IDENTIFICANDO RADICAIS DENTRO E FORA DAS SALAS DE AULA DE HISTÓRIA

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IDENTIFICANDO RADICAIS DENTRO E FORA DAS SALAS DE AULA DE HISTÓRIA Itamar Freitas [email protected] Não foi escrito para os professores de história, mas a eles também serve. Desde 9 de fevereiro deste ano, circula na França uma espécie de cartilha que ajuda a “prevenir a radicalização dos jovens”. Em síntese: a caça aos radicais no ninho de formação para a tolerância, que é, ao menos formalmente, a escola pública francesa. A iniciativa faz parte de uma campanha do “Ministério da Educação Nacional, do Ensino e da Pesquisa” que busca recuperar os valores republicanos. A intenção é reforçada por esses objetivos: “pôr a laicidade e a transmissão” dos referidos valores “no coração da escola”, “desenvolver a cidadania e a cultura da participação com todos os parceiros da escola” e “combater as desigualdades, favorecendo a diversidade social para reforçar o sentimento de pertença à República”. Contudo, o objetivo imediato da Grand mobilisation de l’École pour les valeurs de la République é deslocado para os “anexos” do documento. É assim que surge uma cartilha para os professores identificarem potenciais militantes, eu diria, do Estado Islâmico (EI) ou do Boco Haram. Mas por que nos interessamos por um manual desse tipo? Várias iniciativas das polícias militares e civis, pelo Brasil afora, têm tentado auxiliar os cidadãos, professores, idosos, mulheres, adolescentes, entre outros, a identificarem potenciais situações de perigo, sobretudo ao patrimônio. Além disso, casos de violência no interior das escolas proliferam-se, sendo inclusive causa de evasão de professores nas periferias de grandes cidades, como São Paulo e Recife. Na semana passada, uma iniciativa do Governo Federal pôs na rede a primeira ouvidoria dos direitos humanos on line (veja vídeo abaixo). http://www.youtube.com/watch?v=JuE4C9Fp0k0 O que nos chama a atenção da iniciativa francesa, no entanto, não é o ineditismo dessa didática da segurança. A intenção aqui é bem outra. Talvez eu seja apocalíptico neste escrito. Mas, ao que parece, a cartilha é uma espécie de salvaguarda da geração que manterá o que entendemos grosseiramente como civilização (experiência em Estado de direito, o bem viver na diferença etc.).

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No caso Brasileiro, não é tanto o recrutamento para o ISIS que incomoda. É a radicalização em torno de questões como a religião, a sexualidade e a democracia. A desinformação ou certa histeria ou os dois fenômenos em causa e efeito parecem ter aumentado (ou recebido grande estímulo da TV aberta, sobretudo) em proporções preocupantes nos últimos meses. Em recente viagem a Porto Alegre, ouvi dois depoimentos (um deles dentro da livraria Cultura), de gente, supostamente bem informada, que defendia, por exemplo, a troca dos membros do parlamento nacional pelos governantes indonésios – aqueles que autorizaram a morte de brasileiros condenados por tráfico de drogas. O profissional “liberal” ficou espantado quando lhe falei sobre as altas taxas de corrupção daquele governo, que submetia, cirurgicamente o imperativo jurídico ao imperativo moral. Também ouvi que a substituição da presidente eleita por militares deveria ser promovida antes que inflação chegasse aos dez por cento, quando já enfrentamos taxas oito vezes maiores, há poucos anos. No fim do ano passado, Brasília, fui questionado por uma professora de escola privada sobre o que fazer com os alunos que se regozijavam com o assassinato de homossexuais, durante o período nazista, na Alemanha (informação adquirida no livro didático de história). Quase à mesma época, fiquei estarrecido com o comportamento de um aluno de história em São Paulo, bolsista do FIES, que confessou a intenção de incorporar-se à Ku Kux Klan. Essas pequenas histórias estão aqui para justificar a minha sugestão: leiam a cartilha francesa. Não temos mais que um brasileiro comprovadamente envolvido com o EI. Certamente, não vivemos um islamismo hipócrita. Não experimentamos a maior inflação do mundo e os que pedem a morte dos homossexuais são minoria. Mas a erva daninha graça nos campos da esmeralda. Lá, no livret ministerial, está uma definição de radicalização – “ato de tornar mais intransigente o discurso ou a ação”, expressa pela “contestação violenta à ordem pública e à sociedade” – e também uma causa: “a radicalização está relacionada a um processo mental que encontra suas fontes no desenvolvimento do indivíduo e, atualmente, mediante a exposição dos alunos aos conteúdos extremistas difundidos na Internet”. A cartilha também informa sobre os três mais explícitos sinais de radicalismo: o interesse repentino por tal ou tal religião ou ideologia, a adesão aos discursos

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extremistas, professados em pequenos grupos, e a “fascinação manifesta por cenários apocalípticos” – o fim do mundo é o exemplo. A cartilha, por fim, orienta o que fazer, diante da identificação de algumas dessas práticas, pensamentos e sentimentos. Em primeiro lugar, informar aos inspetores e diretores da escola. Se o caso for preocupante, as autoridades nacionais devem acionar o procurador da República. Se a preocupação provier da família de alunos menores, a mensagem lembra que o Estado tem o poder de impedir que o aluno deixe o país para ingressar em movimentos radicais. Não preciso gastar mais bits para demonstrar a relação entre a ação do Estado francês e as tarefas do professor de história brasileiro. Os contextos são diferentes, evidentemente, mas dois paradoxos motivaram a produção deste escrito. O primeiro é o misto sentimento de incômodo e surpresa como o clima de tolerância quase zero no país que ajudou a inventar a tolerância quase 100% como princípio sociabilidade. O segundo é a reflexão provocada acerca da experiência brasileira, onde a opção pelo radical se antecipa, diferentemente da França, à informação. Em outras palavras, ao contrário das sociedades onde a maioria dos indivíduos domina o código da escrita e a circulação do conhecimento é mais livre e pluriperspectivada (supomos), o que assistimos nos últimos meses é o recrudescimento da intolerância. E isso ocorre entre aqueles das classes A e B, que não se dão a chance de informar-se sobre os sentidos origens e causas de categorias como inflação, ditadura, corrupção e heteronormatividade – "nem mesmo" na TV Globo. Para cita este texto: FREITAS, Itamar. Identificando radicais dentro e fora das salas de aula de história. Brasília, 11 abr. 2015. Disponível em: http://didaticadahistoria.com/2015/04/11/sobre/

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