Ideologia Familiar - Representações de género na programação infantil

July 15, 2017 | Autor: Pedro Coelho | Categoria: Género, Ideologia
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Ideologia Familiar
Representações de género na programação infantil
Pedro Miguel Coelho Miranda Ferreira, nº 7161
Licenciatura de Arte Multimédia – 3º ano
FBAUL 2014/15
Sumário
Resumo 1
Introdução 1
Género e Sociedade 2
Família e Infância 3
Expectativas de Género 4
Conclusão 6
Referências 6
Resumo
Analisa-se a pertinência das questões de género na geração e evolução de sociedades, e o crescente papel dos media na formulação de tais questões. Estuda-se esse impacto na infância, através de representações de família em filmes de animação. Expõem-se as problemáticas de género e sexualidade nos diversos momentos da produção cultural infantil, perante as divergências de figuração entre os diferentes sexos.
Palavras-chave: Género, infância, família, sociedade, ideologia.
Introdução
Nesta reflexão pretende-se estudar a influência de ideologia na produção de objetos culturais, através da análise da representação e reprodução de diferentes papeis de género na programação destinada maioritariamente a crianças. Com isso procura-se compreender as narrativas subjacentes aos chamados "programas infantis", pela apreciação crítica de diversos filmes e séries direcionados ao público jovem, e as suas consequências na criação de mentalidades que posteriormente se refletem na sociedade. Desde modo poder-se-á ter uma perspectiva mais firme sobre a influência de temáticas ideológicas na formação da pessoa e das comunidades.
É, portanto, importante considerar a hipótese dos papeis de género, e em especifico a influência dos media na criação e manutenção dessas normas. Após esse momento inicial, é proposta o estudo das questões de género na infância, e nos media presentes na vivência dessa faixa etária. Com esse propósito, é efetuada uma abordagem das diferentes estruturas familiares figuradas na programação infantil. Para tal estabelece-se um foco particular na diversidade de representações de famílias, pelo seu potencial catártico e validativo de experiências presentes, e as divergências de papeis de género, e as expectativas, impostas aos diferentes sexos, por elas reveladas, visto que tais expectativas são posteriormente reproduzidas pelos seus expectadores.
Género e Sociedade
Papeis de género representam a norma social para o modelo de vida dos diferentes sexos. São formados pelo conjunto de linhas-guia estabelecido numa determinada sociedade, criando uma identidade centrada nos comportamentos expectados para cada grupo. A criação de estereótipos comportamentais de género é condicionada pelas circunstancias locais e culturais, sendo verificáveis divergências de expectativas em diferentes contextos sócio-políticos, e até permutabilidade em certos momentos. No entanto, a imposição de tais princípios é, por oposição à existência de uma entidade central, invariavelmente efetuada pela comunidade, que, através da sua conduta, não só os reproduz, mas tambem desincentiva desvios à norma.
Apesar da permanência dos papeis de género ser uma tarefa dos indivíduos da comunidade, a inserção dos media no panorama social veio trazer novas possibilidades na criação e manutenção de novas regras comportamentais. Com a democratização dos meios de comunicação, a massificação da cultura abriu as portas a que certos modelos se tornassem predominantes, sendo propagados para a população geral através do radio, e mais tarde do cinema e da televisão. As representações de género aí vigentes tornam-se rapidamente expectadas ao público, oferecendo um grande, ainda que limitado, poder aos seus criadores, o poder de incentivar ou perpetuar certas normas.
Nascidos neste contexto, os indivíduos passam toda a sua vida sobre a influência de papeis de género, começando mesmo na infância, desde a diferenciação sexual dos brinquedos, das roupas e até da linguagem utilizada pelos pais e outros familiares. As crianças são educadas no modelo estereotípico, perpetuado pela sua família, os agentes de manutenção da regra. As ideias de diferentes condutas para um homem e uma mulher são lhes incutidas por este meio maioritariamente, mas influências externas não são alheias à questão. Os meios de comunicação com os quais entram em contacto são tambem uma forma de educar, influenciando a ideia de modelo familiar e de género pelas representações dos mesmos que fazem nos diversos objetos culturais.
Como produtos ideológicos, os diversos filmes ou séries que se apresentam ao publico infantil transmitem ideias de cariz sócio-política na sua audiência, mesmo que estas só se venham a manifestar tardiamente. É, portanto, relevante estudar quais as mensagens presentes em tal programação, de modo a compreender as suas repercussões na sociedade.
Em continuidade, e considerando a família como lugar principal de contacto com questões de género, é importante em particular estudar as representações culturais de família nos media, visto que estas se vão refletir posteriormente na percepção que o individuo jovem tem do seu próprio seio familiar, e da perspectiva de criação de novos.
Família e Infância
Considerando as representações familiares como uma ferramenta pedagógica na educação das crianças, a diversidade de estruturas apresentadas nos meda é bastante importante para criar um equilibro nas crenças dos mesmos. O contacto com famílias de composições diferentes permite-lhes compreender diversas possibilidades, pois mais tarde poderão considerar em ocasiões de integração ou formação de novos seios familiares. Nessa diversidade é também pertinente que os indivíduos observem métodos organizacionais semelhantes aos seus, de modo a validar a sua vivência, tanto em termos de adequação na sociedade, como para efeitos catárticos, em casos de relações problemáticas. Encontrando outros sujeitos cujas experiências convergem com as próprias é uma forma de legitimação individual, e, consequentemente, tal diversidade é vital, de modo a abranger o maior numero de pessoas possível.
Num estudo efetuado em 2003 pelo American Journal of Family Therapy, estas problemáticas foram abordadas através de uma análise comparativa de 26 longas-metragens da Walt Disney Animation Studios (uma fonte incontornável de entretenimento infantil no século XX e XXI), propondo-se compreender as implicações psico-clínicas das diferentes representações de famílias e relacionamentos amorosos na terapia com crianças. No decorrer da investigação, verificou-se que, da amostra escolhida (composta por filmes lançados entre 1937 e 2000), a diversidade de representações era bastante questionável. Apesar de adoção e entidades parentais não-biológicas (padrastos e madrastas) serem relativamente recorrentes, pouco mais é registável que sobressaia à família biológica duo-parental. A exceção verifica-se, em três dos filmes (Peter Pan, Robin Hood e Tarzan) que apresentam uma comunidade como um substituto familiar, no entanto não existe nenhuma representação de pais homossexuais, bissexuais ou transgénero, impedindo jovens nestas situações de verem a sua vivência validada, deixando uma lacuna na sua relação com os filmes.
Acrescidamente, é ainda evidente que certas organizações são desvalorizadas pela produção do estúdio de animação, nomeadamente pais não-biológicos, onde as madrastas são repetidamente figuradas como vilões, cruéis e distantes dos seus filhos, enquanto os padrastos se apresentam como carinhoso e bondosos. Famílias mono-parentais sofrem também de representações problemáticas pela sua simplificação, apresentando frequentemente apenas um dos progenitores sem qualquer explicação relativa à ausência do outro. Esta preferência narrativa cria uma discrepância com a realidade, onde tais relações são complexas, e, de facto, nenhum dos objetos de amostra apresenta uma situação de divórcio, optando sempre por ignorar a existência dessa condição familiar.
Esta tendência de simplificar ou ocultar complexidade de estruturas familiares desenvolve o potencial de influenciar as expectativas das crianças em relação a si mesmo e às suas famílias, como a suposição a priori de que madrastas maltratam os seus filhos, ou de que, aquando de um divórcio, um dos progenitores será permanentemente apagado da vida da criança, impedindo-a de lidar emocionalmente com a situação em que se encontra.
Expectativas de Género
Após considerar a necessidade de diversidade de representações de estrutura, é importante ainda estudar a divergência entre os papéis atribuídos a cada um dos sexos, visto estes se manifestam também como uma influência no modo de experiênciação do contexto em que o público infantil se encontra, nomeadamente as discrepâncias de figuração entre um pai e uma mãe (visto que é esta a norma familiar vigente na programação infantil).
O papel de mãe (biológica, por oposição à madrasta) é apresentado invariavelmente como a prestadora de cuidados, tomando para exemplo filmes como Peter Pan, Mulan ou Emperor's New Groove. Ela deve ser carinhosa e compreensiva com os seus filhos, mas o seu desenvolvimento enquanto personagem geralmente não se aprofunda mais. Em alguns casos de exceção são ainda representadas como protetoras, tomando ações extremas para a prote ão das suas crias, como no caso de 101 Dalmatians, no entanto mesmo essa conduta é um reflexo da sua incondicional dedicação aos seus filhos. Esta pressuposição implica que a individualidade da mulher termina com a gravidez, e que a partir daí não lhe é permitido ter interesses pessoais fora do meio habitacional. Aliás, a ocupação profissional de uma mãe nos programas infantis é quase exclusivamente dona de casa, sem qualquer papel no sustento financeiro da sua família, e, consequentemente, total dependência do seu marido. São, de facto, raras as ocasiões em que se verificam representações mono-parentais em que o progenitor presente é a mãe, perpetuando a noção de que o género feminino é incapaz de sobreviver sem apoio masculino. Acrescidamente, o papel de género que lhes é oferecido tambem sugere que, sendo a gravidez e o parto os acontecimentos mais importantes da sua vida, a ausência dos mesmos é uma falha de carácter, como é exemplificado pela figura da madrasta. A mulher que não tem filhos é vilificada, incapaz de criar ligações emocionais, até mesmo com o homem com o qual se casou, e apresenta-se como fria, rígida e cruel.
Por oposição, a figura do pai é representada de dois modos diferentes. A primeira tendência assenta em autoritariedade, o pai como controlador e impositor de disciplina, cujo papel é criar regras para os seus filhos, de modo a coloca-los no "caminho correto", pressupondo-se como os guardiões da sensatez. Este tipo de pais é encontrado em filmes como Peter Pan ou The Little Mermaid, e o seu propósito narrativo é impelir o protagonista a fugir do seu comportamento opressivo, ingressando assim na aventura que lhe é destinada. A outra perspectiva parental comum é a do pai criativo e solidário. Ele é capaz de expressar ativamente os seus sentimentos e preocupar-se com as opiniões e problemas dos seus filhos, mas geralmente encontra-se aluado e desligado da realidade, demasiado perdido no seu mundo privado para conseguir estar presente na sua vida familiar. Este é o caso de diversas séries infantis, como The Flintstones, Dexter's Laboratory ou os mais recentes Phineas and Ferb e The Replacements. Em todos estes casos, o pai encontra-se desconecto dos eventos familiares, e é uma maior fonte de problemas do que soluções, tendo um papel emocionalmente descartável. Nesses casos, a sua personagem possui um hobby que consome grande parte do seu tempo, ou uma dedicação absoluta à sua carreira, impedindo-o de participar na vida diária de outros. No entanto este modelo não é frequentemente vilificado, visto que as suas presenças ocasionais são influências positivas na vida dos filhos. Estas duas concepções da figura do pai revelam como noção comum o papel atribuído ao progenitor masculino de providenciador. O homem é a fonte de sustento económico na família, e uma vez que a mãe já preenche a vaga de apoio emocional, toda a sua utilidade resume-se a essa função. Por esse exato motivo, ele é representado como distraído e despreocupado ou firme e autoritário, duas posições de clara autonomia e superioridade. Erguendo-se acima dos restantes membros da família, é-lhe atribuído um discernimento que lhe permite decidir o que é preferível para os outros e para si mesmo, garantindo-lhe autonomia sem paralelo. Ele não depende da mulher, apesar de o inverso não ser verificável. Ter filhos é uma escolha, por oposição a uma necessidade, e de importância menor na realização pessoal do homem, como é evidente pela forma como os padrastos são representados. O padrasto é generoso e afável, preocupado com a sua família sem necessidade de qualquer tipo de laços de sangue, o oposto absoluto do seu equivalente feminino.
Isto cria uma falsa noção de que o sexo masculino é, por natureza, mais apto para decidir e liderar, e que a ordem natural assenta na submissão feminina. Os diversos produtos culturais assumem uma estrutura familiar comum com a mãe presente, a sacrificar a sua autonomia para o beneficio dos seus familiares, escolha que não é requerida ao pai, deixando-o passível de decidir o seu próprio destino. Também perpétua o estereotipo que a reprodução é uma necessidade feminina e uma concessão masculina. A questão aqui não é a veracidade de tal afirmação ideológica, mas as consequências práticas da mesma. Se, como se verificou, grande parte da produção para publico infantil toma como pressuposição esta relação, é esta a realidade com que as crianças que os vêm vão crescer. É nesta noção que se vão assentar as novas estruturas familiares que mais tarde, em adultos, os espectadores vão criar, e assim reproduzir os papeis de género em vigor atualmente. É este o problema que se levanta no tendencialismo do qual sofre a indústria, uma falta de diversidade que se limita a repetir, ainda que disfarçadas, as mesmas tipologias de identidade de género, renegando outras possiblidades por completo.
Conclusão
Compreendendo a incontornável presença, ainda que inconsciente, de perspectivas ideológicas na produção cultural, é imperativo assimilar o seu impacto na sociedade de modo a poder molda-lo em algo mais benéfico à comunidade. Os papeis de género são, entre muitos outros, um exemplo de tendências narrativas que oferecem problemáticas ideológicas, e quando aplicadas a idades jovens, podem causar danos irreparáveis na sua capacidade cognitiva e no discernimento futuro.
A diversidade de representações familiares na industrial cultural é vital para o conveniente desenvolvimento infantil, e, no entanto, é difícil encontrar casos que se oponham à estruturação comum. Grande parte da programação infantil submete-se às normas dela expectadas, ocultando diversas formas de família, ou simplificando as existentes. A ausência de novas visões dos seios familiares é preocupante, impedindo uma maior abrangência impactual nas concepções dos seus visualizadores, tal como o é a permanência de rígidos papeis de género para os membros da família. Apesar da evolução na luta de género, os filmes e programas televisivos infantis ainda se assentam na mesma noção de que a mulher deve ser submissa e inteiramente dedicada à tarefa de ter e conservar filhos, tornando o parto no evento máximo da sua existência, enquanto o homem é independente e emocionalmente desligado, numa posição de superioridade que lhe permite estabelecer regras e desenvolver a sua própria identidade a autonomia.
É de irrefutável importância que as tais expectativas sejam colocadas sobre escrutínio intensivo, de modo a que novas propostas possam tomar o seu lugar. É necessário consertar estas noções toxicas, e substituí-las por novas concepções mais flexíveis, que permitam ao individuo traçar a sua própria representação de si, independente de normas convencionadas para o género, através de reforçada diversidade nas figurações presentes na cultura.
Referências
AA. VV. (2012) A Comparative Study of Gender Roles in Animated Films [Consult. 2015-01-04] Disponível em:
AA. VV. (2010) Gender Roles in Disney Animation [Consult. 2015-01-04] Disponível em:
AA. VV. (2003) Images of Couples and Families in Disney Feature-Length Animated Films [Consult. 2015-01-04] Disponível em:
Sims, A. (2010) Representations of Gender in Disney Full-Length Animated Features Over Time [Consult. 2015-01-02] Disponível em:
Sundqvist, K. (2005) Gender Specific Language in Animated Movies [Consult. 2015-01-02] Disponível em:


VV. AA. (2003)
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