IDENTIFICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE SUPERFÍCIES APLANADAS AUXILIADA POR SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA (ALGARVE CENTRAL, PORTUGAL)

May 28, 2017 | Autor: Lúcio Cunha | Categoria: Algarve, Cartografia, Geomorfologia
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A GEOGRAFIA FÍSICA E A GESTÃO DE TERRITÓRIOS RESILIENTES E SUSTENTÁVEIS Atas do IX Seminário Latino-americano e V Seminário Ibero-americano de Geografia Física

COORDENADORES António Vieira António Bento Gonçalves Francisco Costa Lúcio Cunha Adriano Lima Troleis GUIMARÃES, 2016

IX SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO E V SEMINÁRIO IBERO-AMERICANO DE GEOGRAFIA FÍSICA

IDENTIFICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE SUPERFÍCIES APLANADAS AUXILIADA POR SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA (ALGARVE CENTRAL, PORTUGAL)

P. Guerreiro (a), L. Cunha (b), C. Ribeiro (c) (a)

Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), Universidade de Coimbra [email protected] (b) CEGOT, Departamento de Geografia, Universidade de Coimbra [email protected] (b) Departamento de Geociências, ICT, Universidade de Évora [email protected]

Resumo O Algarve inclui unidades geomorfológicas distintas, que resultam da interação entre a heterogeneidade litológica e a deformação tectónica associada à localização da região junto ao limite de placas Eurásia-Núbia. Desta forma, para além de degradados por processos erosivos, as superfícies aplanamento encontram-se compartimentadas e, por vezes, basculadas por processos tectónicos. O nível mais elevado identificado corresponde à Superfície do Caldeirão, no Maciço Hercínico, muito degradada por processos de erosão fluvial e com um bloco soerguido pela ação tectónica, elevado a aproximadamente 500 m de altitude, e outro, a 350 m de altitude que se prolonga já para os terrenos mesozóicos. A cotas inferiores encontra-se a Superfície Intermédia, igualmente desnivelada em pelo menos dois blocos, a 200-220 m e a 240-260 m de altitude. Por fim, as rechãs alongadas e de menor expressão areal, talhadas na primeira linha de relevos aos 170-155 m, aos 120-130 m, aos 80-90 m e aos 60-70 m. Palavras-chave: geomorfologia, geomorfologia cársica, superfícies de aplanamento, Algarve Central, Portugal

1. Introdução A constituição litológica do território algarvio é bastante heterogénea e, sendo uma região litoral de tectónica ativa (Dias, 2001), apresenta domínios geomorfológicos distintos. As diferentes condições tectónicas e climáticas contribuíram, para a existência de níveis aplanados a diferentes altitudes, já definidos por Feio (1952) como rechãs litorais e formas de maturidade. O autor identificou várias plataformas marinhas pliocénicas e quaternárias até 160 m de altitude, bem como níveis de maturidade entre os 200 m e os 500 m de altitude, níveis estes também referidos por Medeiros-Govêa (1938), Crispim (1982), Guerreiro (2015) e Guerreiro et al. (2016). A atividade neotectónica apresenta, de igual forma, um papel importante na evolução do relevo na região contudo, as consequências morfo-estruturais são ainda pouco conhecidas, o que dificulta a interpretação (Terrinha et al., 2010; Carvalho et al., 2012).

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2. Enquadramento geográfico A par da análise morfométrica do terreno, a geologia da região é fundamental para compreender a diversidade e relações entre superfícies de aplanamento. O Algarve é uma região com tectónica ativa e apresenta uma grande diversidade de litologias, que se refletem em unidades da paisagem com caraterísticas distintas: o metassedimentos paleozóicos da Serra, as colinas margo-carbonatadas do Barrocal meso-cenozóico e a plataforma detrítica plio-plistocéncia Litoral (Feio, 1952; Terrinha et al., 2013) (Figura 1). Localizado no limite das placas eurasiática e núbia, todo o sistema foi deformado por tensões compressivas e distensivas desde a base do Mesozóico, que estão na origem de deformações estruturais nos terrenos que compõem o Algarve (Manuppella et al., 1992; Terrinha et al., 2013). A complexidade estrutural desta bacia é adensada pela deformação neotectónica destes materiais (Ressurreição et al., 2011; Carvalho et al., 2012; Terrinha et al., 2013).

Figura 1 – Regiões Naturais do Algarve (A) e enquadramento geográfico da área de estudo (B) (informação de base da litologia extraída de Atlas do Ambiente (1982) e base altimétrica de Cartas Militares de Portugal).

3. Metodologia No procedimento de definição e caracterização de superfícies aplanadas, foi utilizado o SIG e feita a interpolação de um DEM com quadrículas de 25 m2, a partir das Cartas Militares de Portugal com uma equidistância de 10 m, detalhe suficiente para não comprometer a expressão de aplanamentos excêntricos a esta escala de análise (v. g. superfícies longas e estreitas) nem os cálculos devido ao volume de informação. As quadrículas do DEM foram convertidos num ficheiro vetorial de pontos, aos quais se associaram os valores das cotas. Para proceder à quantificação das classes hipsométricas foi criada uma tabela de atributos associada ao DEM (Digital Elevation Model), adaptando a metodologia apresentada por Cooley (2015).

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A partir da informação extraída pelo DEM, foram calculados os declives e o resultado reclassificado de forma a obter uma classe de declives inferiores a 10 %, eliminando a restante área que, por sua vez foi convertida em vetor. A área de declives inferiores a 10 % serviu assim para identificar automaticamente áreas aplanadas. A informação da tabela de atributos da shapefile de pontos foi extraída para Microsoft Excel em classes com um intervalo de 10 m tanto do DEM em bruto, como do DEM correspondente às áreas aplanadas. Para identificar a continuidade regional nos níveis identificados, foram aplicados métodos quantitativos à análise do relevo de parte do sotavento algarvio com base na análise do DEM, com a área selecionada de forma a evitar os depósitos plio-quaternários do Litoral. Como complemento à análise das curvas hipsométricas, foram elaborados os histogramas de frequências acumuladas das classes hipsométricas de 10 m (à semelhança dos histogramas elaborados por Rowberry et al. (2007)), construídos neste caso a partir de perfis topográficos EW com um intervalo de 1 km e 18 km de extensão. Como complemento à análise numérica do terreno, procedeu-se à fotointerpretação em estereoscopia para reconhecer as várias superfícies de aplanamento do Algarve Central. Devido à sua expressão na paisagem reduzida ou ao basculamento das superfícies aplanadas, a estereoscopia permite identificar a continuidade entre níveis mais afetados por processos erosivos (Figura 2). Este caráter local poderá dever-se à fragmentação tectónica e à incisão fluvial, assim como a processos intrinsecamente locais como acontece com as superfícies cársicas associadas a aquíferos suspensos ou às plataformas formas pela acumulação de tufos calcários.

4. Resultados 4.1. Análise numérica do terreno Calculadas as áreas com declive inferior a 10 %, foi possível reduzir a área total de aproximadamente 230 Km2 para cerca de 100 Km2 (Figura 2-A). Este método permitiu ter uma perspetiva geral das superfícies aplanadas existentes na área, com uma distribuição muito semelhante às superfícies identificadas com recurso a estereoscopia, cartas militares e trabalho de campo (Figura 2-B).

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Figura 2 – Figura comparativa entre as áreas de declive inferior a 10 % criadas automaticamente (A) e as superfícies aplanadas identificadas manualmente (B).

As curvas hipsométricas correspondentes à análise de toda a área de estudo e às áreas com um declive inferior a 10% apresentam tendências semelhantes contudo, no segundo caso, os picos são mais evidentes, chegando a ter uma variação de 1,9 % no caso da área de estudo, e de 2,4 % no caso do sotavento (Figura 3).

Histogramas de classes hipsométricas (10 m)

Figura 3 – Histogramas de classes hipsométricas (10 m) total da “Área de estudo” e para o “Sotavento” comparativo entre os resultados de toda a área e de apenas as superfícies de declive inferior a 10 % das mesmas áreas (informação de base das Cartas Militares de Portugal).

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A evolução das frequências relativas da hipsometria da área de estudo apresenta vários conjuntos de classes, com 5 máximos relativos. Quanto à sua distribuição, estes máximos encontram-se na área do Litoral-Barrocal (aos 70-90 m), no Barrocal (aos 110-140 m, aos 190260 m (com máximos aos 210-220 m e 240-250 m) e aos 290-300 m) e no Barrocal-Serra (aos 330-340 m). Relativamente à área do Sotavento, acrescem os picos nas classes 0-10 m, 20-50 m, 170-180 e 460-470 m, com os dois primeiros no Litoral, o terceiro no Barrocal, e o quarto na Serra. As cotas entre 170 m e 190 m são também favorecidas na análise quantitativa do relevo do sotavento pela continuidade destas rechãs para da área de estudo, e ainda noutras áreas a Este, cuja relação com as superfícies da área de estudo é desconhecida. Algumas das classes cuja frequência relativa é mais elevada identificadas nos histogramas de frequências relativas longitudinais não correspondem, por vezes, à superfície de aplanamento de referência, mas sim a um intervalo de 20 ou 30 metros. Esta situação poderá estar relacionada, por exemplo, com o basculamento das superfícies ou pela degradação destas por processos erosivos. As principais variações nas frequências relativas repercutem-se na curva hipsométrica da área de estudo, onde a sua evolução representa uma síntese dos principais aspetos do relevo do sotavento algarvio. Esta síntese resulta no exagero de alguns dos valores descritos com base na curva hipsométrica do relevo regional. Os diagramas de frequências relativas de altitude dos perfis topográficos paralelos revelam heterogeneidade na distribuição espacial das classes hipsométricas, onde as cristas de conjuntos de classes com valores mais elevados são intercalados por classes onde as frequências relativas são muito reduzidas (Figura 4). Algumas das classes mais representativas no histograma dos perfis analisados correspondem aos 240-260 m, com uma tendência de subida que pode ser acompanhada até aos 290-310 m. Para além destes conjuntos de valores elevados, podem-se identificar frequências relativas elevadas nos 120-140 e 100-120 nas áreas mais a sul e acima dos 450 m nas áreas mais a norte.

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Figura 4 – Histograma de frequências relativas de latitude de perfis topográficos meridianos no sotavento algarvio com marcação das classes cujos máximos se apresentam relacionados ou não entre si (informação de base das Cartas Militares de Portugal).

4.2. Análise dos perfis topográficos Como complemento aos histogramas, elaboram-se perfis topográficos representativos do relevo, com um exagero vertical de 4x e uma direção N-S. A observação destes perfis topográficos permite estabelecer a continuidade entre os topos e níveis existentes no relevo desta área do sotavento, descendo gradualmente em direção ao litoral. Após a descida do setor mais elevado da Serra do Caldeirão (terrenos talhados no Maciço Hespérico), as superfícies parecem estar inclinadas para sul e, por vezes, com as altitudes convergentes. Esta situação será reflexo de uma subida gradual em direção à serra, como é possível verificar na Figura 5, e sugere a continuidade lateral dos níveis de aplanamento existentes nos três meridianos.

5. Discussão 5.1. Génese e degradação das superfícies de aplanamento As “Superfícies do Caldeirão” (a aproximadamente 350 m e 500 m de altitude), em virtude da sua altitude elevada e da proximidade ao mar, juntamente com as caraterísticas litológicas e hidrogeológicas desta unidade geomorfológica, encontram-se bastante degradadas pela incisão fluvial no Maciço Hespérico, enquanto o seu prolongamento na orla meso-cenozóica permite reconstituir uma peneplanície (Feio, 1952; Díaz del Olmo (1986) cit. Ângelo et al. (2001); Guerreiro, 2015). Os perfis Eira de Agosto e São Brás de Alportel refletem as plataformas subhorizontais acima dos 500 m, cuja descida é feita através de escarpas de falha (de maior rejeito na primeira) (Feio, 1952).

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Figura 5 – Perfis topográficos representativos do Algarve Central nos meridianos 8°03,5’, 7°, 58,1’ e 7°52,7’ (exagero vertical 4x). Legenda: A – Amendoeira; CA – Cerro de Alfeição; CC – Cabeço de Câmara; EA – Eira de Agosto; F – Feiteira; J – Javali; RA – Ribeira de Algibre; S – Salir; SBA – São Brás de Alportel; SBN – Santa Bárbara de Nexe (informação de base das Cartas Militares de Portugal).

O alinhamento de relevos a sul e oeste de Campina de Galegos ultrapassa os 350 m, estabelecendo continuidade com o bloco abatido da Serra do Caldeirão, sugerindo assim a continuidade desta superfície como proposto por Feio (1952), Crispim (1982), Guerreiro (2015) e Guerreiro et al. (2016). A área do Barrocal tem a particularidade de os terrenos calcários favorecerem a preservação de superfícies aplanadas em posições geomorfológicas elevadas, devido à imunidade cársica que apresentam, uma vez que ao promover a drenagem subterrânea, os efeitos da erosão mecânica decorrente do escoamento superficial são reduzidos (Ford e Williams, 2007). Esta apresenta assim algumas superfícies aplanadas relativamente bem conservadas, por vezes de pequenas dimensões e em posições elevadas. As superfícies aplanadas entre as cotas 200 e 260 m são relativamente comuns e extensas no Algarve Central, sendo de maior relevância as existentes na área de São Brás de Alportel (240 a 260 m), que se prolonga no sentido E-W, e a superfície existente na área de Loulé (200-220 m), inclinada para sul. A sul de São Brás de Alportel encontra-se esboçada uma vasta superfície degradada por processos fluvio-cársicos a aproximadamente 30 a 50 m abaixo desta, o que, aliado aos limites bem definidos entre as duas superfícies e à proximidade de falhas importantes (falhas de Carcavai e de Machados) (Manuppella et al., 2007; Ressurreição et al., 2011; Terrinha et al., 2013), sugere a fragmentação da Superfície Intermédia por processos de neotectónica. Assim, em virtude da sua relevância na geomorfologia do Barrocal algarvio do sotavento e da sua unidade genética provável, esta superfície recebeu a designação de “Superfície Intermédia” em Guerreiro (2015) e Guerreiro et al. (2016).

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Na área de Amendoeira, no flanco norte da flexura da Algibre, encontra-se também uma superfície degradada desenvolvida a partir dos 230 m e, à semelhança da superfície de Campina de Galegos-Almargens, prolonga-se através de uma pequena franja em materiais paleozóicos e nos Arenitos de Silves, onde já atinge cotas até 270 m. Assume-se aqui a importância de processos cársicos, formando uma superfície cársica ou um polje de bordadura cársica, que estaria relacionado com um nível de base elevado durante o período de estabilidade associado ao nível intermédio (Guerreiro, 2015). A superfície de Campina de Galegos-Almargens encontra-se particularmente desenvolvida em calcários oxfordianos-kimeridgianos (também carsificáveis), prolongando-se uma pequena banda em terrenos de margas aalenianas-bajocianas, de Arenitos de Silves (s. l.), do Complexo Vulcano-sedimentar (CVS) e da Formação de Mira. Atualmente degradada por processos cársicos nas litologias carbonatadas (campo de dolinas de Campina de Galegos e lapiás em Almargens) e por processos fluviais (associados às rib.as das Mercês e de Alportel), esta foi interpretada como uma superfície cársica associada a um polje de bordadura cársica, justificando assim a existência de uma única superfície aplanada de grandes dimensões a estas cotas, onde os processos fluviais contribuíram também para o arrasamento de formações não carbonatadas (Guerreiro, 2015; Guerreiro et al., 2016). Para além destes níveis de aplanamento, foram ainda identificados superfícies aplanadas ao longo das margens das rib.as de Algibre, Alportel e Rio Seco (Guerreiro, 2015; Guerreiro et al., 2016). Foram identificados até quatro níveis existentes apenas nos vales das ribeiras, apesar de nem todos apresentarem depósitos fluviais. Os mais complexos estão localizados nas margens do rio Seco que, para além de se encontrarem organizados por diferentes níveis, apresentam-se também intercalados com tufos calcários ou paleossolos, incluindo calcretos.

5.2. Aplanamentos dominantes no Algarve Central Tal como foi referido por Pereira (1991), não é possível considerar que as áreas equidistantes da costa tenham evoluído sob as mesmas condições morfogenéticas quando se localizam em compartimentos tectónicos distintos. Esta condição segmentada do relevo e a ausência de trabalhos na área de estudo condicionam a atribuição de idades aos diferentes níveis identificados, bem como o estabelecimento da sua própria continuidade e relações entre si. Através da observação da morfografia do Algarve Central, é possível reconhecer vários níveis de aplanamento, como já havia sido referido por Medeiros-Govêa (1938), Feio (1952) e Crispim (1982). A Figura 6 apresenta os níveis identificados e tomados em consideração neste trabalho e a Figura 7 compara-os com os níveis referidos nos trabalhos anteriores.

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Figura 6 – Representação esquemática das superfícies de aplanamento identificadas e tectónica na área de estudo (adaptado de Guerreiro (2015) e Guerreiro et al. (2016).

Figura 7 – Síntese dos níveis aplanados identificados em trabalhos anteriores relacionados com o sotavento algarvio e os níveis identificados neste trabalho (Legenda: SC – Superfície do Caldeirão; SK – Superfície Cársica; SI – Superfície Intermédia; SL1 – S150-165Litoral; SL2 – S120-130Litoral; SL3 – S80-90Litoral; SL4 – S60-70 Litoral).

Os níveis culminantes mais elevados do sotavento algarvio, aqui designados como Superfície do Caldeirão, encontram-se a aproximadamente 500 m de altitude que, a sul das falhas de Alportel e Eira de Agosto se encontra a cerca de 350 m (Superfície do Caldeirão-1), tendo assim um rejeito de aproximadamente 150 m (Feio, 1952 e 2004). Esta superfície é seguida pela Superfície Intermédia, que se encontra dividida em dois blocos, com maior expressão em Loulé, São Brás de Alportel e a sul desta localidade, assumindo-se que os aplanamentos existentes na área de Amendoeira possam estar relacionados com o mesmo

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período de estabilidade (Guerreiro, 2015). Podem-se ainda encontrar superfícies aplanadas em áreas próximas da área de estudo contudo, não foi possível estabelecer relação entre elas. Foram também identificados níveis de menor expressão e/ou mais degradados, correspondentes aos níveis aplanados já referidos na literatura anterior: S120-130Litoral e S150-165Litoral (Feio, 1952; Crispim, 1982). Neste trabalho, optou-se por atribuir a referência espacial “Litoral” a estas superfícies, devido à extensão destes níveis ao longo do primeiro alinhamento de relevos da orla algarvia sob a forma de uma franja. Estas rechãs prolongam-se, por vezes para o interior a cotas ligeiramente mais baixas, como por exemplo nas áreas rio Seco e a sul de Loulé. Abaixo dos 100 m, na área de estudo encontram-se extensos níveis aplanados entre os 80 e os 95 m, por vezes acima desta cota, e aos 60 a 70 m. A S80-90Litoral sobe gradualmente ao longo do vale a rib.a de Carcavai e ultrapassa 110 m na Zona Industrial de Loulé, identificando-se também no vale do rio Seco. Foram identificados também outros níveis de aplanamento junto do litoral que se localizam abaixo dos 80 m e foram anteriormente referidos noutros trabalhos, contudo estes não se encontram bem definidos na área de estudo. Por fim, refira-se a superfície de Campina de Galegos-Almargens que, com uma evolução independente do relevo regional, está desenvolvida a aproximadamente 300 m e parece corresponder a uma superfície cársica ou a um polje de bordadura cársica.

6. Conclusão Reconhecendo-se uma grande quantidade de níveis de aplanamento – seis –, não lhes foi possível atribuir a origem genética que, para além do âmbito distinto do objetivo deste trabalho, não foram encontrados depósitos que testemunhem o seu agente modelador. Ainda assim, foi possível relacionar superfícies atualmente individualizadas ao mesmo período de formação, como é o caso da Superfície do Caldeirão e da Superfície Intermédia. Para além destas, conhecem-se quatro superfícies com maior expressão no primeiro alinhamento de relevos desconhecendo-se, contudo, a sua génese e relação entre si. A evolução da superfície cársica de Campina de Galegos-Almargem foi considerada como local e independente das condições regionais, representando uma superfície relativamente bem conservada e não basculada. Os processos de dissolução cársica terão tido igualmente um papel importante na formação das superfícies existentes na área de Amendoeira, num período anterior à descida do nível de freático relacionado com a captura e aprofundamento da rib.ª das Mercês, período em que deveria funcionar como um polje de bordadura cársica (Guerreiro, 2015).

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Relativamente à metodologia utilizada, o recurso aos Sistemas de Informação Geográfica revelou-se definitivamente como uma mais-valia no apoio à identificação de superfícies aplanadas. Para além das vantagens atribuídas aos SIG pela disponibilidade de informação da superfície terrestre e pela sua facilidade da sua reprodução (Griffiths et al., 2011; Guerreiro, 2015), a metodologia aqui aplicada na identificação, processamento e recolha de informação relativa às superfícies de aplanamento revelou-se bastante eficaz. A identificação das cotas e localização das principais superfícies de aplanamento é um processo relativamente rápido e simples, que poderá servir de base para o tratamento preliminar a aplicar em trabalhos de geomorfologia ou no tratamento de áreas de grande extensão. Por outro lado, os perfis paralelos, de orientação E-W, acompanham estrutura geral do relevo e refletem as rechãs alongadas com a mesma direção, que o permite uma auscultação mais eficaz de pequenas nuances. A análise do terreno em estereoscopia foi aquele que permitiu obter melhores resultados sendo, no entanto, este um processo bastante moroso.

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