao transmitir uma mensagem para outro. É, portanto, uma mensagem visual composta de diversos signos, ou melhor, uma linguagem. O texto imagético, por utilizar um código visual construído socialmente, é um importante documento para a compreensão da sociedade que o produziu e consumiu. Na leitura do mosaico selecionado, optamos por aplicar a proposta do semiólogo Peirce, pois consideramos a imagem um signo, na medida em que exprime a relação entre o significante e o significado, que se transforma em idéias e demanda uma atitude interpretativa dos seus leitores. Eco (1991, 2004a, 2004b e 2007) abordou a idéia de Peirce da semiótica ilimitada, porém isto não implica dizer que a interpretação não tivesse critério nem que a interpretação fosse desprovida de objeto nem, muito menos, que ocorresse por si própria. No esquema peirceano (1992 e 2000), o signo mantém uma relação solidária entre, pelo menos, três pólos que compõem a dinâmica de qualquer signo como processo semiótico: o significante ou o representamen (a face perceptível do signo), o objeto ou o referente (o que é representado pelo signo) e o significado ou o interpretante (que depende do contexto do seu aparecimento e da expectativa do receptor). A partir destes três pólos do signo, estruturamos o presente estudo de caso.

4

2.1. Signo imagético musivo: seu significante Eis mosaico selecionado que, no esquema peirceano, corresponde à face perceptível do signo, constituindo, portanto, o seu significante ou representamen.

FIGURA 12 (KHADER & SOREN, 1987, p. 191, fig. 57; FANTAR et al., 1994, p. 199; BLANCHARD-LEMEE et al., 1996, p. 220, fig. 165; LANCHA, 1997, pl. IX; LAVAGNE, BALANDA & URIBE ECHEVERRÍA, 2000, fig. 57; SLIM & FAUQUÉ, 2001, p. 173; KHADER, BALANDA & URIBE ECHEVERRIA, 2003, fig. 235; ABED, 2006, p. 114, fig. 6.4)

Passemos à identificação do objeto ou referente, visando inferir o que é representado pelo significante acima exposto (FIGURA 1).

2

Dimensões: medalhão central: 1,31m de diâmetro; Acervo: Museu Arqueológico de Sousse na Tunísia.

5

2.2. Signo imagético musivo: seu objeto Emoldurado por uma composição geométrica de cubos em perspectiva, encontra-se um medalhão circular com elementos figurativos em fundo branco. Nele, há duas figuras humanas, vestidas à maneira clássica. Utilizou-se, assim, uma expressão iconográfica da tradição cultural greco-romana. Principiemos pela figura sentada mais ao fundo da cena. É um homem de cabelo encaracolado e barba – sinal diacrítico de idade adulta – castanhos. Veste uma toga com faixa púrpura estreita e pregas (toga angusticlave contabulada) e está sentado num banco sobre estrado com as pernas cruzadas e calçando crepida3. A toga simbolizava a dignidade do cidadão romano. Também se relacionava à paz, pois era utilizada, em períodos pacíficos, para atividades políticas e cerimoniais, próprias do espaço urbano, diferentemente do uniforme e das armas do soldado, portados pelo cidadão em tempos de guerra (MENDES, 2003, p. 310-312). Por isso, o poeta latino Virgílio (70-19 a.C.) definira os romanos como “nação togada” (VIRGÍLIO. Eneida I.282), ressaltando assim a Pax Augusta (Paz Augusta), obtida no governo de Augusto (27 a.C.-14). Os romanos consideravam-se possuidores não apenas do poder militar, mas também de uma civilização, que tinha a toga como a indumentária do seu cidadão, que se opunha às vestes do “outro” (mulher, escravo, estrangeiro/“bárbaro”). Tradicionalmente, a toga era feita de um longo tecido (em alguns casos, de até 6,5m) em lã espessa e branca, que era arrumado em dobras cobrindo o corpo. A própria palavra toga deriva do verbo latino tego, texi, tectum, que significa cobrir. Era uma roupa tão elegante quanto incômoda: era difícil de vestir e portar, restringindo os movimentos e tornando os gestos mais comedidos e solenes, distintamente da túnica curta que era utilizada pelos trabalhadores em suas fainas diárias. A toga diferenciava os cidadãos por sua idade, condição social ou cargo público que ocupavam, sendo, portanto, um fator de visibilidade da diferenciação social. Assim, a toga angusticlave, adornada com uma faixa estreita de púrpura, era vestida pelos membros da ordem equestre, magistrados inferiores e filhos de senadores. Este tipo de toga se opunha a laticlave, que se caracterizava por faixa púrpura larga, sendo vestida pelos patrícios, senadores e altos dignitários. O qualificativo contabulata refere-se à roupa com longas pregas, que surgiu a partir de fins do

3

Calçado com alças (ansæ) fixadas nas bordas da sola, pelas quais se passava uma correia (amentum), que se entrelaçava sobre o peito do pé até o tornozelo (RICH, 2004, p. 201).

6

século II4, tornando-se popular nos séculos III e IV, o que corrobora a datação do início do século III para o mosaico em análise. O homem togado segura, na altura do queixo, com uma das mãos, o calamus, instrumento para a escrita, feito de um pedaço de cana ou junco, talhado obliquamente ou afinado na extremidade, utilizado antigamente para escrever em papiros e pergaminhos. Na outra mão, ele tem um volumen. Este objeto era uma folha longa e estreita, feita com certo número de faixas de papiro coladas juntas, que se enrolava, quando a obra era concluída, em torno de um cilindro, de maneira que o leitor a desenrolava à medida que a lia. Foi somente em fins do século III (após, portanto, a datação do mosaico) que, no Ocidente Romano, ocorreu a afirmação definitiva do codex sobre o volumen. O codex era feito de folhas separadas encadernadas juntas, como as páginas dos nossos livros, e representou uma revolução na leitura, pois, distintamente do volumen, deixava as mãos livres para fazer anotações e se podia voltar mais facilmente a um trecho lido. Além disso, a economia do material era enorme, pois se escrevia nos dois lados, reduzindo os seus custos em relação ao volumen (CAVALLO, 1998, p. 71-102). Todos os sinais diacríticos, até agora analisados, permitem inferir o pertencimento desta figura humana à civilização romana e, ainda, sua plena inserção no mundo da cultura escrita. O gestual indica a situação de escrita interrompida: o calamus não está na superfície do volumen, mas no queixo, e seu olhar dirige-se para frente, como se buscasse inspiração. É um escritor prolífero, pois, próxima aos seus pés, há uma capsa (caixa cilíndrica) com doze voluminis. O tipo de escritor é identificado pelo objeto que está sobre o móvel à sua esquerda: uma máscara barbada e de testa alta com peruca encaracolada castanha. Esta máscara era típica da tragédia, destacando-se o onkos (a parte superior da máscara em forma de lambda – Λ / λ). A fronte acentuada era frequentemente dissimulada por uma peruca. Com o onkos, objetivava-se, por um lado, restabelecer as proporções do corpo, acrescido com as vestimentas e pelos altos cothurni5, e, por outro, emprestar às figuras trágicas um aspecto distinto. Este acessório atingia, por vezes, dimensões desmedidas, mas sua altura era muito variável. A máscara é de um homem moreno (melas anêr) e adulto. Sua tez morena (melas), sua barba e seus cabelos crespos simbolizam a força viril. O ar rude (trachus) do seu rosto pode indicar que esta máscara estava destinada aos papéis “antipáticos”. 4

O termo contabulata é derivado do escritor africano Apuleio (c. 125-c. 190), em Metamorfoses XI.3, quando descreve o complexo pregueado da palla (manto retangular feminino) de Ísis. 5 O cothurnus era uma bota com solado alto, usada pelos atores trágicos quando em cena (VIRGÍLIO. Bucólicas VIII.10) para aumentar a sua altura (JUVENAL. Sátira VI.633) e lhe dar um ar mais imponente. Para esconder o cothurnus, os atores trágicos portavam longas vestimentas que tocavam o chão (RICH, 2004, p. 200).

7

A máscara da tragédia nos informa que estamos diante de um dramaturgo. BlanchardLemée (1996, p. 219) observa que não seria extraordinário para um notável rico na próspera cidade de Hadrumetum se dedicar a compor versos ou mesmo peças; nem seria mais extraordinário ainda se ele decidisse registrar seus feitos em alguns dos cômodos da sua casa. A autora questiona se existia alguma cidade afro-romana que não possuísse seu próprio compilador ou gramático. Os trabalhos de um número de poetas menores africanos foram eventualmente coletados para uso educacional em Cartago. Mas, o nome do escritor neste mosaico não é mais conhecido por nós; sobreviveu apenas este retrato musivo anônimo... O olhar do dramaturgo é frontal. A intencionalidade comunicativa deste olhar pode ser compreendida através das proposições de Calame (1986), que analisou a representação da figura humana, e, em particular, do jogo dos olhares, na cerâmica clássica. Ele concluiu que os olhares não foram feitos ao acaso; havia uma relação entre os elementos do enunciado icônico e o receptor. O estudioso identificou três situações: o olhar de perfil, quando os personagens olham entre si, não se preocupando com o receptor nem se interessando pela sua presença; o olhar de ¾, quando o personagem, ao mesmo tempo, olha para a situação do enunciado – o interior do texto – e para o receptor, como se o estivesse convidando a participar com ele da situação; e o olhar frontal, em que o personagem, voltado diretamente para o receptor, dialogaria com ele. No caso do mosaico, o dramaturgo está com o olhar frontal, por conseguinte, está interagindo com os leitores da imagem que a apreciam. A outra figura do mosaico, que se encontra em primeiro plano, é um homem, com cabelo castanho com corte pajem e imberbe, sinal diacrítico de juventude. Veste uma túnica e manto; não porta a toga, a roupa do cidadão. Normalmente, os atores possuíam baixo status social; eram, em sua maioria, escravos ou ex-escravos. Um cidadão que atuasse como ator era degradado pelos censores (magistrados que estabeleciam as classificações sociais na Roma Antiga) e excluídos da sua posição (HALL & EASTERLING, 2008, p. 265-266 e 277-278)6. O jovem do mosaico calça soccus, pantufas que cobriam todo o pé. Em Roma, o uso deste tipo de sapato estava restrito às mulheres (soccus muliebris) e aos atores cômicos, contrastando então com o cothurnus do ator trágico (RICH, 2004, p. 589-590). A túnica e os sapatos baixos (socci) davam aos atores cômicos a liberdade de movimentos e estavam condizentes com as vestes de segmentos sociais populares.

6

No Código Teodosiano (CTh), compilação em 16 livros contendo todas as leis imperiais promulgadas desde o imperador Constantino (306-337) até o imperador Teodósio (379-394), elaborado entre 435 e 438, há uma parte específica sobre homens e mulheres envolvidos em espetáculos (CTh XV.7.1-13), em que se reafirma sua estigmatização.

8

O jovem em pé tem um dos seus braços sobre uma coluneta. Com o outro braço, segura uma máscara. Esta máscara representa um dos personagens da comédia: o do jovem com cabelo anelado (oulos neaniskos). Este seria o tipo de jovens libertinos, debochados (iuvenes luxuriosi) e bonitos com rosto vivaz e as sobrancelhas arqueadas. Foi identificado como “capitão” por ser moreno e sua cabeleira flutuar como uma crina; é desta particularidade que se origina seu nome: episeistos. Estes tipos faziam parte da comédia latina, que teve como um dos seus parâmetros as peças do ateniense Menandro (343-291 a.C.), um dos mais célebres escritores da Nova Comédia 7, cujos trabalhos influenciaram os comediógrafos latinos republicanos, como Plauto (c. 254-184 a.C.) e Terêncio (c. 186/5-c. 159 a.C.) (GRIMAL, 1986, p. 103-116; PARATORE, 1987, p. 39-61 e 111-133; CIRIBELLI, 1995, p. 33-38 e 51-77; COUTO, 2006, p. 12-34; e MEDEIROS, 2008, p. 10-15). Pelos sinais diacríticos do soccus e da máscara em questão, estamos diante de um ator cômico. Enquanto o dramaturgo encontra-se mais ao fundo da cena, condizente com seu trabalho relacionado aos “bastidores” do Teatro, ou seja, à escrita das peças a serem representadas, o ator cômico situa-se em primeiro plano, referindo-se assim à sua performance no palco em frente à platéia. Ele também tem o olhar frontal, estabelecendo, tal como no palco, uma relação direta com o espectador.

2.3. Signo imagético musivo: seu significado Abordaremos, neste segmento, o significado ou o interpretante. Para tanto, observaremos o contexto do aparecimento do mosaico e as expectativas dos receptores. O mosaico selecionado é um dos que decorava um cômodo de recepção de uma domus (residência) – denominada de “Casa das Máscaras” – da antiga Hadrumetum, atual Sousse na Tunísia. Esta cidade situa-se numa região que, desde a Antiguidade, permaneceu próspera devido à cultura da oliveira, cuja produção de azeite era exportada do seu porto. De origem fenícia, foi encontrado, na cidade, material arqueológico remontando ao século VI a.C. Durante a Segunda Guerra Púnica (218-202 a.C.) entre Cartago e Roma, Hadrumetum aliouse a Roma recebendo como recompensa o status de ciuitas libera (cidade livre), o que lhe permitiu manter sua autonomia até as guerras civis do Primeiro Triunvirato entre Pompeu e Júlio César em meados do século I a.C. (LEPELLEY, 1981, p. 261). Como se posicionou favorável aos pompeianos, com a vitória de Júlio César, foi agravada com pesados tributos e

7

Na Comédia Nova, surgida no período helenístico (323-260 a.C.), predominavam os enredos em torno de identidades falsas, intrigas familiares e amorosas.

9

com a instalação de um conuentus ciuium romanorum8 (JÚLIO CÉSAR. Guerra da África XCVII.2). Entretanto, moedas hadrumetinas da época de Augusto mostraram que a libertas (liberdade) era ainda conservada ou fora restaurada (FOUCHER, 1964a, p. 112-116). A história municipal de Hadrumetum é mal conhecida (GASCOU, 1972, p. 67-75), devido à continuidade da ocupação humana da cidade, o que afetou a sobrevivência de material epigráfico. Por uma tábua de patronato de 321 encontrada em Roma (CIL VI.1687 = ILS 6111), sabe-se que Trajano (98-117) promoveu Hadrumetum à colônia honorária, o que demonstra a plena inserção da cidade na ordem romana 9. Este imperador estabeleceu ainda um procurator regionis Hadrumetinae, responsável pelos domínios imperiais (LEPELLEY, 1981, p. 262). Desde o Principado (27 a.C.-284), Hadrumetum era uma capital regional. No governo de Diocleciano (284-305), com a criação da província de Bisacena10, a cidade tornouse a sua capital. A partir do século II, foram construídos monumentos públicos como teatro, anfiteatro, circo, termas e suntuosas residências aristocráticas ricamente decoradas com mosaicos. A prosperidade econômica da região fundamentava-se principalmente na produção e comercialização do azeite. Em fins do século II (193-197), um cidadão hadrumetino, Décimo Clódio Albino, disputou o trono imperial com Septímio Severo, natural de outra cidade afroromana, Leptis Magna (HISTÓRIA AUGUSTA. Clodius Albinus IV.1). A ascensão da dinastia severiana (193-235), de origem afro-síria, ao poder representou um período de grande desenvolvimento para as províncias norte-africanas; foi a época de esplendor em 8

Associação oficial de cidadãos romanos nas aglomerações sem status de município ou de colônia (LAMBOLEY, 1995, p. 116). Em Hadrumetum, era composta de negociantes romanos que comerciavam os produtos agrícolas da região visando exportá-los para Itália (LEPELLEY, 1981, p. 261). 9 A promoção à colônia honorária assimilava os cidadãos da comunidade provincial aos de Roma e a obrigava teoricamente a renunciar ao que restava do seu próprio direito para adotar integralmente o direito romano. Durante o domínio romano na África do Norte, mais de 50 cidades indígenas receberam o título de colônia honorária (LEPELLEY, 1979, p. 122). Mesmo com a extensão do direito de cidadania, concedida por Caracala (211-217) através da Constituição Antonina em 212 aos habitantes de todas as cidades (excetuando-se aquelas que resistiram ao domínio romano e certas categorias de pessoas), o governo imperial continuou a conceder, a pedido das próprias comunidades, os status de município e de colônia, como se comprova nas inscrições epigráficas norte-africanas do Baixo Império (LEPELLEY, 1979, p. 128-132). O sentido de colônia, portanto, não implicava necessariamente a criação de uma nova cidade. Poder-se-ia conferir o título às cidades de categoria inferior como uma forma de promoção. Roma incentivava a lealdade das comunidades locais já existentes através da concessão deste título honorífico, quando sua história tornasse possível, desejável ou necessária esta transformação, tanto para o sistema imperial quanto para os habitantes da cidade. Era um reconhecimento de um grau de romanização suficiente para justificar a agregação de uma cidade à comunidade dos cidadãos romanos. Mas, uma romanização mais intensa era também incentivada por esta concessão, favorecendo um movimento espontâneo de adesão em favor dos costumes e leis de Roma. 10 Ignora-se a data precisa da criação da província; supõe-se entre 294 e 305. A reforma administrativa diocleciana dividiu a Província da África Proconsular em três: Zeugitana ou África Proconsular propriamente dita, Bisacena e Tripolitânia. Esta divisão visava aumentar os recursos fiscais destinados a enfrentar as ameaças exteriores, reforçar a autoridade imperial e, ao mesmo tempo, diminuir a do procônsul da África Proconsular, cujo poder em geral fazia o jogo dos usurpadores (MAHJOUBI, 1983, p. 482).

10

Hadrumetum, quando houve uma significativa atividade edilícia, dentre elas, a residência, onde se localiza o mosaico em tela, datado do início do século III. Neste período, desenvolvia-se o “estilo musivo africano”, surgido no século anterior, que rompeu com os padrões geométricos simples, semelhantes aos italianos, seguidos pelos mosaicistas da região, que relegavam as tradições púnicas. As oficinas norte-africanas passaram a se dissociar então dos cânones dos mosaicos italianos e estabeleceram seu próprio estilo com a gradual introdução da policromia nas bordas e da integração de elementos florais e geométricos. Produziram uma grande quantidade de mosaicos policromáticos, geométricos, florais e figurativos em fundo branco. Cada região desenvolveu seu próprio estilo e seus temas a partir de tradições locais (FANTAR et al., 1994, p. 18-45 e 55-9; LAVAGNE, BALANDA & URIBE ECHEVERRÍA, 2000, p. 68-74). A representação do cotidiano oscilou entre o realismo, a caricatura e alguma idealização, mas também era comum se recorrerem a cenas mitológicas. A predileção por assuntos tomados da vida real e a forma de representação com distribuição de cenas trabalhadas em cores sobre uma ampla superfície branca não diferenciada eram características distintivas do “estilo musivo africano”, que chegou a sua maturidade a partir do século III e se difundiu pelo Império Romano (FANTAR et al.,1994, p. 59 e 240-259). Os mosaicos nas paredes e no teto eram um dos elementos decorativos mais admirados. Traziam leveza às domus da elite local, ao decorar seus aposentos como se fossem afrescos e tapetes, e também revelavam a vida cotidiana, os prazeres e os valores da elite provincial (THÉBERT, 1990, p. 300-398). A riqueza desta elite, fundamentada, sobretudo, na produção de cereais e na manufatura do vinho e do azeite, como em Hadrumetum, encontrou expressão tanto na construção de monumentos públicos quanto na decoração sofisticada das residências urbanas (domus) e rurais (villae), onde os membros da elite provincial, profundamente romanizada, afirmavam seu status e seus valores culturais. A decoração doméstica nas residências urbanas de pessoas abastadas buscava reafirmar a posição privilegiada do seu proprietário frente à comunidade romanizada. A aceitação social do pavimento com mosaicos nas cidades norte-africanas era uma prática do estilo de vida urbano romano-africano. Desta forma, podemos esperar que o conteúdo das decorações nos revele muito a respeito dos gostos e valores da elite nesta parte do mundo romano. Na soleira do aposento de recepção (dimensões: 6m²) decorado com o mosaico “O poeta trágico e o ator cômico”, havia outro exemplar que apresentava três máscaras cômicas: a máscara da esquerda, por ter na cabeça um enfeite amarelo, considerado um sinal de ganância, poderia ser uma cortesã; a do centro sugeriria um velho irritável que serviria para o 11

papel de um pai; e a da direita com uma faixa vermelha seria aceitável para o papel de servente ardiloso (KHADER, BALANDA & URIBE ECHEVERRÍA, 2003, p. 103). A ênfase no tema das máscaras nesta residência fez com que ela passasse a ser conhecida na contemporaneidade como “Casa das Máscaras”. Ela se localizava cerca de 50m ao sul do antigo teatro de Hadrumetum. O gosto dos habitantes de Hadrumetum por literatura é comprovado a partir do período dos Severos (193-235) por uma série de mosaicos, dentre eles, além dos supracitados da “Casa das Máscaras”, o de “Virgílio e as Musas” 11 e o do provável Menandro ou ator cômico frente a duas máscaras cômicas. Essas imagens davam à elite provincial a oportunidade de demonstrar seu conhecimento da alta cultura (paidéia), distinguindo-se assim da massa iletrada; era um signo de pertencimento social durante a vida; supunha a vitória da inteligência sobre a animalidade, da civilização sobre a barbárie. Temas relacionados à literatura clássica funcionavam, no mundo romano e no grupo social ao qual estavam relacionados, como uma prova de adesão ao conjunto de valores com forte conotação de prestígio social. O homem livre era, na verdade, instado a ocupar a maior parte de seu tempo de lazer (otium) cultivando as Musas “com igual zelo” (APULEIO. Florida XX.1). As tragédias e comédias eram representadas no palco e também lidas, sendo declamadas em voz alta nos grandes banquetes aristocráticos e por grupos ou clubes literários. Havia um elo entre temas culturais e a difusão da cultura romana, que era efetiva em cidades com teatros e outros edifícios de espetáculos e que se beneficiavam também da circulação de idéias e de artistas. Os notáveis da África Romana não se limitavam a oferecer jogos no anfiteatro; eles também subsidiavam espetáculos teatrais 12. Embora a forma de espetáculo teatral mais vulgar fosse considerada particularmente imoral por teólogos cristãos (p. ex., TERTULIANO. Espetáculos XIV e Apologético XV e MINÚCIO FÉLIX. Otávio 11

Este mosaico, um dos carros-chefe do Museu do Bardo na Tunísia, foi objeto de análise por vários estudiosos, dentre eles, Foucher (1964a, p. 216 e 230; 1964b, p. 247-257); Fantar et al. (1994, p. 196-197 e 199-202); Blanchard-Lemée et al. (1996, p. 222); Lancha (1997, p. 43-46); Khader, Balanda & Uribe Echeverría (2003, p. 530) e Bustamante (2007, p. 292-313). 12 Veyne (1976) cunhou o neologismo evergetismo, a partir do termo grego euergetein, para denominar uma manifestação de uma virtude ética, de uma qualidade de caráter, uma magnificência dos ricos particulares, que participavam com sua fortuna no embelezamento da sua cidade ou tomavam ao seu encargo uma parte das suas obrigações financeiras, distribuíam dinheiro aos seus concidadãos, organizavam jogos, financiavam espetáculos e banquetes públicos, distribuíam azeite e de trigo por ocasião de dedicatórias monumentais... Com isso, a elite municipal obtinha prestígio e assegurava uma grande popularidade. Era um meio de se fazer eleger como magistrados municipais; uma obrigação (munus) para a elite local, especialmente por ocasião da sua ascensão às dignidades públicas ou municipais, provando, desta forma, sua generosidade. O benefício era proporcional à posição e à fortuna do evergeta, à importância da cidade ou à função almejada. De fato, os candidatos competiam por honras públicas, a fim de obter os necessários votos populares, e não poupavam suas fortunas para agraciar sua cidade e seus concidadãos. Era uma maneira de manter as comunicações entre os vários grupos sociais urbanos.

12

XXXVII.12), Agostinho (354-430), bispo da cidade norte-africana de Hipona, admitiu que, em sua juventude quando ainda não se convertera ao cristianismo, apreciava muito o teatro (AGOSTINHO. Confissões I.10.16 e III.2.2-4). O tema teatral dava prestígio ao proprietário da casa aos olhos dos seus convidados. Os cômodos de recepção recebiam um número significativo de decorações figuradas com assuntos culturais e literários. Observamos a tendência de fazer representar os assuntos literários e culturais na parte pública da casa. O arquiteto romano Vitrúvio (c. 70-25 a.C.) apresenta, para cada acomodação da domus, uma decoração própria condizente com o seu uso; assim, na exedra (sala de recepção), a decoração devia reproduzir cenas trágicas, cômicas ou satíricas (VITRÚVIO. Arquitetura VII.5.2), tal como se apresenta na “Casa das Máscaras”. Para Lancha (1997, p. 371-372), a fácil adaptação de temas teatrais aos diferentes cômodos e edifícios privados e públicos prova a sua perfeita integração não apenas por simplesmente compor o repertório dos mosaístas, mas, principalmente, por estar condizente com a mentalidade dos que encomendavam os mosaicos. Era, assim, um dos aspectos mais evidentes e sensíveis da interiorização desta cultura entre os proprietários das domus e villae. Ela não funcionava apenas como sinal de reconhecimento – na parte pública da casa – entre nostálgicos e/ou militantes da cultura pagã, mas sua ubiquidade dava a medida da constante vontade de tornar viva uma cultura literária, poética, filosófica e política que constituía um componente essencial da sociedade romana provincial. As imagens dos pavimentos das casas não podiam ser separadas das leituras dos senhores, nem da sua condição de espectador, nem, eventualmente, do encargo de financiar espetáculos. Segundo Lancha (1997, p. 45), os mosaicos com estas temáticas atestavam a cultura e o gosto literário do seu proprietário. Distintamente, Fantar (1994, p. 198) questiona se os mosaicos seriam realmente demonstrativos da “grande erudição da sociedade aristocrática [local]” ou da “vitalidade da cultura clássica tradicional” na África Romana. Levanta a possibilidade de considerar que os provinciais, que encomendavam os mosaicos com esta temática, buscando reafirmar sua ascensão social advinda das primeiras gerações enriquecidas pela prosperidade da oleicultura e seus descendentes, como financistas, produtores ou armadores, estavam mais preocupados em manter transações comerciais rentáveis e em ter uma carreira política bem sucedida. Para o autor, não se podem negligenciar os modismos e esnobismos, que influenciavam na escolha dos temas dos mosaicos. Estes tipos de fenômenos também estão presentes em épocas mais recentes, como por exemplo, o orientalismo em voga no Ocidente durante o século XVIII e o american way life dos séculos XX e XXI.

13

Consideramos que a elite provincial afro-romana buscava se aparentar, se situar e se identificar à ordem romana através da reprodução de cenas que desvelavam a cultura clássica entre a elite, que mesmo com a cristianização do Império, não deixou de estar presente e ser valorizada na decoração das suas casas. O seu uso era fator de distinção e enobrecedor, pois permitia se identificar, se lembrar da “sua memória” e se colocar ao lado daqueles que podem e sabem se lembrar; se reconheciam apenas aqueles que tinham uma história que a sabem contar para seduzir e se fazer admitir. Portanto, os membros da elite provincial, profundamente romanizada, afirmavam assim, não apenas o seu status, mas também valores culturais comuns. As temáticas clássicas, como a do Teatro, por exemplo, eram reproduzidas e se inseriam na retórica, que teve papel central no mundo greco-romano na construção do pensamento e expressão da elite. O motivo teatral era uma maneira de representar experiências e acontecimentos dentro de certa espécie de moral ou rede social; era uma forma de expressar alguns “significados compartilhados” (HUSKINSON, 2000, p. 7), que fundamentavam a cultura da qual se originava. Para Huskinson (2000, p. 5 e 8), apesar da diversidade cultural do Império Romano, havia uma experiência cultural compartilhada, manifesta no emprego de representações aceitas de identidade comum, que percebemos, por exemplo, através do tema escolhido para o mosaico em análise. Especificamente o Teatro, constituía-se num assunto mais tradicional para simbolizar a ligação com a cultura clássica. Desta forma, manifestava-se a constante vontade de tornar viva uma cultura literária, que era um componente essencial da sociedade romana provincial, e inferia o pertencimento e o aceite da ordem imperial romana. Lemos o mosaico em foco – encomendado por um membro da elite afro-romana para decorar sua residência – como uma construção sociocultural que cria significações sobre o poder, gerando e mantendo hierarquias. Para Woodward (2000, p. 8), “as identidades adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas”. Justamente, compreendemos que o presente mosaico, através da linguagem visual, é uma representação que atuou simbolicamente para classificar o mundo e as relações da elite provincial no seu interior, resultando na construção de uma identidade, que estava vinculada às condições específicas sociais e materiais. Os sistemas de representação presentes na decoração doméstica das residências da elite provincial constituíram lugares a partir dos quais esta elite pôde se posicionar e se expressar.

14

Conclusão A manutenção da unidade do Império Romano demandou compatibilidade de valores entre as unidades participantes da comunidade romana, compartilhando códigos de moralidade e comportamento social. Estes valores ganhavam efetividade quando incorporados a instituições, língua, religião, nomes, vestuário, culinária, imagens..., originando uma forma de vida comum, que reforçava os laços entre as unidades e originava um sentimento comum, estabelecendo assim confiança e lealdade mútuas entre as unidades da comunidade. Entretanto, não se excluía a alteridade através da existência de identidades locais; havia espaço para o elemento local. O respeito aos direitos e costumes locais era um dos princípios essenciais da política romana. O sistema político romano buscava agregar novos elementos sem comprometer sua própria existência e, ao mesmo tempo, todos salvaguardavam sua organização particular. O mosaico “O poeta trágico e o ator cômico” permitiu compreender o processo de construção de identidade entre Roma e a elite provincial norte-africana. As identidades coletivas envolvem sistemas complexos de interpelações e reconhecimentos através dos quais os agentes sociais se inscrevem na ordem das formações sociais de diversas formas, tais como voluntária, negociada, consensual, imposta e outras. Como beneficiária da ordem romana, a elite norte-africana adotou um marco decorativo que lhe servia como elemento de identificação e de integração ao lhe permitir viver à maneira romana. Assim, manifestava sua participação na gestão do Império Romano e afirmava sua posição privilegiada frente à sociedade local. A existência de uma comunidade cultural mediterrânea, incentivada pela civilização romana e apoiada num intenso intercâmbio econômico, político e intelectual, ocasionou o desenvolvimento de uma decoração privada característica das elites em todo o Império Romano. A homogeneidade social e a cumplicidade política dessas elites foram fatores fundamentais para a perceptível uniformidade dos princípios básicos de sua decoração doméstica, sem, contudo, excluir de todo os elementos locais. As identidades culturais são formadas e transformadas dentro de um contexto social complexo composto, não apenas de instituições, mas também de símbolos e representações. Neste sentido, Woodward (2000, p.17) aponta que “a representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos.” A constituição de uma comunidade demanda a capacidade de gerar um senso de identidade e aliança e de construir significados que norteiem e organizem ações e auto-imagens. É fundamental, portanto, 15

compreender as estratégias implementadas para a construção de identidades com a elaboração de modelos de comportamento e valores e imagens que permitam manter unidos grupos de pessoas que, se identificando culturalmente, se reconheçam e se distingam dos “outros”.

Documentação Escrita APULÉE. Apologie; Floride. Trad. P. Valette. Paris: Les Belles Lettres, 2002. (Collection des Universités de France) APULÉE. Les métamorphoses. t. III: livres VII-XI. Trad. D. S. Robertsn et P. Valette.Paris: Les Belles Lettres, 2002. (Collection des Universités de France) AUGUSTIN. Confessions. Trad. P. de Labriolle. t. I: livres I-VIII. Paris: Les Belles Lettres, 1925. (Collection des Universités de France) CODEX THEODOSIANUS. The Theodosian Code and Novels and the Sirmondian Constitutions. Transl. C. Pharr, T. S. Davidson and M. B. Phar. Princeton: Princeton University Press, 1952. CORPUS INSCRIPTIONUM LATINARUM (CIL). v. VI: Inscriptiones urbis Romae Latinae. Collegerunt G. Henzen, I. B. de Rossi, E. Bormann, Chr. Huelsen, M. Bang. Berolini: W. de Gruyter, 1974-1975. DESSAU, H. Inscriptiones Latinae Selectae (ILS). Berlin: Weidmannos, 1892-1916. 3 v. HISTOIRE AUGUSTE. Les empereurs romains des IIe et IIIe siècles. Trad. A. Chastagnol.Paris: Robert Laffont, 1994. (Collection Bouquins) JULE CÉSAR. Guerre d’Afrique. Trad. A. Bouvet. Paris: Les Belles Lettres, 1949. (Collection des Universités de France) JUVÉNAL. Satires. Trad. P. de Labriolle et F. Villeneuve. Paris: Les Belles Lettres, 1921. (Collection des Universités de France) MINUCE FELIX. Octavius. Trad. J. Beaujeu. Paris: Les Belles Lettres, 1974. (Collection des Universités de France) TERTULIANUS. Apology; De spectaculis. Transl. T. R. Glover. London: W. Heinemann, 1953. (The Loeb Classical Library) TERTULIEN. Apologétique. Trad. J.-P. Waltzing et A. Severyns. Paris: Les Belles Lettres, 1931. (Collection des Universités de France) VIRGILE. Énéide. t. I: livres I-IV. Trad. J. Perret. Paris: Les Belles Lettres, 2009. (Collection des Universités de France) VIRGÍLIO. Bucólicas. Trad. R. Carvalho. Belo Horizonte, MG: Tessitura/ Crisálida, 2005. VITRÚVIO. Tratado de Arquitectura. Trad. M. J. Maciel. Lisboa: IST Press, 2006. Documentação Material ABED, A. B. Tunisian mosaics; treasures from Roman Africa. Los Angeles: The Getty Consevation Institute, 2006. BLANCHARD-LEMÉE, M. et al. Mosaics of Roman Africa; floor mosaics from Tunisia. London: British Museum Press, 1996. 16

DUNBABIN, K. M. D. Mosaics of the Greek and Roman World. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. FANTAR, M. H. et al. La mosaïque en Tunisie. Tunis: Les Éditions de la Méditerranée, 1994. FRADIER, G. Mosaïques romaines de Tunisie. Tunis: Cérès, 1997. KHADER, A. B. A.-B.; BALANDA, É. de; URIBE ECHEVERRÍA, A. (Dir.). Image in stone; Tunisia in mosaic. Paris: Ars Latina / Union Latine / Tunisian Agency for the Development of Heritage and Cultural Promotion, 2003. KHADER, A. B. A.-B.; SOREN, D. Carthage; a mosaic of Ancient Tunisia. New York – London: The American Museum of Natural History - W. W. Norton, 1987. LANCHA, J. Mosaïque et culture dans l’Occident romain; Ier-IVe siècles. Roma: “L‟Erma” di Bretschneider, 1997. LAVAGNE, H.; BALANDA, É. de; URIBE ECHEVERRÍA, A. (Dir.). Mosaïques, trésor de la latinité; des origines à nos jours. Quetigny: Ars Latina / Union Latine, 2000. LING, R. Ancient mosaics. London: British Museum Press, 1998. SLIM, H.; FAUQUÉ, N. La Tunisie Antique; de Hannibal à Saint Augustin. Paris: Mengès, 2001. Obras de Referência HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica; grega e latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987. LAMBOLEY, J.-L. Lexique d’histoire et de civilisation romaines. Paris: Ellipses, 1995. RICH, A. Dictionnaire des antiquités romaines e grecques. Singapour: Molière, 2004. Bibliografia13 BÉRARD, C. Iconographie, iconologie, iconologique. ÉTUDES DE LETTRES 4: 5-37, 1983. BUSTAMANTE, R. M. da C. “Faze-me lembrar, ó Musa...”: leituras do mosaico “Virgílio e as Musas”. PHOÎNIX 13: 292-313, 2007. BUSTAMANTE, R. M. da C. Práticas culturais no Império Romano: entre a unidade e a diversidade. In: SILVA, G. V. da; MENDES, N. M. (Org.). Repensando o Império Romano; perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro – Vitória, ES: Mauad – EDUFES, 2006, p. 109-135. CALAME, C. Le récit en Grèce Ancienne; ennonciations et répresentations de poètes. Paris: Meridiens Klincksieck, 1986. CAVALLO, G. Entre volumen e codex: a leitura no mundo romano. In: CAVALLO, G.; CHARTIER, R. (Org.) História da leitura no mundo ocidental. v. 1. São Paulo: Ática, 1998, p. 71-102. (Coleção Múltiplas Escritas) CIRIBELLI, M. C. O teatro romano e as comédias de Plauto. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1995.

13

Em realce amarelo, foram marcados os livros que foram selecionados para um breve comentário.

17

COUTO, A. P. do. Introdução geral. In: PLAUTO. Comédias. v. I. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra / Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006, p. 7-27. (Biblioteca de Autores Clássicos) ECO, U. Lector in fabula: a cooperação interpretativa nos textos narrativos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004a. ECO, U. Os limites da interpretação. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004b. ECO, U. Semiótica e filosofia da linguagem. São Paulo: Ática, 1991. ECO, U. Tratado geral da Semiótica. 4. ed. 3. reimp. São Paulo: Perspectiva, 2007. FOUCHER, L. Hadrumetum. Paris: PUF, 1964a. (Publications de l‟Université de Tunis) FOUCHER, L. L‟art de la mosaïque et les poètes latins. LATOMUS 23: 247-57, 1964b. GASCOU, J. La politique municipale de l’Empire Romain en Afrique Proconsulaire de Trajan à Septime-Sévère. Rome: École Française de Rome, 1972. GRIMAL, P. O teatro antigo. Lisboa: Edições 70, 1986. (Coleção Lugar da História) HALL, E.; EASTERLING, P. (Org.). Atores gregos e romanos; aspectos de uma antiga profissão. São Paulo: Odysseus, 2008. HARTOG, F. História Antiga e História. In: HARTOG, F. Os antigos, o passado e o presente. Brasília, DF: Editora UnB, 2003, p. 189-204. (Coleção Pérgamo) HUSKINSON, J. (Ed.). Experiencing Rome; culture, identity and power in the Roman Empire. London: Routledge, 2000. JOLY, M. Introdução à análise de imagens, Campinas, SP: Papirus, 1997. LEPELLEY, C. Les cités de l’Afrique Romaine au Bas Empire. t. I: La permanence d‟une civilisation municipale. Paris: Études Augustiniennes, 1979. LEPELLEY, C. Les cités de l’Afrique Romaine au Bas Empire. t. II: Notices d‟histoire municipale. Paris: Études Augustiniennes, 1981. MAHJOUBI, A. O período romano e pós romano na África do Norte, parte I: O período romano. In: MOKHTAR, G. (Coord.). História geral da África. v. 2: A África Antiga. São Paulo – Paris: Ática – Unesco, 1983, p. 473-509. MEDEIROS, W. de. A mão de Saturno: introdução à leitura de Terêncio. In: TERÊNCIO. Comédias. v. I. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra / Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2008, p. 7-15. (Biblioteca de Autores Clássicos) MENDES, N. M. Estrabão e a enunciação de uma estrutura de atitudes e referência da cultura imperial. PHOÎNIX 9: 305-13, 2003. NIEMEYER, L. Elementos de semiótica aplicados ao design. 2. tir. Rio de Janeiro: 2AB, 2007 (Série Design) PARATORE, E. História da Literatura Latina. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1987. PICARD, G.-C. La civilisation de l’Afrique Romaine. 2. ed. Paris: Études Augustiniennes, 1990. PEIRCE, C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1992. PEIRCE, C. S. Semiótica. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2000. SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Col. Primeiros Passos)

18

THÉBERT, Y. Vida privada e arquitetura doméstica na África Romana. In: ARIÈS, P.; DUBY (Org.). História da vida privada. v. 1: do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 300-398. VEYNE, P. Le pain et le cirque; sociologie historique d‟un pluralisme politique. Paris: Seuil, 1976. WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, T. T. da (Org.). Identidade e diferença; a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 7-72.

Comentários da seleção bibliográfica O livro de Grimal (1986) é uma introdução sucinta14 sobre o Teatro na Grécia e Roma antigas. No caso deste último, apresenta o seu surgimento e as proximidades e diferenças em relação ao Teatro grego (capítulo VI) e os gêneros dramático (capítulo VII) e cômico (capítulo VIII) a partir dos seus autores e obras. Um maior aprofundamento sobre a vida dos dramaturgos e comediógrafos latinos e uma análise mais detalhada dos seus textos podem ser encontrados em Paratore (1987)15. Tradicionalmente, os estudos clássicos enfatizam a produção e a hermenêutica dos textos, como se verifica, por exemplo, em Grimal (1986) e Paratore (1987), anteriormente mencionados. Desenvolvendo perspectivas menos tradicionais, destacam-se duas coletâneas: uma organizada por Cavallo e Chartier (1998) 16 e a outra, por Hall e Easterling (2008)17. A primeira centra-se na recepção dos textos escritos, mais especificamente, as práticas de leitura. Com a colaboração de especialistas, a obra apresenta um panorama bastante interessante das diferentes normas e convenções de leitura em diferentes comunidades (dentre elas, na Roma Antiga: capítulo 2) para definir os usos dos livros, os gestos de leituras e os seus processos interpretativos. Por sua vez, a coletânea de Hall e Easterling (2008) também 14

Este caráter introdutório está condizente com a proposta da coleção da qual o livro de Grimal faz parte: “Que sais-je?” (O que eu sei?), editada pela Presses Universitaires de France (PUF). Esta coleção, cujo subtítulo é “Le savoir vite” (O saber rápido), tem como alguns de seus princípios: direcionada ao grande público (estudantes e leigos), desenvolvimento de temas por especialistas, síntese/introdução sobre todos os assuntos e apreensão do mundo de ontem e de hoje (Disponível em: http://www.puf.com/wiki/%22Que_sais-je%3F%22__Le_savoir_vite; acesso em 06/08/2011). O livro em foco é a tradução portuguesa do original: GRIMAL, P. Le théâtre antique. Paris: PUF, 1978 (Coll. Que sais-je?, 1732). 15 A Fundação Calouste Gulbenkian, objetivando incentivar o Ensino Superior, desenvolveu uma linha editorial de publicação de manuais universitários, originais e estrangeiros (Disponível em: http://www.montra.gulbenkian.pt/channel.aspx?channelid=845B69D1-445F-4F91-99AA-7B425690B868. Acesso em: 06/08/2011). O livro de Paratore (Storia della letteratura latina. Firenze: Sansoni, 1979) insere-se nesta última categoria. 16 O livro faz parte da Coleção “Múltiplas Escritas”, publicada pela Editora Ática em fins do século XX. O primeiro volume da História da leitura no mundo ocidental foi dedicado aos períodos antigo e medieval ocidentais. Ele foi traduzido do original: CAVALLO, G.; CHARTIER, R. (Ed.). Histoire de la lecture dans le monde occidental. Paris: Seuil, 1997. 17 Tradução do original: HALL, E.; EASTERLING, P. (Ed.). Greek and Roman actors: aspects of an ancient profession. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

19

apresenta outro aspecto, que se distingue dos estudos clássicos tradicionais: trata dos atores gregos e romanos, analisando a arte do ator, o mundo desta profissão e a idéia de ator, através de uma documentação diversificada (escrita e material) e com uma abordagem interdisciplinar, que privilegia a dimensão representativa da literatura antiga, ou seja, a performance. A coleção monumental da História Geral da África, publicada sob o patrocínio da UNESCO18, em seu volume, dedicado à África Antiga19, fornece um panorama abrangente da África Romana20 (capítulo XIX, parte I), abordando a ocupação territorial, a organização administrativa e os problemas militares, a colonização e a organização municipal, a vida econômica (população, agricultura, indústria e comércio), a sociedade, religião e cultura. Os conceitos identidade/alteridades ganharam uma relevância significativa a partir dos Estudos Culturais. Neste contexto, insere-se a obra organizada por Silva (2000), que contem três ensaios que abordam esta questão: um de autoria do próprio organizador (capítulo 2) e os outros dois escritos por Stuart Hall (capítulo 3) e Kathryn Woodward (capítulo 1)21. Esta faz uma introdução esclarecedora, revisitando as operações definidoras dos conceitos de identidade e diferença, fundamentadas na estreita interrelação entre estes dois conceitos. Dialoga com estudos antropológicos (Claude Lévi-Strauss sobre a cozinha, Mary Douglas sobre puro/impuro), filosóficos (Jacques Derrida sobre oposição binária, Hélène Ciouxs sobre gênero, Louis Althusser sobre ideologia) e psicanalíticos (Freud e Lacan sobre inconsciente). Peirce (1992 e 2000), pensador “mutifacetado” e prolífero22, impactou os estudos semióticos tanto de textos escritos, como por exemplo, em Eco (1991, 2004a, 2004b e 2007),

18

A coleção foi editada originalmente na década de 1980 e elaborada a partir da perspectiva dos próprios africanos. Para tanto, 350 cientistas coordenados por um comitê formado por 39 especialistas, dois terços deles africanos, procuraram reconstruir a historiografia africana livre de estereótipos e do olhar estrangeiro. Toda a coleção, em seus 8 volumes, está disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/ResultadoPesquisaObraForm.do?first=50&skip=0&ds_titulo=&co_ autor=&no_autor=&co_categoria=132&pagina=1&select_action=Submit&co_midia=2&co_obra=&co_idioma= &colunaOrdenar=DS_TITULO&ordem=null, por iniciativa governamental, que a colocou sob domínio público em 2010, objetivando fornecer uma importante referência no campo dos estudos africanos. 19 Especificamente o volume 2, está disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000319.pdf. Acesso em 06/08/2011. 20 Em termos territoriais, corresponde atualmente à região que abrange desde a Tunísia ao Marrocos. 21 Tradução do original: WOODWARD, K. Concepts of identity and difference. In: _______ (Ed.). Identity and difference. London: Sage Publications, 1997, p. 8-61. 22 Santaella (2004, p. 15-22) apresenta Peirce como “um Leonardo das ciências modernas” por seu conhecimento em múltiplas áreas do conhecimento (Química, Geodésia, Metrologia, Espectroscopia, Biologia, Geologia, Astronomia, Arquitetura, Literatura, Linguística, Filologia, Filosofia, História e Psicologia), além de ser poliglota (“uma dezena de línguas”). O que unia esta diversidade científica era seu interesse pela Lógica das Ciências, ou seja, buscava compreender seus métodos de raciocínio. Ele adotou uma concepção ampla de Lógica, que “era quase coextensiva a uma teoria geral de todos os tipos possíveis de signos”, considerada por ele como Semiótica. Produziu cerca de 80.000 manuscritos durante a vida, sendo que 12.000 páginas foram publicadas.

20

quanto de textos imagéticos, presentes, por exemplo, em Niemeyer (2007) e Joly (1997) 23. Esta aplicou a semiótica de Peirce à análise da mensagem visual fixa, como pintura, fotografia e cartaz, que foram utilizados como exemplos metodológicos, o que confere ao livro um caráter bastante esclarecedor.

23

Tradução do original: JOLY, M. Introduction à l’analyse de l’image. Paris: Nathan, 1994. Uma edição portuguesa (JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Lisboa: Edições 70, 2007) está disponível em: http://pt.scribd.com/doc/16343510/Introducao-a-Analise-da-Imagem-Martine-Joly. Acesso em: 06/08/2011.

21

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.