Identidade cultural nas imagens da mídia especializada em gastronomia

June 6, 2017 | Autor: Leila Lopes | Categoria: Social Networking
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Identidade cultural nas imagens da mídia especializada em gastronomia Renata Leite Raposo Frederico1 Cristiane Machado Módolo2

Resumo A culinária típica é considerada como uma legítima representação da identidade cultural de um país, mas a sua representação na mídia revela-se como um texto cultural que permeia valores além dos costumes de alimentação, extrapola as relações simplistas de ingredientes e preparos culinários típicos de uma região. As imagens de receitas culinárias na mídia impressa de revistas especializadas em gastronomia trazem elementos indicativos da cultura do país não somente ao que se refere à alimentação, revela também traços socioeconômicos de cada cultura. Aparentemente, esse tipo de conteúdo mediado pode ser considerado no âmbito na uniformidade de informação, mas exige uma análise mais criteriosa para revelar toda a sua diversidade cultural. Esse artigo tem o objetivo de identificar a diversidade dos traços culturais nas imagens dos pratos da culinária típica americana e italiana, mediadas por revistas especializadas em gastronomia. Palavras-chave: cultura; identidade; revistas; imagens; culinária.

Identidade cultural nas imagens da mídia especializada em gastronomia A culinária típica é considerada uma das mais evidentes e marcantes características da identidade cultural de um povo, nação ou sociedade, sobretudo para leigos sobre a história das civilizações e da gastronomia. Essa idéia é difundida, principalmente, na infinidade de publicações referentes às receitas culinárias relacionadas com diferentes culturas, além de ampla dedicação da mídia impressa e televisiva ao assunto. Admitir que a cultura gastronômica é um resultado de interferências de diversas culturas é fundamental para ampliar a análise de imagens da culinária em revistas especializadas em gastronomia de diferentes países, revelando muito mais do que hábitos alimentares de sua origem como traços culturais representados além do tipo do alimento preparado. Entendida neste artigo como o estudo de “tudo o que tem relação com o homem enquanto se alimenta” (This, 2004, p. 12), a gastronomia revela em sua história, desde a Pré-História, que toda culinária típica na verdade é resultado de uma mistura de influências de várias culturas, fatores ambientais, sociais, políticos, econômicos e biológicos. “Encontramos nas culinárias os vestígios das trocas culturais entre os povos. As cozinhas são produtos de miscigenação cultural” (Franco, 2001, p. 245). Desde o

homem primitivo, que caçava e precisava partilhar o alimento com familiares antes de estragar a carne caçada, das primeiras civilizações que aprenderam a cultivar a terra e passaram a se estabelecer em uma única região, das ocupações gregas e romanas que misturaram seus temperos e modos de preparo dos alimentos, da época das colonizações e conquistas de outros continentes em busca de especiarias, até os tempos de hoje, em que a culinária sofre interferência, por exemplo, da abertura política para as importações de produtos alimentícios industrializados e do acesso a informações de todo o mundo pelo desenvolvimento tecnológico das comunicações, como a internet e a televisão a cabo, os hábitos alimentares típicos, na verdade, sofrem diversas influências e não mais representam a identidade cultural genuína de uma nação, mas sim de sua história de relações com outras culturas gastronômicas. Os hábitos culinários [conjunto de regras e maneiras que orientam um indivíduo ou um grupo na preparação e no consumo dos alimentos usuais] de uma nação não decorrem somente do mero instinto de sobrevivência e da necessidade do homem de se alimentar. São expressões de sua história, geografia, clima, organização social e crenças religiosas. Por isso, as forças que condicionam o gosto ou a repulsa por determinados alimentos diferem de uma sociedade para outra. (Franco, 2001, p. 23-24)

Considerando cultura como o legado passado através dos tempos de tudo o que não é herança biológica (Ivánov et al, 2003), e identificando as manifestações da mídia como textos culturais, é possível analisar as imagens da culinária representada em revistas especializadas em gastronomia à luz da semiótica da cultura. Do ponto de vista semiótico, a cultura pode ser considerada como uma hierarquia de sistemas semióticos particulares, como a soma dos textos e o conjunto de funções, ou como um certo mecanismo que gera tais textos. [...] A estrutura semiótica da cultura e a estrutura semiótica da memória são funcionalmente fenômenos uniformes, situados em níveis diferentes. Essa proposição não contradiz o dinamismo da cultura: sendo em princípio a fixação da experiência passada, ela pode aparecer como um programa e como uma instrução para a criação de novos textos. Além disso, é possível, devido à orientação fundamental da cultura para a experiência futura, construir um certo ponto de vista condicional no qual o futuro aparece como o passado. [...] A essência da cultura como memória é mostrada especial e claramente no exemplo de textos arcaicos, particularmente os folclóricos. (Ivánov et al, 2003, p. 119)

As revistas especializadas em gastronomia, que serão o foco de análise desse artigo, podem ser consideradas como textos culturais uma vez que representam um elo entre o jornalismo especializado e a produção cultural, além de relacionarem-se ainda com os hábitos alimentares e outros traços culturais representados nas imagens de

receitas culinárias que são revelados à luz de uma análise mais profunda a respeito das questões culturais presentes nesse tipo de informação visual. Além dos alimentos representados nessas revistas indicarem hábitos e costumes alimentares de uma determinada cultura, assunto já explorado em vários estudos de gastronomia, a disposição dos objetos nas fotos e a própria configuração do alimento fotografado podem indicar conceitos resultantes de sua história política, econômica e cultural. A análise dessas imagens é fundamental para revelar que as informações emitidas por essas revistas especializadas vão além de instruções de como realizar as receitas culinárias ou da divulgação de receitas típicas, indicam a perpetuação de valores políticos, econômicos e sociais de sua cultura, configurando um complexo conjunto de textos a serem analisados. A relação do texto com o todo da cultura e seu sistema de códigos é revelada pelo fato de que em diferentes níveis a mesma mensagem pode aparecer como um texto, como parte de um texto ou como um conjunto completo de textos. [...] O conceito de “texto” é empregado num sentido especificamente semiótico e, por um lado, é aplicado não apenas à mensagem de uma língua natural, mas também a qualquer portador de significado integral (“textual”): uma cerimônia, uma obra de arte, uma peça musical. Por outro lado, nem toda mensagem em uma língua natural é um texto do ponto de vista da cultura. Da totalidade das mensagens de uma língua natural, a cultura distingue e leva em consideração somente aquelas que podem ser definidas como um certo gênero discursivo; por exemplo, “prece”, “lei”, “romance” e outros, ou seja, aquelas que possuem um certo significado integral e preenchem uma função comum. (Ivánov et al, 2003, p. 105-106)

O conteúdo de revistas especializadas em gastronomia, aparentemente, é muito semelhante mesmo em produtos de diferentes países. As publicações do gênero são constituídas de imagens de receitas culinárias já executadas e bem ambientadas, texto explicativo de como realizar as receitas indicando os ingredientes e o modo de preparo, além de páginas dedicadas a outros assuntos do universo da gastronomia, como matérias sobre utensílios de cozinha, restaurantes ou mesmo procedimentos culinários mais detalhados. Foram observadas, para essa pesquisa, as revistas americanas Home Cooking e Fine Cooking e a publicação italiana Sale & Pepe, todas com a mesma estrutura básica de informações: fotos e textos explicativos das receitas culinárias, com projetos gráficos diferenciados e estilos visuais próprios. Essa semelhança entre as revistas do mesmo gênero poderia induzir a uma análise superficial comparativa e a uma conclusão precipitada de que a diferenciação entre as revistas de gastronomia de diferentes países se permitiria apenas pelo tipo de receitas culinárias representadas na publicação que refletiriam a cultura gastronômica de

cada nacionalidade. No entanto, há mais informações nas imagens dessas receitas típicas do que o tipo das receitas propriamente e a comparação entre as revistas de diferentes países permitiu uma identificação de traços culturais mais profundos e mais sutis presentes nessas representações visuais, diferenciando as publicações por outras questões além dos alimentos, o que confirma a idéia de que todo texto cultural revela as particularidades de sua cultura, ou seja, “o texto pode aparecer como um programa condensado de toda a cultura” (Ivánov et al, 2003, p. 120).

Informações além dos gostos culturais As culturas gastronômicas sofrem diferentes esteriotipações de acordo com a visão de cada país ao analisá-las. No caso do Brasil, é comum a idéia de que toda receita de massa, como pizza ou lasanha, tenha origem genuinamente italiana; que os restaurantes franceses servem pouquíssima comida no prato; e que nos Estados Unidos só se come sanduíches e fast food. Na verdade, os estereótipos das culturas gastronômicas nem sempre representam a realidade alimentar da nação. No caso da comida típica brasileira, podemos citar a feijoada, a caipirinha, o acarajé, entre outros pratos típicos de diferentes regiões do país que são conhecidos mundialmente como brasileiros, mas eles não representam o cotidiano alimentar da nação. Não é hábito nacional comer feijoada todos os dias e essa receita culinária não está presente em todas as publicações do gênero. O mesmo acontece com a cozinha típica de outras nacionalidades, como veremos na análise de revistas de gastronomia da Itália e dos Estados Unidos - os estereótipos da alimentação desses países estão presentes de certa forma nessas publicações, mas não exatamente como se faz presente no imaginário brasileiro sobre essas culturas. Além dos fatores históricos, geográficos, biológicos, entre outros, que influenciam e determinam a gastronomia típica de uma nação, a cultura dessas nações é representada direta ou indiretamente nas imagens de suas receitas culinárias. Franco explica a origem das culturas gastronômicas. O gosto é moldado culturalmente e socialmente controlado. O homem nasce em estado semifetal e necessita de um longo período de aprendizado, antes de integrar-se às estruturas sociais. Tal processo compreende a formação do gosto e dos hábitos alimentares. Assim, os alimentos habituais tornam-se objeto de predileção, os mais saboreados. Por isso, também, aprecia-se tanto os pratos da região em que se nasceu e, no terreno alimentar, predominam o chauvinismo e o conservantismo. A humanidade é mais conservadora em matéria de cozinha do que em qualquer outro campo da cultura. [...] Os

hábitos alimentares têm raízes profundas na identidade social dos indivíduos. São, por isso, os hábitos mais persistentes no processo de aculturação dos imigrantes. Os homens comem como a sociedade os ensinou. Os hábitos alimentares decorrem da interiorização, desde a mais tenra infância, de regras e de restrições [...]. (Franco, 2001, p. 24)

A análise das revistas de gastronomia dessas diferentes culturas será feita separadamente, levando em consideração a história da gastronomia de cada nação e os elementos visuais que constituem algumas fotos dessas publicações. Pretende-se fazer relações entre o conteúdo de receitas culinárias representadas nas imagens e a cultura histórica do país, sem uma abordagem gastronômica, mais focada na análise semiótica. A identidade cultural está presente em todos os textos culturais de uma nação e não é estática, está em constante mudança, sofrendo interferências a todo momento, por isso, essa análise pretende identificar traços culturais presentes nas imagens de receitas culinárias da atualidade e que podem estar relacionados com o passado cultural dessas nações. Cuche explica essa questão da mobilidade da identidade cultural. Deve-se considerar que a identidade se constrói e se reconstrói constantemente no interior das trocas sociais. Esta concepção dinâmica se opõe àquela que vê a identidade como um atributo original e permanente que não poderia evoluir. [...] De uma maneira mais geral, o conceito de estratégia pode explicar as variações de identidade, que poderiam ser chamadas de deslocamentos de identidade. Ele faz aparecer a relatividade dos fenômenos de identificação. A identidade se constrói, se desconstrói e se reconstrói segundo as situações. Ela está sem cessar em movimento; cada mudança social leva-a a se reformular de modo diferente. (Cuche, 1999, p. 133-198)

Ao final da análise das publicações de diferentes países, será possível verificar a presença da identidade cultural de cada nação em suas imagens de receitas culinárias em revistas especializadas em gastronomia, recorrente em todas as culturas.

Valorização da arte na gastronomia italiana A principal associação gastronômica que se faz com a Itália é com relação à massa ou pasta. No entanto, segundo a história da gastronomia contada por Ariovaldo Franco (2001), não há comprovação de que os italianos sejam os criadores dessas receitas mundialmente consumidas e atribuídas à cultura italiana. A afirmação de que os italianos só teriam começado a preparar pasta depois que Marco Pólo voltou do Oriente carece de fundamento. Muito antes ela já fazia parte dos hábitos alimentares da Itália. Por outro lado, há esculpidos em túmulos etrusco utensílios para a confecção de pasta. Também existe a hipótese de que os sarracenos a tenham introduzido na Sicília, depois de terem aprendido a prepará-la com as caravanas persas que chegavam até a

China. Sua origem, entretanto, permanece controvertida. (Franco, 2001, p. 144)

Mais do que essa influência nas revistas de gastronomia italianas, a história da arte e sua valorização estão mais presentes nas imagens das receitas culinárias representadas nessas publicações. Na edição de março de 2006 da revista Sale & Pepe (2006), a matéria sobre nhoque faz referência à tradição de sua preparação, mas é nas imagens das receitas culinárias (figura 1) que identificamos sua valorização e a forte relação com a arte tradicional do país. As louças utilizadas na ambientação das fotos, para comportar as receitas culinárias, parecem verdadeiras molduras de quadros, com formas e cores em estilo tradicional e rústico, com um toque de sofisticação pertinente à publicação que se caracteriza como mais elitizada pela configuração de papel, capa, preço e conteúdo.

Figura 1 - Nhoque italiano Fonte: Sale & Pepe, 2006, p. 38-39

A culinária italiana exerceu muita influência na gastronomia de toda a Europa, na mesma época em que os artistas começaram a ser valorizados e ganharam status de personalidades importantes na sociedade. Catarina de Médicis, educada na corte papal, trouxe para a França, além da elegância florentina, cozinheiros italianos. Eram, então, os melhores da

Europa e muitas de suas receitas foram integradas ao repertório culinário francês. Em poucos anos, tornou-se moda entre as famílias nobres ter um cozinheiro italiano. Assim, a cozinha italiana influenciou marcadamente a da França renascentista, encerrando a era de Taillevent. (Franco, 2001, p. 149)

Na Idade Média, os pintores e escultores eram considerados meros artesãos, visão que mudou totalmente durante o Renascimento. Culinária e arte estiveram, de certa forma, relacionados nesse universo da época. Da mesma forma que os artistas começaram a ser valorizados e exaltados, surgindo até mesmo as primeiras biografias da época, os cozinheiros eram estimados e significavam prestadores de serviços de luxo e indispensáveis em viagens longas da corte. A estada na França de Leonardo da Vinci, Benvenuto Cellini, Andrea del Sarto e Tiziano, artistas trazidos por Francisco I, que reinou de 1515 a 1547, teve repercussões que transcenderam os limites das artes plásticas. Andrea del Sarto, por exemplo, era membro de uma academia florentina de gastronomia chamada Compagnia del Paiolo. Sempre que os doze membros da Compagnia se reuniam, um deles devia preparar pratos de sua criação. (Franco, 2001, p. 150)

Essa relação com a arte tradicional italiana está presente na matéria de nhoque da Sale & Pepe (2006) de forma sutil e transporta para a atualidade a informação de valores tradicionais da cultura italiana. Ainda resgata a valorização da arte muito presente nesse país e em sua história.

McDonaldização e gastronomia norte-americana O século XX é marcado pela industrialização e por uma mudança social e econômica que interferem diretamente nos hábitos sociais e, conseqüentemente, nos costumes alimentares. O desenvolvimento das rotas marítimas e ferroviárias combinado com as novas técnicas de conservação de alimentos promoveu grandes mudanças na alimentação diária na Europa e nos Estados Unidos. As novas técnicas de conservação compreendiam métodos de cocção, fermentação e embalagens, entre outros, que retardavam a decomposição dos alimentos, prolongando o tempo de consumo e comercialização. “Os progressos da zootecnia, da pasteurização, da técnica de conservação em lata e por refrigeração ou congelamento transformaram radicalmente o mercado de alimentos e seu sistema de distribuição” (Franco, 2001, p. 226). Simultaneamente às mudanças econômicas, a industrialização de equipamentos para a cozinha e o surgimento de eletrodomésticos que simplificaram o trabalho de cozinheiros, permitiu alterações na vida cotidiana das pessoas e mudaram os hábitos

alimentares e a estrutura familiar e social da época. “A indústria de alimentos, cuja produção é objeto de intenso comércio internacional, contribuiu de maneira decisiva para maior intercâmbio de padrões de alimentação” (Franco, 2001, p. 227). O maior símbolo da cultura gastronômica dos Estados Unidos, de acordo com sua história e identidade atribuída em outros países, é o fast food que, segundo Franco, “não pode ser considerado mero indício de regressão gastronômica, pois apresenta um aspecto funcional inegável: satisfaz a necessidade atual de rapidez e responde à demanda de relações impessoais decorrentes da cultura urbana e de seu ritmo” (2001, p.229). Esse conceito de liberdade econômica e aproveitamento do tempo, intrínsecos à cultura do fast food, pode ser observado nas imagens de receitas culinárias de revistas americanas, como a Fine Cooking (2006) e a Home Cooking (2005).

Figura 2 - Coffeecake Fonte: Home Cooking, 2005, p. 12

A McDonaldização, conceito que não se restringe à racionalização de atendimento e serviço desenvolvida pela empresa McDonald´s, mas engloba a maximização da produtividade em todos os setores da atividade humana, mostra-se presente de forma sutil nas imagens de revistas especializadas em gastronomia dos Estados Unidos.

McDonaldização é conceito que engloba muito mais do que o alto grau de racionalização desenvolvido pela empresa McDonald´s. Tomando-a como paradigma do processo de maximização da produtividade, George Ritzer identifica suas manifestações nos mais variados setores da atividade humana: sistema bancário, educação, atendimento médico-hospitalar, turismo, recreação, comunicações. Afirma ele não haver aspecto da vida humana isento da McDonaldização. (Franco, 2001, p. 230).

Na edição de fevereiro de 2005 da Home Cooking, as receitas culinárias retratadas nas imagens da revista são dispostas sempre em grande quantidade, ou combinadas com muitas outras receitas postas à mesa ou já fracionadas em várias porções prontas para serem servidas. Essa disposição permite uma leitura de produção em série ou de produção em grande quantidade, suficiente para alimentar a família inteira ou mesmo os convidados eventuais. As receitas de Coffeecake e Doughnuts (Figuras 2 e 3) são exemplos desse conceito cultural norte-americano presente na representação visual de suas receitas culinárias.

Figura 3 - Doughnuts Fonte: Home Cooking, 2005, p. 57-58

Na edição de julho de 2006 da revista Fine Cooking o conceito de repetição das porções e de quantidade também é representado em suas imagens de receitas culinárias. Os brownies e as quesadillas da Figura 4 são exemplos desse conceito histórico cultural

americano de expressão de fartura, praticidade, quantidade e produção em grande escala. Segundo Franco (2001), a quantidade farta e o tamanho exagerado das porções representadas nas imagens comerciais e refeições servidas nos estabelecimentos de fast food são traços da McDonaldização, assim como a desritualização das refeições, o tratamento impessoal de atendentes e clientes e o esvaziamento do ritual de comunicação e intercâmbio humano do momento da refeição, entre outros. A análise das revistas americanas indica que não somente nesses estabelecimentos esses traços estão presentes, mas também nas suas imagens de receitas culinárias.

Figura 4 - Brownies e Quesadillas Fonte: Fine Cooking, 2006, p. 44 e 62

Considerações finais A história da civilização, do estabelecimento da comunicação e da evolução humana não pode negligenciar a influência da gastronomia, ou seja, a busca pelo alimento tem forte determinação na evolução humana, na construção das nações e no desenvolvimento da identidade cultural de cada país. A história culinária foi, quase sempre, ignorada pela maioria dos historiadores, sociólogos e etnólogos. É curioso que atividade tão importante como a obtenção, preparação e ingestão de alimentos tenha sido objeto de tal omissão. Entretanto, apesar da pouca atenção que o mundo acadêmico lhes

tem reservado, a alimentação e a arte culinária não podem ser consideradas aspectos secundários das civilizações. (Franco, 2001, p. 234)

Além da gastronomia típica de cada cultura, as revistas especializadas nesse segmento também reproduzem a culinária tradicional além de outros valores da cultura, inseridos nas imagens de receitas culinárias mediadas por essas publicações. As revistas analisadas de origem italiana e norte-americana comprovam que há mais traços culturais em suas representações de alimentos do que os alimentos tradicionalmente consumidos por essas nações. Esse tipo de publicação que se configura como um texto cultural é a prova do que a semiótica da cultura postula como presença da cultura em qualquer manifestação de texto cultural. As relações culturais além dos alimentos representados em imagens de receitas culinárias mediadas por revistas especializadas em gastronomia é um estudo em andamento que pretende investigar mais sobre as informações desse tipo de mediação que avançam os limites da culinária e transmitem valores culturais, políticos, sociais, econômicos e históricos.

Referências bibliográficas CUCHE, Denys. A noção de cultura em Ciencias Sociais. Bauru: Edusc, 1999. FINE COOKING. Estados Unidos: Tauton´s, nº 7, julho, 2006. FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São Paulo: Editora SENAC, 2001. HOME COOKING. Estados Unidos: MPA, nº 2, fevereiro, 2005. SALE & PEPE. Itália: Mondadori, nº 3, março, 2006. THIS, Hervé. Um cientista na cozinha. São Paulo: Editora Ática, 2004. IVÁNOV, V. V.; LÓTMAN, I. M.; PIATIGÓRSKI, A. M.; TOPÓROV, V. N.; USPIÊNSKI, B. A. Teses para uma análise semiótica da Cultura (uma aplicação aos textos eslavos). In: MACHADO, Irene. Escola de Semiótica: a experiência de TártuMoscou para o estudo da cultura. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. 1

Renata Leite Raposo Frederico: Graduação em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Unesp, Bauru-SP; Especialização em Administração Hoteleira pela Faculdade SENAC de Hotelaria e Turismo, campus de Águas de São Pedro, SP; Mestranda do programa de Pós-Graduação em Comunicação da FAAC/Unesp-Bauru

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Cristiane Machado Módolo: Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela FAAC/Unesp, Bauru-SP; Mestranda do programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma instituição.

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