Igor Koermandy pereira - Análise: acalanto do seringueiro

July 28, 2017 | Autor: Igor Pereira | Categoria: Discourse Analysis, Literature, Poetry
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Descrição do Produto

Avaliação de Inttrodução aos Estudos Literários
Profª: Ana Paula Pacheco
Aluno: Igor Koermandy pereira
Análise de poema


Brevíssimo contexto histórico

Na década de 20, a industrialização ganha novo impulso, São Paulo cresce
(em 1920, São Paulo tinha 580 mil habitantes) e o café sofre mais uma
grande crise. No entanto, a elite paulistana, num clima de incertezas, mas
de muito otimismo. Em 1922, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Luís
Aranha, Di Cavalcanti, Paulo Prado, Victor Brecheret, Anita Malfatti entre
outros intelectuais e artistas, iniciam um movimento cultural que
assimilava as técnicas artísticas modernas internacionais, apresentado na
célebre Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal.
Em 1924 Blaise Cendrars, escritor suíço, visita o Brasil e viaja com os
modernistas de São Paulo às cidades históricas mineiras. Oswald de Andrade
lança o Manifesto da Poesia Pau-Brasil defendendo a simplicidade, o
primitivismo e um nacionalismo autêntico.

Em 1925 é escrito "Dois poemas acreanos" composto por "Descobrimento" e
"Acalanto do Seringueiro"
Em 27 é publicado o livro "Clã do Jabuti"



Acalanto do Seringueiro
_
Seringueiro brasileiro,
Na escureza da floresta
Seringueiro, dorme.
Ponteando o amor eu forcejo
Pra cantar uma cantiga
Que faça você dormir.
Que dificuldade enorme!
Quero cantar e não posso,
Quero sentir e não sinto
A palavra brasileira
Que faça você dormir...
Seringueiro, dorme...
_
Como será a escureza
Desse mato-virgem do Acre?
Como serão os aromas
A macieza ou a aspereza
Desse chão que é também meu?
Que miséria! Eu não escuto
A nota do uirapuru!...
Tenho de ver por tabela,
Sentir pelo que me contam,
Você, seringueiro do Acre,
Brasileiro que nem eu.
Na escureza da floresta
Seringueiro, dorme.
_
Seringueiro, seringueiro,
Queira enxergar você...
Apalpar você dormindo,
Mansamente, não se assuste,
Afastando esse cabelo
Que escorreu na sua testa.
Alguma coisas eu sei...
Troncudo você não é.
Baixinho, desmerecido,
Pálido, Nossa Senhora!
Parece que nem tem sangue.
Porém cabra resistente
Está ali. Sei que não é
Bonito nem elegante...
Macambúzio, pouca fala,.
Não boxa, não veste roupa
De palm-beach... Enfim não faz
Um desperdício de coisas
Que dão conforto e alegria.
_
Mas porém é brasileiro,
Brasileiro que nem eu...
Fomos nós dois que botamos
Pra fora Pedro II...
Somos nós dois que devemos
Até os olhos da cara
Pra esses banqueiros de Londres...
Trabalhar nós trabalhamos
Porém pra comprar as pérolas
Do pescocinho da moça
Do deputado Fulano.
Companheiro, dorme!
Porém nunca nos olhamos
Nem ouvimos e nem nunca
Nos ouviremos jamais...
Não sabemos nada um do outro,
Não nos veremos jamais!
_
Seringueiro, eu não sei nada!
E no entanto estou rodeado
Dum despotismo de livros,
Estes mumbavas que vivem
Chupitando vagarentos
O meu dinheiro o meu sangue
E não dão gosto de amor...
Me sinto bem solitário
No mutirão de sabença
Da minha casa, amolado
Por tantos livros geniais,
"Sagrados" como se diz...
E não sinto os meus patrícios!
E não sinto os meus gaúchos!
Seringueiro dorme ...
E não sinto os seringueiros
Que amo de amor infeliz...
_
Nem você pode pensar
Que algum outro brasileiro
Que seja poeta no sul
Ande se preocupando
Com o seringueiro dormindo,
Desejando pro que dorme
O bem da felicidade...
Essas coisas pra você
Devem ser indiferentes,
Duma diferença enorme...
Porém eu sou seu amigo
E quero ver si consigo
Não passar na sua vida
Numa indiferença enorme.
Meu desejo e pensamento
(...numa indiferença enorme...)
Ronda sob as seringueiras
(...numa indiferença enorme...)
Num amor-de-amigo enorme...
_
Seringueiro, dorme!
Num amor-de-amigo enorme
Brasileiro, dorme!
Brasileiro, dorme.
Num amor-de-amigo enorme
Brasileiro, dorme.
_
Brasileiro, dorme,
Brasileiro... dorme...
_
Brasileiro... dorme...



Análise

Acalanto é descrito no dicionário como acalento, cantiga de ninar, afago, o
que traz certa ternura ao poema dirigida à imagem do seringueiro.

Seringueiro brasileiro,
Na escureza da floresta
Seringueiro, dorme.

Os três primeiros versos da primeira estrofe indicam importantes
características do poema como um todo, a redondilha maior, a pausa na 3ª
sílaba e o 3º verso, com o qual é feita recorrência ao longo do poema. A
rima e aliteração no r uvular mostram como a figura do seringueiro é
diretamente ligada com a de um brasileiro; como se quase formassem uma
única palavra. O ritmo manso da redondilha 3,7 dá a idéia de um ambiente
ameno e calmo da floresta que facilmente remete às cantigas de ninar, a
palavra "escureza" ao invés da mais comum escuridão é uma prova dessa
preocupação com esse ritmo e essa ambientação do início do poema.

Ponteando o amor eu forcejo u—/ u-/ uu-
Pra cantar uma cantiga
Que faça você dormir. u—/ uu-/ u-

Nesses três versos o eu lírico se manifesta em sua vontade de cantar essa
cantiga de ninar causada por um sentimento, uma preocupação pelo
seringueiro que tem uma pontinha de amor. No entanto o ritmo é quebrado com
pausas nas segundas sílabas dos versos 4 e 6.

Que dificuldade enorme! —u/uu-/ u—
Quero cantar e não posso, —u/ u-/ uu—
Quero sentir e não sinto —u/ u-/ uu—
A palavra brasileira uu—/u-/ u—
Que faça você dormir... u—/ uu-/ u—
Seringueiro, dorme... uu—/u-


Agora nos seis próximos versos, até o fim da estrofe, a idéia de esforço
pra se cantar o acalanto se reforça explicitamente (dificuldade enorme) o
ritmo vem com pausa na primeira sílaba nos versos 7,8 e 9, primeira sílaba
marcada pelo som oclusivo da letra q que parece mostrar esse impedimento,
essa dificuldade de cantar e de sentir essa palavra brasileira. O verso 10
reforça a idéia de verbalização pela repetição do a aberto e de consoantes
bilabiais e labiodentais por articular bem a boca, depois finalizando a
estrofe com recorrência dos versos 3 e 6 reafirmando o desejo do eu lírico
e a imagem do seringueiro que dorme.

Como será a escureza
Desse mato-virgem do Acre?

Os dois primeiros versos da segunda estrofe espõe a dúvida, o
questionamento a respeito de como seria esse mato virgem, inalcançável,
quase intocado, do Acre e revela ao longo da estrofe seu total
desconhecimento do que seria, fazendo referência ao cinco sentidos:

Como serão os aromas 1
A macieza ou a aspereza 2
Desse chão que é também meu?
Que miséria! Eu não escuto 3
A nota do uirapuru!...
Tenho de ver por tabela, 4
Sentir pelo que me contam, 5
Você, seringueiro do Acre,
Brasileiro que nem eu.
Na escureza da floresta
Seringueiro, dorme.


Afirma que nenhum de seus sentidos lhe deu um vislumbre do que é a floresta
do seringueiro e no entanto, afirma serem eles semelhantes, afirma ser
brasileiro que nem ele. A estrofe se fecha com a recorrência ao início do
poema, a escureza agora com um ar que puxa mais para o desconhecido que pro
mal iluminado, dando a impressão de que talvez esse "seringueiro, dorme"
poça ser mais do que simplesmente parte de uma cantiga de ninar.
A segunda estrofe tem uma disposição que quebra, ou pelo menos possibilita
a quebra do verso septassílabo e sua regularidade.

"Co/mo/ se/rá_a_es/cu/re(za) "Co/mo/ se/rá/ a_es/cu/re(za) "
"6 "De/sse/ ma/to/-vir/gem/ "
"Des/se/ ma/to/-vir/gem/ do/ A(cre)"do_A(cre)? "
"8 "Co/mo/ se/rão/ os/ a/ro(mas) "
"Co/mo/ se/rão_os/ a/ro(mas) "A/ ma/cie/za_ou/ a_as/pe/re(za) "
"6 " "
"A/ ma/ci/e/za_ou/ a_as/pe/re(za) " "
"8 " "


Parecem-me plausíveis as duas análises, mas prefiro me firmar na segunda,
considerando a regularidade da primeira estrofe.

Seringueiro, seringueiro, uu—/ u-/ u—
Queira enxergar você... u—/ uu-/ u—
Apalpar você dormindo, uu—/ u-/ u—
Mansamente, não se assuste, uu—/ u-/ u—
Afastando esse cabelo uu—/ u-/ u—
Que escorreu na sua testa. uu—/ u-/ u—

Nestes seis versos que iniciam a 3ª estrofe há novamente o ritmo brando do
início do poema quanto o eu lírico manifesta seu desejo de apalpar
mansamente o seringueiro que dorme, existe um impacto pela aclusividade de
"apalpar", que o poeta abranda logo com o verso seguinte que combina a
repetição das alveolares s e n abrandando as oclusivas e a quebra de ritmo
do 2º verso da estrofe.

Alguma coisas eu sei...
Troncudo você não é.
Baixinho, desmerecido,
Pálido, Nossa Senhora!
Parece que nem tem sangue.

O eu lírico que parecia não saber nada quebra um pouco essa sua imagem e
fala de algumas coisas, poucas coisas, que sabe do seringueiro.
Primeiramente uma imagem um tanto negativa de um homem magro, baixo,
injustiçado e muito pálido.


Porém cabra resistente
Está ali. Sei que não é
Bonito nem elegante...
Macambúzio, pouca fala,
Não boxa, não veste roupa
De palm-beach... Enfim não faz
Um desperdício de coisas
Que dão conforto e alegria.

Agora completando a imagem do seringueiro se fora mais positiva o eu lírico
o espõe como alguém resistente, simples e macambúzio que não perde tempo
com futilidades, futilidades, porém, que dão conforto e alegria.
Isso me induz a um questionamento social. O verso que diz "Porém cabra
resistente" que aparece no meio da descrição desse seringueiro gera um ar
mais positivo a descrição que parece ser quebrado pelo último verso que se
liga pelo fricativo ao anti-penúltimo: enfim não faz... conforto e alegria.

Mas porém é brasileiro,
Brasileiro que nem eu...

Nesses dois versos que iniciam a 4ª estrofe, o eu lírico desconstrói um
pouco a descrição feita logo acima (e isso se evidencia pelo uso de duas
conjunções adversativas seguidas) e apresenta o seringueiro novamente como
um brasileiro e brasileiro como algo bom, bom também pelo fato de ser algo
que liga o eu lírico ao seringueiro.

Depois apresentar o seringueiro como brasileiro ele apresenta a quê implica
ser brasileiro, com um ritmo bem marcado e um paralelismo nos quatro
primeiros versos:

Fomos nós dois que botamos -u/ u—/ uu-
Pra fora Pedro II... u—/ u-/ uu-
Somos nós dois que devemos -u/ u—/ uu-
Até os olhos da cara u—/ u-/ uu-

Troqueu-jambo-anapesto, jambo-jambo-anapesto. No primeiro par se indicando
uma consequência boa e no segundo uma ruim, que os dois compartilham.
Voltando depois a atenção mais para os acontecimentos e não tanto para os
dois brasileiros.

Pra esses banqueiros de Londres...
Trabalhar nós trabalhamos
Porém pra comprar as pérolas
Do pescocinho da moça
Do deputado Fulano.

O eu lírico apresenta aqui essa repetição de tr oclusiva e vibrante, que
parece indicar que esse trabalho não é algo fácil e rápido, há certa
dificuldade expressa e que, no entanto, não traz resultados, apenas compra
pérolas para a moça e pro deputado.

Companheiro, dorme!
Porém nunca nos olhamos
Nem ouvimos e nem nunca
Nos ouviremos jamais...
Não sabemos nada um do outro,
Não nos veremos jamais!

Devido às semelhanças apresentadas pelo eu lírico na recorrência ele
reafirma o que estava sendo dito na 4ª estrofe trocando seringueiro por
companheiro, e apresenta a imagem do seringueiro agora com certa
indignação, de maneira que parece ser um mistério como o seringueiro
consegue dormir apesar de tudo. Companheiro, contudo companheiro distante,
desconhecido. Desconhecido a tal ponto que por um instante parece que esse
trecho tira todo sentido da cantiga, de maneira que até se quebra o metro
da redondilha:

Não/sa/be/mos/na/da_ um/do/ou(tro) 8
Não/nos/ve/re/mos/ja/mais 7


Seringueiro, eu não sei nada!
E, no entanto, estou rodeado
Dum despotismo de livros,

Para o eu lírico neste momento, não saber sobre o seringueiro é não saber
nada, e por isso os livros que o rodeiam só o oprimem.

Estes mumbavas que vivem
Chupitando vagarentos
O meu dinheiro o meu sangue
E não são gosto de amor...
Me sinto bem solitário
No mutirão de sabença
Da minha casa, amolado
Por tantos livros geniais,
"Sagrados" como se diz...
E não sinto os meus patrícios!
E não sinto os meus gaúchos!
Seringueiro dorme ...
E não sinto os seringueiros
Que amo de amor infeliz...

Os livros, mumbavas, parasitas, chupam seu sangue, dinheiro e ainda deixam
gosto ruim, um gosto que não é de amor. O eu lírico personifica os livros,
que realizam um mutirão da sabença, amolam o poeta e deixam nele a
expectativa de acabar com a solidão, que não conseguem suprir, embora sejam
geniais ou sagrados. O poeta justifica o sentimento de solidão pela
ausência dos sentimentos que a suprimem, da presença dos gaúchos, dos
patrícios e principalmente dos seringueiros distantes que proporcionam um
amor infeliz. Esta estrofe tem diversas marcas de sonoridade marcantes,
como a forte repetição da sibilante s nos últimos versos, que me parecem
não terem individualmente apoio semântico para reforçar ou trazer um
significado; fala sobre a ausência de sabedoria, ausência de sentimentos,
ausência de amor, dinheiro sangue; por isso a meu ver essas ausências de
apoio semântico reforçam a idéia de ausência que é explicitada no poema.

Nem você pode pensar
Que algum outro brasileiro
Que seja poeta no sul
Ande se preocupando
Com o seringueiro dormindo,
Desejando pro que dorme
O bem da felicidade...
Essas coisas pra você
Devem ser indiferentes,
Duma diferença enorme...

O eu lírico reconhece a estranheza de sua própria preocupação e percebe que
mesmo o seringueiro não imagina que um outro brasileiro (como o
seringueiro) poeta no sul se preocupe com ele dormindo e lhe deseje
felicidade, apesar de o seu ato ser algo muito diferente, que ninguém
faria, para o seringueiro que nem imagina o que acontece isso é
indiferente.

Porém eu sou seu amigo
E quero ver si consigo
Não passar na sua vida
Numa indiferença enorme.

Aqui o eu lírico apesar da indiferença, da distância, do desconhecimento,
se anuncia como amigo do seringueiro e usa uma ambiguidade, que pode passar
em branco para um leitor ou ouvinte desatento, em "si" e "consigo", que são
pronomes pessoais do caso obliquo em terceira pessoa e pode ser confundidos
com (ou interpretados como) uma conjunção condicional (se) e com a terceira
pessoa do verbo conseguir no presente, alterando o sentido. De maneira que
enquanto há a impressão de que o eu lírico quer tentar não ser indiferente
em relação a vida do seringueiro de um lado, do outro o eu lírico quer ver
o próprio seringueiro não sendo indiferente em relação á sua própria
posição social, onde ninguém se importa com ele.

Meu desejo e pensamento
(...numa indiferença enorme...)
Ronda sob as seringueiras
(...numa indiferença enorme...)
Num amor-de-amigo enorme...

Seringueiro, dorme!
Num amor-de-amigo enorme
Brasileiro, dorme!
Brasileiro, dorme.
Num amor-de-amigo enorme
Brasileiro, dorme.

Brasileiro, dorme,
Brasileiro... dorme...

Com a conclusão do pensamento do eu lírico poeta, e seus desejos de amigo
enorme de ver o seringueiro bem consigo mesmo o ritmo volta a ser regular
com pausa na terceira sílaba trazendo de volta aquele ar calmo e ameno de
outras partes do poema e desta vez com uma impressão entorpecente de sono,
causada pela repetição das rimas ricas. O brasileiro citado deixa de ser o
seringueiro e se torna o próprio poeta que cai no sono.
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