IDEOLOGIA E PRAGMATISMO NOS GOVERNOS LULA E DILMA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA

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Exemplo disso é a troca consciente do paradigma neoliberal para o logístico dos anos 1990 para os anos 2000.
Para mais informações, visite o portal da Folha de São Paulo. Disponível em:
O Tratado de Itaipu foi firmado entre Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973, tendo como objetivo a construção de uma usina hidrelétrica. Da energia gerada pela usina, o Paraguai venderia o excedente energético produzido ao Brasil por 50 anos, ou seja, até 2023. Sendo que os dois países podem aproveitar os recursos hidrelétricos do Rio Paraná para a geração de energia, o produto é repartido entre eles. Contudo, como o Paraguai só consome 13% da capacidade energética, ficou estabelecido a venda compulsória de (45 mil GWh) para o Brasil até a expiração do contrato – em 2023.

O projeto de melhoria dos sistemas de transmissão de energia do Paraguai já vem sendo implementado por meio do Focem.
Na ocasião, menos da metade de população de Honduras foi às urnas. O Partido Nacional obteve aproximadamente 1,2 milhão de votos (56%), enquanto o Partido Liberal obteve cerca de 800 mil votos (38%).

Composto por 23 países de três continentes (África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito, Equador, Filipinas, Guatemala, México, Nigéria, Paquistão, Peru, Paraguai, Tailândia, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zimbábue), o agrupamento representa 60% da população rural, 21% da produção agrícola, 26% das exportações e das 18% importações mundiais. O G-20 atua como coalizão de países em desenvolvimento que defendem o cumprimento, de forma ambiciosa, dos três pilares do mandato agrícola da Rodada Doha, quais sejam, acesso a mercados (redução de tarifas), eliminação dos subsídios à exportação e redução dos subsídios de apoio interno (mormente à produção).
500 empresas brasileiras
Brunei, Camboja, China, Cingapura, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Filipinas, Indonésia, Japão, Laos, Malásia, Myanmar, Tailândia e Vietnã.
. Incluir nota sobre expulsão de cuba em 1961 e retomada das relações diplomáticas com os EUA em 2015.
. Exemplos destes fóruns de diálogo foram as cúpulas CELAC-EU e CELAC CHINA.


CLIO INTERNACIONAL





IDEOLOGIA E PRAGMATISMO NOS GOVERNOS LULA E DILMA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA


LEONARDO MOREIRA







Projeto apresentado para conclusão de pós-graduação latu senso em Política Internacional
Área de concentração: Política Externa Brasileira
Prof. Orientador: Tanguy Baghdadi



Brasília, 2015





IDEOLOGIA E PRAGMATISMO NOS GOVERNOS LULA E DILMA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA


LEONARDO MOREIRA







Projeto apresentado para conclusão de pós-graduação latu senso em Política Internacional
Área de concentração: Política Externa Brasileira
Prof. Orientador: Tanguy Baghdadi









Brasília, 2015
RESUMO

Este trabalho expõe os principais fatos, ações e coalizões dos governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011- ), analisando, sob uma perspectiva comparada e uma abordagem teórica pós-positivista, se as ações adotadas no âmbito externo têm um cunho pragmático ou puramente ideológico. Para fundamentar esta análise serão apresentados os conceitos de pragmatismo e de ideologia à la carte. Lançados estes conceitos, serão analisados sob esta perspectiva as relações do Brasil com seus principais parceiros em nível de cooperação bilateral e multilateral; as principais ações brasileiras nos mandatos analisados; as propostas e os desdobramentos sobre temas importantes em ambos os governos. Estando esta discussão em voga, não se pretende polarizar o debate partidariamente, mas sim matizar os vários nuances que esta análise traz, e sobretudo, fomentar a discussão sobre as diretrizes de política externa como instrumento para o desenvolvimento do país.


ABSTRACT
This workpaper sets out the main facts, actions and coalitions of Lula government (2003-2010) and Dilma (2011-), analyzing, in a comparative perspective and a post-positivist theoretical approach, the actions taken in the external ambit have a pragmatic nature or a purely ideological. In support of this analysis will be presented the concepts of pragmatism and ideology à la carte. Launched these concepts, will be analyzed from this perspective Brazil's relations with its main partners at the level of bilateral and multilateral cooperation; the Brazilian's main facts in the analyzed mandates; proposals and developments on important topics in both governments. As that discussion is in vogue, it is not intended to polarize the debate, but tinting the various nuances that this analysis brings, and above all, encourage discussion about the guidelines of foreign policy as a tool for development.




INTRODUÇÃO


Ideologia e pragmatismo, quando apresentados sob o prisma de política externa, são concebidos, na maioria dos casos, como expressões antagônicas, uma em detrimento da outra. Ou se é pragmático, ou se é ideológico, e ponto; é a visão que se tem sobre os termos, sobretudo quando se busca analisar política externa. Porém, sua análise conceitual é bem mais complexa do que a utilizada por alguns analistas e críticos da ação externa brasileira. Por conseguinte, cria-se uma falsa impressão que não existe um perfil consolidado por uma continuidade das ações, dos discursos e das posições do Brasil sobre temas pertinentes à agenda internacional e às relações comerciais.

A política externa e as relações internacionais do Brasil são responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores (MRE). E como um órgão do Executivo federal, seu comando é exercido pelo ministro das relações exteriores, subordinado ao presidente da República. Apesar de entender que existe uma política de Estado baseada em variados princípios e tradições que regem a ação externa brasileira, não é possível afirmar que o perfil do governante e suas experiências anteriores não influenciem a política de tomada de decisão. Dito isto, é inegável que a política externa brasileira tem se consolidado como uma política predominantemente de Estado, e não de governo. Contudo, o cenário externo e as características pessoais de cada presidente são fatores de larga influência na temática analisada. Logo, o modelo de desenvolvimento de um país e suas bases teóricas indicam a forma como o país se insere internacionalmente, podendo dar ares ditos ideológicos ou pragmáticos, a depender de quem analisa a experiência.

No decorrer do século XX, a germinação de conceitos e a floração dos princípios da ação externa brasileira estiveram enraizados na discussão sobre qual seria o melhor plano estratégico para o desenvolvimento do Brasil e a quem estaríamos atrelados para auferir este objetivo. A formulação dos conceitos e princípios norteadores desta ação externa foi paulatinamente ganhando corpo durante o Estado Novo e teve como forte instrumento de consolidação desta continuidade o Instituto Rio Branco como escola preparatória dos diplomatas brasileiros. O contexto externo, na maioria dos casos, foi uma variável indelével que regeu a postura brasileira, buscando o desenvolvimento e sua inserção na política mundial.

Em um contexto de polarização internacional como o que se viveu após a Segunda Guerra Mundial, a discussão interna sobre desenvolvimento e industrialização, bem como o conceito cepalino aplicado às relações assimétricas são uma linha a se considerar na formação do pensamento brasileiro. Apesar de um forte background ideológico importado de outro hemisfério, a busca pelos interesses nacionais foi pragmaticamente executada, mesmo não auferindo êxito em alguns casos que se ideologizou uma parceria não existente.

O embate entre as visões americanista e independentista foi um novelo que se fez trama do pensamento à época. Esta linha de discussão foi experimentada e costurada de um lado para o outro. De Dutra a JK; de Jango a Castelo Branco. Cada vez mais tateando o terreno, aprimorando os novos passos e agregando novos paradigmas à inserção internacional. O passo fora da cadência apresentou a face realista das relações entre centro e periferia, não desmoronando um castelo ideológico ou colocando em xeque uma suposta aliança não escrita entre países desenvolvidos e aqueles com desenvolvimento tardio, mas, sobretudo, evidenciando a importância da cooperação e da diversificação de parcerias para a promoção do desenvolvimento (CERVO, 2008).

A partir do reconhecimento do palco do cenário externo, dos atores, e, também, dos supostos diretores, o Brasil foi consolidando cada vez mais sua atuação externa por meio de uma continuidade, com um pensamento realista e universalista, embasada em diretrizes como a não intervenção, o jurisdicismo, as parcerias estratégicas e o pragmatismo.

Após a redemocratização, tais princípios foram catalisados em um crescente processo de consolidação, integrando a política de Estado brasileira. Este tipo de continuidade histórica no discurso é importantíssimo para se ter uma imagem confiável – e previsível, de certa maneira – no cenário externo. Nos dias atuais em que se vive uma polarização política interna no Brasil, há vertentes críticas que colocam esta política de Estado como sendo uma política de governo ou partidária. Acusam os governantes de imprimirem suas bases ideológico- partidárias em detrimento do interesse nacional; fundamentando que a ideologia sobrepõe o pragmatismo nas ações externas. Seria esta uma afirmação retrógrada que remete aos tempos de Guerra Fria – comunistas versus capitalistas? Estaria o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) imprimindo sua ideologia partidária em detrimento do interesse nacional e dos ganhos pragmáticos que a política externa pode prover para o desenvolvimento do país? O governo estaria subjugando a ferramenta de política externa ao interesse de uma minoria? Admitindo que o modelo de desenvolvimento adotado pelo PT tenha raízes ideológicas ditas de esquerda, haveria alguma distinção entre o governo Lula (2003-2010) e o governo Dilma (2011-2018) em termos de ideologia e pragmatismo?

O objetivo deste trabalho é analisar fatos e situações concretas dos governos Lula e Dilma, sob uma perspectiva comparada e uma abordagem teórica pós-positivista, e concluir se as ações adotadas no âmbito externo têm um cunho pragmático ou puramente ideológico. Para fundamentar esta análise serão apresentados os conceitos de pragmatismo e de ideologia. Lançados estes conceitos, serão analisados sob esta perspectiva as relações do Brasil com seus principais parceiros em nível de cooperação bilateral e multilateral; as principais ações brasileiras nos mandatos analisados; as propostas e os desdobramentos sobre temas importantes nos governos Lula e Dilma. Estando esta discussão em voga, não se pretende polarizar a discussão, mas sim matizar os vários nuances que esta análise traz, e sobretudo, fomentar a discussão sobre as diretrizes de política externa como instrumento para o desenvolvimento do país. Por fim, far-se-á uma conclusão, instigando uma reflexão mais sóbria e factual sobre a temática.

2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral

O objetivo deste trabalho é analisar, sob uma ótica pós-positivista e comparativa, a política externa dos governos Lula e Dilma, diferenciando – dentro de uma mesma ideologia partidária – suas políticas e atuações, bem como seus matizes pragmáticos ou ideológicos, delimitanto tais conceitos. Destarte, pretende-se aquecer o debate sobre partidarismo e política externa, contudo, sem criar uma polarização exacerbada ou embasada em qualquer ideologia politicamente dominante.

2.2. Objetivo específico

O objetivo deste trabalho é analisar fatos e situações concretas dos governos Lula e Dilma, sob uma perspectiva comparada e uma abordagem teórica pós-positivista e pós-moderna, e concluir se as ações adotadas no âmbito externo têm um cunho pragmático ou puramente ideológico. Para fundamentar esta análise serão apresentados o conceito clássico de pragmatismo e o de ideologia.
Uma vez lançados estes conceitos, analisar-se-ão, sob estas perspectivas, as relações do Brasil com seus principais parceiros em nível de cooperação bilateral e multilateral; as principais ações brasileiras nos mandatos analisados; as propostas e os desdobramentos sobre temas importantes nos governos Lula e Dilma, sem desprezar o perfil e as experiências de cada presidente, bem como o campo conjuntural externo que se apresenta a cada um deles.

Estando em voga uma exacerbada polarização partidária nos dias atuais, não se pretende aqui polarizar ainda mais o debate sobre partidarismo e política externa, mas sim matizar os vários nuances, tanto pragmáticos quanto ideológicos, que um mesmo partido pode imprimir na inserção internacional brasileira.

Quando se pensa em política externa como uma das principais ferramentas para o desenvolvimento nacional, não é justo que uma ideologia polarizada se estabeleça em detrimento de melhores condições de vida para o povo brasileiro, seja esta ideologia proveniente do governo, da oposição ou da imprensa. Destarte, esta análise fomenta a discussão sobre as variáveis que podem influenciar as diretrizes de política externa; a necessidade de se incluir, democraticamente, a sociedade civil nas discussões de sua formulação; o papel da imprensa no processo político internacional; e também a argumentação crítica do governo de oposição.

Por fim, a comparação entre dois governos do mesmo partido apontará diferenças conjunturais, mas não estruturais do modelo de inserção internacional, uma vez que a política de Estado molda, de certa forma, a política de governo, assim como os outros fatores externos e internos hão de influenciar, em menor escala, o plano de ação da política externa brasileira.

3 JUSTIFICATIVA

Estando em voga uma exacerbada polarização partidária nos dias atuais, não se pretende aqui polarizar ainda mais o debate sobre partidarismo e política externa, mas sim matizar os vários nuances, tanto pragmáticos quanto ideológicos, que um mesmo partido pode imprimir na inserção internacional brasileira, bem como discutir e avaliar tais políticas sob este prisma.

Ideologia e pragmatismo são colocados como lados opostos. Ou se é pragmático ou se é ideológico. No entanto, esta classificação vaga que muitas vezes é veiculada pela mídia e pela oposição pode causar ambiguidades e mesmo uma desideologização de temas que carecem de uma ideologia principiológica como plano de fundo das ações de um governo. Há algumas proposições neste trabalho que devem ser analisadas: i) não dissociar princípios ideológicos e pragmatismo, uma vez que é o excesso de um ou de outro que pode acarretar o erro político; ii) apresentar as diferenças de condução política dentro de um mesmo partido ou de uma política de Estado; e iii) mostrar que o perfil do governante pode sobrepor a política do partido e até mesmo do Estado.

Na área de relações internacionais, o perfil do elaborador de política externa é levado em conta, assim como os princípios ideológicos defendidos por seu partido político. Contudo, é necessário estudar os nuances que se apresentam, assim como as diferenças de cenário externo e interno para uma análise mais bem embasada.

Uma comparação entre dois governos do mesmo partido aponta esta heterogeneidade real que se apresenta nas ações comparadas entre um e outro. As diferenças conjunturais são mais latentes em comparação às estruturais. O modelo de inserção internacional a que se propõe carece de evolução, assim como as políticas internas. Tal análise pode fornecer dados para embasar críticas ao modelo de inserção internacional proposto, utilizando uma terminologia menos tendenciosa e que busque nada mais que o desenvolvimento do Brasil como nação bem informada e capaz de discernir boas e más ações, sejam elas do governo, da oposição ou da imprensa. Para isso, a desmistificação de termos como ideologia e pragmatismo se faz necessária, assim como a compreensão de que seja qual for o partido no poder, os princípios ideológicos não podem sobrepor os objetivos pragmáticos de um país cada vez mais desenvolvido e imerso nas decisões tanto de alcance no âmbito regional quanto no global.

4 EMBASAMENTO TEÓRICO E METODOLOGIA

Este trabalho consiste em analisar – por um prisma comparativo – se a política externa dos governos Lula e Dilma apresentou um caráter mais ideológico que pragmático no que diz respeito aos principais parceiros, temas e agendas. Sob uma abordagem pós-positivista e pós-moderna serão apresentadas algumas das principais ações e parcerias em que os governos citados se envolveram, analisando suprapartidariamente cada uma delas, assim como algumas posições do governo de oposição e da imprensa. Dito isto, estaria o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) imprimindo sua ideologia partidária em detrimento do interesse nacional e dos ganhos pragmáticos que a política externa pode prover para o desenvolvimento do país? O governo estaria subjugando a ferramenta de política externa ao interesse de uma minoria mais abastada? Admitindo que o modelo de desenvolvimento adotado pelo PT tenha raízes ideológicas ditas de esquerda, haveria alguma distinção entre o governo Lula (2003-2010) e o governo Dilma (2011-2018) em termos de ideologia e pragmatismo? Para isso, é necessário situar o Brasil no contexto externo no momento da assunção do governo do Partido dos Trabalhadores, assim como seu novo paradigma de inserção internacional. A definição de conceitos como política externa, ideologia e pragmatismo também será necessária para a compreensão das hipóteses aqui presentes.

Quando se parte do princípio que o país deve manter relações com seus vizinhos para promover seu desenvolvimento, entende-se a importância da política externa para a vida do cidadão comum. Destarte, Ricardo Seitenfus define política externa como

o processo de percepção, avaliação, decisão, ação e prospecção estatais, inclusive aquelas iniciativas tomadas no âmbito interno que possuam uma incidência além-fronteiras (...). Portanto, a política externa pode ser considerada como a resultante entre as necessidades internas e os constrangimentos externos. (SEITENFUS, 2004, p. 84)

Neste sentido, Seitenfus ainda diferencia a chamada política entre Estados e a política externa. Tal distinção denota, no primeiro caso, uma ação reativa e compulsória a que o Estado se submete visando sua própria sobrevivência; no segundo, a ação é ativa e busca estreitar sua relação com os demais Estados por meio da comunicação e das boas relações. Sendo assim, as diretrizes e os paradigmas da política externa são o método e o planejamento para galgar uma política externa exitosa e eficaz.

Neste sentido, entender a engrenagem global é primordial para o estabelecimento de paradigmas de política externa. Neste trabalho, será utilizada a abordagem de Amado Cervo para analisar a inserção internacional do Brasil, seus conceitos e princípios. Para o Cervo (2008) os paradigmas brasileiros dividem-se historicamente em quatro períodos: i) liberal conservador (1810-1930); ii) desenvolvimentista (1930-1989); iii) normal ou neoliberal (1990-2002); e iv) logístico (2003- ). Destarte, esta pesquisa tomará como base os aspectos do paradigma logístico para a inserção internacional brasileira no governo Lula, tendo continuidade no governo Dilma.

Tendo em vista que nos anos 1990 houve uma predominância de governos neoliberais na América Latina, a assunção em massa de governos de esquerda na década de 2000 comprova o fracasso desta política para a região e a necessidade de mudança estratégica. O planejamento de uma inserção internacional que não obedecesse a uma cartilha vinda de fora era primordial para que a região conquistasse um espaço na nova ordem mundial que se apresentava. A chamada esquerda responsável acalmava os ânimos dos mercados e dos investidores, o que tornava a execução do paradigma logístico possível.

O chamado modelo pós-desenvolvimentista compõe o Estado logístico. Fazendo uso de aspectos desenvolvimentistas com pitadas neoliberais, este modelo busca a superação de assimetrias entre os países, visando alçar o Brasil ao patamar das grandes potências. Como base para o paradigma em questão, Amado Cervo ensina que

A ideologia subjacente ao paradigma do Estado logístico associa um elemento externo, o liberalismo, a outro interno, o desenvolvimentismo. Funde a doutrina clássica do capitalismo com o estruturalismo latino-americano. Admite, portanto, operar na ordem do sistema ocidental, recentemente globalizado. (...) recupera a autonomia decisória da política exterior sacrificada pelos normais e adentra pelo mundo da interdependência, implementando um modelo de inserção pós-desenvolvimentista. (...) limita a prevalência absoluta do Estado que caracterizava o [desenvolvimentismo] e elimina do [liberalismo] a crença anticientífica no poder ilimitado do mercado de prover tudo o mais. (CERVO, 2008, p. 85-86)

Desta forma, o Brasil vem conduzindo sua ação internacional. E, como visto, participando e se inserindo cada vez mais na ordem mundial globalizada. Contudo, quando se fala de política externa e inserção internacional é impossível não falar em ideologia, mesmo sendo ela subjacente às ações de uma ou outra diretriz.

Quando se analisam ações de governo, principalmente, não existe pragmatismo sem uma ideologia implícita como plano de fundo. Esta afirmativa vale tanto para o Brasil, quanto para a Indonésia ou para o Chade. No senso comum, existe uma falsa impressão que ideologia é aquilo que só existe no campo das ideias de um determinado grupo ou sociedade, e que sua implementação seria muito "ideológica" para ser uma verdade paupável. Contudo, sabe-se que esta é uma falsa premissa. Ideologia e pragmatismo, na política externa, são como duas metades. Uma é impalpável, transcendente; a outra é mais tateável, prática e remete a uma ação concreta. Ora, quando as duas se juntam, o que se tem como objeto prático é o resultado da ação planejada que foi subsidiada por ideias outrora gestadas. Desta maneira, a conceituação destes termos se faz imprescindível para uma análise entre governos de uma mesma base ideológica.

Desenvolvida no âmbito das ciências sociais e filosóficas, a corrente pragmática traz concepções bastante pertinentes para a análise das ações em política externa. As abordagens de Charles Sanders Piece e Willian James ajudam a compreender a fusão das duas metades supracitadas. O pragmatismo ou ser pragmático consiste em um método dual de ação baseado no pensamento analítico de seus efeitos e encadeamentos. Tendo este pensamento se subterfugiado em crenças já incorporadas. Para Pierce

o pragmatismo é uma doutrina correta apenas na medida em que se reconhece que a ação material é o mero aspecto exterior das ideias (...) Mas o fim do pensamento é a ação na medida em que o fim da ação é outro pensamento, [e] (...) das duas implicações do pragmatismo, de que os conceitos são dotados de propósito e que seus significados residem em suas concebíveis consequências práticas, a primeira é a mais fundamental. (PEIRCE apud ASSAD, 1992, p. 98, grifo nosso).

Destarte, quando se planeja política externa, o resultado da ação material do governo é não só a soma dos aspectos exteriores de suas ideias – ou seja, ideias do próprio governante, das suas experiências pessoais e também do seu partido –, mas também aspectos exteriores das ideias principiológicas do Estado. Logo, as consequências práticas estarão, impreterivelmente, associadas a um background ideológico subsidiado tanto pelos princípios ontológicos da política externa brasileira, quanto pelos princípios ideológicos reais do partido. Desta maneira, conclui-se que o que Pierce chama de propósito nada mais é que o objetivo da política externa brasileira e de seu paradigma logístico: o desenvolvimento como consequência da redução de assimetrias entre as nações. Uma vez exposto e compreendido tal conceito, indaga-se qual seria o termo apropriado para figurar como oposto, ou seja, aquilo que foge do pragmatismo e da ideia de ser pragmático. Para isso, deve-se primeiro conceituar o que é ideologia e o conceito de ser ideológico.

Segundo o dicionário Aulete digital, ideologia tem algumas acepções.

1. Ciência da formação das ideias e de um sistema de ideias.
2. Fil. Pol. Rel. Soc. Sistema articulado de ideias, valores, opiniões, crenças etc., organizado como corrente de pensamento, como instrumento de luta política, como expressão das relações entre classes sociais, como fundamento de seita religiosa etc.
3. Fil. No marxismo, o conjunto das formas de consciência social que tem por finalidade legitimar a classe dominante ou, no lado oposto, os interesses revolucionários da classe proletária.
4. Hist. Conjunto das ideias e convicções próprias de uma época, uma sociedade, uma classe etc., e que caracterizam uma situação histórica.


A ideologia enquanto background do pragmatismo seria o conjunto de ideias e convicções que servem como subsídio para uma ação pragmática. Neste trabalho, esta seria a proposição não do conceito de ideologia em si, mas sim de princípios ideológicos. Dito isto, pretende-se aqui diferenciar esta ideologia principiológica – baseada em convicções, princípios filosóficos, e ideias que fomentam o pensamento humano para a melhoria da vida da população em geral – em relação ao conceito de ideologia de Marx.

Na Ideologia Alemã, lê-se:

As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como idéias; portanto, a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante; portanto, as idéias de sua dominação. Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também consciência e, por isso, pensam. Na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda a sua extensão e, consequentemente, entre outras coisas, dominem também como pensadores, como produtores de idéias; que regulem a produção e distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam, por isso mesmo, as idéias dominantes da época (Marx e Engels, 1974).

Para Marx, a ideologia seria a forma espiritual e subjetiva de a classe dominante dissimular suas reais aspirações e intenções por meio de uma ideia que pareça boa ao resto da sociedade. Esta dissimulação é uma das ferramentas que denotam a luta de classes, e que se coloca como alienadora da classe trabalhadora e dos menos abastados. Para Marx, esta ideologia também pode embasar uma revolução vinda da classe proletária. Entretanto, este ainda não é o termo que vamos antagonizar com o pragmatismo, mas está perto.

Ora, quando se traz essa ideia de classe dominante para a cúpula do Estado brasileiro, tem-se um partido dito dos trabalhadores como a "classe dominante" do governo. No entanto, velhos hábitos e velhas políticas continuam a se perpetuar no ceio da política governamental. Teria a classe trabalhadora subvertido seus ideais à classe dominante? Absolutamente não. Mas e o Partido dos Trabalhadores? Teria ele sublevado o bem-estar do povo e sua ética em prol de seus interesses particulares, distanciando-se cada vez mais das suas propostas e dos princípios ideológico-partidários? Provavelmente sim. Dito isto, e baseando-se no conceito de ideologia de Marx, vem à tona um conceito que engloba tanto a ideologia como background pragmático quanto a ideologia de Marx, relativizando seus princípios ideológicos: a ideologia à la carte. Este conceito de ideologia à la carte será adotado como ponto contrário ao de pragmatismo. Tal conceito confere à análise não só um ponto e um contra-ponto, mas, sobretudo, a possibilidade de matizar as ações da política externa em parâmetros ideológicos escalonados. Estes parâmetros têm, por um lado, o pragmatismo como a ação ideal do Estado e de seus atores e, por outro, a ideologia à la carte como a relativização e deturpação deste pragmatismo.

A ideologia à la carte é o pensamento que escolhe entre a ideologia principiológica, real ou verdadeira – aquela que embasa as ações pragmáticas sendo honesta aos interesses do cidadão e fiel aos princípios do Estado logístico – e a ideologia de Marx, que trata ideologia como uma ferramenta ilusória que distorce as ideias para manter ou alçar a classe dominante ao poder. Desta forma, a ideologia à la carte, apesar de conter as duas acepções de ideologia supracitadas (a principiológica e a ilusória), dissimula princípios, deturpa a ideia de democracia e embasa sua escolha perante uma situação conjuntural, sendo influenciada por fatores externos e internos, não por ideais concretos. A ideologia à la carte é hipócrita e não mantém uma base principiológica. É o retrato da escolha do que interessa à minoria dominante e outros poucos, e não à maioria. A ideologia à la carte é nociva aos interesses nacionais e ao cidadão comum, e pode colocar em xeque os princípios herdados da política externa de Estado, podendo suas bases decisórias variarem a depender das pressões e forças invisíveis que um governante sofre até tomar uma decisão. A ideologia à la carte relativiza os motivos da decisão, que podem ser seus interesses particulares, interesses de seu partido e interesses dos partidos de oposição. A ideologia à la carte tem na imprensa uma ferramenta importante para a alienação do cidadão, instrumento de manutenção da ideologia dominante.

Destarte, conclui-se que ser ideológico à la carte implica em não ser pragmático, uma vez que o propósito do pragmatismo – logo, os objetivos da política externa – são os interesses ligados ao progresso e ao desenvolvimento sustentável do país como um todo, e não de uma única classe ou partido que esteja no poder. Uma vez dito que o desenvolvimento sustentável é o objeto de uma política pragmática, a ideologia à la carte serve para deslegitimar o pragmatismo, relativizando seus princípios ideológicos e colocando em xeque qualquer princípio que vá contra os interesses da classe dominante e de seus acordos espúrios.

Lançadas as definições que embasam o roteiro, assim como o cenário, seus atores e seus supostos diretores, pode-se concluir que uma política externa pragmática é aquela que concerne à objetividade da ação visando o êxito; à ação bem impetrada para lograr êxito profícuo à população daquele país; ou ainda, uma ação sem arabescos ou contornos desnecessários que marche rumo ao desenvolvimento e ao bem-estar social.

Já quando se fala em caráter ideológico de política externa, no caso brasileiro, deve-se avaliar não só os princípios ideológicos do partido que está no governo, mas também outros aspectos que vão desde a continuidade de uma política de Estado, passando pela adoção de um modelo de Estado logístico para o pa s, até chegar aos fatores e pressões que influenciam tais políticas. Além disso, as mudanças no cenário mundial em relação aos anos 1990 são ponto-chave para a compreensão das políticas atuais, de seu planejamento e da inexorável inserção de princípios ideológicos na definição de diretrizes.

Portanto, para este trabalho, reconhecendo o vasto campo que o termo ideologia abarca, deve-se tomar como parâmetro real os princípios ideológicos do Partido dos Trabalhadores (PT) e o modelo logístico adotado. A partir daí, destacar os momentos que esta ideologia foi uma ideologia legítima ou à la carte, ou seja, se foi fiel aos princípios ideológicos defendidos, ou se não corroborou aos interesses da população, excedendo o caráter partidário sobre o interesse nacional, ferindo os princípios de uma política externa de Estado e protagonizando uma política puramente de governo. Qualquer excesso totalitário em detrimento da sociedade, ou ação não justificada, contradiz os próprios princípios descritos na Carta de Princípios e no Manifesto do Partido dos Trabalhadores, o que também deveria ser considerado como uma ideologia à la carte, ferindo a herança conceitual e os princípios da política externa do Brasil.

O leitor mais perspicaz irá perceber que não há como dissociar do pragmatismo a ideologia contida em seus princípios norteadores. Tampouco podem ser classificados como antônimos. Contudo, é possível matizar as ações e perceber os excessos e incongruências dos agentes, analisando as situações de maneira sóbria e suprapartidária.

Dito isto, o objetivo deste trabalho é analisar por um prisma comparativo as políticas dos governos Lula e Dilma, diferenciando – dentro de uma mesma ideologia partidária e de uma noção de pragmatismo – suas políticas e atuações, bem como seu cunho mais pragmático ou ideológico à la carte. Por meio de formulações, ações e parcerias firmadas nos governos em voga é possível encaminhar um parâmetro de conclusão nesta vertente não só sobre a atuação externa do governo, mas também sobre a atuação da oposição e, por conseguinte, sobre sua fundamentação crítica à inserção internacional brasileira.


GOVERNO LULA: PRINCIPAIS TEMAS, PARCEIROS E AÇÕES

A ascensão do PT ao poder coincidiu com a ascensão, no cenário externo, dos países em desenvolvimento. A mudança de postura do governo brasileiro em relação aos países emergentes e aos países com desenvolvimento não só denotou, no governo Lula, a consolidação de uma liderança regional, mas também alçou o Brasil a uma posição de importante líder global. O germinar de uma política externa cada vez mais multipolarizada denota o pragmatismo não só em fomentar as relações com os Estados Unidos ou a União Europeia, mas também em olhar o cenário futuro, onde o multilateralismo é a potência hegemônica e que os países emergentes são peças fundamentais neste jogo.

A coincidência de mudanças internas e externas dá uma pista histórica da proposta de ação internacional brasileira. Ora, pela primeira vez na história brasileira um partido dito de esquerda foi eleito, tomou posse e segue governando durante 12 anos o país. Ideologicamente, seria uma mudança bastante significativa, sobretudo para as classes trabalhadoras e menos abastadas. Muitos avanços foram logrados nas áreas sociais e econômicas, porém, não se pode deixar de cobrar os compromissos de moralização da coisa pública e o melhoramento dos mecanismos anticorrupção que deveriam ser estabelecidos nos órgãos governamentais. Apesar dos males que ainda assolam o Brasil, é inegável o crescimento do país enquanto player global. Inúmeras ações de integração e de coalizão, bem como um acompanhamento da política externa pela chamada diplomacia presidencial deram ao Brasil a oportunidade de exercer seu papel legítimo de líder em um contexto externo cada vez mais multipolarizado.

Tabela 1 - Visitas presidenciais Lula (2002-2010)
Região
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Total
Multilaterais
0
9
7
7
6
14
13
21
11
88
América do Sul
2
7
6
10
5
8
9
7
8
62
América Central/Caribe
0
1
2
1
0
4
5
3
3
19
América do Norte
2
2
1
0
0
2
0
2
0
9
Europa
0
6
1
5
2
6
8
10
1
39
África
0
5
2
5
4
3
1
2
6
28
Ásia
0
0
2
2
0
1
3
2
1
11
Oriente Médio
0
5
0
0
0
0
0
1
4
10
Antártida
0
0
0
0
0
0
1
0
0
1
Total
4
35
21
30
17
38
40
48
34
267
Fonte: Brasil (2011).
Elaboração do autor.
Obs.: As visitas presidenciais do ano de 2002 foram realizadas como presidente eleito.

Logo, por meio de casos concretos serão avaliadas as posturas pragmáticas ou ideológicas do governo Lula, assim como as posições do governo de oposição e da imprensa em alguns casos.


As relações Brasil e Estados Unidos

O Brasil é um parceiro histórico dos Estados Unidos. Desde os tempos do Barão, passando pela Guerra Fria, e chegando à submissão neoliberal do governo Fernando Henrique Cardoso. Contenciosos sempre existiram. Isso porque a ação brasileira desde a Política Externa Independente se pautou pela autonomia, tanto no âmbito de comércio quanto em outros temas da agenda internacional. A globalização e o enfraquecimento de um sistema unipolar de forças, assim como o despontar de países emergentes como o Brasil e a China são o pavimento da rodovia que leva a uma ordem mundial cada vez mais multilateralizada, dando voz a países que nunca tiveram oportunidade de falar.

Esse novo contexto internacional apresentou novos arranjos e possibilidades para a inserção brasileira. Aproximar-se de novas parcerias sem abandonar os velhos amigos. Compreender a importância dos Estados Unidos sem menosprezar a relevância brasileira para o lado norte do hemisfério. Este era – e ainda é – o desafio assimétrico que o Brasil encarou, com pragmatismo e autonomia, oscilando entre altos e baixos, e até mesmo entre os princípios ideológicos e a ideologia à la carte. No entanto, pode-se dizer que o saldo desta conta bilateral foi positivo para o Brasil, afirmando-se como potência emergente e promovendo o desenvolvimento do país.

Quando das eleições de outubro de 2002, as expectativas sobre o novo governo de esquerda eram pessimistas, pelo menos nas baias dos economistas do hemisfério norte. Contudo, após a assunção de compromissos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a revitalização da boa comunicação entre o Planalto e a Casa Branca em maio de 2003 os ânimos ficaram, por assim dizer, menos exaltados (Hirst, 2006). Porém, este ensaio de calmaria teria seu primeiro teste de reação em setembro do mesmo ano. Em Cancún, durante a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), as negociações sobre subsídios agrícolas e também alguns acordos regionais propostos pelos EUA não agradaram os empresários e o governo brasileiro. Muito se falou que o Brasil estaria boicotando a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Entretanto, a postura pragmática do Brasil não concordou com algumas propostas do acordo, que não davam ao Brasil uma contrapartida satisfatória, sobretudo em temáticas como subsídios agrícolas e regras laborais e de comércio. A ampliação do acesso ao mercado americano é um objetivo do governo brasileiro, contudo, não houve acordo. Além disso, as proposições acabaram por polarizar as discussões entre os desenvolvidos e os emergentes.
Na ocasião, o então presidente Lula (EBC, 2003) disse
A posição do Brasil não mudou perante a Alca. Existe um calendário para ser cumprido, a discussão está na mesa. O Brasil tem posições definidas em relação à Alca. Os Estados Unidos querem levar todas as coisas que lhe interessam para a OMC e nós também levaremos, a não ser que haja mudança no comportamento dos Estados Unidos em relação a este assunto
À época, o forte arrojo das negociações por parte dos Estados Unidos não garantia contrapartidas a Brasil e Argentina, além de enfraquecer o Mercosul como bloco; o Brasil não poderia recuar. Além disso, algumas fortes declarações dos diplomatas americanos destacavam a tensão entre os países. Sem sombra de dúvida, um projeto como aquele só poderia ser aprovado por algum presidente brasileiro com inspirações ideológicas à la carte muito fortes. Não foi o que aconteceu. Essa discordância pragmática aproximou ainda mais o Brasil de outros emergentes, formando coalizões – a exemplo do G20 – com interesses comuns nas áreas agrícola e de barreiras comerciais.
Apesar das várias tensões na esfera comercial, os Estados Unidos continuavam sendo o principal parceiro comercial do Brasil. Entretanto, a chamada autonomia pela diversificação fez-se notar com o passar do tempo. Tanto as importações quanto as exportações brasileiras aumentaram em volume até 2008. Contudo, em números percentuais apresentaram forte queda. Logo, nota-se que o Brasil está diversificando seus parceiros e buscando novos mercados para fazer comércio naquele período.












Tabela 2 – Dados comerciais entre Brasil-Estados Unidos (2003-2010)
Ano
Importações provenientes dos Estados Unidos
Exportações brasileiras para os Estados Unidos
Resultado da balança comercial entre Brasil e Estados Unidos

(% do total de import.)
(US$ bilhões)
(% do total de exp.)
(US$ bilhões)
(US$ bilhões)
2003
19,80
9,569
22,8
16,728
7,158
2004
18,07
11,357
20,8
20,099
8,742
2005
17,21
12,666
19,0
22,539
9,873
2006
16,05
14,657
17,8
24,524
9,867
2007
15,52
18,723
15,6
25,065
6,341
2008
14,82
25,627
13,8
27,423
1,795
2009
15,68
20,032
10,2
15,601
(4,430)
2010
14,89
27,039
9,6
19,307
(7,737)
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Secex/MDIC).

Para além das questões comerciais, a relação entre o Brasil e os Estados Unidos foi paulatinamente se tornando uma relação de respeito. Talvez não nos termos desejáveis, mas já era um reflexo do avanço das ações soberanas e autônomas que o país obstinava naquele contexto. Enquanto a política americana se voltava para a guerra contra o terror, o Brasil apontava o combate à pobreza e à fome como a guerra que deveria ser travada. Enquanto o olhar de Bush era quase todo voltado ao Oriente, sobretudo às supostas armas químicas de Sadan Hussein e a Osama Bin Laden, o olhar da política externa brasileira era mais pragmático e percebia na cooperação Sul-Sul o caminho para se alçar como potência global.
A posse de vários presidentes de orientação progressista – e também socialista, em alguns casos – na América Latina acendeu a luz vermelha na Casa Branca. Era necessário um canal de diálogo para acompanhar e um outro para estar. Sob o velho pretexto da fracassada guerra às drogas, os Estados Unidos apresentaram o Plano Colômbia, uma ação de cooperação entre Estados Unidos e Colômbia para combater o narcotráfico na região andina. O presidente da Venezuela Hugo Chavez se propôs a responder ao plano comprando armas e equipando o exército venezuelano. Neste contexto de tensão regional, o Brasil foi peça fundamental para amainar os ânimos de ambos os lados e buscar uma solução conversada, preservando a soberania da região e o diálogo entre os líderes.
Na área de cooperação, foram assinados acordos importantes tanto na área de energia como na área de defesa, o que denota uma relação amigável e cada vez mais próxima entre os dois países. No entanto, uma desinteligência polêmica ocorreu quando da mediação turco-brasileira nas negociações sobre o programa nuclear iraniano. Em suma, o que sucedeu foi uma série de reuniões com o presidente iraniano para que se conseguisse amainar a crise de desconfiança. Apesar de bem-sucedida, a declaração não passou pelo crivo do governo americano, que resolveu abandonar as negociações e negligenciar a suspenção das sanções àquele país. A imprensa brasileira noticiou o fato como um fracasso da diplomacia brasileira, porém, sabe-se que o fato de o Brasil estar mediando uma negociação como esta confirma a grandeza e a relevância brasileira nesta nova ordem mundial.

5.2 As relações com o entorno regional – América Latina e Caribe
Falar em América Latina no governo Lula é falar sobre prioridade. O reconhecimento da região como prioridade aponta para a necessidade de integração e estreitamento das relações entre seus vizinhos. Esta concertação é fundamental para o fortalecimento da região. As políticas para a América Latina e Caribe foram inúmeras, baseando-se nos princípios de solidariedade, universalismo, e desenvolvimento social da região. Pode-se dizer que o Mercosul foi o o cerne da integração latino-americana. Assinado e inaugurado em governos anteriores, o Mercosul obteve uma ampliação significativa no número de acordos entre os integrantes do bloco durante o governo Lula. Segundo Amorim (2010) as relações econômicas e de cadeias de produção entre os países fundadores – Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai – nunca estiveram tão integradas quanto neste período. A entrada da Venezuela fortificou ainda mais o Mercosul e as perspectivas para uma integração ainda maior entre os países da América Latina.

Como medida para equalizar as diferenças entre as economias, bem como proporcionar a oportunidade de desenvolvimento conjunto, foi criado em 2005 o Fundo para a Convergência Estrutural (Focem), visando financiar programas para a promoção de uma convergência estrutural da região. Além disso, o fundo busca desenvolver a competitividade e promover a coesão social, em particular das economias menores e regiões menos desenvolvidas, apoiando, desta maneira, o processo de integração. O Brasil é o maior financiador do fundo, com 70% dos recursos empregados.

Tabela 3 – valores de contribuição e de redistribuição dos recursos do FOCEM
Países
Valor de contribuição ao FOCEM (US$)
Valor recebido do FOCEM (US$)
Brasil
70 milhões
11,545 milhões
Argentina
27 milhões
11,545 milhões
Venezuela
27 milhões
11,545 milhões
Uruguai
2 milhões
36,944 milhões
Paraguai
1 milhão
55,416 milhões
Total
127 milhões
127 milhões
Fonte: Mercosul (s.d.). Disponível em: .

Para se ter uma noção do abismo existente na região da América do Sul, especificamente, o produto interno bruto (PIB) brasileiro representava 55% do PIB da região. Em relação a alguns países do Mercosul, o PIB brasileiro correspondia a 5 vezes o PIB argentino e a quase 6 vezes o PIB venezuelano à época (BAVA, 2014).

Diante disso, o perfil engajado do presidente Lula nos assuntos de política externa fez com que a integração da região passasse por um dos períodos mais frutíferos deste processo. Além de ter visitado todos os líderes da região em dois anos, o presidente se identificava ideologicamente com grande parte dos governos progressistas e de esquerda que estavam no comando dos países latino-americanos. Apesar da convergência de alguns princípios ideológicos, os governos de direita, como Colômbia e Peru, não ficaram em segundo plano nas tratativas sobre a integração da região, pelo contrário; os países buscaram se integrar cada vez mais neste processo, criando uma identidade latina cada vez mais engajada e propositiva.

Uma proposta para integrar toda a região da América Latina sob um mesmo guarda-chuva institucional estava em curso. Em 2004, a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) englobou várias frentes de governança como defesa, saúde e infraestrutura. Esta instituição evoluiu para a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), fundada em Brasília no ano de 2008. Tais instituições foram criticadas como anti-estadunidenses, bolivarianas, e com forte base ideológica. Mas a realidade é que a Unasul trabalha para a estabilização de conflitos pontuais na região, indendente da orientação dos princípios ideológicos, a exemplo os que ocorreram na Colômbia, no Equador, e, recentemente, na Venezuela.

Muito se discute acerca dos desdobramentos e funções destas instituições. Há quem diga que a exacerbada institucionalização do Mercosul é prejudicial ao bloco, e que a falta de uma harmonia macroeconômica entre seus integrantes pode frustrar o futuro do Mercado Comum do Sul. Além disso, discute-se também a sobreposição da Unasul em detrimento do Mercosul. Destarte, apesar das várias hipóteses, o que se notou no governo Lula foi o melhoramento das relações políticas e comerciais com a região como um todo – apesar dos percalços – incluindo também os países da América Central e do Caribe.

As instituições e seu fortalecimento na região como importante ator político estendeu seu raio de ação ao Caribe, reunindo em 2008 todos os presidentes da região da América do Sul e do Caribe; pela primeira vez sem a presença dos líderes de países desenvolvidos. Destarte, o Brasil vem corroborando para o fomento de ações que integrem cada vez mais os países, promovendo o desenvolvimento, a cooperação e a concertação política em assuntos convergentes. Exemplo disso foi a Cúpula da América Latina e do Caribe (CALC), realizada em 2010.

De maneira autônoma, visando os interesses nacionais e o desenvolvimento do país, o Brasil tradicionalmente busca manter uma boa relação com seus vizinhos. Fruto desta autonomia, as relações com Cuba, a maior ilha do Caribe, são importantíssimas para a influência do Brasil na região. Entretanto, esta relação é fortemente criticada no âmbito interno. Aparentemente, a Guerra Fria e a utopia brasileira sobre o comunismo ainda ocupam o imaginário da imprensa tupiniquim. Talvez por isso o relacionamento entre os presidentes Lula e Fidel Castro seja constantemente atacado. A imprensa e a oposição acusaram o governo brasileiro de financiar o regime, alegando causas ideológicas para os investimentos brasileiros em solo cubano. O caso mais emblemático foi o financiamento do porto de Mariel com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Porém, com o reatamento de relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, o que era ideologia petista foi se transformando em pragmatismo oportuno. Sabe-se, no entanto, que quando as relações fossem retomadas, o Brasil estaria em posição favorável nas negociações e figuraria como um dos principais parceiros da integração cubana às instituições multilaterais.

Enfim, mesmo com a busca de um relacionamento pacífico na região, sempre há interesses divergentes e conflitivos.
5.2.1 Relações comerciais
As relações comerciais entre Brasil e seus vizinhos do chamado Cone Sul têm apresentado um aprimoramento desde meados da década de 1980 até os dias atuais. No entanto, com o advento de blocos comerciais, estas relações têm ganhado uma maior institucionalização, dificultando, por vezes, acordos bilaterais do Brasil com países de fora da região. Quando se fala em Caribe, essas relações ainda têm muito o que melhorar. Com este foco, durante o governo Lula as relações com os países da região caribenha foram colocadas na pauta como espaço prioritário para o Brasil (PARIZ, 2007).
Os números de comércio entre os países da região aumentaram significativamente no período entre 2003-2010, denotando a importância da região não só para o comércio, mas também para uma visão mais ampla de integração regional (FARIAS, 2000). O interesse do governo Lula na região pode ser exemplificado pela discussão sobre o ingresso brasileiro no Banco de Desenvolvimento do Caribe e as assinaturas de 47 acordos entre o Mercosul e a Comunidade do Caribe (Caricom). No âmbito bilateral com a comunidade, o comércio entre Brasil e os países da Caricom representou US$5,2 bilhões, sendo US$4,4 bilhões em exportações brasileiras em 2009. Neste sentido, a pauta de exportação para a região tem sido predominantemente de produtos manufaturados, o que agrega valor às exportações brasileiras para a região.
Mesmo apresentando alguns entraves entre os países do bloco, bem como crises internas que podem afetar a saúde econômica da região, o comércio intrabloco no Mercosul apresentou números positivos desde a assunção do governo Lula, em 2003. Além do aumento do volume de comércio, o fator agregado das exportações brasileiras, predominantemente produtos manufaturados, torna a região um importante parceiro comercial para o Brasil.







Gráfico 1 - Exportações, importações e saldo comercial – Brasil/América Latina e Caribe (2001-2012)
(Em USD milhões correntes)70.00060.00050.00040.00030.000ExportaçõesImportações Saldo Comercial20.00010.0000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 201270.00060.00050.00040.00030.000ExportaçõesImportações Saldo Comercial20.00010.0000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012MilhõesMilhões
70.000

60.000

50.000

40.000

30.000

Exportações
Importações
Saldo Comercial
20.000

10.000

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
70.000

60.000

50.000

40.000

30.000

Exportações
Importações
Saldo Comercial
20.000

10.000

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Milhões
Milhões













Fonte: Secex/MDIC.



Gráfico 2 – Exportações por Fator Agregado (salvo operações especiais) Brasil/América Latina e Caribe (2001-2012)
(Em %)


10.0%9.0%8.0%7.0%6.0%5.0%4.0%3.0%2.0%1.0%0.0%BásicosSemimanufaturados Manufaturados2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 201210.0%9.0%8.0%7.0%6.0%5.0%4.0%3.0%2.0%1.0%0.0%BásicosSemimanufaturados Manufaturados2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
10.0%
9.0%
8.0%
7.0%
6.0%
5.0%
4.0%
3.0%
2.0%
1.0%
0.0%
Básicos
Semimanufaturados
Manufaturados
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
10.0%
9.0%
8.0%
7.0%
6.0%
5.0%
4.0%
3.0%
2.0%
1.0%
0.0%
Básicos
Semimanufaturados
Manufaturados
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Fonte: Secex/MDIC.

Os gráficos 1 e 2 apresentam o volume de comércio na região e o tipo de produto exportado, predominantemente. O reconhecido aumento das exportações para a região fomentou o superavit brasileiro até a crise de 2008, diversificando as opções comerciais do Brasil em relação aos eixos Estados Unidos e União Europeia.
Após o primeiro ano de governo Lula, o intercâmbio comercial intrabloco do Mercosul apresentou significativos superavit, o que denota a crescente importância da região para a política estratégica de comércio brasileiro.

Tabela 4 – Intercâmbio comercial Brasil-Mercosul (2003-2010)
(Em US$)

Exportações (A)
Importações (B)
Resultado (A-B)
2003
5.684.309.729
5.685.228.972
(919.243)
2004
8.934.901.994
6.390.492.978
2.544.409.016
2005
11.746.011.414
7.053.699.272
4.692.312.142
2006
13.985.828.343
8.967.386.709
5.018.441.634
2007
17.353.576.477
11.624.752.344
5.728.824.133
2008
21.737.308.031
14.934.111.721
6.803.196.310
2009
15.828.946.773
13.107.418.656
2.721.528.117
2010
20.116.512.219
15.028.749.718
5.087.762.501
Fonte: Secex/MDIC. Disponível em: .





5.2.2 Principais crises diplomáticas envolvendo o Brasil (2003-2010)

A Bolívia e o gás natural

Em meados de 2006, o programa boliviano de nacionalização do setor de gás e petróleo acabou por causar uma crise diplomática entre Brasil e Bolívia. Visando estatizar todo o setor de hidrocarbonetos do país, o presidente determinou a ocupação militar das refinarias estrangeiras, inclusive da Petrobras. Alegando extorsão por parte das companhias estrangeiras, o presidente Evo Morales determinou a desocupação das unidades no prazo de 180 dias. Após assinar o decreto, o presidente ainda ratificou que "não somos um governo de meras promessas, seguimos o que propomos e o que o povo exige", disse o presidente após a assinatura. (UOL ECONOMIA, 2006).


Do lado brasileiro, a primeira resposta às ações estatizantes da Bolívia foi o reconhecimento da soberania boliviana. Destarte, o governo brasileiro buscou o diálogo, tentando solucionar o impasse pelos meios diplomáticos. Logo, foram agendadas duas reuniões, uma no âmbito presidencial e outra na esfera ministerial. Estes encontros contaram ainda com a presença dos presidentes e ministros de Argentina e Venezuela. No entanto, estas reuniões não surtiram resultado concreto.

Após as tratativas, o governo brasileiro ainda buscava amenizar a situação conflituosa que se apresentava. Porém, fortes declarações de Evo Morales durante a IV Cúpula União Européia-América Latina tornaram a crise ainda mais aguda. O presidente boliviano chegou a afirmar que por atuarem ilegalmente em território boliviano, as petrolíferas não seriam ressarcidas quando da estatização do segmento. Além disso, se a Petrobras continuasse a exercer participação majoritária em capitais privados no setor de hidrocarbonetos, a participação da Bolívia no projeto do gasoduto – proposto por Venezuela e Brasil – não seria levada à frente.

Com o endurecimento do discurso boliviano e asfortes críticas da imprensa, o governo então passou a adotar uma postura mais afirmativa. Lula sugeriu que a postura de Evo Morales era alimentada por seus interesses eleitorais no contexto de eleições da Assembleia Constituinte na Bolívia. Já o ministro Celso Amorim não descartava a possibilidade de retirar o embaixador brasileiro de La Paz, reafirmando defender os interesses da Petrobras por meio de medidas judiciais.

Por fim, cerca de quase doze meses de negociações, Brasil e Bolívia chegaram a um concerto. No início de 2007, o presidente Evo Morales fez sua primeira visita de Estado ao Brasil, acompanhado de seus ministros. Neste contexto, os países acordaram que o Brasil pagaria mais pelo gás natural que importava da Bolívia, atendendo à reivindicação do governo boliviano. O assessor especial da presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia afirmou que o acordo foi satisfatório para ambas as partes. Deixava, de um lado, as reivindicações bolivianas parametradas; e, de outro, não feria o contrato assinado com a Petrobras. Garcia disse que "chegamos a um acordo que tem substância política, econômica, e que, evidentemente, tem de se traduzir em um acordo de ordem jurídica" (ZIMMERMANN, 2007).

Por conseguinte, o tipo de remuneração do gás foi alterado. Estimou-se que o acordo geraria cerca de US$ 100 milhões a mais em receitas para a Bolívia por ano. O preço pago pelo Brasil acordo não seria alterado, e valeria até 8.900 quilocalorias por metro cúbico. Além disso, a Petrobrás aceitou pagar à YPFB um valor adicional pelos componentes considerados nobres que excedessem esse poder calorífico.

No contexto das negociações, o presidente Lula destacou que
"nem sempre nossos pontos de vista coincidem, e nem todas as prioridades e soluções são as mesmas. [Porém, foi possível] dar continuidade a nosso diálogo franco, aberto e construtivo. Sem condicionantes. Sem imposições. Sem ameaças ou rupturas. É assim que se relacionam países amigos e soberanos (...) Quero que saiba, companheiro Evo, que estou mais quatro anos na Presidência do Brasil, com a total disposição de fazer com que o nosso relacionamento nesses quatro anos possa avançar mais do que avançou em décadas, porque os nossos governantes viviam de costas uns para os outros, nos vendo como inimigos, ao invés de se verem como parceiros" (ABC, 2007)."

O desfecho da crisa foi satisfatório para ambos os países. A imprensa brasileira criticou a postura do governo, acusando-a de ideológica e contra o interesse nacional. A oposição também criticou o resultado. Segundo o deputado Arnaldo Madeira do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), "o que está salvando a gestão Lula é o abastecimento de energia proveniente das termelétricas feitas durante a administração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (...) para piorar, o presidente Lula tenta fazer uma integração com países com os quais existe alguma afinidade ideológica. Por isso, consente em liberar energia para a Argentina".

O Paraguai e a questão de Itaipu
Uma hipótese que se pode levantar é que com a crise boliviana outros países pretendiam auferir vantagens em cima do governo brasileiro. Contudo, cada caso guarda suas peculiaridades e jurisdicionalidades. O caso da crise do Brasil com o Paraguai no governo Lula se pautou por possível um rompante eleitoreiro que se apresentava nas eleições paraguaias, de forte viés esquerdista e nacionalista.
Na ocasião, o tom imperativo e nacionalizante dos presidenciáveis fazia coro entre os primeiros colocados na orrida presidencial no Paraguai para o pleito de 2008. Fernando Lugo, o favorito na corrida presidencial, e a candidata da situação Blanca Ovelar, defendiam como prioridade de seus programas de governo a renegociação do Tratado de Itaipu, alegando defasagens do preço praticado em relação à realidade do mercado energético. Além disso, os presidenciáveis alegavam que o tratado assinado pelo governo militar em 1973 colocou em desvantagem os interesses paraguaios. Lugo era mais veemente quanto à defesa da soberania energética do Paraguai, ameaçando tomar medidas unilaterais e aumentar o preço do excedente energético vendido ao Brasil.
Abalizando que cerca de 40 % da energia consumida em solo brasileiro é proveniente da hidrelétrica de Itaipu, o governo brasileiro se posicionou de maneira clara e pragmática em relação ao caso, não considerando qualquer proposta de renegociação do tratado. O governo brasileiro ainda explicou que as reivindicações paraguaias não se fundamentavam, tendo em vista que o acordo vigente só expiraria em 2023. Além disso, o valor pago pelo excedente obedeceria a cláusula de valor de mercado.
Apesar da ensejante crise que se desenhou em âmbito bilateral, o governo Lugo assume e acaba sendo pego por uma crise interna. Tal crise demandaria tanto vigor político do lado de dentro como fortes aliados do lado fora. Pode-se dizer que o vigor não foi suficiente, nem de um lado nem de outro. Quanto aos aliados, talvez estivessem exercendo uma política de não intervenção altamente estratégica. A crise deflagrou, em meados de 2012, a deposição do presidente paraguaio.
As questões da cláusula democrática, da entrada da Venezuela no Mercosul, bem como dos desfechos da deposição de Fernando Lugo, são tema para as ações do governo Dilma. Mas seu início já denota o jogo de forças existente na região.
O amainar da crise externa foi se dando na medida em que a crise interna arvorava. Apesar das derrotas no congresso e das tensões com os próprios aliados, Lugo ganha ao conseguir sentar à mesa e renegociar alguns dos termos do tratado com o presidente Lula. Após a Cúpula de Presidentes dos Estados Partes do Mercosul, em Assunção, assinou-se o acordo para a revisão do tratado. Esse novo acordo previa que o valor da energia cedida pelo Paraguai ao Brasil seria triplicado, passando de U$ 120 milhões por ano para U$ 360 milhões, além disso, ainda havia previsão de projetos conjuntos para melhorar os sistemas de transmissão do Paraguai. O diálogo exercido por meio de um soft power foi ferramenta primordial da diplomacia brasileira. A crise foi superada, garantindo os interesses brasileiros por meio da negociação.

O Brasil e a crise de Honduras
A crise hondurenha tem início em março de 2009, quando o então presidente José Manoel Zelaya Rosales propôs a realização de plebiscito para a realização de uma assembleia constituinte. Segundo Zelaya, a mudança constitucional colocaria o país no eixo do desenvolvimento e agregaria inúmeras mudanças ao povo daquele país. Por tal motivo, acusado de infringir a própria constituição – sobretudo pela tentativa de inclusão de uma cláusula de reeleição, a exemplo da realizada pelo primeiro governo FHC –, o presidente foi detido pelo exército, com o apoio da alta corte do judiciário e, também, membros do próprio partido, o Partido Liberal de Honduras (PLH). Apesar de se caracterizar como um partido de direita, Zelaya pretendia aderir à proposta venezuelana da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA).
Tais aspirações no plano interno e externo alimentaram uma desconfiança não só da ala mais à extrema direita do partido de Zelaya, mas também ao judiciário e a uma parte da população. Considerado um golpe de Estado pela Organização das Nações Unidas (ONU), bem como por países a exemplo dos Estados Unidos, França e Brasil, Manuel Zelaya foi detido e mandado para fora do país, apesar de ser reconhecido ainda como presidente de Honduras.
Após ser detido e transferido para a Costa Rica, o presidente do Congresso hondurenho, Roberto Micheletti, assume o cargo até que se realizassem novas eleições em novembro de 2009. Mesmo sob ameaças de detenção, Zelaya conseguiu ingressar em Honduras novamente e buscou refúgio na embaixada brasileira na capital, Tegucigalpa. Destarte, o governo hondurenho estava impossibilitado de agir, uma vez que a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas proíbe o ingresso no local da embaixada sem a autorização do chefe da missão.
Conflitos internos, manifestações e protestos compunham o quadro tempestivo que vivia a política de Honduras. O regresso de Zelaya nutriu ainda mais a tensão vivida no país. A embaixada brasileira sofreu retaliações como o corte do fornecimento de energia elétrica e água. A alegação brasileira para o acolhimento de Zelaya consistia no seu reconhecimento como presidente ainda legítimo, tendo em vista a mesma posição de outros 192 países, inclusive os Estados Unidos, sobre o caso. Ao reconhecer o golpe como ilegítimo, o Brasil comprou uma briga que não lhe pertencia, e exigia a restauração imediata do presidente a seu posto.
Após a realização de eleições, em 29 de novembro de 2009, o empresário Porfírio Lobo Sosa foi eleito com 56,56% dos votos, tendo comparecido às urnas menos da metade da população. Assim sendo, a maior parte dos países que antes considerava o governo ilegítimo passou a reconhece-lo. O Brasil, entretanto, negou-se a reconhecer Porfírio Lobo como presidente legítimo, dando início a uma crise diplomática entre os países. A proposição de sanções a Honduras, bem como o abrigo ao presidente deposto foram motivos para esta crise. A inabilidade de reconhecer a oportunidade de que se apresentava foi um traço deste episódio. Segundo entrevista dada ao portal UOL, o professor de relações internacionais da Universidade de Brasilia (UnB) e do Instituto Rio Branco (IRBr) Amado Cervo acredita que o governo brasileiro tenha se precipitado sobre a questão e ressalta que a delicada situação brasileira foi o preço que Lula pagou por seu papel de "apaziguador" de conflitos na região. Quando questionado sobre a posição de Lula de não reconhecer as eleições que elegeram Porfírio Lobo, Cervo afirma que o presidente cometeu um grande equívoco:
O Brasil queimou essa oportunidade de ser mediador por causa da posição muito radical que assumiu (...) Acho que foi uma gafe da diplomacia brasileira, que atrapalha um pouco as ambições [de se projetar na política internacional] e arranha inclusive a imagem do governo Lula, porque sua posição radical não agrada (SALLES, 2009).
Este episódio de crise diplomática denota o surgimento do Brasil como potência democrática na região. Denota também a precipitação brasileira em sua sede por projeção na política internacional, exemplificadas por uma série de decisões assodadas que se subterfugiaram em concepções e visões não condizentes com os princípios ideológicos da política externa brasileira – a exemplo da não intervenção –, e mesmo do Partido dos Trabalhadores.

Relações Sul-Sul

As relações Sul-Sul têm indicado ao Brasil um novo caminho dentro desta nova ordem global supracitada. Desde a Conferência de Bandung os chamados países de menor desenvolvimento relativo (PMDRs) mostraram ser possível uma coalizão entre países com nível de desenvolvimento similar. Destarte, com a emergência de atores como China, na Ásia, e Brasil, na América do Sul, as diversificadas coalizões e novas parcerias despontaram, questionando e influenciando as estruturas de poder vigentes como o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), o FMI e entrando em disputas legítimas em órgãos multlaterais como a OMC. Passados dez anos da queda do muro de Berlim, a unipolarização pós-Guerra Fria foi dando lugar a uma ordem cada vez mais multipolar. Neste contexto, o governo Lula imprimiu o que se chamou de autonomia pela diversificação. Esta política buscou diversificar seus parceiros políticos, comerciais e econômicos, dando uma maior ênfase à chamada cooperação Sul-Sul (CSS). O destaque dado a esta cooperação visou diminuir as assimetrias e assegurar um equilíbrio nas relações entre as nações desenvolvidas e os países emergentes e periféricos.
A estratégia de cooperação brasileira estabelecia um pensamento de solidariedade aos países mais pobres e à erradicação da fome no mundo. Além disso, o Brasil ainda aumentaria sua participação no comércio e em fóruns mundiais. Quanto aos países emergentes, ou seja, com nível de desenvolvimento similar ao brasileiro, a cooperação deveria englobar várias áreas afins, tais como comércio, ciência e tecnologia, investimentos diretos, entre outros.
Na esteira deste pensamento, África do Sul, Índia e Brasil formaram um grupo que visava integrar politicamente os países em torno de questões convergentes. Liderando coalizões de apoio a nações menos abastadas, o Brasil assumia um papel de liderança global emergente, não só economicamente, mas também no que tange à política internacional. Assim, a cooperação entre Brasil, Índia e África do Sul (IBAS), concertada em 2003 pela declaração de Brasília, é um exemplo deste tipo de integração por afinidades de pretensões na nova ordem global. Os interesses mútuos nutriram uma cooperação baseada em três pilares: i) coordenação política – visando a inserção destes países em organismos internacionais; ii) cooperação trilateral – com o objetivo de ampliar as relações entre os países nas áreas de comércio, tecnologia etc.; e iii) desenvolvimento de países pobres.
Como citado na seção sobre os Estados Unidos, um dos primeiros sinais destas novas coalizões ocorreu justamente durante a Conferência Ministerial da OMC de 2003, em Cancún. A relutante superproteção do setor agrícola das grandes potências fomentou a formação do G20, gestado por iniciativa brasileira. Neste sentido, já seria possível prever qual seria o rearranjo da nova ordem e quem seriam seus atores.
Um pouco antes disso, em 2001, Jim O'Neill, economista de um banco de investimentos, talhou o acr nimo BRIC para os quatro países que detinham um excelente potencial de crescimento até 2050, são eles: Brasil, Rússia, Índia e China. Após discussões entre os integrantes, a África do Sul foi integrada ao grupo. O BRICS ainda se articula politicamente por uma reforma no Fundo Monetário Internacional (FMI) e defende mudanças para o debate financeiro no âmbito do G7. No que diz respeito aos investimentos internos nos países integrantes, o BRICS se destaca pelo volume de verba que se está investindo em infraestrutura; condição ímpar para fomentar o desenvolvimento nacional e incrementar o comércio entre seus correligionários. Durante o governo Lula, este bloco buscou estar cada vez mais próximo, cooperando em prol de seus interesses convergentes.
Em um cenário mundial onde a globalização é cada vez mais premente e que o multilateralismo é quase uma necessidade, o Brasil tem se destacado no que diz respeito aos fóruns multilaterais, defendendo seus princípios de política externa e se articulando a países com interesses semelhantes. Apesar de não haver consenso em todas as matérias entre os integrantes do IBAS ou do BRICS, estes tipos de coalizão são vitais para a articulação política dentro de organismos internacionais onde os países em desenvolvimento, se agrupados, podem fazer alianças para defender tanto seus interesses quanto os de países de menor desenvolvimento relativo. O diálogo e as negociações comerciais com as grandes potências, na maioria das vezes, não são favoráveis aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Destarte, fomentar a cooperação entre estes países com nível de desenvolvimento similar é imprescindível não só para o desenvolvimento de seus participantes, mas também para o equilíbrio de forças nas discussões vigentes na agenda internacional.

África
Para a concretização desta política de cooperação, o contato e a aproximação com o continente africano eram fundamentais. Não só pelo viés comercial, mas também cultural, histórico e étnico. Até 2003, apesar de haver iniciativas para o continente africano como a CPLP e as relações com seletos países da África Meridional, a política brasileira para o continente ainda carecia de um aprimoramento estratégico. Os problemas crônicos como crises de soberania, economias pouco dinâmicas e focos de epidemias como a do HIV tornaram-se oportunidade de inserção internacional para o Brasil.
Na visão de alguns analistas, a reaproximação com a África decorre justamente da estratégia brasileira de compatibilização das negociações Norte-Sul às perspectivas da cooperação Sul-Sul. Para Sombra Saraiva (2004, p. 305)
É uma política externa de associação anti-hegemônica, articulada ao Sul, sem passionalidades ou ideologismos, mas com interesses e valores comuns que necessitam ser tratados no plano prático, em especial na eficácia das negociações em curso.
Destarte, iniciativas como o Fundo de Combate à Fome e à Pobreza, o investimento privado na região, bem como a cooperação em agronegócio são relevantes para os objetivos do Brasil enquanto potência emergente. No entanto, a aproximação com os países africanos recebeu críticas contundentes, alegando o baixo retorno que a região oferece quando se comparam os volumes de comércio com outros países ricos. Contudo, sabe-se que em política externa o ganho financeiro é precedido, muitas vezes, por outros aspectos mais políticos que econômicos. Além disso, as boas relações com países da África Meridional são estratégias importantíssimas para futuras oportunidades não só na região, mas também em fóruns multilaterais.
No que tange ao volume de comércio, houve crescimento significativo entre o Brasil e a região. As cifras partiram de US$ 6 bilhões em 2003 para US$ 26,5 bilhões em 2012. Apesar de representar uma fatia módica na balança comercial brasileira este crescimento aponta para uma diversificação com alto potencial de desenvolvimento nos próximos anos. Tendo isto em vista, muitas empresas buscaram se inserir no mercado africano nos últimos anos.

Ásia
Outra região que engloba as aspirações brasileiras no âmbito da cooperação Sul-Sul é a Ásia. Com um mercado crescente e um desenvolvimento fora da curva durante o período da Guerra Fria, alguns países asiáticos – sobretudo o Sudeste e o Leste da Ásia – tornaram-se parceiros estratégicos para a política externa brasileira. No entanto, esta relação se estreitou cada vez mais após a crise asiática de 1997. A necessidade da ampliação de parcerias é comum às duas regiões, assim, a internacionalização das economias deveria passar pela diversificação dos eixos Estados Unidos e União Europeia. Por conseguinte, esta nova postura fomentou a cooperação tanto no âmbito bilateral quanto no multilateral.
Mesmo após a crise asiática, o Brasil manteve o nível das importações provenientes desta região. No que diz respeito às exportações brasileiras, a recíproca não foi verdadeira. Porém, na esteira da diversificação de parcerias, a China, o Japão e a Coreia do Sul mostraram interesse estratégico não só pelo mercado brasileiro, mas também pela região sul-americana como um todo. Exemplo disso foi o Fórum de Cooperação da Ásia do Leste-América Latina (Focalal), proposto por Cingapura, englobando países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), além de China, Japão e Coreia do Sul. Este contato de alto nível evoluiu para diálogos intrarregionais, fomentando a concertação política e ampliando os laços econômicos e culturais não só com o Brasil, mas, sobretudo, com a região latino-americana – pelo menos no período pós-crise.
Quando da assunção do governo Lula, as relações melhorariam ainda mais com o despontar de uma nova potência além do Japão, a China. Em março de 2004, o então ministro Celso Amorim visitou a República Popular da China (RPC). No mesmo ano, o presidente Lula realizou uma visita à RPC acompanhado de ministros, parlamentares e centenas de empresários. As relações políticas fomentaram a cooperação comercial e tecnológica com a China. No âmbito comercial, a RPC se tornou o principal parceiro comercial do Brasil durante o governo Lula. Na esfera tecnológica, o programa Sino-Brasileiro de Recursos da Terra (CBERS) também arvorou a cooperação a um patamar nunca visto. Considerado o maior projeto de cooperação técnico-científica entre dois países, o CBERS prevê o lançamento de satélites e aplicação de seus resultados em diversas áreas como meio ambiente, agricultura, etc. (LEITE, 2011).

Além da concertação política, o Brasil reconheceu a China como uma economia de mercado, o que abriu as portas para os investimentos chineses e a consolidação da parceria sino-brasileira para além do BRICS. Apresentando fortes críticas por esta concessão, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), reprovaram a atitude do governo, alegando que os negociadores da diplomacia brasileira faziam concessões econômicas demasiadas embasadas em cálculos políticos falidos, tendo em vista que a China não concedeu apoio explícito ao pleito brasileiro por um assento no Conselho de Segurança da ONU.

Desta forma, apesar das contundentes críticas, foram anunciados pelo governo chinês investimentos da ordem de US$ 10 bilhões. Firmaram, também, contrato para a compra de cem aviões da Embraer e, em 2009, despontaram como o principal parceiro comercial do Brasil, ultrapassando os Estados Unidos. Na tabela 5 é possível acompanhar o crescimento do volume de comércio entre Brasil e China, além dos outros países-membros do BRICS.

Tabela 5 – Exportações brasileiras (2003-2010)
(Em US$ bilhões)

2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
China
4,533
5,441
6,834
8,402
10,748
16,522
21,003
30,785
Rússia
1,500
1,658
2,917
3,443
3,741
4,652
2,866
4,152
Índia
0,553
0,652
1,137
0,938
0,957
1,102
3,415
3,492
África do Sul
0,733
1,037
1,371
1,462
1,757
1,754
1,259
1,309
Total
7,319
8,794
12,259
14,245
17,203
24,030
28,543
39,738
Fonte: Secex/MDIC.
GOVERNO DILMA: PRINCIPAIS TEMAS, PARCEIROS E AÇÕES
Oito anos se passaram desde a assunção do governo do PT à presidência da República quando conflitos internos no partido, denúncias de corrupção e compra de votos no Congresso temperaram as tensões internas e limitaram o poder da gestão executiva no segundo governo Lula. No plano externo, os desdobramentos da crise de 2008, a chamada primavera árabe e as coalizões dos emergentes eram variáveis do rearranjo que a segunda década do século 21 preparava para a tão exaltada "nova ordem mundial". Se, durante a transição PSDB-PT, em 2003, não se constatou uma ruptura brusca, mas sim ajustes pontuais quanto à inserção internacional, em 2010 o plano era uma continuidade completa. No entanto, ações e discursos compartilham de diferenças e similitudes, assim como pragmatismo e ideologia.
Neste contexto, se a avaliação do cenário não é realista, o que deu certo há dez anos pode não dar certo hoje, frustrando as expectativas, os planos e, sobretudo, a população. Como dito, a forma de governar e as idiossincrasias do governante dão o tom de muitas relações dentro do governo e no diálogo com setores dinâmicos – como a indústria –, o que influencia nos desdobramentos das variáveis estratégicas de governo. Neste distinto cenário que se colocava em 2010, as coalizões dos emergentes não são mais uma novidade, assim como o Brasil emergente também não é mais uma novidade. A retomada do crescimento americano e a baixa do preço das commodities são, também, uma nova variável deste novo cenário. Em suma, eram inúmeros os desafios que se apresentavam quando do início do governo Dilma, mas a aparente truculência, a falta de diálogo entre setores, bem como o relativo desleixo com a diplomacia e com o MRE acabaram pormenorizando a ascensão internacional galgada durante os dois mandatos anteriores.
Por fim, situações peculiares tanto externas quanto internas mostraram algumas inabilidades inerentes à gestão Dilma. Algumas delas apresentaram um retrocesso no que diz respeito ao planejamento da política externa, outras com a manutenção do que foi construído. Por um lado, a autonomia, o pragmatismo e o interesse nacional continuaram a figurar o planejamento; por outro, a falta de recursos e de investimento nesta área denotaram uma certa despreocupação com uma ferramenta tão importante de desenvolvimento e de inserção internacional: as relações exteriores.
Destarte, apresentar-se-ão os principais fatos e agendas realizados pelo governo Dilma Rousseff durante o primeiro mandato (2011-2014), bem como dos primeiros meses do segundo mandato (2015-2018), analizando o caráter pragmático ou ideológico de suas decisões, assim como as posições da imprensa e da oposição.
Tabela 6 – Viagens internacionais da presidente Dilma (2011-2015)
Região
2011
2012
2013
2014
20151
Total
América do Sul
7
5
9
4
2
27
América Central/Caribe
0
1
0
1
2
4
América do Norte
0
3
1
1
2
7
Europa
4
5
3
3
1
16
África
1
0
5
0
0
6
Ásia
1
1
0
12
0
3
Oriente Médio
0
0
0
1
0
1
Antártida
0
0
0
0
0
0
Total
13
15
18
11
7
64
Fonte: Brasil (vários anos).
Elaboração do autor.
Notas: 1 As viagens, em 2015, estão compreendidas até o mês de junho.
2 viagem para cúpula do G20 e BRICS em Brisbane na Austrália.

As relações Brasil e Estados Unidos

No contexto da posse de Dilma Rousseff, em 2011, o rearranjo multilateral e as novas coalizões deram aos países emergentes novo status na nova ordem global que se apresentava. A expansão da influência brasileira nas relações com o Sul chamou a atenção dos países desenvolvidos e dos mercados consolidados. No plano interno, a ascensão de uma nova classe média significava uma nova fatia de mercado que se poderia explorar por meio do comércio e de novas oportunidades. Já no plano externo, alguns fatores como o estreitamento comercial Brasil-China; a crescente internacionalização de empresas nacionais como a Odebrecht e a Petrobras, sobretudo no continente africano; e a influência do soft power verde e amarelo nas regiões do Caribe e da África, inseriram o Brasil em um novo patamar no tabuleiro de poder internacional.


Por conseguinte, as relações entre Brasil e Estados Unidos durante o governo Lula careceram de uma concertação sobre novos parâmetros. Em 2005, ainda no governo George W. Bush, foram estabelecidos os chamados Diálogos Estratégicos, inaugurando uma nova fase das relações assimétricas entre os dois países. A despeito dos contenciosos nas áreas comerciais, os diálogos culminaram com a visita do presidente Obama ao Brasil em março de 2011, apresentando, contudo, já um arrefecimento das ofensivas diplomáticas bilaterais. Prova deste avanço de influência dos emergentes e a existência de uma agenda não só cooperativa, mas também de contenção é o discurso do presidente Obama, em 2011, salientando que

países como a China, a Índia e o Brasil estão crescendo rapidamente. Este desenvolvimento deve ser bem recebido pois permitiu que milhões (...) tenham saído da pobreza, criando novos mercados e novas oportunidades (...). Enquanto esta rápida mudança ocorre, tornou-se moda em alguns meios questionar se esta ascensão irá acompanhar o declínio da influência americana e europeia no mundo. Talvez, segundo este argumento, estas nações representem o futuro, e o tempo de nossa liderança passou. O argumento está errado. O tempo da nossa liderança é agora. Foram os EUA (....) e nossos aliados democráticos que moldaram o mundo no qual estas nações (....) puderam crescer. (Obama, 2011 apud Pecequilo, 2014).

Alguns veículos da imprensa anunciaram a visita como uma oportunidade para um possível estreitamento das relações com os Estados Unidos, sugerindo que o alinhamento à América do Norte seria a melhor solução para o futuro do país. No entanto, as medidas protecionistas, as aspirações do Brasil no CSNU, e a reforma em instituições como o FMI e a própria ONU foram as pautas defendidas, de maneira autônoma, pela presidente nesta ocasião.

Da parte de Obama, os interesses americanos eram por uma retomada de influência na região, aproximando-se mais do Brasil, principal potência emergente da região; implementação dos projetos dos Diálogos Estratégicos; discussões acerca de possíveis concessões e extratificações das camadas do pré-sal; concertação na área de cooperação em tecnologia, educação e inclusão social.

Em 2012, a presidente Dilma Rousseff visitou os Estados Unidos, o que denotou, ao menos, a intenção de aproximar-se mais e consolidar as agendas convergentes dos países. A partir daí, marcou-se uma visita de Estado para 2013, na qual Dilma seria recebida em Washington para dialogar e colocar à mesa as negociações, planos e projetos gestados ao longo de anos anteriores. No entanto, as coisas não ocorreram como o esperado. O jornalista americano Glenn Greenwald, em 2013, revelou documentos secretos obtidos por meio de um ex-funcionário da Central Intelligence Agency (CIA), Edward Snowden, que deflagraram um período de tensão entre Brasil e Estados Unidos. Tais documentos indicavam que o governo americano, por meio da Nacional Security Agency (NSA), espionava desde cidadãos comuns até altos chefes do governo e grandes empresas como a Petrobras. Além da presidente Dilma, a chanceler alemã, Angela Merkel, também foi alvo das manobras de espionagem da NSA.

Pode-se dizer que este episódio deu uma arrefecida na implementação do ajuste tático previsto pelo governo Dilma, sem, contudo, paralisar outras frentes de cooperação e de diálogo com os estadunidenses. Destarte, em setembro de 2013, o Planalto reavaliou a visita de Estado e decidiu-se por cancelá-la, reclamando de uma intromissão em assuntos internos, desrespeitando a soberania brasileira e agindo de maneira temerária auferindo informações secretas de teor econômico, político e comercial altamente estratégico.

Este fato acabou por fomentar uma nova iniciativa no plano mundial: a segurança e direito à privacidade na era digital. Juntamente à Alemanha, o Brasil militou no âmbito da ONU pelo direito à privacidade na internet, criticando as ações de espionagem do governo americano. Em discurso na 68a Assembleia Geral das Nações Unidas, Rousseff afirmou que

No Brasil, a situação foi ainda mais grave, pois aparecemos como alvo dessa intrusão. Dados pessoais de cidadãos foram indiscriminadamente objeto de interceptação. Informações empresariais – muitas vezes, de alto valor econômico e mesmo estratégico – estiveram na mira da espionagem. Também representações diplomáticas brasileiras, entre elas a Missão Permanente junto às Nações Unidas e a própria Presidência da República tiveram suas comunicações interceptadas. Imiscuir-se dessa forma na vida de outros países fere o Direito Internacional e afronta os princípios que devem reger as relações entre eles, sobretudo, entre nações amigas. Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais pode o direito à segurança dos cidadãos de um país ser garantido mediante a violação de direitos humanos e civis fundamentais dos cidadãos de outro país. (...). Fizemos saber ao governo norte-americano nosso protesto, exigindo explicações, desculpas e garantias de que tais procedimentos não se repetirão. (...) Por essa razão, o Brasil apresentará propostas para o estabelecimento de um marco civil multilateral para a governança e uso da internet e de medidas que garantam uma efetiva proteção dos dados que por ela trafegam (BRASIL, 2013).

Muito se especulou sobre o esfriamento das relações entre Brasil e Estados Unidos, ou mesmo um suposto rompimento de base ideológica que certamente não ocorreria. Alguns episódios subsequentes como as concessões do Campo de Libra e a compra dos jatos para a Força Aérea Brasileira figuraram em veículos da imprensa como possíveis retaliações do governo em relação aos americanos, o que não procede. No caso das concessões do Campo de Libra, o modelo de partilha não interessava às empresas americanas pelo envolvimento do governo na sociedade e outras peculiaridades do edital. No outro caso, que diz respeito à compra de jatos, o Brasil primou pela qualidade, bom preço e, como de costume, pela transferência de tecnologia – a exemplo do que ocorreu com os franceses no projeto do submarino movido à propulsão nuclear, o PROSUB. Logo, o cancelamento da visita e as críticas feitas pela própria presidente na AGNU foram as ações afirmativas e soberanas do governo em relação aos Estados Unidos. No plano interno, o marco civil da internet – aprovado em 2014 – ratifica as reivindicações brasileiras sobre a temática, não havendo indícios de retaliações brasileiras aos projetos de cooperação, comércio e outras parcerias já estabelecidas.

Amainadas as tensões, o vice-presidente americano Joe Biden esteve no Brasil em 2014 para o evento da Federação Internacional de Futebol (FIFA), a copa do mundo de 2014. Neste contexto, as acusações de espionagem deram lugar à necessidade pragmática de fomentar o comércio entre os dois países. Em tempos de baixa das commodities, redução do crescimento chinês e insegurança externa, os Estados Unidos sempre se mostram uma boa alternativa para uma política comercial que ainda tem muito a se desenvolver, como pode ser visto na tabela 5.






Tabela 6 – Evolução do intercâmbio comercial com o Brasil (2011-2014)
(Em US$ bilhões FOB)
Ano
Exportações brasileiras para os Estados Unidos
Importações provenientes dos Estados Unidos
Saldo da balança comercial entre Brasil e Estados Unidos

(US$ bilhões)
(Var. %)
(US$ bilhões)
(Var. %)
(US$ bilhões)
2011
25,80

33,7
33,97

25,6

(8,17)
2012
26,70

3,5
32,36

-4,7

(5,66)
2013
24,65

-7,7
36,02

11,3

(11,37)
2014
27,03

9,6
35,00

-2,8

(7,97)
Fonte: Secex/MDIC.

Apesar do déficit da balança comercial de US$ 7,97 bilhões em 2014, o volume de comércio com os Estados Unidos é vital para a movimentação da economia brasileira e seu desenvolvimento. Os Estados Unidos foram um dos principais parceiros comerciais brasileiros com participação de 13,7% no total em 2014, atrás apenas da China. Entre 2010 e 2014, o intercâmbio comercial entre os países cresceu 33,8%; passou de US$ 46,35 bilhões, em 2010, para US$ 62,03 bilhões, em 2014. Nesse período, as exportações cresceram 40% e as importações, 29,4%. O saldo da balança comercial, favorável aos Estados Unidos em todo o período, denota a necessidade brasileira de se inserir cada vez mais no mercado americano, buscando novos mercados e diversificando o fator agregado de suas exportações.

Passadas as eleições, uma nova perspectiva se colocou para o segundo governo Dilma: retomar as boas relações com os Estados Unidos, retomando de onde as negociações haviam parado. Sinais de que isto está acontecendo é o reagendamento da visita da presidente Dilma a Washington, que foi se articulando durante conversas com o presidente Obama durante a VII Cúpula das Américas, realizada no Panamá, em 2015. Em meio a um clima de descontração entre a imprensa, a presidente mostrou que o episódio havia sido superado. Rousseff reafirmou a soberania brasileira e, jocosamente, afirmou que "o presidente Obama me disse que quando quer saber alguma coisa (sobre o Brasil), me liga. Eu inclusive fico feliz quando liga". A visita está marcada para 30 de junho de 2015 e espera-se um rearranjo das relações comerciais, econômicas e culturais entre os países.

6.2 As relações com o entorno regional – América Latina e Caribe
Após um período de estruturação da integração latino-americana e caribenha, o saldo que os governos anteriores legaram foi positivo. Fóruns de diálogo e a construção de uma identidade sul-americana tornam a região cada vez mais integrada e participativa. Tais características não são vistas em outras regiões do globo, o que transforma a América do Sul e o Caribe em uma região com alto potencial de desenvolvimento e de integração. No entanto, as modificações nos governos destes países, de meados de 2000 até hoje, e as políticas adotadas por seus governantes, também surtiram efeitos e resultados nas relações intraestados.

Iniciado o primeiro mandato de Dilma, o desafio era aprimorar a integração no nível regional, mantendo as políticas vigentes e melhorando os pontos pendentes. Assumida como uma prioridade de seu governo – assim como no de seu antecessor –, a presidente afirmava que integrar pressupõe a diminuição das assimetrias na região, regionalizando a infraestrutura e distribuindo investimentos. Tais políticas aprimorariam o comércio e o desenvolvimento da América Latina de forma justa e distributiva. No entanto, os bons ventos que sopraram durante o governo Lula parecem ter se dissipado com os desdobramentos das crises de 2008 e 2011.

Por um lado, instabilidades na região, a exemplo da deposição de Fernando Lugo no Paraguai, as crises na Argentina na Venezuela acabaram por minar, em certa medida, a expansão que estava em curso no âmbito tanto político quanto econômico. Por outro lado, o ímpeto da economia mundial na primeira década dos anos 2000 já não era o mesmo nos idos de 2010, o que se fez sentir na economia e no crescimento da região. Enquanto no Brasil a nova classe média chamava atenção pela robustez, os investimentos no plano interno e a descoberta do pré-sal modificavam o perfil do país em nível internacional. Destarte, coube ao governo Dilma absorver tais mudanças internas e externas e ensaiar uma política de continuidade com o PT. Contudo, o que se constatou foi uma continuação não continuada. Isso significa dizer cenários, atores e figurinos diferentes ensaiando um texto parecido com o de alguns anos antes. Porém, a política internacional – assim como o improviso dos palcos – segue uma linha, mas seus desdobramentos podem ser os mais improváveis e inimagináveis possíveis.

A relevância brasileira sob o governo Rousseff estava em alta, e isso se fez refletir também em seu entorno regional. Por ser uma zona livre de armas nucleares, com muitas repúblicas democráticas convivendo em paz, a América Latina e o Caribe despontavam como uma região com alto potencial de desenvolvimento nos próximos anos. Assim, o governo Dilma buscou institucionalizar as iniciativas como o Mercosul e a Unasul, visando tornar mais atrativas as propostas para a integração regional, englobando, também, as ilhas Caribenhas e a América Central.

Para além da institucionalização, o governo brasileiro visava ampliar o número de países-membros do Mercosul, aumentando a corrente de comércio intrabloco. Portanto, o diálogo entre os líderes regionais se fazia extremamente necessário. Se a Unasul concertou posições políticas entre o Mercosul e a Comunidade Andina (CAN), na América do Sul, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) tornou-se um importante fórum de negociação e concertação englobando a América Central e suas ilhas, fazendo um contraponto à Organização dos Estados Americanos (OEA). Destarte, a integração, pelo menos no que diz respeito ao diálogo e à concertação política, obteve excelente resultado. A região, assim como o Brasil, transformou-se em um espaço atrativo para os investimentos vindos de todas as partes do mundo, sediando fóruns de diálogo não só em nível ministerial, mas também presidencial.

6.2.1 Relações comerciais

No plano comercial, por um lado, os resultados não foram os esperados. Ao final do primeiro mandato da presidente Rousseff, o Brasil fechou a balança comercial com um deficit de US$ 3,93 bilhões, registrando uma queda de quase 30% nas vendas para um dos maiores compradores de manufaturados provenientes do Brasil, a Argentina – tradicionalmente o principal parceiro comercial na região. Além da Argentina e do Mercosul, a penetração comercial brasileira foi bastante reduzida na zona latina e caribenha durante o governo Dilma. Tais fatos têm reflexos na economia interna quando se avalia que cerca de 20% de tudo o que o Brasil exporta vai para a América Latina e Caribe (BRASIL, 2015).

Apesar das tentativas de esvaziamento do Mercosul por parte de alguns críticos, alegando caráter puramente ideológico ou possivelmente "bolivariano", o bloco continuou a apresentar bons resultados comerciais, a despeito das opiniões contrárias e pró-Alca. Mesmo levando em conta as necessidades de aprimoramento e a crise econômica argentina, o Mercosul continuou a desempenhar um papel positivo nos resultados da balança comercial brasileira. Em 2011, as exportações para o bloco representaram cerca de 10,8% do total de exportações, com um volume comercial de aproximadamente US$28 bilhões. Nos anos seguintes, apesar da redução registrada em 2012, o bloco seguiu apresentando saldo positivo, afora a tendência de decréscimo das exportações brasileiras totais neste período.

Tabela 7 – Dados comerciais entre Brasil-América Latina e Caribe – exceto Mercosul (2011-2015)
(Em US$ - FOB)
Período
Exportação
Importação
Saldo
Corrente
2011
24.711.236.117
17.140.695.484
7.570.540.633
41.851.931.601
2012
22.589.472.864
18.472.651.732
4.116.821.132
41.062.124.596
2013


2.429.662.261
42.430.662.261
2014
20.992.014.182
19.118.276.657
1.873.737.525
40.110.290.839
20151
7.083.189.537
6.507.809.255
575.380.282
13.590.998.792
MDIC/Secex.
Nota: dados referentes até maio de 2015.

Tabela 8 – Dados comerciais entre Brasil e Mercosul (2011-2015)
(Em US$ - FOB)
Período
Exportação
Importação
Saldo
Corrente
2011
27.852.507.305
19.375.753.370
8.476.753.935
47.228.260.675
2012
22.799.767.448
19.250.400.534
3.549.366.914
42.050.167.982
2013
24.683.426.808
19.269.416.429
5.414.010.379
43.952.843.237
2014
20.420.948.626
17.271.782.155
3.149.166.471
37.692.730.781
20151
7.291.738.613
5.462.666.490
1.829.072.123
12.754.405.103
MDIC/Secex.
Nota: dados referentes até maio de 2015.
Obs.: os dados não compreendem a Venezuela.

Tabela 9 – Dados comerciais entre Brasil e Mercosul 5 (2011-2015)
(Em US$ - FOB)
Período
Exportação
Importação
Saldo
Corrente
2013
29.533.266.644
20.450.156.238
9.083.110.406
49.983.422.882
2014
25.053.087.871
18.445.900.393
6.607.187.478
43.498.988.264
20151
8.346.419.334
5.787.166.054
2.559.253.280
14.133.585.388
MDIC/Secex.
Nota: dados referentes até maio de 2015.

Tabela 10 – Dados comerciais entre Brasil e Argentina (2011-2015)
(Em US$ - FOB)
Período
Exportação
Importação
Saldo
Corrente
2011
22.709.344.431
16.906.351.509
5.802.992.922
39.615.695.940
2012
17.997.706.375
16.443.910.391
1.553.795.984
34.441.616.766
2013
19.615.414.342
16.462.685.523
3.152.728.819
36.078.099.865
2014
14.281.998.035
14.143.166.969
138.831.066
28.425.165.004
20151
5.202.826.442
4.518.387.985
684.438.457
9.721.214.427
MDIC/Secex.
Nota: dados referentes até maio de 2015.

Em 2015, parceiros provenientes de outras coalizões das quais o Brasil participa, a exemplo da China, pretendem investir na infraestrutura regional e, por conseguinte, aprimorar a integração física da região e alavancar o comércio entre Ásia e América Latina. A exemplo do que os Estados Unidos fizeram com o Mercado Comum Europeu há alguns anos, os chineses pretendem investir pesado em diversas áreas e países da região – cerca de US$250 bilhões até 2025. O projeto para a construção de uma linha férrea que ligue o porto do Açu, no litoral fluminense, até a costa do Pacífico é um dos investimentos previstos para concatenar os oceanos, impulsionando o fluxo de mercadorias e o comércio entre os sul-americanos e, por conseguinte, para Ásia, utilizando o pacífico como rota de exportação/importação. Isso mostra a importância que a região ganhou nos últimos anos, modificando os cenários e as parcerias estratégicas tanto dos emergentes quanto dos desenvolvidos no espaço latino-americano.

6.3 Principais crises envolvendo o Brasil (2011-2015)
Se no governo Lula as principais crises elencadas não extrapolaram o locus regional, as crises diplomáticas do governo Dilma foram além-mar. As crises no entorno regional que afetaram a configuração do Mercosul e seu desenvolvimento, posições que desagradaram lideranças extrarregionais e a já citada crise da espionagem americana. Tais desentendimento e reações denotam o novo status que o Brasil ocupa no tabuleiro da política internacional.
6.3.1 O Brasil e a crise política do Paraguai
Após as promessas de campanha sobre a revisão do tratado de Itapú e do status dos brasiguaios e as pequenas propriedades na fronteira, Fernando Lugo foi eleito em 2008 para a presidência do Paraguai com 42,3% dos votos. Sua eleição quebrou o domínio da Associação Nacional Republicana (ANR), o velho Partido Colorado, que estava no poder há mais de 60 anos. No entando, as alianças que Lugo fizera para ser eleito poderiam dificultar sua margem de governabilidade no congresso paraguaio, e foi o que aconteceu. Com um plano de governo de orientação mais à esquerda e aliado aos camponeses sem terra, os maiores desafios do governo Lugo se baseavam na reforma agrária e no apoio à agricultura familiar. Destarte, quando Lugo assume e passa a defender suas promessas de campanha e a questionar o status dos brasiguaios na fronteira com o Brasil, a imprensa mais conservadora o acusa de "bolivariano". Sua base de apoio na população (jovens e camponeses) também não estava satisfeita com as promessas não cumpridas depois de quase 4 anos de mandato. Assim, a crise política se instalou e as bancadas do congresso arquitetaram uma deposição.
Em junho de 2012, camponeses sem terra invadiram uma fazenda a 250km de Assunção, em Curuguaty. A polícia interviu com violência quando da retirada deste grupo das terras invadidas. Após o confronto, dezoito pessoas morreram, sendo doze camponeses e seis policiais. O congresso paraguaio, diante desta situação, interviu e executou seu plano de destituição do presidente Lugo. Cerca de um dia depois, deu-se a abertura de processo de impeachment. Lugo foi destituído, assumindo o vice-presidente Frederico Franco.
Apesar das controvérsias, tem-se que o processo se passou dentro da legalidade, apesar da forte articulação conspiratória e do juízo político da causa. O Brasil criticou o afastamento de Fernando Lugo. Porém, não se falou oficialmente em golpe, não promovendo nenhum tipo de sanção econômica ao país, além da suspenção temporária do Mercosul. Após a concretização dos fatos, a suspensão paraguaia influenciou na configuração dos membros plenos do Mercosul. Na ocasião, o Senado paraguaio não havia apreciado o ingresso venezuelano como membro pleno; assim, os países aproveitaram para acelerar o processo e incluir o país ao bloco com esse novo status.
A presidente Dilma manifestou posição discreta sobre a deposição. Na ocasião da Cúpula de Brasília e do ingresso formal da Venezuela no Mercosul a presidente Dilma se manifestou dizendo que "nossa perspectiva é que o Paraguai normalize sua situação institucional interna para que possa reaver seus direitos plenos no Mercosul" (DILMA defende..., 2012). Apesar do tom amigável de Dilma, o governo paraguaio julgou a inclusão uma "grosseira violação" e um "atropelo inaceitável".

6.3.2 As crises na Venezuela e na Argentina: entraves para a parceria brasileira
A parceria com Argentina e Venezuela sempre se fez estratégica para os objetivos do Brasil na região. Com a Argentina pelo fato de ser, tradicionalmente, o maior parceiro comercial do Brasil na região, com uma corrente comercial que representa cerca de 10% das exportações brasileiras. Ademais, a Argentina era, até pouco tempo, a segunda maior economia da América do Sul (em 2012, a Colômbia assumiu o posto de segunda maior economia da região). Já a Venezuela é possuidora da maior jazida de petróleo do mundo, com participação de aproximadamente 18% na produção mundial (BP, 2015); além disso, ao lado do Equador, representa a América do Sul na Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Dito isto, não se pode desprezar a relevância das boas relações com estes países. No entanto, a despeito da importância estratégica que esses países exercem para o interesse nacional, seus governos têm se afundado em crises seguidas, o que acaba por influenciar em seu perfil internacional e, consequentemente, no Mercosul como um todo.
O caso argentino vem sem arrastando desde fins dos anos 2000, com altos e baixos. Nos últimos tempos a crise argentina exigiu da presidente Cristina Kirchner mão de ferro em suas políticas. Em 2010 a chamada "ley de medios" regulamentou o setor de comunicação argentino. A promulgação da lei rendeu ao governo argentino acusações de privação à liberdade de expressão, principalmente por parte da maior empresa midiática da Argentina, o grupo El Clarín. No plano econômico e comercial as controvérsias são ainda maiores. As medidas anticíclicas adotadas pelo governo buenairense incentivam a demanda e o mercado interno. Crédito destinado a moradias e regras de resguardo de capital de bancos privados para disponibilizarem 5% de seus capitais para financiarem pequenas e médias empresas estão tirando o sono dos investidores no país. A expropriação da empresa petrolífera Repsol YPF criou um enorme frisson, causando um impasse diplomático entre Argentina e Espanha. No plano comercial, os embargos recíprocos com o Brasil acabaram por reduzir o volume das exportações brasileiras para aquele país, causando preocupação para o setor exportador brasileiro.
Por um lado, tais medidas a longo prazo podem surtir efeitos positivos para a região, aumentando sua autonomia e auferindo maiores ganhos de capital. Por outro, acaba por apartar os investidores, no curto-médio prazo, pois a instabilidade nas políticas econômicas e a nacionalização de empresas não agrada o grande capital. Neste sentido, a moratória da dívida argentina, a cobrança dos fundos abutres e os impasses importantes na área comercial com o Brasil, acabam por enfraquecer as correntes de comércio e os acordos firmados entre Mercosul e outros países, colocando todos os integrantes do bloco no mesmo barco, por assim dizer.
No caso da Venezuela, os problemas são parecidos. Após sua inclusão como membro pleno do bloco e a instabilidade política no país, muitas críticas foram feitas por uma parte do empresariado brasileiro e também do congresso. Em 2013, com a morte de Hugo Chavez, as coisas pioraram ainda mais no país. A falta de apelo político do presidente Nicolás Maduro afundou a Venezuela em uma crise política e econômica sem precedentes. A despeito da baixa do petróleo no mercado mundial, o país sofre com manifestações em massa e desabastecimento nos mercados, além de fundamentadas acusações de desrespeito à liberdade de expressão e de violação dos direitos humanos. Contudo, as taxas de desemprego em 2014 chegaram a 6,8%, a mais baixa dos últimos 30 anos; os índices de pessoas subnutridas e abaixo da linha da pobreza também foram reduzidos.
Diante destes impasses, o Brasil tem se manifestado em defesa da soberania de seus vizinhos. Apesar da guerra comercial com a Argentina e de se posicionar contra o abuso dos direitos humanos na Venezuela, a presidente Dilma tem agido de maneira pragmática, mantendo as boas relações, mas se posicionando conforme os princípios de inserção internacional do Brasil.
6.3.3 O caso Roger Pinto Molina
Em 2012, para evitar sua prisão, o então senador Roger Pinto Molina pediu asilo à embaixada brasileira em La Paz, e por lá permaneceu por mais de um ano. Em situação deplorável, alegando problemas de saúde, Molina pediu ajuda ao deputado brasileiro Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores à época, que decidiu, evocando os princípios dos direitos humanos a acolher o senador boliviano e ajudá-lo a resolver sua situação.
Poucos meses antes, na cúpula do Mercosul, discutiu-se sobre o caso de concessão de asilo a Edward Snowden, e foi conclamada a necessidade de respeitar a soberania neste tipo de concessão. O caso de ameaça ao avião que transportava o presidente boliviano Evo Morales foi um dos motivadores destas declarações e da decisão conjunta dos países do Mercosul, que evocou os principais documentos sobre a temática e decidiu
Destacar o compromisso histórico de todos os países latino-americanos com o Direito de Asilo. Reiterar a importância de observar plenamente o Direito de Asilo e suas implicações em conformidade com as normas vigentes. Reafirmar o direito inalienável de todo Estado de conceder asilo. Esse direito não deve ser restringido nem limitado em sua extensão em nenhuma hipótese. Sublinhar que os Estados não têm o direito de impedir seus cidadãos de solicitar asilo, nem tampouco de impedir a implementação desse direito fundamental por qualquer meio. É fundamental assegurar que seja garantido o direito dos asilados de transitar com segurança até o país que tenha concedido o asilo. Repudiar as ações que possam restringir a possibilidade dos Estados de conceder e implementar de forma plena o Direito de Asilo e, nesse sentido, repudiar toda tentativa de pressão, intimidação ou criminalização de um Estado ou de terceiros sobre a decisão soberana de qualquer nação de conceder asilo. Solidarizar-se com os Governos da Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela, que ofereceram asilo humanitário ao Senhor Edward Snowden. (MERCOSUL, 2013)
Por um lado, o presidente Evo Morales não autorizou o salvo conduto a Molina quando o foi requerido, postergando a estadia do senador na embaixada brasileira. Acusado por mais de 20 crimes pela justiça boliviana, Molina alegava perseguição política por parte do governo Morales. Em junho de 2013, foi julgado culpado por uma destas acusações: desvio indevido de recursos públicos da Zona Franca de Cobija (cerca de US$1,6 milhão). Por outro lado, o Senador alegava problemas de saúde e os responsáveis pela embaixada declaravam a situação como insustentável e temiam pela vida de Roger Pinto.
Assim, sem conseguir um salvo conduto, Molina saiu de La Paz em um carro da embaixada brasileira com apoio de fuzileiros navais até chegar a Corumbá (MS). Na cidade brasileira, Molina teria sido recebido por agentes da Polícia Federal e depois embarcado em avião particular de familiares de Ferraço para Brasília.
Este episódio ficou marcado pela quebra de hierarquia que se sucedeu em vários níveis. Desde a concessão de asilo na embaixada até a sua chegada com o respaldo de um senador brasileiro. A presidente Dilma Rousseff não sabia do ocorrido até a chegada de Roger Pinto a Brasília. O ministro das relações exteriores foi retirado do cargo após o episódio. O governo boliviano cobrou resposta das autoridades brasileiras sobre o ocorrido. Dos prejuízos, o desgaste político e moral do Brasil ao conceder refúgio a um foragido da justiça boliviana, a despeito das questões humanitárias envolvidas. Porém, o desgaste diplomático foi sendo amainado com o passar dos meses.




6.3.4 O Brasil e outras crises
Brasil e Israel: declarações do porta-voz das relações exteriores
Como um importante ator global, as posições brasileiras têm repercutido nos fóruns multilaterais e na mídia internacional. As tradicionais posições brasileiras sobre os conflitos no Oriente Médio também causaram repercussões discordantes na região.
Durante os conflitos na região da faixa de Gaza envolvendo Israel e Palestina, a presidente Dilma chamou o embaixador brasileiro para consulta. O então ministro das relações exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, classificou a violência na região como inaceitável e desproporcional, mantendo a tradicional posição brasileira baseada nos princípios do direito internacional e da soberania. Houve muitas reclamações por parte da comunidade israelense e de alguns membros da diplomacia. Na ocasião, de acordo com uma publicação do jornal The Jerusalem Post, o O porta-voz do ministério das relações exteriores, Yigal Palmor, disse que a decisão brasileira
não reflete o nível de relação entre os países e ignora o direito de Israel defender-se. (...) [as manifestações do Brasil] são uma demonstração lamentável de como o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático (...) Israel manifesta o seu desapontamento com a decisão do governo do Brasil de retirar seu embaixador para consultas.
As declarações foram rebatidas por Figueiredo em tom de discordância. Em entrevista à rádio CBN o ministro reafirmou a posição brasileira e disparou
Somos um dos 11 países do mundo que têm relações diplomáticas com todos os membros da ONU e temos um histórico de cooperação pela paz e ações pela paz internacional. Se há algum anão diplomático, o Brasil não é um deles. Mas não contestamos o direito de Israel de se defender, jamais contestamos isso. O que contestamos é a desproporcionalidade das coisas. (...) O Brasil, desde o início, condenou tanto o lançamento de foguetes pelo Hamas, e nós fomos abundantemente claros com relação a isso, como condenamos também a reação de Israel. Nós não contestamos o direito de defesa que Israel tem. É um direito que ele tem. Nós contestamos a desproporcionalidade entre uma coisa e outra. Morreram cerca de 700 pessoas na Faixa de Gaza, a grande maioria delas civis e um número também bastante alto de mulheres e crianças. Isso não é aceitável e é contra isso que nós nos manifestamos (CBN, 2014).
Pouco tempo depois, o porta-voz israelense aposentou-se alegando que depois de 28 anos necessitava passar mais tempo com a família. Após as declarações, Reuven Rivlin, presidente de Israel, telefonou à presidente Dilma Rousseff, pedindo desculpas pelo ocorrido.
O Brasil reconhece a existência de um Estado palestino com as fronteiras de 1967 desde 2010.
O Brasil e a responsabilidade ao proteger
Como acontece tradicionalmente, o Brasil é o primeiro país a discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas. Em 2014, uma declaração da presidente chamou a atenção da imprensa nacional. Em discurso, Dilma Rousseff defendeu o conceito de responsabilidade ao proteger e condenou os bombardeios à Síria sem autorização do Conselho de Segurança. Após o discurso, em entrevista coletiva, a presidente Dilma desaprovou possíveis intervenções naquele país, alegando que os bombardeios não solucionaram a questão no Iraque, e que o autodenominado Estado Islâmico (ISIS) seria um subproduto das intervenções militares em solo iraquiano. Diante das indagações dos jornalistas sobre o tema, a presidente respondeu
Gente, vocês acreditam que bombardear o ISIS resolve o problema? Porque se resolvesse, eu acho que estaria resolvido no Iraque. E o que se tem visto no Iraque é a paralisia. Isso não sou eu que estou dizendo, é só vocês lerem o New York Times de ontem. (...) Não vamos esquecer o que ocorreu no Iraque: houve uma dissolução do Estado iraquiano, uma dissolução. Então, hoje, a gente querer simplesmente bombardear o ISIS, dizer que você resolve porque o diálogo não dá. Eu acho que não dá, também, só o bombardeio, porque o bombardeio não leva a consequências de paz. Por que você quer bombardear? Por quê? Por que alguém internamente quer que você bombardeie? Você vai bombardear para quê? Para garantir a paz? (BRASIL, 2014)
Diante destas declarações, a imprensa brasileira estampou que Dilma defendeu o diálogo com os terroristas do ISIS, o que é uma inverdade. Em época de eleição, as ideologias implícitas nos discursos da mídia distorcem fatos e posições tradicionais da política de Estado brasileira, atrapalhando e influenciando a noção global que o povo brasileiro deveria ter sobre a gravidade da situação. Obviamente que a defesa não foi em favor dos terroristas do ISIS, mas sim pela responsabilidade que se deve ter em intervir em territórios estrangeiros e depois esvaziá-los, como ocorreu no Iraque. A postura do Itamaraty nos últimos anos tem sido de combate a este tipo de intervenção, defendendo, sobretudo, a responsabilidade ao proteger.
O Brasil e a pena de morte na Indonésia
No início de seu segundo mandato, em janeiro de 2015, Dilma requisitou presença do embaixador brasileiro em Jacarta para consultas. O motivo foi a recusa, por parte do presidente indonésio, do pedido de clemência no caso de dois brasileiros que estavam no corredor da morte, condenados por tráfico de drogas. Marcos Archer foi executado em janeiro; Rodrigo Gularte, em abril. O Brasil é declaradamente contra a pena de morte e condena, na ONU, este tipo de prática, que vai conta os princípios da Carta da ONU e dos Direitos Humanos.
O presidente da Indonésia, Joko Widodo, recusou outros pedidos de clemência provenientes de outros Estados, e prosseguiu com as execuções sumárias. Na esteira deste episódio, a presidente Dilma recusou as credenciais do embaixador designado para a entrega tal, causando um mal-estar diplomático ainda maior entre os dois países. Em nota o governo indonésio classificou como "inaceitável" a forma como foi recusada a apresentação de seu diplomata, uma vez que ele já estava no Palácio do Planalto quando foi informado pelo ministro Mauro Vieira que não seria recebido. Após a cerimônia da recepção de outros cinco embaixadores, a presidente Dilma afirmou que "nós achamos importante que haja uma evolução na situação para que a gente tenha clareza em que condições estão as relações da Indonésia com o Brasil. O que nós fizemos foi atrasar um pouco o recebimento das credenciais. Nada mais do que isso" (APÓS Dilma..., 2015).
O caso recebeu críticas, alegando que Dilma estaria defendendo um traficante e um criminoso. No entanto, a tradição brasileira é contra a pena de morte, e isto implica também em defender seus nacionais deste tipo de legislação retrógada em outros países, sem ferir a soberania dos Estados e sem intervir por meio a força.
6.4 Relações Sul-Sul
Visando uma continuidade e o aprofundamento das relações com os países em desenvolvimento, assim como uma maior inserção no continente africano, o governo Dilma aufere algumas vitórias significativas no plano multilateral e na institucionalização dos BRICS. É bem verdade que muitas delas são fruto das políticas implementadas no governo Lula, mas há de se concordar que diante do cenário apresentado e dos obstáculos que se colocaram foram vitórias significativas para o Brasil se afirmar cada vez mais como um importante líder, não só na região, mas também no plano internacional.
A eleição de Roberto Azevedo para a Direção Geral da OMC e de José Graziano para a FAO são frutos das exitosas políticas brasileiras de combate à fome e de inclusão social. Os países africanos apoiaram o Brasil neste pleito, o que significa uma concertação entre governos e denota confiança destes países nas intenções brasileiras para o futuro mundial nestas áreas.
Quanto aos BRICS, a criação de um banco para a instituição projeta um futuro de mais institucionalização para o bloco, auferindo investimentos na área de infraestrutura e cooperação entre os países integrantes. Contudo, a estagnação do crescimento brasileiro e os problemas internos aparentam ter influenciado no protagonismo que o Brasil exercera outrora.
Os aparentes dois anos de paralização do bloco sinalizaram um movimento em 2013, na V Cúpula de Durban, na África do Sul. A criação do Banco BRICS para financiar o desenvolvimento e do fundo de compensação cambial para tentar combater os desequilíbrios financeiros de seus membros foram os projetos mais significativos não só para uma maior integração entre os países, mas sobretudo para uma maior institucionalização do bloco. Cerca de um ano depois, no Brasil, a VI cúpula dos BRICS realizada ratificou tais projetos. A Declaração de Fortaleza, assinada em julho de 2014, reafirmou os princípios de ação internacional do bloco e instituiu os projetos anteriormente previsto, entre eles a criação do Banco de Desenvolvimento do BRICS, com capital inicial de US$ 100 bilhões, com sede em Xangai e composto por uma direção colegiada composta pelos membros da coalizão. Além disso, foi instituído o fundo de reservas cambiais, dotado do mesmo montante. Por fim, foi assinado o termo de entendimento para a cooperação entre as agências nacionais de crédito às exportações (CERVO e LESSA, 2014).
Nos planos multilaterais e bilaterais, o bloco ainda mantém convergências e consensos. Prova disso foram os vetos às ações de intervenções na Síria. Outras áreas de consenso englobam a cooperação Sul-Sul e o fomento de políticas de inclusão, não só no plano social interno, mas também de PMDRs ao sistema internacional. Contudo, há também pontos de divergência entre os membros da coalizão, por exemplo, questões comeriais no âmbito da OMC e no G20. Neste sentido, bilateralmente ainda há acirrações que foram desprezadas pelo governo Dilma, a exemplo da influência na África.
Quanto às relações com a China, o Brasil tem empregado cada vez mais esforços para fomentar o comércio e desenvolver esta parceria estratégica. No nível bilateral, a China ultrapassou os Estados Unidos, em 2012, como principal parceiro comercial. A cooperação e a concertação nas áreas empresariais, políticas e científico-tecnológicas salientam ainda mais a importância desta parceria para os dois países. Segundo Bernal-Meza (2013), entre 2010 e 2013 o investimento direto chinês no Brasil acercou-se da vultuosa cifra de US$ 30 bilhões. Além disso, os chineses pretendem investir em diversas áreas, inclusive fomentando a integração na região sul-americana. Em 2014, durante a visita do primeiro ministro Li Keqiang, foram anunciados investimentos da monta de US$250 bilhões até 2025. O projeto para a construção de uma linha férrea ligando o oceano atlântico ao pacífico faz parte do plano de concertação comercial da China, não só com o Brasil, mas sobretudo, com a região sul-americana.
Com a expansão da rede de embaixadas e de projetos no continente africano durante o governo Lula, a influência brasileira na África deu um salto nas áreas de agricultura, saúde e em projetos sociais. No entanto, a crise interna e a falta de recurso foi pormenorizando a influência brasileira na região após 2012, a despeito de programas como a fábrica de medicamentos contra Aids, em Moçambique, e outros projetos e embaixadas abertas durante o primeiro mandato de Dilma. O número de visitas da presidente aos países africanos também foi bem reduzido, como visto na tabela 6. Em meio a projetos de cooperação encerrados e embaixadas sem a infraestrutura mínima para funcionamento, os ganhos políticos no continente estão cada vez mais sendo minados e atropelados pela presença chinesa no continente africano. Não obstante as assinaturas de acordos de cooperação, a realização e o financiamento estão cada vez mais escassos, uma vez que o ajuste fiscal realizado pelo governo brasileiro também afetou os projetos de cooperação, impactados pelos cortes na própria Agência Brasileira de Cooperação (ABC). O orçamento destinado ao ministério, em 2004, equivalia a 0,5% dao total do Executivo. Em 2014, esse percentual foi equivalente a 0,27%.
Houve também uma diversificação nos projetos de cooperação com a África que, sob a batuta de Dilma, assinou mais acordos na área de defesa. Em 2013, foram estabelecidos novos projetos de capacitação militar com Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Senegal, e a presidente anunciou, na Etiópia, a reestruturação de US$ 900 milhões em dívidas de países africanos com o Brasil. Ademais, presidente retomou a agenda de visitas ao continente africano, visitando a Guiné Equatorial na ocasião da III Cúpula América do Sul-África, além das visitas oficiais à Nigéria, à África do Sul e à Etiópia (Oliveira, 2015).
A despeito dos avanços em algumas áreas e dos retrocessos em outras, a cooperação Sul-Sul durante o governo Dilma não apresentou grandes avanços e inovações. As eleições de Roberto Azevedo, para a OMC, e José Graziano, para a FAO, foram relevantes, porém, a própria paralização das negociações após os acordos de Bali combina com a estagnação do governo na área comercial e de prospecção de comércio. A falta de investimentos no aparato diplomático, a não consolidação de embaixadas estratégicas, e a paralização de projetos no continente africano também minam a presença brasileira na região. Além disso, o protagonismo de China e Rússia em seu contexto geopolítico denotam o declínio de significância e o pífio avanço brasileiro em sua projeção nas relações Sul-Sul entre 2012 e 2015.

IDEOLOGIA VERSUS PRAGMATISMO: COMPARATIVO ENTRE AS PROPOSTAS DE POLÍTICA EXTERNA
Uma vez lançados os conceitos e os principais fatos, será traçado um comparativo entre os oito anos de governo Lula e os quase cinco de governo Dilma, elencando as ações, as tradições do Estado e os desdobramentos das decisões empregadas.
Em suma, os diferentes cenários em que cada presidente assumiu exigiu um nível de pressão e de pragmatismo diferente. Enquanto o perfil do presidente Lula englobava mais a parte política do que a técnica, por assim dizer, a presidente Dilma sofria – e ainda sofre – com a carência do perfil político. Muito anunciada como uma chefe pragmática, faltou-lhe o jogo de cintura para liderar o Brasil fora de suas fronteiras. Não apenas como uma cumpridora de protocolos e viagens na região Sul-Americana e alhures, mas como uma verdadeira líder, uma estadista. Talvez não tenha sido apenas a pormenorização das pautas externas e de sua representatividade, mas sim o talento e o carisma que não podem ser adquiridos nos bastidores de um planejamento de campanha. Ao presidente Lula, apesar da não tecnicidade latente, sobrava lhe talento e carisma, que até 2015 são os atributos que dão sobrevida ao PT.
Como observado nas tabelas X e Y sobre o número de viagens presidenciais, se por um lado o presidente Luis Inacio viajou mais; por outro a Dilma recebeu mais visitas importantes, a exemplo dos presidentes Obama e Putin, entre outros. Partindo deste ponto de vista, nota-se que o trabalho dos anos anteriores colocarou o Brasil na rota de visitas dos grandes players globais. A ascensão de uma nova classe média também saltou aos olhos de grandes empresários e, consequentemente, fomentou os investimentos externos diretos (IEDs) no país, sendo o Brasil hoje o quinto maior destino de IEDs.
Durante os doze anos de governo PT, as relações com os Estados Unidos têm seguido o pragmatismo da Política Externa Independente, mas desta vez consciente da medida assimétrica na qual o Brasil está inserido. Se em outros tempos as relações brasileiras englobavam parceiros idologicamente opostos aos Estados Unidos ao seu alcance comercial, hoje essas relações englobam todas as áreas; de tecnologia à cooperação triangular. Até os Estados Unidos o fazem hoje, porquê não faríamos nós também?
No período entre 2003 e 2008 as exportações brasileiras para os Estados Unidos cresceram 64%, saindo de um patamar de US$ 16,7 bilhões para US$ 27,4 bilhões, sendo boa parte destas exportações bens de valor agregado. No entanto, a porcentagem do total exportada foi menor, sinalizando uma boa diversificação de parceiros comerciais durante os períodos analisados.
Nas áreas técnicas, a cooperação entre os dois países também foi bastante incrementada, sendo os Estados Unidos o país que mais recebe estudantes do programa Ciência sem Fronteiras. No âmbito multilateral é onde há as maiores divergências e impasses. Na OMC, os dois gigantes brigam por espaço no mercado, travando uma disputa natural entre gigantes.
Pragmaticamente, em outros tempos, não convinha desaprovar as posições estadunidenses, tendo em vista as represálias que, por ventura, sofreria ao desaprovar ações yankes. De 2003 até a situação hodierna, o tabuleiro mudou, fornecendo ao Brasil os incrementos políticos e econômicos que carecia para imprimir sua política de Estado cada vez mais pragmática. Exemplo disso foram as relações com Cuba desde o governo Fernando Henrique Cardoso, e que se estreitaram ainda mais nos governos do PT. A desaprovação do Brasil frente à proposta da Alca no governo Bush e os desdobramentos da Conferência Ministerial da OMC em Cancún, em 2003, mostraram que o Brasil busca se relacionar com todos os países independentemente das orientações ideológicas que se segue, diversificando cada vez mais suas parcerias, sejam elas na esfera comercial, tecnológica ou política. O episódio da espionagem americana no ínterim do governo Dilma mostra que os interesses americanos estão voltados não só para o mercado brasileiro, mas também para seus governantes. O pragmatismo da presidente Dilma em mostrar indignação com tal fato, de maneira afirmativa e mensurada, resulta da importância que os Estados Unidos também têm para o comércio do país e da região.
Se durante o segundo governo Vargas a equidistância pragmática colocava a barganha entre os Estados Unidos e a Alemanha como um ensaio de autonomia, pode-se dizer que no século 21 a barganha permanece, no entanto, em bases menos assimétricas e mais autônomas que outrora. Pragmaticamente, essa equidistância entre dois pontos foi se transformando em uma multidistância pragmática, não orbitando entre um ponto e outro, e sim imprimindo suas aspirações e seus princípios nesta nova ordem cada vez mais multilateral e integrada, sem deixar de reconhecer, contudo, a importância de parceiros como os Estados Unidos e a União Europeia.
Em outro plano assimétrico, o Brasil tenta diminuir a desigualdade. O desenvolvimento dos países que compõem seu entorno regional é uma premissa pragmática para o desenvolvimento do próprio país. As iniciativas para a integração da região são parte deste plano de desenvolvimento sustentável não só da América Latina, mas também da América Central e do Caribe. Como histórica zona de influência norte-americana, a região central da América e as ilhas caribenhas têm cada vez mais se voltado para a concertação política e econômica com a América do Sul. Isso implica em assumir o Brasil como líder em toda esta região, a despeito da tradicional influência estadunidense nos países que a compõe. Destarte, o esvaziamento da OEA e a criação da Unasul e da CELAC não é pura coincidência.
A pragmática política de aproximação e de soft power que o governo Lula – com continuidade do governo Dilma – exerceu nos últimos 12 anos tem tido resultados práticos na balança comercial brasileira e na própria mudança de forças do cenário latino-americano e caribenho. O aprimoramento das relações com os países desta região foi uma ação assaz pragmática, visando o fomento do comércio e da cooperação, além do ganho político que o Brasil aufere nos órgãos multilaterais. Prova de que esta política foi mais pragmática que ideológica é a recente retomada de relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a maior ilha da região caribenha, Cuba.
A despeito da intrínseca relação histórica entre Cuba e Estados Unidos, ou melhor dizendo, entre os cubanos e os americanos, a retomada das relações coroa os pleitos e as aspirações brasileiras não só para Cuba, mas para toda a região. Os investimentos no porto de Mariel e as parcerias cubano-brasileiras nos últimos anos foram alvo de inúmeras críticas, alegando fatores ideológicos como causa desta cooperação. Além dos ganhos com a internacionalização das empresas brasileiras e as vantagens que um porto nos arredores da costa americana pode trazer, a possível abertura do mercado cubano e a democratização da ilha também trazem novos horizontes de atuação política e econômica para o Brasil, e revelam a maior importância que a região pode vir a ter em termos comerciais. Portanto, as políticas de ambos os governos no caso americano e para América Central e Caribe foram de um pragmatismo incontestável. Talvez a única excessão tenha sido o caso Zelaia, durante o governo Lula.
Apesar de ter sido eleito por um governo de direita, Manoel Zelaya promoveu reformas de cunho nacionalista e multiétnico. A adesão de Honduras à ALBA e crescente proximidade com a Venezuela de Chávez levou-o a perder o apoio da elite hondurenha e culminou com o golpe de Estado. Como visto, a intromissão brasileira neste caso passou dos limites, causando um desconforto para o Brasil devido aos desdobramentos do caso. Mesmo simpático às políticas de Zelaya, a atitude de concessão de asilo na embaixada brasileira não traria nenhum benefício direto ao Brasil nem a Honduras, caso Zelaya fosse reconduzido ao cargo. Mesmo após as eleições de Porfírio Lobo, o governo brasileiro não reconheceu o governo eleito, criando um mal-estar desnecessário para o governo Lula. Note-se que esta ação se enquadra perfeitamente como ideologia à la carte, pois além de não corroborar para o interesse nacional diretamente, ainda transgride princípios como o da não intervenção, além de comprometer o ganho político do Brasil na região. Esta ação foi movida pelo caráter ideológico à la carte, transgredindo os princípios do próprio partido dos trabalhadores e da tradição da política externa brasileira.
Durante o governo Dilma uma gafe de proporção similar também ocorreu, mas com motivações ideológicas de outros setores. O caso Roger Pinto Molina não só transgrediu a lei boliviana, mas também o direito internacional e a tradição brasileira, a despeito das alegadas questões humanitárias apontadas como causa da ação. O Brasil atuou como mediador das tensões internas na Bolívia, assegurando que o país não se separasse em duas regiões. O governo de Evo Morales trouxe medidas nacionalizantes, com um viés multiétnico e democrático, incluindo cada vez mais os menos abastados e erradicando o analfabetismo da Bolívia. Contudo, o senador estava nas repartições da embaixada brasileira em La Paz quando foi condenado por crime ligado ao desvio de verbas. Sem ter tomado conhecimento do caso, Dilma Rousseff viu Roger Pinto Molina desembarcar em Brasília, auxiliado por um parlamentar e um diplomata brasileiro.
O desconforto que esta situação trouxe para as relações entre Brasil e Bolívia é incalculável, no entanto, a ação contou com o apoio de setores do Congresso, dando sinais de que a presidente não acompanhava certas ações externas bem de baixo de sua alçada. Na ocasião, levando em conta a quebra de hierarquia em alto nível, o então ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, foi destituído do cargo, e o diplomata responsável, em parte, pelo caso foi submetido a uma investigação interna. Analisando a ação de Ricardo Ferraço (PMDB-ES), então presidente da Comissão de Relações Exteriores, bem como a dos apoiadores deste ato, é possível perceber a sobreposição da ideologia à la carte sobre o pragmatismo. O risco de um desentendimento com um vizinho como a Bolívia pode trazer prejuízos imensuráveis para o Brasil, influenciando em diversas áreas como energia e comércio, além de caracterizar uma grave transgressão ao direito internacional. Quando foi tomada a decisão de se articular a fuga de Roger Pinto, não foram calculados os prejuízos que tal ato unilateral poderia trazer para os interesses do Brasil naquele país. Os reais motivos desta ação, além dos citados, não são conhecidos pela maior parte da população e não foram externados pelos envolvidos no caso.
No que diz respeito às crises com a Bolívia e com o Paraguai durante o governo Lula, as negociações foram realizadas sempre primando pelo interesse nacional e também pelo desenvolvimento das nações vizinhas. Esse parâmetro foi o mesmo utilizado pelo presidente para aceitar sentar à mesa com o presidente do Paraguai no caso da hidrelétrica de Itaipú. Portanto, esta política de diminuição das assimetrias regionais, como já citado, faz parte da política externa brasileira, independente da ideologia vigente no país com o qual se negocia. No governo Dilma, por exemplo, as ações nacionalistas da presidente argentina Cristina Kirchner causaram reclamações por parte do Brasil nos fóruns de diálogo, mas não afetaram as relações diplomáticas entre os dois vizinhos, mostrando que, além do pragmatismo e visão de desenvolvimento da região, o Brasil registra uma continuidade em suas ações no plano regional, sempre primando pelo interesse nacional.
No caso das relações com os países da ALBA, como dito, os governos enfrentam muitas críticas e opiniões contrárias. As relações com Bolívia, Venezuela e Equador são pautadas, pelo governo, como relações estratégicas no âmbito regional. No entanto, após a morte de Hugo Chavez e os incidentes envolvendo a prisão de opositores do governo saltou aos olhos da oposição, que protestou contra o presidente venezuelano e organizaram, em 2015, uma comitiva para averiguar a transgressão à liberdade de expressão e aos direitos humanos naquele país. Os parlamentares ali presentes destacaram o compromisso brasileiro com a democracia e que o governo deveria se posicionar diante destas transgressões, reivindicando até a exclusão da Venezuela do Mercosul.
Como se pode ver nas tabelas 8 e 9, a parceria com a Venezuela é altamente estratégica, uma vez que este país além de possuir a maior reserva petrolífera em produção do mundo, tem também um mercado em expansão. Logo, os saldos do Mercosul com o ingresso da Venezuela, são altamente favoráveis ao Brasil, o que torna o vizinho do norte um dos principais parceiros que Brasil possui na região, imprimindo um superavit significativo no saldo da balança. Destarte, pode-se notar um viés altamente ideológico à la carte nestas reivindicações de exclusão. Ora, há eleições na Venezuela em que o povo escolhe quem deve seguir governando; no segundo semestre haverá uma assembleia legislativa para a eleição de parlamentares; então qual o verdadeiro motivo que explicaria a demanda por exclusão? Se forem alegadas questões humanitárias para explicá-la, uma outra pergunta surge: por que não reuniram uma comitiva de senadores para defender os direitos humanos na Indonésia quando da execução dos dois brasileiros condenados? Desta forma, é possível perceber o background ideológico à la carte dos opositores às parcerias estratégicas que o governo brasileiro firmou nos últimos 12 anos.

Ainda falando sobre as parcerias estratégicas e o pragmatismo do governo na promoção destas ações, as coalizões com países em desenvolvimento – ou seja, que dizem respeito às relações de simetria equivalente – têm rendido frutos em várias áreas, mesmo quando se avalia um declínio da posição do Brasil frente à Rússia e à China (Cervo e Lessa, 2014). No plano político, as ações afirmativas sobre a reforma nas instituições multilaterais renderam ao país apoio de alguns destes parceiros em alguns de seus pleitos. As políticas de cooperação no continente africano, por exemplo, alçaram o Brasil como um parceiro importantíssimo para os países da região, fomentando o desenvolvimento dos países africanos e incrementando as parcerias e o comércio com a região. Quando das eleições de Roberto Azevedo para a OMC e de José Graziano para a FAO, os votos dos países africanos fizeram a diferença, arvorando representantes brasileiros aos mais altos cargos destas instituições. Para as reformas no CSONU e no FMI, coalizões como o BRICS e o IBAS são de extrema importância. Apesar de o apoio à inclusão do Brasil ao CSONU não ser unanimidade nestes blocos, há outros apoios a serem requisitados em outras questões. O pragmatismo brasileiro em manter próximas tais relações parte de suas aspirações de se concretizar como uma potência global não só em instituições subsidiárias, mas, sobretudo, na cúpula financeira do FMI e como membro permanente do CSONU.

No plano comercial e econômico, aliar-se aos chineses é imprescindível para alavancar o crescimento do país e da região sul-americana. Em 2012, como dito, a China ultrapassou os Estados Unidos e tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil. Naquele ano, a corrente de comércio entre os dois países foi de aproximadamente US$ 75 bilhões, sendo as exportações brasileiras 54,4% deste total. Além disso, em 2014, os IEDs da China na América do Sul aproximaram-se de US$1,1 bilhão, sendo o Brasil receptor de 90% destes investimentos, o que torna, pragmaticamente, a China um dos principais parceiros do país e da região como um todo.

CONCLUSÃO
Foram analisadas, por um prisma comparativo, as políticas dos governos Lula e Dilma, diferenciando – dentro de uma mesma ideologia partidária e de uma noção de pragmatismo – suas políticas e atuações, bem como seu cunho mais pragmático ou ideológico à la carte.
Diante do exposto, é perceptível a desenvoltura do presidente Lula em lidar com as questões de política externa e suas pautas. No entanto, em alguns casos, como o de Manuel Zelaya, houve um cunho mais ideológico à la carte que pragmático, colocando em risco as relações do Brasil com aquele país. Porém, na maior parte dos casos, a política empetrada pelo governo, tanto de Lula quanto de Dilma, seguiu as diretrizes e os princípios da política de Estado brasileira. A ideia força de Lula concernente ao combate à fome e à miséria ganhou força em um momento que os países em desenvolvimento se despontavam como uma variável significante no tabuleiro internacional. A mudança de paradigma de desenvolvimento e de inserção internacional do Brasil acompanharam os movimentos externos na primeira década do século 21, alçando o Brasil como potência por meio da autonomia e do pragmatismo de suas ações, apresentando, no entanto, pontuais excessos ideológicos, como visto.
Quando da mudança de governo, o cenário externo dava indícios de uma nova tomada de rota, que para alguns críticos não foi ajustada a tempo pela presidente Dilma. Segundo Cervo e Lessa (2014), o declínio brasileiro se explica pela falta de uma ideia força que movimentasse os setores da sociedade, interna e externamente. Para estes autores, a ausência de novos conceitos e de diálogo com os setores dinâmicos da sociedade influenciou nos maus resultados do primeiro governo Rousseff. A falta de planejamento visando as possíveis variações no comércio exterior – falha também do governo Lula – calhou na falta de uma estratégia conjunta ao empresariado nacional.
A despeito do projeto de continuidade, o governo Rousseff foi muito deficiente no trato de relação próxima com os países, faltando à presidente o espírito de estadista que a Lula sobrava. A falta de habilidade política de Dilma custou a perda de apoio do empresariado e do Congresso, desencalhando em uma crise entre o Executivo e o Legislativo, além de outros setores da sociedade, inclusive integrantes do próprio PT. Prova desta falta de habilidade política foi a recusa inédita de um diplomata de carreira para chefiar a missão brasileira junto à OEA. A reprovação pelo Senado foi embasada, categoricamente, em subjetividades da ideologia à la carte, acusando o aspirante ao posto de ser "bolivariano".
É bem verdade que antes da assunção de Dilma à presidência muito se falava do caráter pragmático da governante. Porém, o que se viu foi a falta do chamado jogo de cintura, no âmbito interno; no externo, a falta de talento e o desinteresse pela política externa em sua totalidade. Quanto a alguns membros da oposição, estes sim eram ideológicos à la carte, como visto no caso do senador Molina.
Por fim, conclui-se que apesar do pragmatismo da presidente Dilma, o interesse nacional ficou defasado, tendo em vista a falta de habilidade da presidente em consolidar os ganhos do governo anterior, diagnosticar as mudanças e planejar os rumos da política externa brasileira com estratégias pertinente, ajustando os pontos falhos do governo anterior. Contudo, o pragmatismo de Dilma teria sido mais objetivo se tivesse dado mais importância ao diálogo e às percepções de um novo cenário que se colocava cada vez mais multilateral, não só nos fóruns internacionais, mas, sobretudo, no âmbito regional.


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