IDENTIDADE E PODER - REFLEXÕES SOBRE A DEMOCRACIA NA AFRICA AUSTRAL

July 23, 2017 | Autor: É. Chingotuane | Categoria: Southern Africa, Democracy, Ethnicity
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CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS E INTERNACIONAIS (CEEI-ISRI)

IDENTIDADE E PODER: REFLEXÕES SOBRE A DEMOCRACIA NA AFRICA AUSTRAL

Énio Viegas Filipe Chingotuane

Artigo publicado em www.isri.ac.mz

Maputo, 2011

IDENTIDADE E PODER: REFLEXÕES SOBRE A DEMOCRACIA NA AFRICA AUSTRAL Énio Viegas Filipe Chingotuane* *Pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI) do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) [email protected]

Introdução Os processos de liberalização política e democratização em África, iniciados na década 1990, largamente vistos como o modelo ideal para promover o crescimento e o desenvolvimento do continente, representaram, no sentido contrário, um desafio para a unidade e estabilidade de alguns estados africanos. Com efeito, houve uma explosão de partidos políticos definidos em bases identitárias, maioritariamente étnicas que, apoiandose na mobilização étnica, concorriam e confrontavam-se para o controlo do poder. Enquanto alguns estados conseguiram gerir esta explosão identitária através de compromissos e adopção de um balanço do poder identitário, outros estados não foram capazes de gerir esta explosão e foram flagelados por conflitos e violência. Dentre os estados que foram incapazes de gerir esta explosão encontram-se os estados da África central, oriental e ocidental (os casos do Burundi, Ruanda, Senegal, Serra Leoa entre outros), por sua vez, dos estados que foram capazes de gerir esta explosão encontramos os estados da África do Norte e Austral (o caso dos estados membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral [SADC], excluindo a República Democrática do Congo [RDC]). Em relação a África Austral, fica-se com a impressão de que as questões identitárias não tem nenhum peso político em virtude delas estarem ofuscadas e camufladas pelas políticas integracionistas dos governos, na maior parte dos casos derivados dos movimentos de 1

libertação nacional que, por natureza, foram organizações aglutinadoras e globalizadoras, no sentido em que conseguiram integrar todas as etnias no espaço sociopolítico. Todavia, importa questionar se as democracias na África Austral conseguiram superar as questões identitárias ou se as identidades exercem alguma influência na corrida pelo poder ao nível dos estados? Perante este questionamento, o presente artigo propõe-se a estudar a correlação entre a identidade e a democracia na África Austral. O artigo tem como objectivo geral, reflectir sobre a influência das políticas identitárias nas democracias da África Austral e, como objectivos específicos, pretende analisar os propósitos, interesses e motivos por detrás da politização das identidades por parte dos grupos na África Austral e avaliar as estratégias de contenção da politização identitária adoptadas pelos estados da região.

Enquadramento teórico As identidades podem se manifestar em várias dimensões, desde a dimensão étnica, religiosa, nacionalista, tribalista, racial até a sexual (exemplo das Lésbicas e Gays). Dentre estas dimensões, o trabalho concentrou-se nas dimensões étnica e racial pois, constituem o epicentro das tendências identitárias em África1. Existem três teorias que procuram explicar as tendências identitárias: a teoria primordialista, a instrumentalista e a construtivista. A teoria primordialista defende que a identidade (étnica) é inerente ao indivíduo e se manifesta naturalmente desde a sua nascença2, ela é herdada biologicamente e se afirma inconscientemente sempre que oposta a outras identidades (Isaacs, 1975:30-32) (Geertz, 1996:41-42). Para os defensores desta teoria, os traços biológicos e culturais herdados podem explicar o comportamento dos grupos (Branco, 2006). Entretanto, para a teoria 1

Em vários momentos, a etnia é racialmente determinada e vice-versa. Por essa razão, o presente trabalho irá fazer uso das teorias da etnicidade de uma forma cumulativa para os dois termos. Elisabeth Tonkin et al (1996:21-22) explica de forma concisa a convergência destes dois termos. 2 Isaacs (1975:31-32), defende que toda a criança nasce com as características físicas dos seus progenitores e do grupo ao qual pertencem os seus progenitores e, desde o momento que respira, a criança começa a receber todos os atributos do grupo ao qual pertence, desde a cultura, hábitos, costumes, etc. Como membro do grupo, a criança recebe um nome, história, nacionalidade, língua, religião e sistema de valores. Todos estes elementos vão talhar a sua forma de vida e a sua visão do mundo.

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instrumentalista, a etnicidade é um instrumento usado pelos indivíduos, grupos ou elites para objectivos tipicamente materiais. Esta teoria vê a etnicidade como algo manipulado e estimulado por indivíduos interessados em alcançar fins políticos (Hutchinson & Smith, 1996:8-9) (Mathe, 2001:32-33). Neste sentido, a etnicidade é artificialmente criada e mantida pelo seu carácter utilitarista3 (Schiavetto, 2003:76). Por sua vez, a teoria construtivista defende que a etnicidade não é latente e natural ou algo que se manifesta por causa do estímulo externo como defendem os primordialistas e instrumentalistas, mas sim uma manifestação provocada pelo sistema social. Para os defensores desta teoria, o contexto social (relações políticas, sociais e económicas) define a afirmação ou apaziguamento da etnicidade (Mathe, 2001:33). Por isso, a etnicidade e as suas manifestações políticas não podem ser analisadas no vácuo histórico. Pelo contrário, devem ser estudadas num contexto mais alargado de prolongadas relações históricas, culturais e ambientais (Branco:2006). Estas teorias são bastante úteis para avaliar as tendências identitárias na África austral. Através delas pode-se avaliar se a formação dos partidos políticos e as tendências de voto resultam de paixões inconscientes de pertença a um determinado grupo étnico, se elas resultam da mobilização de certos indivíduos ou se resultam do contexto social. O trabalho admite que a identidade é inerente a existência dos indivíduos pois, as pessoas têm sempre consciência daquilo que são particularmente quando estão em contacto com pessoas que são diferentes em termos linguísticos, raciais, costumes, etc. O trabalho admite ainda que a identidade pode não se manifestar constantemente mas que ela é uma potencialidade que pode ser activada para responder a uma situação específica. Nestes casos, é preciso que haja um combustível que faça despertar a consciência identitária. A diferença étnica ou racial também torna-se importante, quando se associa a pertença a determinados grupos ao acesso a recursos ou quando a pertença ou exclusão de um determinado grupo significar menores ou maiores benefícios sociais, políticos e económicos. Neste caso, a ideologia étnica é produto de uma competição social.

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A etnicidade é socialmente construída (Hutchinson & Smith, 1996:8-9).

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Identidade e partidos políticos Historicamente, a formação dos movimentos (partidos) de libertação nacional foi determinado pelas linhagens étnicas dos seus membros, com algumas excepções dentre as quais a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que desde a sua formação integrou várias identidades etno-raciais na luta pela independência. Normalmente, os movimentos de libertação eram dominados por uma determinada etnia4 (Horowitz, 1985:292). São exemplos dessa tendência o Movimento Para Libertação de Angola (MPLA - Ambundo), União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita - Ovimbundo) e Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA - Bakongo) em Angola; o Zimbabwe African National Union (ZANU - Shona) e o Zimbabwe African Peoples Union (ZAPU - Ndebele) no Zimbabwe; a South West Africa Peoples Organization (Swapo - Ovambo) na Namibia; o United Democratic Front (UDF - Yao) no Malawi e o African National Congress (ANC Xhosa) na África do Sul. Conscientes da necessidade de unidade dos estados independentes, os partidos no poder adoptaram estratégias políticas inclusivistas e fomentaram o ideal da identidade nacional, procurando acima de tudo, acomodar as várias etnias na esfera do poder (Cheeseman e Ford, 2007:2). Todavia, este ideal encontrou forte resistência de algumas micro-identidades étnico-raciais e regionais que se sentiam excluídas ou pouco representadas do processo de governação e que procuravam ganhar algum protagonismo no novo xadrez politico pósindependência. Alguns desses grupos procuravam recuperar um status perdido enquanto outros procuravam ganhar um novo status para reparar injustiças coloniais. Efectivamente, o apelo étnico possui raízes profundas ligadas ao passado colonial. Devido a política colonial, certas regiões e certos grupos étnicos foram mais beneficiados em relação aos outros (Lundin, 1996:409-410). O sul de Moçambique foi mais beneficiado do que o centro e norte, o norte de Angola foi mais beneficiado do que o sul, os Xhosa na Republica Sul-Africana (RSA) foram mais beneficiados do que os Zulos, os Shonas no Zimbabwe 4

Enquanto a formação de partidos políticos nas sociedades africanas é baseada na identidade étnica, a formação de partidos nas democracias ocidentais se baseia na identidade da classe social dos indivíduos (Walsh:2006).

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foram mais beneficiados do que os Ndebele, entre outros exemplos. A administração colonial estabeleceu hierarquias entre os grupos étnicos que ainda não foram totalmente desmistificadas (Lundin, 1996:409-411). Ainda que estas identidades não se tivessem manifestado após as independências, devido aos regimes autoritários de então, elas encontraram espaço fértil de afirmação com o advento das democracias na região. Com a introdução da democracia na África Austral, abriram-se as portas para uma maior participação dos indivíduos na vida política, económica e social dos estados, presos durante vários anos a regimes segregacionistas (na RSA e Namíbia) e a regimes autoritários onde vingava a personalização do poder ao estilo comunista. A democracia apresentava-se como o espaço para objectivar realizações individuais e colectivas de carácter socioeconómico e sociopolítico. Todavia, a habilidade dos indivíduos se alojarem comodamente nos centros do poder revelou-se um enorme desafio para aqueles que não possuíam bases sociopolíticas seguras. O facto de alguns grupos possuírem uma maior habilidade de influenciar e controlar o centro do poder criou barreiras aos grupos afastados do centro e sem nenhuma habilidade de influência. Consequentemente, os grupos distanciados procuraram bases de apoio identitárias (Lundin, 1996:443). Com efeito, o apelo as ligações étnicas e raciais, determinou o surgimento e a coesão de alguns partidos. Para além disso, as rivalidades étnicas que prevaleciam em alguns estados da região determinaram o surgimento de partidos políticos com uma forte orientação étnica. Por outro lado, a partir do momento em que alguns grupos étnicos começaram a acumular vantagens e benefícios da liberalização económica em detrimento dos outros, provocou um desequilíbrio na sociedade que foi visto por outros grupos como injusto (exemplo de Moçambique e Angola). Por forma a promover o equilíbrio, os grupos em desvantagem mobilizaram os seus correligionários para garantir a sua lealdade política e desse modo lutar pelo acesso ao poder. Foi por via destes sentimentos que surgiram alguns partidos de oposição na África Austral. Muitas vezes, estes partidos surgiram depois dos grupos constatarem que não tinham um papel de relevo na sociedade e depois de experimentarem a exclusão. 5

Como se pôde ver, a formação dos partidos étnicos obedeceu ao sentimento de pertença identitária tal como defende a teoria primordialista, obedeceu a mobilização etnica dos seus componentes, tal como defende a teoria instrumentalista e, foi resultado do contexto histórico, sociopolítico e económico, tal como defende a teoria construtivista. Tomando como base a tipologia de partidos étnicos desenvolvida por Sebastian Elischer (2008), admite-se a existência de dois tipos de partidos étnicos na região: os partidos monoétnicos e as alianças multi-étnicas. De acordo com Elischer (2008:8), os partidos monoétnicos são formados por um único grupo étnico interessado em promover os interesses do grupo. Exemplos de partidos monoétnicos da região são o Inkhata Freedom Party (IFP Zulu) da africa do sul, o Pademo (Macua) de Moçambique e o National Democratic Unity Party (Kavango) na Namibia. Por seu turno, as alianças multi-étnicas são formadas por mais de um grupo étnico. No entender do autor, estas alianças são formadas por considerações estratégicas tendo como objectivo último a vitória eleitoral. Neste sentido, o autor considera estas alianças frageis e fáceis de se dissolver (Elischer, 2008:8-9). Exemplo de algumas alianças multi-étnicas são o Malawi Congress (Chewa e Nyanja) e a Resistencia Nacional Moçambicana (Renamo - Ndau, Cena e Macua). Actualmente, existe uma grande pressão para que os partidos mono-étnicos se transformem em alianças multi-étnicas e que evoluam para se tornarem partidos integracionistas, com maior representatividade étnica e visando defender o interesse nacional. Por isso, a legislação eleitoral de alguns países da região proibe a formação de partidos étnicos. Contudo, a identificação étnica de alguns partidos é inevitável.

Identidade e eleições Teoricamente, tomando como base a teoria primordialista e no postulado de Horowitz, pode-se concluir que a etnicidade tem um impacto directo no comportamento eleitoral nas sociedades etnicamente segmentadas. Na visão desta teoria, as eleições não passariam de uma competição étnica na qual os grupos visualizam a vitória numa perspectiva de soma zero (Norris e Mattes, 2003:3).

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Com efeito, sociedades sem um elevado índice de escolaridade e alfabetização são marcadas por uma democracia «inconsciente», no sentido de que, os potenciais eleitores não possuem o discernimento necessário para avaliar os partidos e os seus candidatos com base nos seus manifestos eleitorais e programas de governação. Nestas sociedades, o apelo identitário cria um maior vínculo dos indivíduos aos partidos do que os planos e objectivos de governação que são apresentados (Norris e Mattes, 2003:1). Ainda no domínio teórico, na avaliação da tendência de voto e do padrão de comportamento dos eleitores, a teoria instrumentalista sustenta que os candidatos políticos instrumentalizam os grupos étnicos com os quais se identificam e mobilizam-nos para garantir o seu voto. Esta tendência pode ser comprovada nas disputas eleitorais na região. Os factores étnico-raciais são constantemente convocados pelos maiores partidos da oposição. Com efeito, na África do Sul, a Aliança Democrática apela a sua base de apoio branca e mestiça e o IFP apela a sua base de apoio Zulu. Em Moçambique, a Renamo apela a sua base de apoio, nas etnias Ndau, Cena e Macua. Em Angola, a Unita apela a sua base de apoio junto dos Ovimbundo e o FNLA apela a etnia Bakongo. No Malawi, o Malawi Congress Party apela as etnias Chewa e Nyanja enquanto a Aliança Democrática apela a etnia Tumbuka. Na Namíbia, o partido Democratic Turnhalle Allince apela a etnia Nama, o National Unity Democratic Organization apela a etnia Herero, o Partido Republicano apela a comunidade branca e o Christian Democratic Union apela a comunidade mestiça. Este cenário repete-se em todos os países da região. Baseando-se na teoria primordialista e instrumentalista, desenvolveu-se um quadro das tendências de voto, tomando em consideração, somente a identidade étnica, descurando factores sociopolíticos e económicos. De acordo com estas duas teorias, os grupos étnicos seriam agregados rigidamente preconcebidos que privilegiariam a identidade étnica sobre qualquer outro factor.

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GRAFICO HIPOTETICO DAS TENDÊNCIAS DE VOTO EM BASES ETNICO-RACIAIS5

Zimbabwe

Zambia

Tanzania

Suazilândia

RDC

Namibia

Moçambique

Malawi

Lesotho

Botswana

Angola

África do Sul

Baixo

Médio

Alto

Elevado

Ainda que as teorias primordialista e instrumentalista possam explicar de alguma forma as tendências eleitorais, elas apresentam um quadro de análise muito limitado e próprio de sociedades etnicamente polarizadas. Como se pode ver no quadro, as tendências de voto em bases étnicas tornariam as sociedades bastante estratificadas que poderiam motivar 5

As tendências de voto foram avaliadas na base de três factores: o nível de politização étnico-racial, o número de partidos políticos com bases étnico-raciais e o historial de conflitos étnico-raciais em cada país. Países com um elevado nível de homogeneidade étnica como o Botswana (maioria Tswana- 79%), o Lesoto, (maioria Basotho- 99.7%) e Suazilândia, (maioria Swazi- 97%) teriam um apelo étnico-racial baixo em relação aos outros países da região. O estudo excluiu os países insulares como Madagáscar, Maurícias e Seicheles.

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conflitos e confrontos étnicos durante os períodos eleitorais. No entanto, estas situações não ocorrem com muita frequência. Alguns exemplos de confrontos étnicos ligados a eleições são, o confronto entre Zulos do Inkhata contra os apoiantes do ANC em 1994 e os confrontos étnicos nas eleições de 2006 no RDC. Na maioria das eleições realizadas, esta polarização étnica não tem muita incidência. A teoria construtivista apresenta uma visão mais adequada para a realidade dos países da África austral ao considerar os factores sociopolíticos e económicos do sistema social onde os grupos se relacionam. Nesta base, as tendências de voto seriam fruto da posição sociopolítica e económica que os grupos étnicos ocupam na sociedade. Seriam as desigualdades horizontais e verticais que determinariam a sua tendência de voto e não a simples pertença e mobilização étnica. Apesar da identidade étnica ser importante na escolha dos candidatos numa eleição, o seu efeito não é linear (Cheeseman e Ford, 2007:1). A realidade mostra que, partidos com bases de apoio mais alargadas e com uma agenda nacional são mais bem-sucedidos do que os partidos que apelam a determinados grupos étnicos. Por esse motivo, a maioria dos partidos nacionalistas no poder desde as independências, e que foram capazes de promover a integração de todas as etnias no seu seio, tornando-se partidos integracionistas6, conseguem vitórias esmagadoras nos pleitos eleitorais. São exemplo desses partidos, a Frelimo em Moçambique, o ANC na africa do Sul, o MPLA em Angola, o Chama Cha Mapinduzi na Tanzânia, entre outros. Apesar do voto étnico ser uma realidade, a tendência dos eleitores da região privilegia os partidos derivados dos movimentos de libertação nacional por causa do seu historial de luta pela causa nacional e, acima de tudo, por agregarem de uma forma integracionista várias etnias. Esta estratégia de contenção da politização identitária adoptada pelos partidos no poder reduz as possibilidades dos partidos mono-étnicos e das alianças étnicas alcançarem a vitória nos pleitos eleitorais. A maior diferença entre estes dois tipos de partidos e os partidos nacionalistas no poder é que, enquanto os partidos étnicos dependem em exclusivo 6

De acordo com Elischer (2008:8-10), partidos integracionistas incorporam todas as etnias e deixam de ser partidos étnicos.

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do apoio do seu grupo étnico, os partidos no poder conseguem alcançar uma base de apoio de várias etnias (Cheeseman e Ford, 2007:3-4). Enquanto os partidos étnicos fazem exigências étnicas os partidos nacionalistas procuram o bem-estar nacional e servem o interesse público (Elischer, 2008:9-10). Aliás, os maiores interesses dos eleitores são, a satisfação das suas necessidades, o reconhecimento dos grupos étnicos e a sua integração na esfera política e económica. A questão identitária, apesar de natural, permanente e ser passível de instrumentalização, só entra na equação se interferir com a satisfação desses interesses. Grupos étnicos que estejam frustrados e insatisfeitos com a materialização dos seus interesses são facilmente mobilizáveis e assumem a sua identidade de uma forma natural. Do lado oposto, grupos satisfeitos com a materialização dos seus interesses não tendem a recorrer a identidade nem ao voto étnico.

Conclusão Na base do que foi dito, pode-se concluir que as políticas identitárias influenciam o exercício democrático na África Austral mas elas dependem de uma serie de factores. A noção de democracia engloba, entre outros, ideais como a inclusão social, erradicação das desigualdades, igualdade e equidade, liberdade e governos representativos. Em última análise, a materialização destes ideais pode tornar as políticas identitárias desnecessárias e pouco apelativas, contribuindo para o fortalecimento das democracias na região. Ao avaliar o apelo étnico em função do sistema social, a teoria construtivista consegue explicar o surgimento dos partidos políticos e as tendências de voto com bases étnicas sustentando que o sistema social (relações de poder, económicas e culturais) é responsável pela afirmação das identidades. Com efeito, as disparidades no acesso a recursos, as diferenças sociopolíticas e económicas, incluindo as diferenças regionais, motivam o alinhamento dos grupos em bases identitárias. Neste sentido, onde estas diferenças não se manifestam, a formação de partidos e a tendência do voto étnico também não se manifesta com tanta naturalidade.

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Como se pôde demonstrar, a manifestação das identidades etnico-raciais na região não se justifica somente por factores primordialistas nem instrumentalistas. Apesar destas teorias explicarem facilmente a formação dos partidos étnicos, elas tem dificuldade de explicar as tendências eleitorais nos estados da região. Exceptuando algumas relações tensas verificadas em fronteiras étnicas altamente antagónicas, as relações étnicas são predominantemente pacíficas na África Austral.

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