Igualdade de Direitos entre Mulheres e Homens

July 6, 2017 | Autor: Fabiola Fanti | Categoria: Law, Gender Studies
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Série Pensando o Direito Nº 11/2009 – versão integral

Igualdade de Direitos entre Mulheres e Homens Convocação 02/2008

Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (NDD/CEBRAP) Coordenação Acadêmica Marcos Nobre

Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Edifício Sede – 4º andar, sala 434 CEP: 70064-900 – Brasília – DF www.mj.gov.br/sal e-mail: [email protected]

CARTA DE APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL A Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) tem por objetivo institucional a preservação da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais. Anualmente são produzidos mais de 500 pareceres sobre os mais diversos temas jurídicos, que instruem a elaboração de novos textos normativos, a posição do governo no Congresso, bem como a sanção ou veto presidencial. Em função da abrangência e complexidade dos temas analisados, a SAL formalizou, em maio de 2007, um acordo de colaboração técnico-internacional (BRA/07/004) com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que resultou na estruturação do Projeto Pensando o Direito. Em princípio os objetivos do Projeto Pensando o Direito eram a qualificação técnicojurídica do trabalho desenvolvido pela SAL na análise e elaboração de propostas legislativas e a aproximação e o fortalecimento do diálogo da Secretaria com a academia, mediante o estabelecimento de canais perenes de comunicação e colaboração mútua com inúmeras instituições de ensino públicas e privadas para a realização de pesquisas em diversas áreas temáticas. Todavia, o que inicialmente representou um esforço institucional para qualificar o trabalho da Secretaria, acabou se tornando um instrumento de modificação da visão sobre o papel da academia no processo democrático brasileiro. Tradicionalmente, a pesquisa jurídica no Brasil dedica-se ao estudo do direito positivo, declinando da análise do processo legislativo. Os artigos, pesquisas e livros publicados na área do direito costumam olhar para a lei como algo pronto, dado, desconsiderando o seu processo de formação. Essa cultura demonstra uma falta de reconhecimento do Parlamento como instância legítima para o debate jurídico e transfere para o momento no qual a norma é analisada pelo Judiciário todo o debate público sobre a formação legislativa. Desse modo, além de promover a execução de pesquisas nos mais variados temas, o principal papel hoje do Projeto Pensando o Direito é incentivar a academia a olhar para o processo legislativo, considerá-lo um objeto de estudo importante, de modo a produzir conhecimento que pos sa ser usado para influenciar as decisões do Congresso, democratizando por conseqüência o debate feito no parlamento brasileiro. Este caderno integra o conjunto de publicações da Série Projeto Pensando o Direito e apresenta a versão na íntegra da pesquisa denominada Igualdade de Direitos entre Mulheres e Homens, conduzida pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Dessa forma, a SAL cumpre seu dever de compartilhar com a sociedade brasileira os resultados das pesquisas produzidas pelas instituições parceiras do Projeto Pensando o Direito. Pedro Vieira Abramovay Secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça

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CARTA DE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA A pesquisa sobre o Direito no Brasil raramente o aborda como objeto de disputa entre as forças sociais a partir de sua racionalidade interna. Quais são as categorias utilizadas pela regulação? Como elas são definidas pelas leis e modificadas no momento de aplicação? Qual o papel da jurisprudência na definição do sentido do direito? Como a sociedade pode tomar parte neste processo de definição deliberativa de sentido? Foi para colocar este tipo de questão que o Núcleo Direito e Democracia do CEBRAP (NDD) tem desenvolvido suas pesquisas no campo do Direito. Esta pesquisa, desenvolvida no contexto do projeto “Pensando o Direito”, levado adiante pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL) em parceria com o PNUD, procurou tocar em todas estas questões no que diz respeito à regulação dos direitos da mulher, especialmente no campo trabalhista e das cotas políticas. O trabalho foi desenvolvido por uma equipe interdisciplinar de pesquisadores em Direito e Filosofia, que se propôs a realizar uma pesquisa útil aos gestores públicos e operadores do direito, mas sem perder o viés crítico. Para o NDD, o debate teórico e normativo sobre os valores e categorias que orientam o pensamento sobre a sociedade deve ser feito em relação estreita com a pesquisa empírica. A teoria deve reconstruir abstratamente os dados obtidos por meio de pesquisas, afastando-se da tentação de deduzir os rumos da sociedade de princípios construídos em apartado da realidade social. Por isso mesmo, esta iniciativa da SAL é tão importante para o desenvolvimento da pesquisa em Direito e para as atividades do NDD. Como dissemos acima, a pesquisa em Direito no Brasil, tradicionalmente, não tem se preocupado com os problemas que tratados neste relatório. O pensamento crítico no Brasil, de sua parte, tem carecido de um diálogo mais estreito com a empiria, seja por desinteresse puro e simples, seja pelo efeito da excessiva especialização dos pesquisadores em ciências humanas. Com esta pesquisa, o NDD procura dar sua contribuição para que este quadro seja modificado. Percebe-se claramente, portanto, porque a continuidade e a ampliação de iniciativas como esta, da SAL e do PNUD, são estratégicas para disseminar uma nova cultura de pesquisa em Direito e, no que diz respeito especificamente à pauta do NDD, para ajudar a consolidar uma vertente do pensamento crítico que opera em outra chave. Esperamos que o projeto se fortaleça e sirva de inspiração para novas iniciativas, nascidas de outros órgãos do estado, em nível federal, estadual e municipal.

Marcos Nobre Coordenador Acadêmico

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Ministério da Justiça Secretaria de Assuntos Legislativos – SAL Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD

Projeto BRA/07/004 Democratizando Informações no Processo de Elaboração Normativa “Projeto Pensando o Direito”

Projeto de pesquisa: “Mulheres e Políticas de Reconhecimento no Brasil” Instituição proponente: Núcleo Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (NDD/CEBRAP)

RELATÓRIO FINAL Equipe de pesquisa Marcos Nobre (Coordenação) José Rodrigo Rodriguez (Coordenação) Maria Filomena Gregori (Consultoria) Marta Rodriguez de Assis Machado Geraldo Miniuci Felipe Gonçalves Nathalie Bressiani Evorah Lusci Costa Cardoso Fabiola Fanti Ana Carolina Alfinito Vieira Carolina Cutrupi Ferreira Luciana Silva Reis Marina Zanatta Ganzarolli Mariana Giorgetti Valente

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1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa trata das relações entre a política de reconhecimento das mulheres e o Direito e se desenvolveu em três frentes: uma análise do trabalho legislativo; uma análise de casos levados ao Judiciário e uma discussão de direito comparado. Este exame parte da indagação sobre a conveniência ou não em se criar um diploma legislativo para unificar as normas relativas à discriminação à mulher dos mais diversos assuntos, tal como foi criado recentemente na Espanha. As três partes da pesquisa estão diretamente relacionadas. Os dois primeiros eixos têm como objetivo central identificar as categorias utilizadas pelo direito brasileiro para regular os direitos das mulheres. Tais categorias delimitam um universo de sentido para a regulação, ou seja, dão determinado tratamento (penal, civil, etc.) para as demandas sociais. Estes vários regimes regulatórios implicam maneiras diferentes de formular os direitos das mulheres, atribuir-lhes conseqüências jurídicas e definir os responsáveis por sua efetivação. A definição das categorias não é imutável: trata-se de um processo de disputa política e interpretativa que tem como arenas principais o Legislativo e o Judiciário, daí a importância atribuída a essas duas instâncias nesta pesquisa. Tais categorias podem ser criadas e recriadas tanto pelo legislativo, como também, no momento de sua aplicação, pelo Poder Judiciário. Faz muito tempo que a visão sobre a aplicação do direito vê o juiz como constitutiva de sentido (KELSEN, 1976; DWORKIN, 1986) e não como mera reprodução das leis. Desse modo, disputar o sentido dessas categorias, tendo em vista interesses sociais quaisquer, implica criticá-las, seja à luz de determinadas demandas sociais, do aprofundamento da democracia ou de qualquer outro ponto de vista. Já o terceiro eixo permite ampliar a análise e a discussão desses processos, a partir de experiências de outros países. Os resultados apresentados neste relatório pretendem facilitar essa crítica, tendo em vista o aprimoramento da regulação brasileira. Em uma palavra, procuramos identificar aqui as principais categorias utilizadas para regular o direto das mulheres nos campos citados, com o fim de preparar o terreno para sua crítica. Como será visto a seguir, realizamos esta tarefa nos seguintes âmbitos:

i. No âmbito do poder legislativo: 1. Mapeamento e sistematização da legislação existente e de propostas legislativas que trazem políticas de reconhecimento com viés de gênero; para tanto recorremos a bancos, compilações e informações legislativas de entidades governamentais e não governamentais.

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2. Criação de banco de dados (tabela Excel) a partir das informações obtidas pela pesquisa legislativa, com o desenvolvimento de uma metodologia de classificação das leis e projetos de lei encontrados; 3. Construção de um software sistema (SISGÊNERO) com recursos de consulta dinâmica simplificada e cruzamentos de categorias, que permite apresentar de forma sistemática a legislação e atividade legislativa pesquisada.

ii. No âmbito do poder judiciário: 1. Compilação e classificação de casos julgados em matéria de cotas políticas e discriminação no trabalho pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Tribunal Superior do Trabalho

iii. No âmbito da legislação comparada: 1. Descrição de institutos de ordenamentos jurídicos em que houve uma maior positivação de instrumentos de proteção aos direitos da mulher; 2. Discussão de alguns paradigmas regulatórios, a fim de fornecer subsídios para a reforma legislativa no Brasil.

Os elementos apresentados a partir desses três eixos permitem melhor compreender a regulação existente e seu funcionamento e contribuem para um debate crítico sobre o possível aperfeiçoamento da regulação brasileira dos direitos das mulheres. Passamos a seguir a apresentar os resultados das pesquisas legislativa, jurisprudencial e de direito comparado, sempre seguindo a seguinte estrutura: a) Descrição da metodologia e das categorias utilizadas; b) Apresentação dos principais resultados quantitativos obtidos; c) Análise das características do regime de regulação a partir das categorias estudadas em cada âmbito da pesquisa. Note-se que no âmbito da pesquisa legislativa, o resultado principal foi a construção de um banco de dados organizado de forma inovadora, que poderá ser consultado livremente na Internet. Trata-se do SISGÊNERO (Consulta integrada da atividade legislativa brasileira sobre gênero) que será apresentado na primeira parte deste relatório.

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2. PESQUISA LEGISLATIVA 2.1 Metodologia 2.1.1 Coleta de material e delimitação do banco de dados O banco de dados legislativos desta pesquisa foi construído a partir do banco de leis elaborado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), informações legislativas prestadas pelo Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados (CEDI) e propostas legislativas encaminhadas pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ). Todos esses bancos e informantes acumularam informações relevantes para o tema que estudamos, mas sem organizar vias de acesso que permitissem obter informações relevantes para a reflexão sobre a produção legislativa brasileira. Estas compilações de dados foram reorganizadas pela metodologia que detalharemos adiante. Antes disso, faremos algumas considerações sobre as informações que coletamos inicialmente. Nossa primeira fonte foi o banco de dados do CFEMEA, uma organização nãogovernamental, sem fins lucrativos, que trabalha pela cidadania das mulheres e pela igualdade de gênero, e tem como um de seus objetivos promover a presença das mulheres e as pautas feministas nos espaços e processos de participação e de representação política. Esta entidade, fundada em julho de 1989 por um grupo de mulheres feministas de Brasília, assumiu a luta pela regulamentação de novos direitos conquistados na Constituição Federal de 19881. O CFEMEA possui ampla experiência no acompanhamento das atividades do Poder Legislativo e dos direitos das mulheres, e seu trabalho está disponível na internet2, onde obtivemos as informações utilizadas em nossa pesquisa. Foram coletadas por esta fonte 216 leis3, que compreendem o período entre 1888 e 2006 (até maio).

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Mais informações disponíveis em: http://www.cfemea.org.br/quemsomos/apresentacao.asp. Banco de leis: http://www.cfemea.org.br/normasjuridicas/leis.asp. Outras formas de acompanhamento legislativo do CFEMEA, como constituições, decretos, instruções normativas, portarias, tratados internacionais e proposições legislativas tramitando no Congresso não compõem o banco de dados elaborado pela presente pesquisa. 3 O banco de leis do CFEMEA tem 216 leis, que após análise foram reduzidas a 204. Alguns números ou ano das leis eram incorretos. 2

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Banco de leis do CFEMEA

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5 20 0

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19 9

19 9

19 9

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19 7

19 7

19 7

19 6

19 5

19 8

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55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

Leis Figura 1: Banco de leis do CFEMEA

Considerações sobre o banco de leis do CFEMEA: O banco de leis apresenta um aumento significativo no número de leis em dois momentos: o primeiro de dez anos (entre 1990 e 2000), com uma média de 7,5 leis/ano, e o segundo de cinco anos (entre 2001 e 2005), com uma média de 18 leis/ano. Todavia, nem todas as leis que compõem o banco do CFEMEA dizem respeito diretamente a questões de gênero4. No primeiro período foram 81 leis, sendo 25 com proteções ou tratamentos diferenciados à mulher. No segundo período, foram 86 leis, sendo 15 com proteções ou tratamentos diferenciados à mulher. É possível que tais leis tenham sido inseridas no banco por conta da transversalidade de gênero ou da solidariedade entre movimentos sociais no reconhecimento de direitos: ambos aproximariam a pauta da instituição às demandas de outros grupos (negros, indígenas, pessoas portadoras de deficiência, etc.). Sendo assim, é possível que a primeira onda de positivação esteja também relacionada aos reflexos da mobilização de atores sociais em torno da Constituição de 1988 ou da necessidade de regulamentação de dispositivos constitucionais. O site do CFEMEA disponibiliza ainda projetos de lei. Em entrevista com o responsável pela atualização das propostas legislativas5, foi possível saber que a instituição acompanha semanalmente todas as propostas apresentadas no Congresso Nacional, selecionando aquelas que são do interesse da instituição. O acompanhamento é feito a partir do sistema de busca do site da Câmara dos Deputados. As propostas são selecionadas e discutidas entre os membros 4

Por exemplo, Lei 8.160 de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a caracterização de símbolo que permita a identificação de pessoas portadoras de deficiência auditiva. 5 A entrevista foi realizada com Juliano, no dia 21/11/2008, na sede do CFEMEA, em Brasília.

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para que a instituição construa o seu plano de ação e acompanhamento das iniciativas. São no total 458 propostas, atualizadas até 2008. O sistema de busca não permite a identificação das propostas por ano de apresentação, para que se possa dizer qual é o marco inicial do período compreendido pelo banco. Outra fonte utilizada nesta pesquisa foi o CEDI, órgão da Câmara dos Deputados responsável por prestar informações legislativas ao público6. Por meio das informações prestadas pelo CEDI, tivemos acesso à publicação da Câmara dos Deputados, Legislação da mulher (2007)7, à atualização das leis não incluídas no livro e a propostas legislativas. Foram coletadas por esta fonte 35 leis, no período entre 1972 e 2007, e 169 proposições legislativas, entre 1989 e 2008.

Compilação de leis da Câmara dos Deputados

197 2 197 3 197 4 197 5 197 7 198 0 198 4 198 5 198 9 199 0 199 1 199 3 199 4 199 5 199 6 199 8 200 0 200 2 200 3 200 4 200 5 200 5 200 6 200 7

55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

Leis Figura 2: Compilação de leis da Câmara dos Deputados

Considerações sobre a compilação de leis da Câmara dos Deputados: O propósito da compilação de leis pelo CEDI parece ter sido ilustrativo/exemplificativo da legislação da mulher em cada ano. Ou seja, não procura ser exaustiva, de modo que não se pode traçar, a

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As informações legislativas foram obtidas por meio de consulta por email a [email protected], nos dias 10/12/2008 (leis) e 16/12/2008 (propostas legislativas). O órgão correspondente de prestação de informações legislativas do Senado Federal não foi encontrado. Outras proposições legislativas provenientes desta casa poderão complementar o atual banco de dados da presente pesquisa. 7 A publicação compila trechos da Constituição, de leis, decretos lei, decretos legislativos, resoluções, decretos. Para fins do presente banco de pesquisa, foram incorporadas apenas as leis. Câmara dos Deputados, Legislação da mulher, Brasília, 2007, 371 p. (Série fontes de referência. Legislação. N. 60). Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/edicoes/elivros.html/Legislacao_mulher.pdf.

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partir da compilação, um perfil da legislação. Das 35 leis, 23 apresentam proteção ou tratamento especial para a mulher, mas todas as leis dizem respeito diretamente a questões de gênero.

Proposições legislativas da Câmara dos Deputados

19 89 19 91 19 92 19 93 19 95 19 96 19 97 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08

55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0

Proposições legislativas

Figura 3: Proposições legislativas da Câmara dos Deputados

Considerações sobre a compilação de proposições legislativas da Câmara dos Deputados: É expressivo o pico de tematização de proposições relativas a mulheres em 2007 e 2008 (com uma média de 32/ano). Das 169 proposições legislativas informadas pelo CEDI, 122 apresentam proteção ou tratamento especial para a mulher e, se destacarmos os anos de pico de proposição (2007-2008), todas as 63 proposições do período apresentam proteção ou tratamento especial para a mulher. Nossa terceira fonte de informações foi a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL/MJ), que selecionou e encaminhou proposições legislativas para a equipe de pesquisa. Foram coletadas por esta fonte de pesquisa 100 proposições, sendo 76 proposições novas (não constavam nas informações prestadas pelo CEDI da Câmara dos Deputados), no período entre 1990 e 2008. Em entrevista com o responsável pela seleção das proposições legislativas8, foi possível descobrir que as proposições foram selecionadas a partir do sistema de busca por proposições legislativas do site da Câmara dos Deputados, com termos livremente escolhidos por ele.

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Entrevista realizada em 21.11.2008 com Humberto Caetano De Sousa.

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Proposições legislativas da SAL/MJ 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 90 991 992 995 996 999 000 001 002 003 004 005 006 007 008 2 2 2 2 2 2 1 2 1 2 19 1 1 2 1

Proposições legislativas Figura 4: Proposições legislativas da SAL/MJ

Considerações sobre as proposições legislativas selecionadas pela SAL/MJ: O gráfico das proposições legislativas aponta para uma constante, com algumas variações, entre 2001 e 2008 (média de 10/ano). Em suma, o banco de dados legislativo da presente pesquisa é composto atualmente por 202 leis e 595 proposições legislativas, que podem ser conferidas tanto na tabela Excel©, quanto no programa SISGÊNERO. Considerações sobre o banco legislativo integrado: Em razão do interesse em publicizar o banco de dados legislativos para consulta, elaboramos o SISGÊNERO, mecanismo de consulta integrada à atividade legislativa brasileira sobre gênero. Para fins de análise ilustrativa dos potenciais de utilização do SISGÊNERO como fonte de pesquisa em legislação de gênero, apresentaremos abaixo alguns resultados a partir de dados gerais presentes neste mecanismo, após a descrição de suas características técnicas e metodológicas. É importante ressaltar que o SISGÊNERO reorganizou completamente a forma de acesso e produção de informação de outros bancos de dados existentes, que são inertes e buscam apenas compilar informações sem critérios teoricamente justificados. O resultado da construção de bancos de dados com este perfil é um sub-aproveitamento do material acumulado, pois as vias de acesso para obtenção de informações relevantes não são claras e tampouco resultaram de reflexão teórica. Como veremos, a construção de um novo banco de dados foi fundamental para que se pudesse construir, de fato, uma fonte de informações relevante para a reflexão sobre a produção legislativa brasileira. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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2.1.2. Características técnicas do SISGÊNERO O SISGÊNERO permite realizar consultas às leis e proposições legislativas sobre gênero, conforme critérios definidos. Em primeiro lugar, ele dá acesso às leis e proposições legislativas de 3 formas: 1. Tabela: apresenta uma lista em forma de tabela com dados resumidos das leis e proposições. A tabela terá, quando disponível, um link para a página que exibe a lei/proposição no site do Congresso. 2. Linha do tempo: exibe as leis e proposições dispostas em uma linha do tempo conforme o ano de publicação ou propositura. 3. Ficha Completa: exibe o detalhe da lei ou projeto descrevendo as características, critérios, observações e notas metodológicas.

Para filtrar os dados conforme os critérios, o SISGÊNERO dispõe de uma área com os seletores dispostos em “caixas” que, ao serem clicados, filtram automaticamente o resultado, seja ele visualizado na forma de tabela ou linha do tempo. A seguir, imagens das telas descrevendo as funcionalidades:

Figura 6: Descrição das funcionalidades do SISGÊNERO

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O sistema consiste em uma página em html/javascript com recursos de consulta dinâmica simplificada para que seja apresentada de forma sistemática a legislação e atividade legislativa pesquisada. Esse desenvolvimento foi feito a partir de uma ferramenta chamada Exhibit, recurso open source desenvolvido pelo projeto Simile do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que é de uso gratuito conforme uma licença BSD de distribuição de software. Com isso, a página conterá uma relação de leis e proposições que poderão ser filtrados conforme critérios pré-definidos (ver Anexo 1). Considerando as limitações de tempo e orçamento do projeto, o sistema não contempla alimentação de dados nem controle de acesso através de senhas. Entretanto, foi desenvolvido também um programa open source e de distribuição gratuita que permite converter os dados de uma planilha Excel em um formato (JSON) compatível com o Exhibit. Assim, qualquer atualização futura poderá ser realizada no arquivo Excel fonte e gerado outro Exhibit com a ferramenta desenvolvida. É necessário acesso à internet para que essa página de consulta possa ser utilizada, já que será feito o download dos recursos do Exhibit a partir dos sites do MIT. Essa página foi originalmente concebida para uso interno. No entanto, sua utilização em sites do Ministério da Justiça e/ou do CEBRAP é possível de ser implementada pelos técnicos de cada instituição.

2.1.3. Critérios para a classificação das leis e projetos de lei Como já dissemos acima, um dos objetivos centrais desta pesquisa foi criar um banco de dados útil para reflexão sobre a produção legislativa brasileira sobre gênero. As categorias que orientaram a construção do SISGÊNERO têm como objetivo identificar como a legislação e os projetos de lei sobre direitos da mulher desenham as relações tanto do ponto de vista vertical, o das relações entre sociedade e Estado, quanto do ponto de vista horizontal, o das relações entre cidadãos. O objetivo é conseguir divisar, como será explicado em detalhes abaixo, a estratégia legislativa adotada no que diz respeito à atribuição de poder para efetivar direitos nos diversos campos sociais e em cada setor do direito. Por essa razão, os eixos vertical e horizontal foram pensados em função de diversos assuntos regulados e em função de determinados ambientes sociais visados pela legislação.

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Além disso, nosso objetivo foi descobrir se as leis e projetos de lei criam tratamento diferenciado para a mulher e, se sim, em que termos. O SISGÊNERO é capaz de fornecer dados sobre os diplomas legislativos voltados especificamente para as mulheres, compreender a racionalidade de seu modelo regulatório e verificar, em termos gerais, se a regulação dos direitos da mulher é pensada de maneira diferenciada pelo poder legislativo ou se fica subsumida a diplomas de natureza mais abstrata. Deixemos estes pontos um pouco mais claros. Um exemplo: o legislador pode escolher uma estratégia de criminalização de condutas, que coloca o Executivo no centro da ação de implementação das leis, com o dever de investigar as condutas criminosas e iniciar a ação penal, ao lado do Judiciário, responsável por julgar as causas que lhe sejam apresentadas para impor penas aos infratores. Além disso, o legislador pode realizar este objetivo criando uma lei geral ou uma lei especial, que trate especificamente de crimes que envolvam a condição feminina, por exemplo, criminalizando a violência doméstica. Outra estratégia regulatória possível seria criar comissões, de natureza pública ou privada, responsáveis por tematizar determinados conflitos sobre direitos (em geral ou especificamente da mulher). Essas comissões podem eventualmente ter poder de investigação, delegado pelo Estado, com a finalidade de promover a conciliação ou, por exemplo, a restauração, se estivermos diante de um mecanismo de justiça restaurativa. Identificar a estratégia regulatória utilizada pelo legislador é importante para comparar resultados e pressupostos, com o fim de refletir sobre qual deve ser a estratégia regulatória escolhida em cada campo social e sobre cada assunto. Por exemplo, pode-se perguntar, ainda segundo o exemplo citado acima, se é eficaz e aconselhável criminalizar todos os assuntos e todos os ambientes sociais ou se não há outras alternativas para a regulação de determinados temas. Com, efeito, estratégias regulatórias com as características acima, para que nos atenhamos aos exemplos citados, podem estar relacionadas a assuntos variados e a ambientes sociais variados. Pode-se, por exemplo, escolher criminalizar uma conduta relacionada ao ambiente "família", criando-se um crime contra a "mulher casada" e um modelo de tutela que implica a realização de investigação policial, intervenção do Ministério Público e um processo penal presidido por um juiz penal. Esse não é o único caminho possível. É possível também submeter o mesmo conflito (ou outro, de natureza diversa) a mecanismos de justiça restaurativa ou organismos voltados Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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para a conciliação entre as partes. Claro, estas duas hipóteses construídas em abstrato podem aparecer conjugadas. Uma conduta pode ser classificada como crime e também ser submetida a outras estratégias de tratamento. Em suma, nosso instrumento de análise tem como objetivo identificar estas estratégias regulatórias em função de diversos ambientes sociais, ou seja, como elas pretendem intervir nos conflitos sociais que tratam de questões relacionadas à mulher. É importante ressaltar que nosso material de pesquisa nesta parte do projeto são leis e projetos de lei e, por isso mesmo, somos capazes apenas de visualizar a voz do Legislativo. Para captar todas as dimensões do problema, a legislação vigente e as propostas legislativas foram tabuladas por meio de categorias que expressam os ambientes sociais transformados em objeto de regulação (ou seja, na visão do legislador), bem como as maneiras específicas de implementar a regulação:

(i) Ambiente regulado: (a) cárcere; (b) instituições político-decisórias; (c) instituições de ensino; (d) forças armadas; (e) família (relações de parentesco); (f) meios artístico-culturais; (g) mídia; (h) saúde; (i) ambiente de trabalho; (j) intimidade (sexualidade e reprodução); (k) outros. (ii) Objeto da Proteção: (a) integridade física; (b) integridade moral; (c) igualdade de oportunidades; (d) igualdade de remuneração; (e) igualdade de tratamento; (f) liberdade de iniciativa; (g) liberdade sexual; Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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(h) liberdade de reprodução; (i) cultura, etnia, comunidade; (j) direitos da pessoa humana não especificados; (k) outros. (iii) Conteúdo da Norma: (a) direitos civis; (b) direitos políticos; (c) direitos sociais; (d) criminalização; (e) descriminalização; (f) outros. (iv) Agentes responsáveis pela implementação: (a) Executivo; (b) Judiciário; (c) atribuição de competências normativo-decisórias a instituições nãoestatais; (d) criação de conselhos deliberativos; (e) órgão especificamente criado para fiscalização e implementação; (f) meios específicos de enforcement; (g) outros. (v) Ação requerida para a implementação (a) criação de normas; (b) fiscalização/ investigação; (c) punição; (d) serviços públicos; (e) outros. (vi) Natureza jurídica da regulação (categorias tradicionais): (a) civil; (b) penal; (c) administrativa; (d) trabalhista;

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(e) comercial; (f) previdenciária; (g) tributária; (h) eleitoral; (i) direitos sociais/políticas públicas; (f) outros.

No que se refere ao eixo vertical, a questão central é a porosidade do Estado diante das demandas sociais, a possibilidade e as modalidades de participação dos cidadãos na gestão dos negócios públicos, seja pela criação de organismos específicos, conselhos etc., seja no que se refere ao modelo de regulação utilizado para lidar com determinados conflitos sociais (direito penal, direito civil, direito administrativo etc.), afinal, cada modelo implica na mobilização de alguns órgãos estatais e não de outros e, portanto, desenhará uma certa relação entre cidadãos e Estado. É diferente a maneira pela qual uma questão criminal é processada pelo Estado comparada com uma questão cível ou administrativa. Numa palavra, o que está em questão aqui é pensar se o Estado é institucionalmente mais ou menos centralizado, mais ou menos autárquico, mais ou menos aberto às demandas e à participação social. Neste sentido, pretendemos identificar se a legislação e os projetos de lei apresentados pressupõem o modelo de regulação legalista liberal, ou seja, centrado no Estado e no Poder Judiciário, ou se reconhecem outros instrumentos regulatórios como organismos públicos e privados com competência normativa, conselhos deliberativos ou participativos com ou sem poder de decisão etc. A idéia é identificar se estes projetos propõem um redesenho do Estado para criar locus de deliberação e tomada de decisão diferentes do Parlamento, do Executivo e Judiciário. Tal preocupação liga-se a uma literatura que mostra como o Estado tem desenvolvido estruturas para acolher a sociedade civil em seu interior, estruturas estas que não se enquadram facilmente no modelo tradicional de separação de poderes e colocam em questão o instituto da representação parlamentar tradicional, universal e independente (WERLE; MELO,2007). No campo da teoria política, tem sido desenvolvida toda uma reflexão com o objetivo de liberar a imaginação para se pensar em novas formas institucionais capazes de dar conta dos problemas contemporâneos (COELHO, NOBRE, 2004). Para captarmos essas mudanças institucionais, será analisado em que medida o arcabouço normativo nacional propõe a criação de organismos estatais que não se enquadram Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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no modelo tradicional da separação de poderes ou que procuram a colaboração de organismos privados na regulação, fiscalização e eventual implementação de políticas públicas. Pesquisaremos tal conjunto normativo para identificar se ele prevê a criação de conselhos ou outros organismos deliberativos, com ou sem poder de decisão, e se atribuem competência normativa e/ou decisória a entes não estatais. Quanto ao eixo horizontal o problema é outro. Trata-se de pensar o papel da legislação (e do modelo regulatório escolhido) sobre a relação dos cidadãos entre si. A preocupação aqui é com a extensão da esfera pública e privada, ou seja, para colocar a questão de forma esquemática, quais problemas serão resolvidos diretamente pelos cidadãos e quais problemas serão resolvidos pelos órgãos estatais. A questão central é a atribuição do poder normativo a órgãos privados ou a particulares, ou seja, a possibilidade dos particulares de definirem, eles mesmos, a natureza da regulação de suas relações e os parâmetros que elas deverão seguir. Em suma, trata-se de saber se a sociedade tem maior ou menor poder de se auto-regular, mais ou menos autonomia. Por exemplo, a escolha entre definir legalmente ou não o que seja casamento implica retirar ou atribuir autonomia à sociedade. É diferente a lei atribuir direitos aos casados e definir o que será um casamento ou deixar tal definição a cargo da sociedade, reconhecendo como casados todos aqueles que assim se auto-declararem. Essas duas dimensões da pesquisa estão ligadas aos ambientes regulados. A definição desses ambientes se deu após um exame preliminar de alguns projetos de lei, além do exame da literatura jurídica sobre o assunto. A idéia foi identificar como a legislação figura a sociedade no que diz respeito aos campos de regulação mais específicos. Dessa forma, o cruzamento da análise dos eixos horizontal e vertical permite descobrir, em cada ambiente social selecionado, a estratégia do legislador para definir e tutelar direitos. Pode-se verificar, tomando-se um ambiente social escolhido, se o legislador adota uma estratégia de tutela que coloca o estado e seus organismos como responsável pela implementação da regulação ou se adota uma estratégia que dá poderes aos indivíduos, para que regulem entre si, no plano social. Além disso, pode-se descobrir também quais são os ambientes sociais mais visados pela legislação. Esclarecemos que não seria possível realizar, neste relatório, todos os cruzamentos possíveis entre as categorias criadas, que serviram de organização para o SISGÊNERO. Faremos aqui a apresentação dos principais resultados obtidos no que diz respeito às grandes Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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categorias criadas, utilizando os dados sobre as leis, excluídos os projetos de lei. Ademais, realizaremos alguns cruzamentos entre as categorias para demonstrar as possibilidades heurísticas do programa, que pode servir de base para inúmeras análises sobre o conteúdo da legislação brasileira sobre gênero.

2.2 Apresentação dos principais resultados quantitativos obtidos 2.2.1 Descrição geral dos dados O banco de dados integrado gerado nesta pesquisa alimenta o sistema de busca SISGÊNERO de maneira a possibilitar a consulta da produção legislativa nacional sobre políticas de reconhecimento com viés de gênero. Tal consulta serve não apenas ao conhecimento das cidadãs e dos cidadãos acerca dos direitos que incidem em ambientes sociais e campos jurídicos específicos, como também para a produção de diagnósticos mais amplos acerca dos processos históricos de positivação de tais direitos. Nesse sentido, ela tanto pode ser utilizada como instrumento de pesquisa, como também auxilia no exercício da cidadania. Como já dito anteriormente na nota metodológica referente à pesquisa legislativa, nosso banco de dados unificado foi composto de todas as leis oferecidas pelas fontes consultadas (CFEMEA, CEDI, SAL/MJ). Nesse sentido, praticamente todas as incidências foram consideradas como leis que, de alguma forma, com maior ou menor ênfase, abordam questões de reconhecimento com viés de gênero. Este modo de proceder foi motivado por um desejo de respeitar o critério de seleção dos bancos de dados que nos cabia organizar: nosso pressuposto inicial foi que tudo o que neles constava guardavam alguma relação com o assunto. No entanto, a análise dos textos em detalhe fez com que esse pressuposto fosse relativizado. Encontramos material legislativo que não parecem ter qualquer relação com o tema e, por isso, esse ele foi excluído do banco. Seja como for, grande parte do material analisado não atribui proteções ou tratamentos diferenciados à mulher: são leis gerais que também se aplicam a elas. Por isso, dividimos o banco de dados unificado em dois grandes grupos de leis: aquelas que fazem referência direta à mulher e aquelas que não o fazem (ver Tabela 1, Gráfico 1). Quando não fizermos referência explícita ao tratamento diferenciado à mulher, estaremos levando em consideração o banco de dados em seu todo.

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Ao submetermos o banco de dados a um recorte temporal, verificamos um aumento significativo das questões de reconhecimento com viés de gênero na produção legislativa nacional. Considerando intervalos de tempo de 20 anos, verificamos um salto abrupto das políticas de gênero no último intervalo de tempo (ver Gráfico 2). Enquanto a distribuição de incidências nos períodos anteriores variou de nenhuma a 19 leis, no último período mencionado o número salta para 176 (ver Tabela 2). O mesmo pode ser observado no que se refere particularmente às leis que prevêem tratamento específico às mulheres: em todo o período anterior, que vai de 1888 até 1987, encontramos apenas 12 leis que atribuem proteções e tratamentos diferenciados à mulher; ao passo que após 1988 o número sobe para 44. Esse salto abrupto em ambos os casos encontra-se certamente vinculado à promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual inclui em seu texto a proibição de qualquer forma de discriminação em função de gênero além de outros dispositivos que se referem à igualdade de homens e mulheres perante a lei (Constituição Federal, art. 5º, I; art. 226, § 5º). Após a promulgação da nova Constituição, um número elevado de dispositivos legais foi criado com o objetivo de adequar o sistema de direitos nacional às novas exigências constitucionais. Tabela 1 Atribui proteções ou tratamento diferenciados à mulher?

Total

Porcentagem

Não Sim Total

144 56 200

72,00% 28,00% 100,00%

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Tabela 2 Atribui proteções ou tratamento diferenciados à mulher? (distribuição por intervalo de 20 anos) Intervalo Temporal Não Sim 1888-1907 1 0 1908-1927 00 0 1928-1947 0 0 1948-1967 4 0 1968-1987 7 12 1988-2007 132 44

2.2.2 Ambientes regulados A pesquisa procurou classificar a legislação vigente segundo seus diferentes ambientes regulados. Tais categorias referem-se às esferas sociais cujo funcionamento se torna objeto da regulação jurídico-estatal. A análise isolada da legislação segundo tais categorias permite um mapeamento da distribuição da intervenção jurídico-regulatória e de seu grau de incidência sobre os diferentes âmbitos da vida social. A pesquisa identificou incidências regulatórias significativas nos seguintes ambientes regulados: cárcere; instituições políticas; instituições de ensino; forças armadas; família (relações de parentesco); meios artístico-culturais; negócios privados; saúde; relações de trabalho; intimidade (sexualidade e reprodução); judiciário. O gráfico e a tabela que seguem abaixo mostram a variação de incidência regulatória nos referidos ambientes sociais. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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Tabela 3 Ambientes Regulados Cárcere Instituições Políticas (deliberativas/decisórias) Instituições de Ensino Forças Armadas Família (Relações de Parentesco) Meios Artístico- Culturais Negócios Privados Saúde Relações de Trabalho Intimidade (Sexualidade e Reprodução) Judiciário Outros

Total 11 28 27 9 44 7 49 42 56 32 14 21

Porcentagem 5,50% 14,00% 13,50% 4,50% 22,00% 3,50% 24,50% 21,00% 28,00% 16,00% 7,00% 10,50%

2.2.3 Objeto da proteção A análise do objeto da proteção classifica as leis e projetos de lei segundo as diferentes categorias de bens jurídicos por elas tuteladas. A noção de “bem jurídico”, pois, foi utilizada no seguinte sentido: “interesse social que se pretende assegurar num instituto jurídico particular”. As categorias de bens jurídicos aplicadas na pesquisa, obtidas a partir de leituras Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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exploratórias do material normativo, foram: integridade física; integridade moral; igualdade de oportunidades; igualdade de remuneração; igualdade de tratamento; liberdade de iniciativa; liberdade sexual; liberdade de reprodução; cultura, etnia, comunidade; direitos da pessoa humana não especificados. A partir dessa classificação, o sistema de busca criado na pesquisa permite a apresentação de todos os dispositivos legais vinculados a um mesmo interesse social. Apresentamos abaixo a variação de incidência de cada uma dessas categorias (Tabela 4 e Gráfico 4).

Tabela 4 Objeto da proteção Integridade Física Integridade Moral Igualdade de Oportunidades Igualdade de Remuneração Igualdade de Tratamento Liberdade de Iniciativa Liberdade Sexual Liberdade de Reprodução Cultura, etnia, comunidade Direitos da pessoa humana não especificados Outros

Total 74 62 65 11 63 4 16 21 12 27 25

Porcentagem 37,00% 31,00% 32,50% 5,50% 31,50% 2,00% 8,00% 10,50% 6,00% 13,50% 12,50%

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2.2.4 Caráter da política O campo caráter da política foi utilizado para verificar a maneira como a legislação estudada produz alterações no código de direitos vigente. Nesse sentido, ele permite identificar aquelas leis que são responsáveis não apenas pela criação de direitos civis, políticos e sociais, como também pela criminalização de condutas. Importante dizer que, por “criação de direitos” entendemos aqui não só a positivação de novas categorias de direitos, como também a ampliação das já existentes; e que por “criminalização”, consideramos não apenas o surgimento de tipos penais novos, como também a ampliação de suas hipóteses de incidência e extensão da penas a elas atribuídas. Cabe ainda dizer que aplicamos a categoria de direitos civis de maneira ampla como liberdades de ação individual e como garantias de não intervenção; e a categoria de direitos políticos, como todo o tipo de instrumento à participação nos processos públicos de formação política da vontade, tanto informais como formais. Por direitos sociais, entendemos todo tipo de intervenção estatal direta ou indireta visando ao fomento dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados (Constituição Federal, art. 6º). A categoria “criminalização” foi introduzida aqui para verificar se as demandas por criminalização estariam tomando espaço de demandas positivas por direitos civis, políticos e sociais. Em outro lugar da tabela, classificamos as leis e projetos de lei analisados como de “direito penal”. No entanto, ali estão incluídas normas de direito penal, poder de polícia e processo penal. Nessa parte da tabela, “criminalização” significa a tentativa de fazer valer determinados direitos com a criação de sanções penais, ou seja, de um crime, com o fim de fazer valer determinados interesses e valores sociais. Nos dados apresentados abaixo, pode-se observar que, tomadas de maneira agregada, a incidência das categorias de direitos civis, políticos e sociais na legislação analisada é claramente maior do que aquelas vinculadas à criminalização de condutas. Neste sentido, há o indicativo de que a produção legislativa de gênero no Brasil, direta ou indiretamente, tem sido destinada muito mais ao reconhecimento afirmativo, isto é, à criação de direitos, do que a estratégias de reconhecimento negativas, quer dizer, tendentes a coibir determinadas condutas pela via da criminalização. Com efeito, são observadas em 21% do total de leis analisadas a criação de direitos civis, em 8% de direitos políticos e em 46,5% de direitos sociais. A criminalização de condutas é observada em 18% dos casos (ver Tabela 5 e Gráfico 5). Além disso, é notável que, entre os direitos criados pela legislação analisada, a categoria de direitos sociais apresente uma incidência numérica significativamente superior Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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aos demais, inclusive no que se refere às proteções e tratamentos diferenciados atribuídos à mulher. No que se refere aos direitos civis, embora apresentem um número menor de ocorrências em comparação aos direitos sociais, mostram proporção similar entre tratamentos específicos e não específicos à mulher. Entre os direitos políticos, embora os números absolutos sejam menos expressivos, é interessante notar que em 5 de 8 incidências haja atribuição de tratamento específico à mulher (ver Tabela 6 e Gráfico 6).

Tabela 5 Caráter da Política Total Criação de direitos civis 42 Criação de direitos políticos 8 Criação de direitos sociais 93 Criminalização 36

Criação de Direitos Civis Criação de Direitos Políticos Criação de Direitos Sociais

Tabela 6 Sem atribuição de direitos específicos à mulher 29 69,05%

Porcentagem 21,00% 4,00% 46,50% 18,00%

Com atribuição de direitos específicos à mulher 13 30,95%

Total 42

3

37,50%

5

62,50%

8

63

67,74%

30

32,26%

93

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2.2.5 Agente responsável pela implementação Neste campo categorial, pretendemos classificar as leis em relação aos órgãos responsáveis pela sua implementação. Em suas formas tradicionais, a implementação pode ser realizada diretamente pela atividade de aplicação de norma ao caso concreto realizado pelo Poder Judiciário, ou por meio da elaboração de políticas públicas ou atividades de polícia pelo Poder Executivo, exigidas para a efetivação dos direitos previstos em lei. Além disso, incluímos nesse campo de análise a atribuição de competências normativo-decisórias a instituições não-estatais, a criação de conselhos deliberativos ou de órgãos especificamente destinados a fiscalização e implementação da lei. Identificou-se ainda meios específicos de enforcement que, apesar de não constituírem órgãos ou instituições, cumprem o papel de assegurar o cumprimento do texto legislativo com previsão de procedimentos específicos (v.g. multas). Como indicam os dados apresentados abaixo, a legislação analisada não prevê em grande medida formas alternativas para a sua implementação, utilizando-se na maior parte dos casos exclusivamente das vias tradicionais da administração pública e da jurisdição (ver Tabela 7 e Gráfico 7). As leis que atribuem proteções específicas às mulheres não parecem trazer inovações significativas quanto às formas de implementação. Em 22 casos elas são direcionadas ao Poder Executivo e em 32 ao Poder Judiciário; ao passo que em apenas 9 existe atribuição de competências normativo-decisórias a instituições não-estatais, em 7 a criação de conselhos deliberativos, em 8 a especificação de órgãos destinados a fiscalização e implementação da lei e em 6 a previsão de meios específicos de enforcement. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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Tabela 7 Agente responsável pela implementação Judiciário (reclamação judicial direta) Executivo (reclamação judicial indireta) Atribuição de competências normativo-decisórias a instituições nãoestatais Criação de conselhos deliberativos Órgão especificamente criado para fiscalização e implementação Meios específicos de enforcement Outros

Executivo (reclamação judicial indireta) Judiciário (reclamação judicial direta) Atribuição de competências normativo-decisórias a instituições não-estatais Criação de conselhos deliberativos Órgão especificamente criado para fiscalização e implementação Meios específicas de enforcement

109 92 21

Porcentagem 54,50% 46,00% 10,50%

30 25 17 6

15,00% 12,50% 8,50% 3,00%

Tabela 8 Sem tratamento específico à mulher 70 76%

Com tratamento específico à mulher 22 24%

77

70,64%

32

29,36%

109

12

57,14%

9

42,86%

21

23 17

76,67% 68,00%

7 8

23,33% 32,00%

30 25

11

64,71%

6

35,29%

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Total 92

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2.2.6 Natureza Jurídica Este campo de categorias destina-se a verificar como se distribui a legislação analisada em relação aos campos jurídicos existentes. Importante dizer que, para efeitos de classificação, não foi considerada a natureza material ou processual dos dispositivos contidos em cada campo jurídico. Cabe ainda explicar, que neste campo foi incluída a categoria “políticas públicas/direitos sociais” a qual se refere às prestações estatais positivas nas áreas da saúde, educação, moradia, lazer, proteção à maternidade e à infância, e à assistência aos desamparados, as quais não podem ser rigorosamente agregadas à divisão das categorias referentes às áreas jurídicas tradicionais. É justamente nesta categoria de “políticas públicas/direitos sociais” que se encontra o maior número de incidências no banco de dados tomado como um todo. Ela apresenta incidência em 36,5% dos casos analisados, seguidos de graus significativos de incidência nas áreas do direito penal (22%), administrativo (20%), civil (19,5%) e trabalhista (15,5%) (ver Tabela 9 e Gráfico 9). Quando consideramos as leis que fazem referência específica à mulher, essas proporções não se alteram de maneira significativa, exceto pelo caso do Direito Previdenciário, que possui a maior porcentagem de tratamento diferenciado à mulher em seu campo de regulação (55,56%), equiparando-se em número de ocorrências ao direito civil e administrativo (10 casos) (ver Tabela 10 e Gráfico 10).

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Tabela 9 Natureza Jurídica Civil Penal Administrativa Políticas Públicas/ Direitos Sociais Previdenciária Trabalhista Tributário Comercial Eleitoral Outros

Natureza Jurídica

Civil

Total 39 44 40 73 18 31 8 6 4 8

Tabela 10 Sem tratamento específico à mulher 29 74,36%

Porcentagem 19,50% 22,00% 20,00% 36,50% 9,00% 15,50% 4,00% 3,00% 2,00% 4,00%

Com tratamento específico à mulher

Total

10

25,64%

39

Penal

32

72,73%

12

27,27%

44

Administrativa

30

75,00%

10

25,00%

40

Políticas Públicas/ Direitos Sociais

56

76,71%

17

23,29%

73

Previdenciária

8

44,44%

10

55,56%

18

Trabalhista

23

74,19%

8

25,81%

31

Tributário

7

87,50%

1

12,50%

8

Comercial

3

50,00%

3

50,00%

6

Eleitoral

2

50,00%

2

50,00%

4

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2.2.6 Criminalização e descriminalização

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Os dados referentes à criminalização dos diversos ambientes regulados revelam resultados surpreendentes para o senso comum que afirma estarmos diante de uma tendência cada vez maior de criminalização das relações sociais. Como já foi visto acima, prevalece o reconhecimento afirmativo (por meio da criação de direitos) do que o negativo, voltado à punição pela via criminal. É interessante observar, no Gráfico 12, os ambientes mais ou menos criminalizados. Excluindo-se os ambientes regulados “Judiciário” (tratamento diferenciado à mulher em algum rito processual), “meios artísticos e culturais”, “forças armadas”, “negócios privados, “relações de trabalho” e “cidade”, cujo número de leis é muito baixo (por exemplo, 3 para “forças armadas/polícia”, 3 para “Judiciário” e 1 para “cidade”), a criminalização é muito relevante na esfera da “intimidade” e do “cárcere” e menos relevante no campo da “família” e da “saúde”. A criminalização das relações familiares e no campo das políticas de saúde é mais baixa, o que revela uma preocupação do legislador em evitar criar crimes e penas sobre estes assuntos. Este fato talvez se deva ao fato de que a sociabilidade nestas esferas está ligada a valores como confiança e afetividade. Interessante pensar que nestes campos encontramos a mulher tratada, por exemplo, como “mãe” e “grávida”, além de protagonista da relação entre médico e paciente. Já no que se refere ao campo da intimidade, espaço por excelência dos crimes sexuais, o grau de criminalização é muito alto. 2.2.7 Tratamento diferenciado à mulher

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Os dados referentes ao tratamento diferenciado mostram que a legislação, em termos gerais, não é endereçada especificamente à mulher, mas a destinatários indeterminados quanto ao gênero. Como foi visto acima, há uma concentração temporal da legislação específica à mulher no período posterior à Constituição que provavelmente visou adequar o sistema de direitos às novas exigências constitucionais. Interessante observar que a proporção de leis voltadas para a mulher é de aproximadamente um terço nos ambientes regulados “relações de trabalho”, “saúde”, “negócios privados”, “negócios públicos”, “família”, “instituições políticas”, “cárcere”, e “outros”. No ambiente “intimidade (sexualidade/reprodução)”, a proporção cai para um quarto e nos ambientes restantes, “judiciário” (tratamento diferenciado à mulher em algum rito processual), “meios artísticos e culturais”, “forças armadas” e “cidade” a proporção é maior, chegando até a superar as leis gerais (“judiciário” e “meios artísticos e culturais”). No entanto, nestes campos, o número de leis é exíguo (por exemplo, 3 para “forças armadas/polícia”, 3 para “Judiciário” e 1 para “cidade”), o que dá pouca relevância estatística ao resultado.

2.2.8 Agentes na implementação x ambiente regulado

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Os dados sobre os agentes de implementação cruzados com o ambiente regulados mostram, como já visto na tabela 7, a prevalência de uma tutela tradicional, centrada no Poder Judiciário. O papel de instituições não estatais é reduzido, especialmente no que se refere ao campo da “família”, “saúde”, “relações de trabalho” e “intimidade”. É interessante notar, no entanto, que a legislação cria conselhos de natureza deliberativa em percentagem significativa no que se refere ao ambiente “cidade”, “instituições de ensino”, “negócios públicos” e “instituições políticas”, o que revela uma porosidade das instituições de caráter público (ou em que estejam envolvidos interesses de natureza pública de maneira sensível) à participação da sociedade. No campo da “intimidade”, a presença de meios de tutela alternativos ao judiciário é extremamente reduzida, o que revela a pouca utilização, por exemplo, de mecanismos como a justiça restaurativa para a solução de conflitos. Raramente encontramos a criação de órgãos direcionados a fiscalizar e implementar políticas relativas à mulher, o que reforça os resultados que acabamos de discutir. Na maior parte das vezes, atribui-se poder ao Judiciário, ou seja, para um meio de tutela que, em regra, atua diante do fato consumado e, apenas por exceção, preventivamente. Discutiremos melhor as implicações desta característica da tutela de direitos adiante, quando falarmos de jurisprudência, pois este modo de regular tem reflexos claros neste campo. Seja como for, este resultado mostra que a legislação não tem criado meios de tutela específicos para a solução de questões relacionadas ao gênero. Claro, se olharmos para as questões penais em que as delegacias da mulher são atuantes e extremamente relevantes para a aplicação das leis, este quadro não se apresenta. Mas observando os ambientes regulados como um todo, é perceptível a falta de meios de tematização de questões de gênero para além do Poder Judiciário, bem como é pouca a relação entre organismos estatais e sociedade. Por exemplo, considerando-se apenas as leis direcionadas à mulher, apenas 10 delas atribuem poder decisório a órgãos não estatais e outras 7 criam conselhos de natureza deliberativa, o que reforça preferência pela tutela judicial .

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3. PESQUISA JURISPRUDENCIAL

3.1. Jurisprudência trabalhista O objetivo desta parte da pesquisa é analisar a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho sobre direitos da mulher. No item 1, apresentaremos a metodologia utilizada na pesquisa justificando a escolha e descrevendo o processo de seleção dos acórdãos analisados. No item 2, apresentaremos as categorias jurídicas encontradas nos julgados e as posições interpretativas em disputa, além da análise da argumentação, quando pertinente. Finalmente, no item 3, faremos considerações sobre os resultados obtidos. 3. 1.1 Metodologia Na primeira fase de desenvolvimento deste projeto, o estudo compreendeu o mapeamento quantitativo preliminar da atuação do Poder Judiciário em questões que, atualmente, são centrais no debate do reconhecimento e efetivação dos direitos das mulheres, quais sejam, a tematização do aborto, da violência doméstica (Lei Maria da Penha), das cotas políticas e da discriminação do trabalho9. Por recomendação do órgão financiador, a análise qualitativa foi desenvolvida apenas no que diz respeito aos temas das cotas políticas e da discriminação no trabalho. De qualquer modo, os dados quantitativos obtidos nessa fase exploratória sobre os temas aborto e lei Maria da Penha nos parecem significativos no sentido de demonstrar a intensa tematização desse tema no Judiciário. O levantamento jurisprudencial da pesquisa sobre aborto foi realizada entre agosto e outubro de 2008, englobando a maior parte dos Tribunais de Justiça10, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. A pesquisa das decisões disponíveis nos bancos de dados dos sites dos tribunais com o termo de busca “aborto” gerou 1551 resultados. O estudo da aplicação da Lei Maria da Penha seguiu essas mesmas diretrizes. Entre os meses de agosto e outubro, levantamos todas as decisões dos Tribunais de Justiça disponíveis

9

Estes temas foram escolhidos por meio de um estudo geral das pautas mais tematizadas e problematizadas nas discussões atuais acerca dos direitos da mulher. A análise das Conferências e dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres revelou as principais linhas de atuação atual do movimento feminista e, a partir da sistematização feita nos Planos, foi possível constatar como os temas ali apresentados se manifestam no discurso das organizações civis e no debate público em geral. 10 Foram excluídos da pesquisa os Tribunais de Justiça dos Estados do Piauí, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Amazonas, em razão de suas páginas eletrônicas estarem em construção.

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na internet usando o termo de busca “Maria da Penha” + “lesão corporal”. Nos Tribunais onde foi possível fazer a busca11, encontramos um total de 484 acórdãos. O volume de casos encontrados sobre esses dois temas é muito superior aos casos encontrados sobre cotas políticas e discriminação no trabalho, descritos abaixo. Há uma série de hipóteses explicativas que podem ser levantadas a partir dessa indicação. Elas podem estar ligadas à extensão e à freqüência do conflito social; podem se relacionar à maior ou menor facilidade de as mulheres enxergarem a violação de seus direitos e tomarem a iniciativa de questionar tal violação no Judiciário; podem se dar em razão dos filtros que atuam no âmbito das instituições do sistema Jurídico e que impedem que os casos alcancem os Tribunais, nossa fonte de buscas; por fim, o número de casos encontrados em segunda instância também pode refletir um maior grau de inconformismo ou de divergência das interpretações disponíveis sobre as lei. Não é possível apostar em nenhuma dessas explicações sem que se prossiga na pesquisa. O elevadíssimo número de acórdãos relativos aos temas aborto e à recente Lei Maria da Penha, aliado ao intenso debate de tais temas na esfera pública12 parecem indicar que uma futura investigação acerca da atuação da Justiça13 nesses temas é fundamental para compreender a atuação do Poder Judiciário na aplicação e na criação de normas que dizem respeito à situação da mulher na sociedade brasileira. Passamos a seguir a descrever o procedimento utilizado para a realização do levantamento quantitativo e qualitativo relativos aos temas cotas políticas e discriminação no trabalho, realizados nesta pesquisa. O levantamento das decisões trabalhistas foi realizado por meio do banco de dados da página eletrônica do Tribunal Superior do Trabalho (TST), na semana de 07 a 12 de dezembro 11

Novamente foram excluídos da pesquisa os Tribunais de Justiça dos Estados do Piauí, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Amazonas, pelas razões expostas na nota de rodapé anterior. 12 Estes temas foram escolhidos por meio de um estudo geral das pautas mais tematizadas e problematizadas nas discussões atuais acerca dos direitos da mulher. A análise das Conferências e dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres revelou que ambos os temas figuram entre as principais linhas de atuação atual do movimento feminista e, a partir da sistematização feita nos Planos, foi possível constatar como os temas ali apresentados se manifestam no discurso das organizações civis e no debate público em geral. 13 Como o projeto inicial deste grupo envolvia a análise qualitativa de acórdãos sobre os temas aborto e Lei Maria da Penha, que foram substituídos, a pedido do órgão financiador, pela análise qualitativa de acórdãos sobre cotas políticas e discriminação no trabalho, um trabalho inicial no desenvolvimento de categorias de análise foi realizado. Nesse sentido, elaboramos para os dois temas um instrumento de coleta de dados (consistentes em critérios organizados em uma tabela Excel) que permite a sistematização e o mapeamento dos principais pontos dos acórdãos. Por meio do tabelamento, buscávamos tanto a extração de dados quantitativos (como quantidade de condenações, interpelação de recursos, aplicação de penas alternativas, etc.), quanto uma compreensão mais ampla sobre a aplicação da lei (como informações sobre a vítima e argumentação usada pelo juiz). Como tal documento pode vir a ser útil para uma futura investigação, segue anexo a este relatório.

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de 2008. Este banco permite a consulta unificada à jurisprudência do TST e dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). A busca foi feita por meio dos seguintes termos: “isonomia e mulher”, “igualdade e mulher”, “discriminação e mulher”, “discriminação e gestante”, ”contratação e discriminação e mulher”, “trabalho da mulher” e “igualdade de gênero”, resultando em 838 acórdãos. No âmbito da justiça comum, pesquisamos no banco de dados da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), durante o mesmo período, decisões relacionadas à discriminação da mulher na esfera cível. Para tanto, utilizamos o termo “relação de trabalho e discriminação e mulher”, que gerou 6 resultados, posteriormente descartadas, dada a falta de objeto com o estudo proposto. O universo de 838 acórdãos passou por sucessivos filtros, nos quais foram descartados os resultados repetidos, recursos de agravo de instrumento, embargos de declaração e ações rescisórias. Para esta filtragem, privilegiamos investigar decisões de mérito e finais, chegando a 344 recursos, entre os quais, recursos de revista, recurso ordinário, apelações cíveis, dissídios coletivos e embargos de declaração da matéria julgada pelos recursos de revista selecionados. Nos acórdãos examinados, identificaram-se sete tipos de demanda, a saber: i. Ampliação ou redução do período para refeição e repouso concedido à empregada, durante a jornada de trabalho; ii. Descanso de 15 minutos no mínimo, a que tem direito a mulher, em caso de prorrogação do horário normal de trabalho; iii. Revista íntima; iv. Licença maternidade destinada à mãe adotante, v. Estabilidade provisória da gestante; vi. Discriminação da gestante; vii. Assédio sexual; viii. Auxílio-creche. Estas decisões passaram por outra filtragem manual, na qual foram excluídos os acórdãos que não apresentassem tematização alguma sobre discriminação da mulher, fechando o universo de análise quantitativa e qualitativa de 108 decisões. Adiante, o resultado Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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de cada uma destas demandas será analisado em detalhes tendo-se em vista, como anunciado na introdução deste relatório, as categorias em disputa no âmbito do Poder Judiciário. Baixados todos os acórdãos, cada decisão foi classificada de acordo com uma série de critérios em seis tabelas do software Excel©. O tabelamento dos acórdãos não teve como objetivo a realização de uma análise quantitativa das informações coletadas, uma vez que o tamanho reduzido do universo de decisões encontradas não permitia tal estudo. Portanto, a tabela foi usada como um instrumento de sistematização das decisões encontradas e organização dos dados. A tabela apresenta, em suas colunas, as categorias de análise por meio das quais as informações sobre cada acórdão devem ser objetivamente extraídas. No total, para tabelamento das decisões, foram elaboradas 38 categorias, que, por sua vez, estavam divididas em três grandes grupos. No primeiro grupo, foram inseridas categorias referentes aos dados sobre o processo; no segundo estão as categorias sobre os diferentes temas ou problemas abordados em cada acórdão; finalmente, o último grupo contém categorias atinentes à argumentação jurídica desenvolvida nas decisões. Esses três grupos - processo, tematização e argumentação - compõem os critérios básicos de sistematização das decisões analisadas, sendo compostos da seguinte forma: (i) Elementos processuais –contém informações sobre tribunal que proferiu a decisão, o recorrente, o recorrido, o tipo de recurso, o número do processo, o nome do relator responsável, se a decisão foi ou não por unanimidade, a data do julgado e o fundamento da decisão recorrida; (ii) Temas abordados -trata dos tópicos discutidos nos acórdãos, a saber, a categoria dogmática em disputa; (iii) Argumentação - contém critérios de investigação de argumentos presentes nas decisões. As quinze colunas subseqüentes informam qual a principal abordagem da decisão, dispositivos legais citados, citação de princípios, da doutrina e citação de casos. Para os critérios doutrina e casos, há um item que visa explicitar se a citação é ou não usada como argumento de autoridade. Ao final, os últimos dois critérios, se a decisão faz referência a argumentos externos ao direito e quais seriam. É importante ressaltar um ponto, no qual já tocamos na apresentação desta pesquisa. A despeito de nos preocuparmos com a citação da legislação, não consideramos que a solução dos casos seja uma atividade mecânica. Como ficará claro no exame das diversas categorias, Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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há posições diametralmente opostas na interpretação de um mesmo material jurídico, o que deixa clara a existência de um espaço de disputa das categorias. O conhecimento destas controvérsias, além de poder informar uma prática social ativista, que pense o Judiciário como uma arena de disputa pelo sentido das normas, é importante para qualquer proposta de reforma legislativa. As leis novas encontram um contexto dado quando criadas. Elas serão interpretadas em conjunto com outras leis e em função dos debates que ocorrem no interior do Poder Judiciário. Uma lei nova criada a partir destes conhecimentos pode ser mais efetiva, por exemplo, ao buscar intervir diretamente sobre as controvérsias jurisprudenciais com o fim tornar menos ambíguas determinadas categorias em disputa. Fazer uma lei às cegas, sem atentar para as disputas judiciais, é aumentar o risco de frustrar a efetivação das demandas que elas pretendem veicular (MACHADO, PUSCHEL, RODRIGUEZ, 2009). Retomando o fio da exposição, como dissemos acima, a terceira parte da tabela trata da principal abordagem da decisão, ou seja, qual argumento foi fundamental para o julgamento da demanda e quais os argumentos utilizados pelo juiz para fundamentar sua decisão: dispositivos legais, princípios, doutrina e/ou casos julgados. Para os critérios doutrina e casos, há um item que visa explicitar se a citação é ou não usada como argumento de autoridade, ou seja, se o juiz busca reconstruir a jurisprudência de seu tribunal de forma sistemática ou se apenas pinça julgados isolados para justificar seus argumentos. Ao final, os últimos dois critérios procuram identificar o uso de argumentos externos ao direito: valorações morais, religiosas, filosóficas etc. Essa parte da tabela visa a identificar a maneira pela qual os juízes argumentam e qual o material normativo (jurídico ou não) mobilizado para justificar suas decisões. Esta parte da tabela está preocupada em captar a qualidade da argumentação judicial, ponto que tem sido negligenciado nos estudos jurídicos e de ciências sociais sobre o Poder Judiciário. O juiz tem o dever de justificar suas decisões e esta justificação serve para expor para a esfera pública as razões que o levaram a adotar determinada interpretação do direito. A análise da argumentação é importante porque qualquer decisão de um juiz pode ser criticada, afinal, se não o fosse, não poderia ser chamada de decisão, seria uma mera constatação de fato. Este verdadeiro truísmo nem sempre fica claro aos olhos dos analistas, especialmente aqueles que não se preocupam em reconstruir a racionalidade interna do direito. Pode-se debater e questionar a posição do juiz, ou seja, sua maneira de interpretar e

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selecionar o material que tinha à sua disposição, mas isso se faz analisando a justificativa construída por ele, ou seja, levando em conta a racionalidade interna do direito. Nesse sentido, uma sentença é censurável se não fizer referência a casos pertinentes e à legislação relevante para a disciplina daquele problema. Independentemente da solução do caso, ou melhor, do resultado final, um juiz não pode ignorar o material jurídico que têm à sua disposição. Se hoje é evidente para a teoria do direito que a sentença não é mera reprodução das leis e casos e está fundada em argumentos valorativos como os princípios (positivados ou não), tal valoração se faz sobre o material jurídico como um todo e não em detrimento dele. O juiz deve justificar porque usou certas leis e não outras e citou (ou não) certos casos e não outros em sua decisão.

3.1.2. As demandas: categorias em disputa Passamos agora a expor os temas encontrados na jurisprudência trabalhista em que a questão de gênero foi de alguma forma abordada. (i) Ampliação ou redução do período para refeição e repouso concedido à empregada, durante a jornada de trabalho; O art. 383, da CLT, estabelece que, durante a jornada de trabalho, será concedido à empregada um período para refeição e repouso não inferior a 1 (uma) hora, nem superior a 2 (duas) horas salvo a hipótese prevista no art. 71, § 3º, o qual permite a redução do limite mínimo de uma hora apenas por ato do Ministro do Trabalho, sob determinadas condições. Em vista da expressa referência à exceção admitida, entende-se que, por falta de previsão legal, o limite máximo não poderá ser ampliado. Sob a perspectiva da dogmática jurídica, há, na CLT, de um lado, no capítulo sobre a duração do trabalho, uma norma geral, expressa no art. 71 e parágrafos, aplicada ao conjunto dos trabalhadores. De outro lado, porém, no art. 383, no capítulo sobre a proteção do trabalho da mulher, há uma norma especial, que restringe a incidência da norma geral a apenas uma hipótese, àquela prevista no § 3º. Nesse sentido, não se aplicam ao trabalho da mulher as demais disposições do art. 71, dentre elas, a que, mediante acordo escrito ou contrato coletivo, permite a ampliação do intervalo para repouso ou alimentação para além das duas horas. A única forma de romper essas limitações, sem sair do âmbito da discussão dogmática jurídica, vem sendo a de negar validade à norma especial, lançando mão de uma norma

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hierarquicamente superior com a qual ela, a norma especial, seja incompatível. Nesse sentido, o debate jurídico migra para a esfera constitucional, e a questão que se coloca pode ser expressa nos seguintes termos: o tratamento diferenciado previsto para a mulher no art. 383 da CLT viola o art. 5, I, da Constituição Federal, que afirma a igualdade entre homens e mulheres? Se for constitucional, o intervalo intrajornada não poderá ser ampliado; se inconstitucional, não valem as limitações do art. 383, mas apenas as condições da norma geral, pelas quais esse período para descanso poderá ser alargado. E se semelhante ampliação for possível, a pergunta seguinte será esta: remunera-se ou não como hora-extra o período excedente? Nas 21 decisões analisadas sobre o intervalo intrajornada da mulher, entendeu-se majoritariamente que o art. 383 da CLT afronta o art. 5º, I, da Constituição Federal. Entendeu-se que a distinção entre o trabalho de homens e mulheres não se justifica, e as únicas normas que possibilitam dar tratamento diferenciado à mulher dizem respeito àquelas traduzidas na proteção à maternidade. (ii) O descanso de 15 minutos no mínimo, a que tem direito a mulher, em caso de prorrogação do horário normal de trabalho; Ainda no capítulo da proteção do trabalho da mulher, questão idêntica se coloca a respeito do art. 384, pelo qual, em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho. Tais limitações têm por fundamento a idéia presente na CLT, que opera com base no pressuposto da fragilidade biológica da mulher, de que a ampliação do horário do trabalho feminino deveria ser excepcional e, portanto, seguir condições diferenciadas em relação ao trabalho masculino. A questão que hoje se coloca é se teria o art. 5º, caput¸ da Constituição de 1988 recepcionou esse dispositivo da CLT ou se seria este inconstitucional. Ao se discriminar positivamente as mulheres na distribuição de vantagens, haveria violação à igualdade entre homens e mulheres? Nos 20 acórdãos analisados sobre o tema, a maior parte decidiu pela não recepção do dispositivo pela Constituição (total de 15 decisões). Prevalecem três tipos de argumentos que sustentam a inconstitucionalidade do artigo. No primeiro, é alegada violação do art. 5º, I, da Constituição Federal. Nos casos estudados, não há argumentação sobre qual seria, segundo o relator e o Tribunal, o sentido adequado da igualdade entre homens e mulheres. Nos acórdãos

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examinados, contudo, presumiu-se que homem e mulher são iguais e conclui-se que essa igualdade é incompatível com o disposto na CLT. Neste sentido:

Se levado às últimas conseqüências o inciso I do artigo 5º da Constituição deveria ser no sentido de estender aos homens o mesmo direito reconhecido às mulheres, considerando a penosidade inerente ao sobretrabalho, e não o de, a guisa do tal princípio da isonomia, extinguir, pela via inadequada da atividade jurisdicional, o direito consagrado no artigo 384 da CLT.14

O segundo tipo de argumento nega a existência de justificativas legítimas e também de razões científicas para utilizar o gênero como critério de alocação de benefícios. Deste modo, os direitos e obrigações iguais viabilizam o tratamento diferenciado ao trabalho da mulher apenas quando se referem a condições determinadas, como a maternidade e o deslocamento de peso. Por fim, o terceiro tipo de argumento aponta para as conseqüências advindas dos artigos contestados, cuja vigência terminaria por desestimular a contratação de mulheres por empresas que lançam mão da prorrogação da jornada. Em uma das decisões em que predominou essa abordagem, é citado trecho da obra de juíza Alice Monteiro de Barros, que bem exemplifica a questão:

O dispositivo consolidado em exame poderá restringir o campo de trabalho da mulher e a modalidade de mão-de-obra, acarretando menor possibilidade de ganho àquela. E exatamente considerando que a regra, em princípio voltada para a proteção da mulher, lhe era prejudicial, foi que as mulheres americanas conseguiram abolir, em 1973, em quase todos os estados americanos, as leis de cunho tutelar, sobretudo as que dispunham a respeito de número máximo de horas. Essas leis, que de início tinham caráter protetor, passaram a ser restritivas, pois não seguiram o ritmo das modificações registradas nas condições de trabalho, como conseqüência da evolução tecnológica. Ademais, essas leis especiais nada mais eram do que atitude da sociedade a respeito da divisão do trabalho segundo o sexo, típica da primeira metade do século XX. (...) Em conseqüência, deverá também ser revogado o artigo 384 da CLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitam com os artigos 5º, I, e artigo 7º, XXX, da Constituição Federal. (Alice Monteiro de Barros, intitulada “A mulher e o Direito do Trabalho”, Ed. LTR, São Paulo, 1995, p. 478 e 479).

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TST-RR- 2005-019-12-00.0, 4ª Turma, Relator Ministro Barros Levenhagen, DJ - 24/10/2007.

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Em 6 decisões é mencionada a orientação jurisprudencial SBDI-1 na qual é fixado o entendimento de que o art. 384 conflita com o art. 5º, I, da Constituição, e portanto não haveria motivo para se impor regra discriminatória às mulheres:

RECURSO DE EMBARGOS. TRABALHO DA MULHER. INTERVALO PARA DESCANSO EM CASO DE PRORROGAÇÃO DO HORÁRIO NORMAL. ARTIGO 384 DA CLT. NÃO RECEPÇÃO COM O PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT RECONHECIDA. O art. 384 da CLT está inserido no capítulo que se destina à proteção do trabalho da mulher e contempla a concessão de quinze minutos de intervalo à mulher, no caso de prorrogação da jornada, antes de iniciar o trabalho extraordinário. O tratamento especial, previsto na legislação infraconstitucional não foi recepcionado pela Constituição Federal ao consagrar no inciso I do art. 5º, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. A história da humanidade, e mesmo a do Brasil, é suficiente para reconhecer que a mulher foi expropriada de garantias que apenas eram dirigidas aos homens e é esse o contexto constitucional em que é inserida a regra. Os direitos e obrigações a que se igualam homens e mulheres apenas viabilizam a estipulação de jornada diferenciada quando houver necessidade da distinção, não podendo ser admitida a diferenciação apenas em razão do sexo, sob pena de se estimular discriminação no trabalho entre iguais, que apenas se viabiliza em razão de ordem biológica. As únicas normas que possibilitam dar tratamento diferenciado à mulher diz respeito àquelas traduzidas na proteção à maternidade, dando à mulher garantias desde a concepção, o que não é o caso, quando se examina apenas o intervalo previsto no art. 384 da CLT, para ser aplicado apenas à jornada de trabalho da mulher intervalo este em prorrogação de jornada, que não encontra distinção entre homem e mulher. Embargos conhecidos e providos. 15

Nos demais acórdãos há referência à vocação primária da mulher de “geração e educação dos filhos” e de “ser o coração da família e a alma da casa”, especialmente em um deles, que faz menção à filósofa judia e santa da Igreja Católica, Edith Stein, o qual citamos abaixo. No entanto, não verificamos ser essa uma posição majoritária, ao contrário.

Para EDITH STEIN (1891-1942), destaque feminino no campo filosófico (fenomenologista alemã), três características se destacam na relação homemmulher: igual dignidade, complementariedade e diferenciação (não só biológica, mas também anímica). Cada um dos sexos teria sua vocação primária e secundária, em que, nesta segunda, seria colaborador do outro: a vocação primária do homem seria o domínio sobre a terra e a da mulher a geração e educação dos filhos (“A primeira vocação profissional da mulher é a construção da família”). Por isso, a mulher deve encontrar, na sociedade, a profissão adequada, que não a impeça de cumprir a sua vocação primária, de ser “o coração da família e a alma da casa”. O papel da mulher é próprio e insubstituível, não podendo limitar-se à imitação do modo de ser masculino (cfr. Elisabeth Kawa, “Edith Stein”, Quadrante – 1999 – São Paulo, pgs. 58-63).

15

TST-E-RR-3886/2000 071-09-00.0, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ de 25/4/2008.

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Com base nisso, reconhece-se, sim, que homens e mulheres são iguais juridicamente, mas também que, entre eles, há diferenças que não são jurídicas e que justificam uma distribuição distinta de benefícios em favor da mulher. Aqui prevalece o entendimento de que o princípio da isonomia para declarar a não-recepção pela Constituição de uma “disposição legal indispensável à proteção da saúde das trabalhadoras não parece razoável”.16 A esse argumento acrescenta-se outro, a radicalizar o sentido de igualdade, previsto no art. 5º, I, da Constituição Federal, estendendo também ao homem as vantagens previstas nos dispositivos, cuja constitucionalidade é contestada. Nesse caso, não se restabelece a igualdade, retirando da mulher aquele direito que ela tem a mais do que o homem, mas dando a ele o que lhe falta.

(iii) Revista íntima; No Recurso de Revista 631/2005-058-15-00.717, questionou-se o exercício regular do poder de fiscalização de empresa distribuidora de medicamentos de venda controlada, a quem cabe, por lei, a responsabilidade de guardar esses produtos. No caso examinado, o Reclamante foi um homem, empregado da empresa, que se submetia, diariamente, em ambiente coletivo, à revista íntima feita com o objetivo de impedir a saída ilegal de medicamentos controlados. Esse homem demandou com base no princípio da igualdade, expresso no art. 5º, I, da Constituição, que lhe fosse também aplicada a norma do art. 373-A, VI, da CLT, a qual veda revistas íntimas nas empregadas. O acórdão examinado entende que a dignidade é própria do ser humano, e não de um gênero específico, e que a intimidade não pressupõe necessariamente o contato físico entre empregado e supervisor, pois o ato abusivo se configura com a revista visual, em que o trabalhador é constrangido a exibir seu corpo nu ou em peças íntimas, não sendo atenuante, nesse caso, o fato de ser o supervisor do mesmo sexo do empregado. Além disso, não se exige prova do dano moral, mas tão-somente do fato que supostamente terá gerado a dor e o sofrimento.

16

TST-RR-2116/2005-046-12-00.8, 1ª Turma, Relator Min. Vieira de Mello Filho, DJ 10.09.2008.

17

TST, 5ª Turma, Juíza Convocada Relatora Kátia Magalhães Arruda, DJ 26.03.2008.

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Assim, há, de um lado, o dever de fiscalizar a saída de remédios; de outro, o dever de respeitar a dignidade da pessoa. Os dois deveres se impõem e devem ser sopesados, para que não colidam. Disso resulta que a empresa poderá utilizar todos os meios necessários para cumprir sua obrigação, exceto aqueles que avancem sobre a intimidade dos empregados. O direito constitucional à dignidade da pessoa humana é irrenunciável, e o empregador não poderá, ainda que seja o caso, alegar que as revistas íntimas pudessem ter concordância prévia do empregado ou que estivessem de acordo. (iv) Licença maternidade destinada à mãe adotante, Cinco acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho (TST) discutiram a possibilidade de conceder licença-maternidade à mãe adotante. As decisões são anteriores à Lei nº 10.421 de 15 de abril de 2002, que passou a garantir expressamente este direito, acrescentando o art. 392-A à Consolidação das Leis do Trabalho e o art.71-A à lei de previdência social (Lei nº 8.212 de 24 de Julho de 1991): . Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5o. § 1º No caso de adoção ou guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, o período de licença será de 120 (cento e vinte) dias. § 2º No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período de licença será de 60 (sessenta) dias. § 3º No caso de adoção ou guarda judicial de criança a partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o período de licença será de 30 (trinta) dias. § 4º A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã. (...)

Art. 71-A. À segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1(um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade.

Os casos discutidos são anteriores à lei, quando a legislação expressa sobre o tema era o inciso XVII do art. 7º da Constituição:

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

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Dos cinco acórdãos, 3 concederam a licença e dois não o fizeram. O argumento contra a concessão18 é em suma, a inexistência de lei expressa: o texto constitucional fala apenas em “gestante” e deve ser interpretado literalmente. Não cabe ao juiz criar normas diante do art. 5, II da CF:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Uma das decisões, a despeito de argumentar que não cabe ao juiz inovar a legislação, dá sentido biologizante claro ao artigo da Constituição afirmando que:

(...) Pela literalidade do dispositivo constitucional em comento ("São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;"), vê-se que o constituinte, ao instituir o benefício da licença, restringiu-o "à gestante", ou seja, mulher que passou pelo período da gestação, condição biológica que, não obstante a grandeza do ato praticado pela recorrida-adotante, esta não atravessou (...). 19

A favor da concessão, os acórdãos decidiram que a finalidade do inciso XVIII do Art. 7º da CF é proteger o nascituro em primeiro lugar, por isso mesmo, a mãe adotante deve se beneficiar da licença. O artigo não deve ser interpretado literalmente, mas em função de seus fins. Dois acórdãos falam também da proibição de discriminar filhos naturais e adotivos (Art. 227, § 6º).

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

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Acórdãos do TST: 1ª Turma: PROC. Nº TST-RR-232/2000-007-15-00 e 2ª Turma: PROC. Nº TST-RR521.557/98.9. 19 PROC. Nº TST-RR-521.557/98.9.

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Abaixo os principais argumentos: (...) Indubitável que o legislador constituinte, ao instituir o direito à licença maternidade, referiu-se “à gestante”, o que, numa interpretação estritamente literal da norma constitucional (art. 7º, XVIII), levaria ao apriorístico entendimento de que o benefício vindicado estaria restrito à mãe biológica. Todavia, não se pode olvidar, que o escopo da norma citada, não está adstrito apenas à proteção da mãe biológica, mas, sobretudo, à proteção do filho recém-nascido que, por razões óbvias, necessita do contato diuturno com a figura materna, dos cuidados, da proteção e atenção constantes desta, sendo irrelevante, neste contexto, que se trate de mãe biológica ou adotiva (...). (...) No art. 7º, XVIII, da Constituição da República se estipula o seguinte: Art.. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias. 20

No referido preceito constitucional, ao se estabelecer a licença maternidade de 120 (cento e vinte) dias, objetiva-se a proteção da criança, que necessita de assistência da mãe no início da vida. Em conseqüência, não se pode diferenciar a mãe biológica da mãe adotante por certo, quando a adoção se faz em situação semelhante à que permite o afastamento do trabalho da mãe biológica - para a concessão do aludido benefício, porque os filhos respectivos - havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção - situam-se no mesmo nível de carecimento, de direitos e de qualificações, nos termos do art. 227, § 6º, da CF/88. 21 No referido preceito constitucional, ao se estabelecer a licença maternidade de 120 (cento e vinte) dias, objetiva-se a proteção da criança, que necessita de assistência da mãe no início da vida. Em conseqüência, não se pode diferenciar a mãe biológica da mãe adotante - por certo, quando a adoção se faz em situação semelhante à que permite o afastamento do trabalho da mãe biológica - para a concessão do aludido benefício, porque os filhos respectivos - havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção - situam-se no mesmo nível de carecimento, de direitos e de qualificações, nos termos do art. 227, § 6º, da CF/88. (...) A Lei de Introdução ao Código Civil, assenta a mesma diretriz no seu art. 5º, ao autorizar o juiz aplicar a lei “atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Nesse sentido, é de se invocar o art. 227, § 6º, da Constituição da República, que preconiza a igualdade jurídica entre os filhos, adotivos ou não: “Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao 20 21

Ac. 3ª Turma: PROC. Nº TST-RR-559.639/1999.2. Ac. 5ª TURMA: PROC. Nº TST-RR-240.925/96.2.

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lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” O art. 227, §6º, acima transcrito encontra-se inserido no Capítulo VII do Título VIII da Constituição da República, cuidando especificamente dos direitos da família, da criança, do adolescente e do idoso. Por essa razão, ainda que se diga que o referido dispositivo cuida do direito da criança, ao passo que a licença-maternidade toca apenas a mãe, não se poderá negar que distinguir os filhos implica necessariamente distinguir as mães. O princípio constitucional insculpido no artigo é o de proteção da família e da criança, atingindo diretamente a mãe, seja ela mãe adotante ou biológica. O art. 227, caput, da Constituição da República foi a fonte inspiradora de todos os projetos de lei tendentes a reconhecer à mãe adotante o direito à licençamaternidade. Se assim o é, então o que se procurou garantir foi o direito da criança ao seu convívio materno, não havendo, por conseguinte, de onde se extrair do referido dispositivo, que a licença-maternidade reconhecida à mãe biológica tem por fim resguardá-la das alterações fisiológicas sofridas no período gestacional. O art. 20 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) tem redação idêntica ao art. 227, § 6º, da Constituição da República: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” (...) Ante tais fundamentos é de se reformar a decisão do Tribunal Regional, que concluiu não ser possível conceder à mãe adotante a licença-maternidade pela singela razão de que: “inexistindo lei que a ampare, no caso presente, não pode o Juiz fazê-lo, sob pena de violação frontal ao art. 5º, inc. II, da Lei Maior” (fls. 120). Leciona o Prof. Estevão Mallet, em artigo sobre os direitos de personalidade que “O silêncio do legislador apenas evidencia menor desenvolvimento da ciência jurídica. Não inibe, de nenhuma maneira, a afirmação da existência de direitos”. Assim, o silêncio de norma específica concessiva de licença-maternidade à mãe adotante no âmbito da relação de emprego, anteriormente à Lei nº 10.421/2002, que acrescentou o Art. 392-A à CLT, não pode justificar tratamento distinto daquele dispensado à mãe biológica. O já citado art. 227 da Constituição da República, insere-se no âmbito da Ordem Social, de sorte que a ordem jurídica constitucional ao tempo em que proíbe qualquer designação discriminatória atenta à filiação, assegura isonomia de tratamento entre os filhos biológicos e adotivos, isonomia que alcança a família e, em particular, a mãe a quem deve ser garantidos os mesmos direitos, seja mãe biológica, seja adotante. Não é por outra razão que o caput do art. 227 da Constituição da República enuncia que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A família, neste aspecto, é objeto de proteção social, a salvo de qualquer critério de discriminação. A empregada que adota uma criança, é mãe sem qualquer distinção comparativa a outra forma de maternidade, merecendo tratamento isonômico, por ser medida que atende ao princípio da dignidade humana e valor social do trabalho. Tais princípios – dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho – são fundamentos do Estado inspirados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, vinculando a dignidade humana ao trabalho, enuncia “Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegura, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a

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que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social”. Nesse contexto, conforme já afirmado, a família (englobado a maternidade) é alvo de proteção social. 22 (grifamos)

A citação de julgados nas sentenças não permite identificar a pretensão de reconstruir a opinião dos tribunais sobre o assunto. As 3 decisões favoráveis à concessão de licença gestante não citaram julgados e as 2 decisões contrárias à licença citaram os seguintes: (i) ERR 248.110/96, Rel. Min. José Luiz Vasconcellos, publicado no DJ de 17.02.2000; (citado 2 vezes); (ii) RR 577.215/99, Rel. Juíza Convocada Maria Berenice, publicado no DJ de 02.02.2001; (iii)- RR 398.142/97, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito, publicado no DJ 27.04.2001; (iv) E-RR-159.112/95, DJ 26.11.99, Juiz Convocado Levi Ceregato; (v) RE-197807-RS, Relator Ministro Octavio Gallotti, 1ª Turma, unânime, DJ 18/08/00. Uma das decisões afirma que o TST tem opinião contrária à concessão da licença e cita uma série de julgados para comprovar sua afirmação. É interessante notar esta necessidade de comprovar a afirmação. Não há a citação de casos paradigmáticos com a certeza de que eles seriam expressão da opinião da corte. Argumentos deste tipo estão ausentes de todos os julgados analisados. O acórdão afirma que esta é a posição da corte e cita a seguir, justapostos, uma série de casos, sem análise ou hierarquia clara. Verbis: Esta Corte Superior tem posicionamento no sentido de que não há igualdade de condições da mãe adotiva com a mãe biológica para o deferimento da licençamaternidade e, ainda, que não havendo previsão legal que autorize o reembolso ao empregador na hipótese de adoção, é indevida a sua concessão a mãe não gestante. É o que se depreende dos seguintes precedentes da Subseção-I Especializada em Dissídios Individuais e das Turmas desta C. Corte Superior: “MÃE ADOTANTE – LICENÇA-MATERNIDADE – ART. 7º, XVIII, DA CF/88 – NÃO-EXTENSÃO. As circunstâncias que envolvem a mãe adotiva não tem similitude com as da mãe biológica. Em razão da restrição do Texto Constitucional, que confere a licença-maternidade de 120 dias apenas à gestante (inc. XVIII do art. 7º), obrigar o empregador a conceder tal benefício, importa em violação ao art. 5º, II, da CF/88.” (ERR 159.112/95, Rel. Juiz Convocado Levi Ceregato, publicado no DJ de 26.11.99) “O encargo do desembolso final do pagamento da licença-maternidade é da previdência. Não existe previsão de tal reembolso ao empregador na hipótese de adoção. A imposição, por via judicial, de tal obrigação ao patrão, desnaturaria o instituto.” (ERR 248.110/96, Rel. Min. José Luiz Vasconcellos, publicado no DJ de 22

Ac. 5ª Turma: PROC. Nº TST-RR-691.952/2000.6.

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17.02.2000) “LICENÇA MATERNIDADE – MÃE ADOTIVA. Na ausência de determinação legal ou constitucional que preveja licença à empregada em razão da adoção de criança, obrigar o empregador a conceder o benefício importa em infringência do disposto no art. 5º, II, da Carta Magna. Desse modo, ainda que entenda inexistir diferença entre o filho natural e o adotivo, o fato é que a licença-maternidade no caso de adoção não está regulamentada. (RR 577.215/99, Rel. Juíza Convocada Maria Berenice, publicado no DJ de 02.02.2001) “MÃE ADOTANTE - LICENÇA MATERNIDADE. A licença maternidade é direito previsto no art. 7º, XVIII, da Constituição Federal, que confere ‘licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de cento e vinte dias’. Como se verifica, o legislador constituinte utilizou-se da expressão ‘licença à gestante’, restringindo sua aplicação à mãe biológica. Embora não haja dúvidas quanto ao importante papel social desempenhado pela mãe adotante, bem como ser incontestável o fato de que a criança adotada em seus primeiros meses de vida necessita dos mesmos cuidados especiais necessários a qualquer recém-nascido, não há como estender à adotante benefício não previsto pela legislação pátria, sob pena de afrontar o art. 5º, II, da Constituição Federal, ao impor ao empregador ônus não previsto em lei.” (RR 398.142/97, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito, publicado no DJ 27.04.2001). 23

(v) Estabilidade provisória da gestante; A Constituição de 1998 garante, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a estabilidade provisória da gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, conforme a redação: Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Dentre as 25 decisões analisadas sobre o tema, a maioria dos questionamentos levantados envolvia o momento em que a empregada gestante comunicou a empresa sobre a gravidez. Sobre esta questão cabe destacar os seguintes precedentes jurisprudenciais, utilizados na maioria dos acórdãos. Precedente Jurisprudencial nº 88 da SBDI do TST, que dispõe: "Gestante. Estabilidade provisória. O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador, salvo previsão contrária em norma coletiva, não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b", do ADCT)".

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AC. 1ª. Turma: PROC. Nº TST-RR-232/2000-007-15-00.9.

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Súmula nº 244, de seguinte teor: “GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 88 e 196 da SDI-1) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.05 I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10, II, "b" do ADCT). (ex-OJ nº 88 - DJ 16.04.2004) II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. (exSúmula nº 244 - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) III - Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa. (ex-OJ nº 196 - Inserida em 08.11.2000).”

A maioria das decisões reformadas negava a indenização pelo descumprimento do prazo para notificação da empresa. O argumento utilizado para negar a indenização é que a empresa, por desconhecimento do estado de gravidez da empregada, não poderia ter agido com dolo ou má-fé ao demitir a empregada. Assim, diante da inércia das trabalhadoras para buscarem perante o Juízo o pagamento de salários sem qualquer contraprestação laboral, restava configurada renúncia do direito à estabilidade e, portanto, não cabia a indenização. Entretanto, o TST editou uma Súmula, a 244, I, afirmando que a vedação constitucional decorre do fato objetivo da confirmação da gravidez ocorrida na vigência do contrato de trabalho, caso em que o direito da obreira à estabilidade provisória prescinde do conhecimento prévio do seu estado gestacional pelo empregador ou pela empregada no momento da rescisão contratual. Notemos que a aplicação da súmula não é obrigatória. Assim, 15 decisões foram reformadas no sentido de conceder a indenização e em 3 decisões esse entendimento foi apenas reafirmado. Segundo a posição majoritária, o art. 10, II, “b”, do ADCT deve ser interpretado no sentido de conferir a estabilidade a partir da concepção e não do momento em que foi atestada por médico ou exame clínico. Assim, mesmo que o exame de gravidez fosse realizado meses após a dispensa, caberia o direito à indenização, uma vez que o escopo da norma é garantir a sobrevivência da mulher e do bebê. Destaca-se que o direito da empregada à estabilidade decorre unicamente da concepção. O Tribunal reconhece que o escopo da garantia constitucional é, não só a proteção da gestante contra a dispensa arbitrária ou discriminatória, por estar grávida, mas principalmente a tutela da mãe e do nascituro. O acórdão TST-ED-RR-363.032/97.2 menciona expressamente a interpretação no sentido de que a finalidade da estabilidade à gestante é assegurar sua sobrevivência, já que nessa condição será difícil conseguir novo Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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emprego. Interessante notar que esta mesma decisão não tratava da ocorrência ou não de aviso, mas envolvia demissão por extinção da empresa e não por arbitrariedade ou discriminação. Também nesse caso, o TST confirmou seu entendimento de que se trata de responsabilidade objetiva e que a tutela da gestante e do nascituro deve ser garantida pela empresa. Entretanto, o período cabível para pleitear o direito à estabilidade é controverso. Em duas decisões, o fato de a ação ter sido ajuizada após o decurso do período estabilitário não constituiu obstáculo ao deferimento da indenização decorrente da estabilidade, desde que obedecido o prazo de dois anos para prescrição de direito trabalhista. Em outras, destaca-se o período compreendido desde a confirmação de sua gravidez até cinco meses após o parto para que a gestante possa pleitear a indenização. Assim, o reconhecimento de que a empregada gestante é detentora de estabilidade provisória assegura-lhe o direito à reintegração no emprego, apenas se esta se der dentro do período de estabilidade, ou aos salários correspondentes ao período estabilitário, desde a data da dispensa até o final do período da estabilidade. Desta forma, ao demitir a empregada, a empresa deveria diligenciar no sentido de certificar-se sobre a possibilidade da mesma estar sob o amparo da estabilidade provisória. Não o fazendo, assumiu o risco de responder pelas conseqüências daí decorrentes. A natureza objetiva do benefício impede a configuração de renúncia, pelo que sempre será devida à gestante a indenização por todo o período de estabilidade. Não havendo a reintegração durante o período de estabilidade, resta o direito ao pagamento de salários e demais direitos como FGTS, férias com o terço contratual e 13º salário, correspondentes ao período de estabilidade. Neste sentido, cabe observar a argumentação sobre a responsabilidade objetiva do empregador e a relevância social da gestação: Na verdade a gravidez está confirmada no momento mesmo da concepção. Por isso, quando o empregador despede a empregada gestante sem justa causa, ainda que disso não saiba, assume o risco dos ônus respectivos. É, pois, uma questão de responsabilidade objetiva. Nesse sentido, basta a ocorrência do estado gravídico para nascer o direito ora discutido, pois se o legislador constituinte não exigiu a ciência prévia do empregador como requisito para garantia provisória do emprego, restringindo, assim, a aquisição do direito, não pode o intérprete restringir, negando à empregada a garantia que o legislador concedeu, mais precisamente, à gestação como fato social relevante e suas conseqüências. A interpretação teleológica da norma pertinente leva, inequivocamente, à conclusão de que se quer proteger a mulher grávida e o nascituro pela importância social que possui tal fato.

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No mesmo sentido a decisão recorrida citada no acórdão TST-RR-1241/2005-00704-00.1: No entender da Juíza-Relatora, o preceito constitucional que garante a estabilidade a gestante (art. 10, II, "b", do ADCT) se funda na proteção à maternidade e não na culpa do patrão. Assim, é irrelevante o conhecimento ou não da gravidez da empregada por parte do empregador. A hipótese de incidência da norma é o estado gravídico e não a ciência da empresa. É a chamada teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual, a garantia de emprego decorre da confirmação da gravidez (confirmação de sua existência) e não da comprovação da mesma para o empregador. Ao demitir a empregada, a demandada deveria diligenciar no sentido de certificar-se sobre a possibilidade da mesma estar sob o amparo da estabilidade provisória. Não o fazendo, assumiu o risco de responder pelas conseqüências daí decorrentes.

Neste caso, a decisão recorrida não foi mantida, pois apesar do entendimento transcrito acima, entendeu-se que dois e únicos são os pressupostos para que a empregada tenha assegurado seu direito ao emprego ou o direito à reparação pecuniária: que esteja a mulher grávida e que sua dispensa não seja motivada por prática de falta funcional prevista no artigo 482 da CLT. Assim, a exigência de aferição do elemento subjetivo do empregador, para imputar seu ato de ilícito, se dá pelo conhecimento a gravidez, portanto é lícito o ato demissional, uma vez que a empresa desconhecia o estado gravídico da empregada à época da dispensa. A sentença foi reformada reafirmando-se que, uma vez que era incontroverso o fato de que a empregada já se encontrava grávida quando de sua dispensa pela empregadora, independentemente do fato de que a própria mulher não tinha conhecimento do fato, cabe a indenização por estabilidade. A decisão TST-RR-142/2003-007-07-40.9, ao discutir se o desconhecimento da gravidez pelo empregador constitui obstáculo à indenização decorrente da estabilidade gestante, destaca que o Tribunal adotou a teoria da responsabilidade objetiva, considerando que a garantia constitucional tem como escopo a proteção da maternidade e do nascituro, independentemente da comprovação da gravidez perante o empregador. Para tanto, transcreve o entendimento adotado pela SDI in E-RR 207.124/95, Rel. Min. Vantuil Abdala: (...) a exigência, como pressuposto para a estabilidade provisória, da ciência prévia do empregador do estado de gravidez inexiste na lei. A atual Constituição não exige tal comunicação ao empregador para que a gestante esteja protegida da despedida arbitrária, assegurando-lhe tal proteção desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, protegendo objetivamente a gestante. Até porque a própria gestante pode ainda não ter como saber de seu estado quando despedida, e essa impossibilidade não poderia lhe acarretar a perda desse direito que visa a tutela principalmente do nascituro. 'A confirmação da gravidez' não se dá através do exame médico, pois este, na realidade, apenas atesta a gravidez. Na verdade a gravidez está confirmada no momento mesmo da concepção. Por isso, quando o empregador despede a empregada gestante sem justa causa, ainda que disso não saiba, assume o risco dos ônus respectivos. É, pois, uma questão de responsabilidade

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objetiva. Nesse sentido, basta a ocorrência do estado gravídico para nascer o direito ora discutido, pois se o legislador constituinte não exigiu a ciência prévia do empregador como requisito para garantia provisória do emprego, restringindo, assim, a aquisição do direito, não pode o intérprete restringir, negando à empregada a garantia que o legislador concedeu, mais precisamente, à gestação como fato social relevante e suas conseqüências. A interpretação teleológica da norma pertinente leva, inequivocamente, à conclusão de que se quer proteger a mulher grávida e o nascituro pela importância social que possui tal fato.

A decisão recorrida do acórdão TST-RR-753.061/2001.7 também destaca: Ocorrendo a gravidez na vigência do contrato de trabalho, assume o empregador a responsabilidade objetiva consubstanciada no dever legal de abster-se de despedir a empregada e pagar-lhe os salários até cinco meses após o parto. Trata-se de responsabilidade objetiva do empregador, decorrente de um só fato: comprovação da gravidez na vigência do contrato de trabalho. E comprovação não se confunde com informação, comunicação.

Essa decisão é mantida, para o que o Magistrado recorre à citação de doutrina sobre o princípio da proteção: Vale a pena citar os ensinamentos de AMÉRICO PLÁ RODRIGUEZ (Princípios de Direito do Trabalho), quando se refere ao princípio da proteção. Preleciona que, enquanto no direito comum, uma constante preocupação parece assegurar a igualdade jurídica entre contratantes, no direito do trabalho, a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes. Sustenta que não constitui a proteção método especial de interpretação, mas um princípio geral que inspira todas as normas de direito do trabalho e que deve ser levada em conta na sua aplicação, tendo sua razão de ser no desnível econômico que se manifesta no contrato de maneira substancial. Desse contexto, verifica-se que a razão de ser do artigo 10, II, "b", do ADCT foi a de proteger a empregada-gestante contra a resilição unilateral do contrato de trabalho, objetivando impedir que o estado fisiológico da mulher no processo de gestação se constitua um fator de discriminação.

Interessante notar que a mesma citação de doutrina será novamente utilizada pelo Ministro Rider de Brito em argumentação no sentido contrário, mais detalhada nos itens que se seguem. No mesmo sentido: Com a promulgação da Constituição Cidadã, foram reforçados e ampliados os direitos individuais, com repúdio a todas as formas de discriminação social. Dentro desse novo contexto, a garantia provisória no emprego da gestante não se resolve apenas pelo poder econômico do empregador, em indenizar o período de estabilidade, como se vê em atuais posicionamentos do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, mas tem como fim quebrar as barreiras do preconceito, resguardando à obreira a manutenção do posto de trabalho, com vistas à proteção da criança.

Da mesma forma, as decisões recorridas citadas nos acórdãos TST-RR14.215/2004-015-09-00.0, TST-RR-2054/2003-060-02-00.3, TST-RR-520/2002-044-02-85.9, TST-RR-734952/2001.7, TST-ED-AIRR-672.698/2000.1, TST–RR–737.257/2001.6, TSTRR-202/2007-060-03-00.3 e a decisão TST-RR-660295/2000.9 também fazem referencia à Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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responsabilidade objetiva ao discutir a matéria. Não obstante o predomínio da jurisprudência favorável à indenização por estabilidade com base no elemento objetivo da gravidez, encontramos algumas decisões que a indeferiram, sob duas constelações de argumentos, quais sejam o descumprimento do prazo para notificação da empresa, a falência ou extinção da empresa, a obtenção de novo emprego, a gestante empregada como doméstica, a gestante que engravida no lapso de tempo do período indenizado: Duas decisões indicam a contramão do entendimento majoritário destacado no item 2. Nestas, a indenização foi negada, pois se entendeu que se a empregada não pleiteia a reintegração imediatamente à confirmação do seu estado gravídico, não tem interesse no retorno ao emprego que lhe é garantido no período gestacional, o que resulta em renúncia à estabilidade, perdendo assim os direitos pecuniários. Por não informar ao empregador seu estado gravídico, não há como se entender que possa haver direito subjetivo violado, já que a presunção é de que o empregador esteja atuando de boa-fé. Entretanto, a decisão considera que essa hipótese não aplica-se ao caso em questão, uma vez que a empregada deixou transcorrer um ano e nove meses após a dispensa para pleitear os seus direitos, de forma que sua inércia foi considerada como uma demonstração de que não tinha intenção de retornar ao emprego, pois se fosse, teria ajuizado a ação trabalhista anteriormente e não permanecido inerte postulando tais direitos somente após o término do período de estabilidade albergado pela Constituição. Neste sentido, o Magistrado cita o seguinte precedente:

Nesse mesmo sentido já decidiu a DI.2, ROAR 270.661/96, Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJ em 25/09/98, verbis: 'AÇÃO RESCISÓRIA - ESTABILIDADE PROVISÓRIA - GESTANTE. O AJUIZAMENTO DA RECLAMATÓRIA TRABALHISTA APÓS TERMINADO PERÍODO DA GARANTIA INSCULPIDA NO ARTIGO DECIMO, INCISO DOIS, ALÍNEA "B" DO ADCT. O FATO DE TER A EMPREGADA DEIXADO PARA POSTULAR O DIREITO A QUE FAZIA JUS APENAS DEPOIS DE FINDO O PERÍODO ESTABILITÁRIO, ESVAZIOU O OBJETIVO SOCIAL DE NORMA CONSTITUCIONAL QUE É O DE GARANTIR À GESTANTE DE DISPENSA DO EMPREGO, ASSIM COMO O EXERCÍCIO DAS PRERROGATIVAS INERENTES À MATERNIDADE. SE A EMPREGADA REALMENTE PRETENDESSE RETORNAR AO EMPREGO E NECESSITASSE PARA SUA MANTENÇA E DE SEU FILHO, NÃO PRORROGARIA O EXERCÍCIO DE SEU DIREITO QUANDO ESTE NÃO MAIS SE JUSTIFICAVA. ULTRAPASSADO O PERÍODO DE ESTABILIDADE PROVISÓRIA, O PEDIDO NÃO PODE SER REINTEGRATÓRIO, E PORTANTO, A RESOLUÇÃO DA OBRIGAÇÃO EM PERDAS E DANOS, TAMBÉM, NÃO PROCEDE DIANTE DA INÉRCIA DA DETENTORA DO DIREITO, QUE NA VERDADE, DEMONSTROU A INTENÇÃO DE BENEFICIAR-SE DE SALÁRIO

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POR PERÍODO NÃO TRABALHADO. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. ' Cito, entre outros, os seguintes precedentes que perfilham o mesmo entendimento: RR 379.961/1997, 5ª Turma, julgado em 16/05/20001, de minha lavra; RR 394.614/97, 5ª Turma, dj. 01/12/2000, Juiz convocado Guedes de Amorim; RR 347.831/98, 5ª Turma, dj. 30/10/1998, Min. Nelson Antônio Daiha. Verifica-se, portanto, que o pedido formulado no Recurso de conversão da reintegração em indenização encontra-se sem objeto, na medida em que o retorno da Reclamante ao emprego ocorreu um ano e nove meses depois de sua demissão, tendo, inclusive, expirado o período estabilitário. Assim, não havendo mais garantia no emprego, o pedido da empregada perdeu seu objeto.

Assim, entendeu-se que a empregada pretendeu obter apenas as vantagens pecuniárias advindas da estabilidade provisória e que tal comportamento implica exercício abusivo do direito de ação porque desviado de sua finalidade. Da mesma forma, a decisão TST-RR-650.688/2000.0: (...) deve a empregada, em caso de dispensa no período estabilitário, postular a reintegração ao emprego, sendo que o pedido de indenização decorre notadamente da eventual recusa da empregadora em reintegrá-la, a fim de evitar o ônus do pagamento da indenização. Nesse diapasão, se a empregada não pleiteia a reintegração imediatamente à confirmação do seu estado gravídico, não tem interesse no retorno ao emprego que lhe é garantido no período gestacional, resultando em verdadeira renúncia à estabilidade, perdendo, destarte os direitos pecuniários. Eis a hipótese vertente, principalmente, porque a reclamante limita-se a postular apenas a indenização pelo período de estabilidade provisória. Neste sentido, não se pode exigir da reclamada, ab initio, a indenização do período de garantia no emprego, posto que a legislação visa prioritariamente à manutenção deste.

Neste sentido, cabe ainda destacar o trecho da decisão recorrida no acórdão TSTRR-2054/2003-060-02-00.3: Não tendo a reclamante comunicado sua gravidez e, desta forma, tendo obstado ao empregador a possibilidade de reconsiderar sua decisão de despedi-la, não há como se entender que tenha a reclamante o direito que pretende. Aplicar a tal situação a teoria do risco, ou responsabilidade objetiva é mal comparar a mulher a uma locomotiva ou aeronave, estabelecendo mesmo uma discriminação ao contrário. A proteção legal deve ser suficiente a que se torne efetiva e coíba procedimentos discriminatórios. Mas não pode ser utilizada para gerar iniqüidades, nem para gerar abuso de direito, a partir da posição cômoda de nada informar, para depois reclamar.

Entretanto, neste caso a decisão não foi mantida, por entender-se que quanto à necessidade de comunicação ao empregador do estado gravídico adota-se a teoria da responsabilidade objetiva, considerando que a garantia constitucional tem como escopo a proteção da maternidade e do nascituro, independentemente da comprovação da gravidez perante o empregador no momento da dispensa. Seguindo a linha majoritária de que a indenização decorre objetivamente do estado gravídico, como medida de proteção à subsistência da mãe e da criança, na decisão TST-EDEsta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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RR-363.032/97.2 entendeu-se que o fechamento da empresa, por qualquer que tenha sido o motivo, não altera a obrigação do empregador de garantir a subsistência da trabalhadora detentora da estabilidade, pois o direito é dirigido especialmente ao nascituro, que não se modifica em face da cessação das atividades empresariais. Nesta decisão entende-se que a finalidade da estabilidade da gestante é assegurar a sobrevivência da mulher e de seu filho, uma vez que na condição de gestante será mais difícil conseguir um novo emprego, de forma cabe a indenização mesmo que a dispensa não tenha sido arbitrária ou por motivo de discriminação. Em sentido contrário, no caso TST-RR-1.093/2004-096-15-00.3 em que a demissão decorreu da falência da empresa e no caso TST-RR-1.651/1999-001-15-00.5 em que a demissão decorreu do fechamento da empresa, entendeu-se que extinto o estabelecimento onde a gestante trabalhava pressupõe-se que a demissão não ocorreu por arbitrariedade ou discriminação por parte do empregador. Tais acórdãos entenderam que são as circunstâncias ligadas à discriminação e arbitrariedade que ensejaram o julgamento favorável nestes casos A decisão TST-ED-AIRR-672.698/2000.1 foi julgada no seguinte sentido: ainda que fosse cumprido o prazo fixado pela norma para notificar a empresa sobre a gestação, no caso em que a mulher já havia obtido novo emprego, a indenização não foi concedida. Destacou-se que a finalidade da norma é a garantia de emprego à gestante e não o pagamento da indenização, de forma que se a mulher já obteve um novo emprego, considera-se inaplicável o pagamento. Mesmo que demitida sem justa causa, comprovada a gravidez e cumprido o prazo para notificação da empresa, o pedido de indenização da mulher que já havia obtido um novo emprego foi negado. 
A decisão TST-RR-202/2007-060-03-00.3 destacou que a jurisprudência predominante no TST encontra-se cristalizada no sentido de que não cabe indenização por estabilidade à gestante que fica grávida durante o período de tempo do aviso prévio devidamente indenizado. As

decisões

TST-RR-545/2001-001-15-00.0

e

TST-RR-460.223/1998.0

consignaram que não é passível à empregada doméstica pleitear a estabilidade provisória concedida à mulher gestante. Isso porque a Constituição Federal de 1988 não equiparou o empregado doméstico ao trabalhador comum no que diz respeito aos direitos previdenciários e trabalhistas e, portanto, estes não gozam da proteção prevista no art. 10, II, b, do ADCT. Debatendo o prazo para notificação da empregadora sobre a gestação, a da decisão recorrida citada pelo acórdão TST-RR-706/2004-043-02-00.0 aponta que os livros científicos registram ocorrências de gravidez assintomáticas, qual seja, a mulher, mesmo grávida, durante Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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certo período não sofre os sintomas comuns da gestação (tonturas, náuseas, incômodos, etc.), o que até certo momento impediria a gestante de suspeitar a ocorrência da gravidez. Entretanto, a decisão recorrida não foi confirmada, por entende-se que: O fato de a empregada realizar o exame de gravidez meses após sua despedida não constitui obstáculo, por si só, nem impedimento para recebimento da indenização decorrente da estabilidade. (…) (Oferecendo a restituição do emprego) a empresa reconheceu a gestação da reclamante, dentro do período de estabilidade. Assim não se pode cogitar de desconhecimento, pela empresa, do estado gravídico da reclamante.

Interessante notar a designação da maternidade como função fisiológica e bem jurídico socialmente relevante, como por exemplo nos trechos: O que se pretendeu com esse dispositivo foi garantir o emprego e não as verbas ressarcitórias. O objetivo da Carta Magna é proteger o emprego contra a resilição unilateral do contrato de trabalho pelo empregador, impedindo que a função fisiológica da mulher no processo de reprodução constitua causa de discriminação, com embaraços ao exercício de seu direito ao trabalho. O Direito do Trabalho, que sempre exige proximidade com a realidade da vida, também preocupado com a grandeza biológica e social da reprodução humana, tutela a concepção em si e no seu aspecto. Portanto, havendo a concepção, aliada à ausência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, o direito, quer à estabilidade provisória, quer à indenização substitutiva, se adere irrefutavelmente ao patrimônio da gestante.

(vi) Discriminação da gestante Um acórdão da primeira turma do TST (RR-36614/2002-900-12-00.8) trata da discriminação de uma empregada gestante que teria sido destituída da função de caixa de banco, melhor remunerada do que as outras, em razão de sua gravidez. A defesa alegou que havia um rodízio para ocupar a função com o objetivo de proporcionar a todos os empregados a oportunidade de receber um salário melhor. A destituição da função teria sido devido às regras criadas pelo sistema de rodízio. O TST reconheceu a ocorrência de discriminação, mantendo a sentença de primeiro grau, pois o empregador não comprovou a existência do alegado rodízio.

(vii) Assédio sexual; Um acórdão da 6ª Turma do TST (RR-75/2005-531-04-00.0) discute um caso de assédio sexual sem, no entanto, entrar no mérito do problema decidido pela primeira instância. O TST considerou que não é sua competência reexaminar os fatos relacionados com a demanda, pois sua função é apenas lidar com matéria de direito, nos termos da Súmula 126:

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"Incabível o recurso de revista ou de embargos (CLT, artigos 896 e 894, b) para reexame de fatos e provas. O julgado confirmou a existência do assédio, corroborando a colheita de provas realizada pela primeira instância.

(viii) Auxílio-creche; O acórdão da 4ª. Turma do TST no Recurso de Revista 52/2003-003-22-00.6 discutiu a possibilidade de conceder o auxílio-creche previsto em um Acordo Coletivo de Trabalho a homens solteiros. O ACT de 2002/2003 previu o direito à percepção do auxílio-creche somente às mães, aos viúvos e aos pais solteiros ou separados que tenham a guarda dos filhos. O autor da ação, homem solteiro, alegou que estaria sendo discriminado em razão do sexo diante da norma citada. O TST decidiu que não há discriminação, pois a diferenciação tem como objetivo amenizar o desgaste da empregada mãe, sujeita a uma dupla jornada de trabalho. Veja-se abaixo a argumentação: Com efeito, o ACT de 2002/2003, ao fixar critérios para a concessão do auxíliocreche, visou a amenizar o desgaste da empregada mãe e, por equiparação, o empregado viúvo e o solteiro ou separado que detém a guarda de filho com idade para freqüentar creche, pela labuta doméstica a que os empregados nessas condições estão sujeitos. Ora, as mulheres que trabalham fora estão sujeitas à dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Nessas mesmas circunstâncias encontra-se o homem que cria seus filhos sozinho, sem a ajuda da esposa. Sendo assim, descabe invocar o princípio da isonomia (CF, art. 5o, caput) para igualar homens e mulheres indiscriminadamente, na medida em que esse postulado admite exceções, sendo certo que a própria Constituição da República estabelece algumas diferenças entre os sexos, a exemplo da aposentadoria para as mulheres, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária (CF, art. 201, § 7º, I e II). Essa diferenciação em matéria previdenciária apenas se justifica diante da realidade do desgaste maior da mulher trabalhadora, quando se tem em conta a necessidade a que está sujeita, de compatibilização dos deveres domésticos com o trabalho profissional. A argumentação justifica a diferenciação citando a filósofa Edith Stein: Para EDITH STEIN (1891-1942), destaque feminino no campo filosófico (fenomenologista), três características se destacam na relação homem-mulher: igual dignidade, complementariedade e diferenciação (não só biológica, mas também anímica). Cada um dos sexos teria sua vocação primária e secundária, em que, nesta segunda, seria colaborador do outro: a vocação primária do homem seria o domínio sobre a terra e a da mulher a geração e educação dos filhos (“A primeira vocação profissional da mulher é a construção da família”). Por isso, a mulher deve encontrar, na sociedade, a profissão adequada que não a impeça de cumprir a sua vocação primária, de ser “o coração da família e a alma da casa”. O papel da mulher é próprio e insubstituível, não podendo limitar-se à imitação do modo de ser

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masculino (cfr. Elisabeth Kawa, “Edith Stein”, Quadrante – 1999 – São Paulo, pgs. 58-63).

Esta referência, que já apareceu em outro julgado citado acima, escrito pelo mesmo relator, o Exmo. Juiz do TST Ives Gandra Martins Filho, aponta para uma interpretação essencializante do papel da mulher - a julgar pelos julgados analisados, minoritária no TST -, vista como diferente biológica e animicamente em relação ao homem, daí justificar-se a discriminação perante a Constituição Federal também em outras hipóteses. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora, corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do auxílio-creche.

3.1.3 Algumas considerações sobre os dados encontrados Os casos analisados chamam a atenção do intérprete por referirem-se a questões relacionadas às conseqüências patrimoniais do descumprimento dos direitos e não uma discussão sobre os direitos da mulher em si. As ações, em sua ampla maioria, foram propostas quando a violação aos direitos das mulheres já havia ocorrido e a autora da ação buscava uma indenização ou compensação pelos danos sofridos. Discute-se, portanto, uma violação que já ocorreu e não a possibilidade de evitá-la ou revertê-la em tempo hábil para evitar que seus efeitos indesejados ocorram. O padrão na Justiça do Trabalho, que se reproduz aqui na maior parte dos casos (exceto no caso de licença-gestante em que há casos de reintegração ao emprego), é que o empregado processa o empregador ao final de seu contrato de trabalho, ou seja, no momento em que a violação já ocorreu. Esta forma de tutela acaba por tematizar a discriminação apenas como fato gerador do direito à indenização ou compensação, instrumentalizando-a em função de um determinado valor pecuniário. Chamaremos este fenômeno de tutela indireta da discriminação à mulher para constrastá-lo com a tutela direta da discriminação, que implicaria na discussão da violação do direito propriamente dito e não apenas de suas conseqüências. Deixemos este ponto mais claro. A todo direito a não discriminação corresponde ao dever de não discriminar, um dever de abster-se da prática de uma conduta discriminatória. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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Coisa diversa são as conseqüências jurídicas que emanam de um ato discriminatório, conseqüências que podem ser, basicamente, civis (pagamento de indenização ou compensação) e penais (imposição de uma pena se a conduta puder ser classificada como crime). Quando o Poder Judiciário discute a imposição de uma pena ou o pagamento de um valor em conseqüência de um ato, normalmente isso significa que o ato ilícito já foi praticado e resta apenas compensar os prejuízos do atingido e/ou punir o agente em nome do interesse social de afirmar publicamente o descumprimento da norma. Ora, é possível pensar em mecanismos de tutela que se dirijam ao dever de abstenção propriamente dito para evitar que ele ocorra ou para interromper seu descumprimento enquanto ele ainda está ocorrendo e, portanto, não foram desencadeados todos os seus efeitos lesivos. Para que isto seja possível, é preciso pensar em mecanismos de tutela diretos que façam valer o direito à abstenção contra o ato lesivo e mecanismos que facilitem aos lesados comunicar a violação de seus direitos sem que possam ser objeto de represálias. Um exame superficial de nosso ordenamento jurídico permite visualizar as medidas cautelares inominadas24 e a tutela inibitória como instrumento de tutela nestes casos. Seria possível propor uma cautelar diante da discriminação para solicitar a reversão do ato até decisão final pelo Poder Judiciário ou uma medida tutelar inibitória25 para que cesse um ato. Claro, estas soluções encontram entraves na própria tendência de os empregados processarem seus empregadores apenas após o término dos contratos de trabalho para evitar retaliações, fenômeno perceptível na análise dos julgados: como já dito, poucos se referem a processos iniciados durante o curso do contrato. Seja-nos permitida uma digressão sobre este ponto, muito importante para pensar o problema mencionado. Parece razoável afirmar que a tendência de os empregados brasileiros processarem seus empregadores apenas ao final do contrato esteja ligada à possibilidade que a lei faculta ao empregador de demitir os empregados sem declarar os motivos que o levaram a

24

As cautelares inominadas estão previstas no art. 798 do Código de Processo Civil. Quando houver fundado receio que, antes do julgamento da lide, uma parte cause à outra lesão grave e de difícil reparação, pode-se pedir ao juiz que adote medidas para evitar a lesão. Além do elenco de medidas previstas no CPC, o juiz pode adotar quaisquer outras, utilizando-se do poder geral de cautela que a lei lhe confere. A cautelar tem como objetivo principal “assegurar a permanência ou conservação do estado das pessoas, coisas e provas, enquanto não atingido o estágio último da prestação jurisdicional” para que esta não se torne uma providência inócua. V. THEODORO JÚNIOR, H., Processo Cautelar, São Paulo: LEUD, 1998, p. 43; 100-111. 25 A tutela inibitória “tem por fim impedir a prática, a continuação ou repetição do ilícito e não uma tutela dirigida à reparação do dano”. É um tipo de tutela que se preocupa com “a prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito”. V. MARINONI, L. G., Tutela Inibitória (individual e coletiva), São Paulo: RT, 2000, p. 26. Há previsão explícita da adoção de medidas inibitórias no art. 461 do CPC, que trata da tutela das obrigações de fazer ou não fazer.

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fazê-lo. No direito brasileiro, apenas em caso de demissão por justa causa o empregado tem o dever de declarar o motivo da dispensa. A dispensa sem justa causa o escusa deste dever em troca do pagamento de uma indenização correspondente a 40% do valor depositado durante todo o contrato a título de FGTS.26 Esta possibilidade, a despeito de estar ligada à mencionada indenização, aumenta o poder do empregador perante o empregado. Ela priva o último, numa eventual ação judicial, de questionar os motivos declarados de sua demissão. A obrigatoriedade em declarar tais motivos delimitaria um campo de discussão bastante preciso. Caso o empregado desejasse questionar sua demissão, ele poderia tentar provar que o motivo declarado era falso e bastaria isso para que a demissão fosse considerada ilícita. Ficaria, assim, afastada a possibilidade de demissões por mero capricho que, mesmo com o pagamento da indenização, são indesejadas. Hoje, uma demissão por mero capricho, desde que seja paga a indenização, é perfeitamente lícita. Perceba-se que esta possibilidade de demissão por mero capricho é uma brecha para a prática de atos discriminatórios. A previsão de uma indenização supostamente compensaria o empregado desta situação de maior insegurança diante do empregador, além de, teoricamente, desestimular o empregador a demitir sem justa causa. No entanto, para os fins de proteção contra a discriminação, parece mais adequado obrigar o empregador a declarar, em qualquer hipótese, o motivo da demissão. Este dever imposto ao empregador em nome do interesse público de evitar as relações de trabalho, de natureza alimentar, ou seja, das quais o empregado depende para sobreviver, fiquem sujeitas ao mero capricho de uma das partes, fortaleceria a tutela anti-discriminação. Retomando o fio da meada, a tematização do dever de abstenção em relação a uma conduta discriminatória pode ser favorecida, eventualmente, pela criação de uma cautelar nominada anti-discriminação com procedimento sumário e de justiça gratuita. Por hipótese, uma ação com estas características poderia facilitar a proposição de ações ainda no curso do contrato de trabalho. Outra possibilidade, que não exclui a aventada acima, seria a criação obrigatória de comissões anti-discriminação nas empresas (ou de comitês sindicais que exercessem tal função), com poderes-deveres investigatórios (como a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA) e, eventualmente, a possibilidade de iniciar ações ex officio (pois se trata 26

Ver Constituição Federal art. 7º, I e art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 487.

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de interesse público e não privado). Essas comissões poderiam também examinar casos de supostas demissões discriminatórias, discriminações salariais e diversos outros atos discriminatórios não apenas contra as mulheres. Tais comissões poderiam atuar em casos de suspeita de discriminação contra afrodescendentes, homossexuais, índios etc. Um órgão como esse, é de ressaltar, poderia ganharia força se combinado com a representação sindical no local de trabalho. Mecanismos desta natureza podem ajudar na vigilância e na tematização da discriminação no local de trabalho, facilitando a identificação de atos desta natureza e sua comunicação às autoridades. Trata-se de discutir, neste caso, a possibilidade de responsabilizar as empresas pelos atos de seus funcionários como forma de tutelar o direito a não discriminação27. Como dissemos acima, é possível obrigar que as empresas adotem determinadas práticas e constituam determinados mecanismos destinados a combater a discriminação e, na falta deles, impor-lhes multas administrativas e, eventualmente, co-responsabilizar as mesmas pelas conseqüências patrimoniais de ilícitos desta natureza. Neste caso, a responsabilização decorreria da negligência da empresa em cumprir deveres previstos em lei. Outro ponto importante a se discutir a partir dos casos analisados é o que chamaremos de processo de desnaturalização da categoria mulher que está em curso nos tribunais. Podese ver claramente o processo de adequação da legislação infraconstitucional, especialmente a CLT, com a Constituição de 1988. Tradicionalmente, o espírito da CLT e da legislação sobre o trabalho da mulher é proteger a mulher no que diz respeito a) a duração da jornada de trabalho; b) trabalho noturno; c) trabalhos perigosos e insalubres; d) repouso semana; e) gravidez; maternidade; g) moralidade.28 Os principais fundamentos com base nos quais se procurou justificar o sistema em causa foram os seguintes: a) a vocação da mulher para os serviços domésticos e a conseqüente necessidade de ser protegida, no interesse do marido e da família, contra a exploração abusiva dos empregadores; b) a debilidade da mulher que a

27

A despeito de referentes ao tema da responsabilização criminal das pessoas jurídicas, as reflexões de Fisse & Braithwaite são úteis nesse ponto. Criticando a busca de responsabilização individual neste caso, eles mostram que um caminho mais promissor neste caso seria “estruturar os mecanismos de efetivação da lei para ativar e monitorar mecanismos de justiça privada das corporações” que “catalisam a disciplina interna, especialmente onde o segredo, o número de suspeitos e considerações deste tipo dificultem ou impossibilitem a responsabilização penal individual”. V. FISSE, Brent; BRAITHWAITE, John, The Allocation of Responsibility for Corporate Crime: Individualism, Collectivism and Accountability, Sydney Law Review, v. 11, 1986-1988, p. 510. 28 MAGANO, Octávio Bueno. Manual de Direito do Trabalho, Volume IV: Direito Tutelar do Trabalho. São Paulo, LTr, 1992, p. 100-101.

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incapacita para trabalhos longos e penosos; c) o interesse social na preservação da saúde da mulher, dada a sua condição de produtora de seres humanos. 29

Já o espírito constituinte, nascido num momento em que todas estas justificativas se encontram sob escrutínio público, reflete uma visão bastante diferente. Ao invés de proteção, trata-se de proibir a discriminação da mulher, ou seja, seu tratamento diferenciado, exceto em casos em que ela se justifique. Os motivos para justificação de uma discriminação lícita podem variar, mas este modelo de tutela que permite a diferenciação apenas por exceção. Esta mudança de racionalidade não implica em que os dois diplomas sejam incompatíveis em todos os pontos, mas tem exigido como é visível nos casos estudados, que as diferenciações presentes na CLT sejam examinadas segundo esta lógica: se forem consideradas licitas perante a Constituição, podem prevalecer; do contrário, são julgadas inconstitucionais. Este resultado deixa claro que, qualquer diferenciação que venha a ser criada em favor da mulher em legislação infraconstitucional deve ser muito bem justificada para não ser julgada inconstitucional pelo TST. Esta discussão aparece nos acórdãos sobre a ampliação ou redução do período para refeição e repouso concedido à empregada, durante a jornada de trabalho; o descanso de 15 minutos no mínimo, a que tem direito a mulher, em caso de prorrogação do horário normal de trabalho; licença maternidade destinada à mãe adotante e auxílio-creche. Todos eles retratam a recepção da Constituição pelo direito brasileiro, com a devida adequação da legislação de nível inferior à lógica constitucional. Além disso, esta mesma discussão se reflete nos julgados que relativizam caracterizações biologizantes e naturalizadoras da mulher em face da nova Constituição. Isso fica claro em todos os julgados sobre os temas que citamos acima. Com algumas exceções (dois acórdãos escritos pelo relator 4ª Turma do TST, Ives Gandra Martins Filho, citados no corpo da análise), eles tendem a afastar direitos que diferenciam a mulher em razão de características que lhes seriam essenciais. Claro, porque a justiça do trabalho não tem se manifestado diretamente sobre atos discriminatórios, salvo casos excepcionais, este ativismo na interpretação das leis ainda é muito discreto e não atingiu o potencial que poderia ter em termos de fazer avançar a igualdade entre homens e mulheres e sancionar a discriminação. Os acórdãos citados também chamam a atenção pela ausência de tematização de uma série de problemas sabidamente graves para a implementação da igualdade entre homens e mulheres. Pode-se citar, por exemplo, a discriminação salarial e a discriminação das 29

Idem, ibidem, p. 101.

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mulheres em cargos de chefia, temas tradicionais da luta feminista no campo das relações de trabalho. Com a exceção do acórdão que tratou da discriminação da gestante em um cargo de confiança, o problema sequer apareceu. Vale para este tema o raciocínio que fizemos acima: é importante pensar mecanismos que facilitem a descoberta, a investigação e a tematização de atos desta natureza perante as autoridades. A lógica da regulação, neste caso, poderia ser a criação do dever do empregador, em caso de ação judicial, de informar os salários pagos a todos os empregados e seus respectivos cargos e tarefas (hoje o autor da ação tem que provar a existência da discrepância, o que torna a prova muito difícil diante do sigilo), a produção de relatórios periódicos sobre o percentual de mulheres e homens em cargos de chefia e outras medidas, como a criação de comissões anti-discriminação (com reuniões periódicas e estabilidade para seus integrantes) capazes de dar forma a demandas que permanecem não formuladas e ter acesso a dados para fins investigatórios. Outro ponto importante a se ressaltar são algumas características da argumentação utilizada nos acórdãos analisados. O primeiro ponto relevante é a falta de um uso sistemático da jurisprudência. As decisões analisadas não trazem referências sobre casos paradigmáticos e parecem citá-los apenas para corroborar a posição adotada na decisão. No que se refere a outros materiais jurídicos, como a legislação, há maior coerência e clareza nas argumentações. É sempre possível identificar o material sobre o qual as decisões divergem e mapear as diversas posições existentes sobre a aplicação das normas. Outra característica interessante nos casos analisados, aspecto que é um desdobramento da discussão acima sobre o processo de desnaturalização da categoria mulher pela jurisprudência, é a importância das normas constitucionais para a argumentação dos casos analisados, especialmente aqueles que discutem a pertinência das diferenciações entre homens e mulheres. A CF é o material jurídico mais importante para o debate dogmático neste campo do direito, aparecendo como argumento crucial nas posições jurisprudenciais predominantes e mesmo nas posições vencidas.

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3.2. Jurisprudência sobre Cotas Eleitorais 3.2.1 Histórico da regulamentação das cotas eleitorais a. As cotas políticas no direito brasileiro: legislação vigente e passada A reserva de cotas para candidatas do sexo feminino em partidos políticos ou coligações foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei n.º 9.100 de 1995, que estabeleceu normas para a realização das eleições municipais de três de outubro de 1996. O artigo 10 desta lei determinava que cada partido ou coligação poderia registrar um número de candidatos para a Câmara Municipal equivalente a, no máximo cento e vinte por cento da quantidade de lugares a preencher, sendo que vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres (art. 10, § 3º). No mesmo artigo, adotou-se uma regra para a determinação do número de vagas reservadas para as mulheres nos casos onde o cálculo previsto no § 3º resultasse em um número fracionado: a fração deverá sempre ser desprezada se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior. Em 1997, sobreveio a Lei n. º 9.504, que estabeleceu normas para eleições em geral, abrangendo as esferas dos Municípios, dos Estados e da União. Esta lei introduziu uma série de mudanças que impactaram direta e indiretamente a política de reserva de cotas de candidatura nos partidos políticos ou coligações30. Em primeiro lugar, cada partido político passa a ter a possibilidade de registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher. No caso das coligações, poderão ser registrados até o 30

O dispositivo da Lei 9.504/97 que se refere às cotas eleitorais tem a seguinte redação: Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher. § lº No caso de coligação para as eleições proporcionais, independentemente do número de partidos que a integrem, poderão ser registrados candidatos até o dobro do número de lugares a preencher. § 2º Nas unidades da Federação em que o número de lugares a preencher para a Câmara dos Deputados não exceder de vinte, cada partido poderá registrar candidatos a Deputado Federal e a Deputado Estadual ou Distrital até o dobro das respectivas vagas; havendo coligação, estes números poderão ser acrescidos de até mais cinqüenta por cento. § 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo. § 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior. § 5º No caso de as convenções para a escolha de candidatos não indicarem o número máximo de candidatos previsto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo, os órgãos de direção dos partidos respectivos poderão preencher as vagas remanescentes até sessenta dias antes do pleito.

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dobro do número de lugares a preencher. De acordo com a legislação anterior à edição da Lei 9.504/97, os limites para o registro de candidatura em eleições submetidas ao sistema proporcional eram os seguintes: para a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas, cada partido poderia registrar o número de lugares a preencher mais a metade; para as Câmaras dos vereadores, o limite de candidaturas era equivalente ao triplo de lugares a preencher; e, finalmente, tratando-se das Câmaras Municipais, cada Partido podia registrar número de candidatos igual ao triplo do número de cadeiras efetivas da respectiva Câmara (Lei n.º 4.737/65 – Código Eleitoral -, redação dada pela Lei n. 7.454/85). Em segundo lugar, a Lei n.º 9.504/97 aumentou a reserva de cotas políticas, determinando que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo (art. 10, § 3º). Para dirimir as dúvidas resultantes do cálculo em concreto da reserva, manteve-se a regra da legislação anterior, afirmando-se que a fração deverá ser desprezada se menor que meio e igualada a um se igual ou maior (art.10, § 4º). Finalmente, a legislação atual não faz menção explícita à reserva de cotas para mulheres, deixando de lado o tom assistencialista que poderia ser desprendido da legislação anterior. Enquanto a Lei n.º 9.100/95 falava especificamente num mínimo de vagas que deveriam ser preenchidas por mulheres, a lei vigente enfatiza o objetivo de se obter uma proporcionalidade entre candidatos de ambos os sexos. A política de cotas deixa, assim, de ser concebida como um privilégio para as mulheres e passa a ser um instrumento em prol da igualdade, que pode ser evocado em benefício de ambos os sexos. Cabe ressaltar, no entanto, que enquanto a Lei 9.100/95 obrigava os partidos e coligações políticas a efetivamente preencher 20% de suas vagas de candidaturas com candidatas do sexo feminino, garantindo assim a presença das mulheres nas eleições, a Lei 9.504/03 deixa de prever o efetivo preenchimento das vagas, passando a falar apenas em reserva de vagas. Assim, cabe ao partido ou coligação reservar no mínimo 30% das vagas para candidatos de cada sexo, pouco importando se essas vagas serão efetivamente preenchidas ou não. Não existe uma obrigação de registrar candidatos de ambos os sexos, mas apenas o dever de guardar 30% das vagas para homens e mulheres.

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b.

Regulamentações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

A Lei 4.737 de 1965 - o Código Eleitoral - atribui ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a competência privativa para expedir as instruções que julgar convenientes para a execução das normas contidas no Código Eleitoral (art. 23, inc. IX). Ao mesmo tempo, a Lei 9.504/97 confere ao TSE a mesma competência em relação às normas por ela definidas. No que toca às cotas eleitorais, o TSE tem exercido a sua competência regulamentar apenas para suprir eventuais contradições entre os parágrafos 3º e 4º do art. 10 da Lei 9.504/97, que dispõem, respectivamente, sobre o percentual de vagas que devem ser reservadas segundo o critério de sexo, e sobre o arredondamento das frações decorrentes da aplicação das cotas. O conflito entre estas normas se configura quando, aplicada a regra do §4º, a porcentagem mínima de vagas reservadas com base no gênero do candidato não é respeitada. Isso ocorrerá, por exemplo, no caso onde existam 14 vagas na Assembléia Legislativa e determinado partido político queira registrar o número máximo de candidatos permitidos, ou seja, 21. Aplicando literalmente a regra de arredondamento da Lei 9.504/97, o partido poderia registrar até 15 candidatos de um sexo e somente 6 do outro, visto que 30% de 21 é 6,3 e, de acordo com o art. 10, §4º da Lei 9.504/97, as frações inferiores a 5 devem ser desprezadas. No entanto, 6 candidatos sobre um total de 21 candidaturas equivaleria a 28,5% das vagas, ou seja, um percentual inferior àquele garantido pelo §3º da Lei 9.504/97. Tendo em vista esta antinomia normativa, o TSE, valendo-se de seu poder regulamentar, disciplinou o critério de cálculo com o intuito de suprir as possíveis contradições entre os parágrafos do art. 10º. De acordo com o art. 21 da Resolução 21.608/04 do TSE, tem-se que, na reserva de vagas, qualquer fração resultante será igualada a um no cálculo do percentual mínimo estabelecido para cada um dos sexos e desprezada no cálculo das vagas restantes para o outro sexo (art. 21, § 4º). Ademais, a Resolução dispõe que o preenchimento das vagas remanescentes e a substituição de candidatos devem respeitar os percentuais estabelecidos para cada sexo (art. 21, §7º)31. Ou seja, candidatos de um sexo não poderão ocupar vagas reservadas para o outro sexo, nem quando houver vagas não preenchidas. Com base nesta norma, um conflito entre os parágrafos do art. 10 da Lei 9.504 será resolvido sempre em benefício da reserva do percentual mínimo para ambos os sexos. No

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Ambos estes problemas haviam sido amplamente debatidos pela jurisprudência do TSE. Ver as seguintes decisões:

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exemplo exposto acima, a quantidade de candidatos de cada sexo teria que ser, no mínimo, sete, respeitando o mínimo de 30% da reserva de vagas. O art. 22 da Resolução TSE n.º 22.717/08 reitera os dispositivos da resolução anterior.

3.2.2 Tematização da reserva de candidaturas para mulheres no âmbito do Poder Judiciário 3.1.1.1 Metodologia de análise

(i)

Tabelamento dos acórdãos: objetivos

O tabelamento dos acórdãos sobre a reserva de cotas eleitorais não teve como objetivo a realização de uma análise quantitativa das informações coletadas, uma vez que o tamanho reduzido do universo de decisões encontradas não permitia tal estudo. Portanto, a tabela foi usada como um instrumento de sistematização das decisões encontradas e organização dos dados. Por meio do tabelamento, é possível avaliar de forma sistemática como as cotas eleitorais vêm sendo tematizadas no âmbito do Poder Judiciário, analisando quais são os problemas ou obstáculos encontrados nos Tribunais para a implementação da reserva de vagas, quem está entrando no judiciário para reivindicar a interpretação da lei de cotas, como ela vem sendo aplicada, etc. A tabela apresenta, em suas colunas, as categorias de análise por meio das quais as informações sobre cada acórdão devem ser objetivamente extraídas. No total, foram elaboradas 38 categorias para tabelamento das decisões, sendo que estas categorias estavam divididas em três grandes grupos. No primeiro grupo, foram inseridas categorias referentes aos dados sobre o processo; no segundo estão as categorias sobre os diferentes temas ou problemas abordados em cada acórdão; finalmente, o último grupo contém categorias atinentes à argumentação jurídica desenvolvida nas decisões. Estes três grupos - processo, tematização e argumentação - compõem os critérios básicos de sistematização das decisões analisadas, sendo compostos da seguinte forma: (i) Elementos processuais – contém informações sobre o tribunal de origem, data de julgamento, recorrente, tipo de recurso, número do processo, número do acórdão, relator, sexo do relator, se a decisão foi unânime e de quem foi o voto dissidente, recorrente, qualificação do recorrente, recorrido, descrição do caso, decisão e descrição da decisão; (ii) Temas abordados - trata dos tópicos discutidos nos acórdãos, a saber, se a discussão central era sobre cotas, e se os seguintes temas foram abordados:arredondamento da fração resultante do cálculo da reserva legal; possibilidade de homens ocuparem vagas Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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reservadas para mulheres caso estas se encontrassem disponíveis; base de cálculo para a reserva de cotas; constitucionalidade das vagas; e possibilidade de candidato nato ocupar vaga reservada pelas cotas. (iii) Argumentação - contém critérios de investigação de argumentos presentes nas decisões. As quinze colunas subseqüentes informam qual a principal abordagem da decisão, dispositivos legais citados, citação de princípios, a seguir, da doutrina e suas obras, e citação de casos. Para os critérios doutrina e casos, há um item que visa explicitar se a citação é ou não usada como argumento de autoridade. Ao final, os últimos dois critérios, se a decisão faz referência a argumentos externos ao direito e quais seriam. 1. Caracterização do universo de análise a. Critérios de busca; Para consolidar o universo de acórdãos tabelados na pesquisa, foi utilizado o sistema de busca integrada disponível no site do Tribunal Superior de Justiça (TSE)32. Este sistema realiza a busca nos bancos de dados do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais de todos os Estados. O termo-chave utilizado na busca boleana para acessar os acórdãos foi “Lei 9504/97 e art. 10,§3º”. Inserindo este termo no sistema, foi encontrado um total de 22 acórdãos em seis Tribunais, distribuídos da seguinte maneira: i. TSE: seis decisões ii. TRE da Bahia: quatro decisões; iii. TRE de Minas Gerais: três decisões; iv. TRE da Paraíba: uma decisão; v. TRE de Santa Catarina: duas decisões; vi. TRE de São Paulo: seis decisões; As decisões encontradas pelo sistema de busca se concentravam entre os anos de 2000 e 2008. b. Dados processuais Dos 22 acórdãos encontrados nos seis Tribunais Eleitorais, apenas 13 discutiam tópicos relacionados à reserva de cotas políticas. As demais decisões referiam-se a outros artigos da Lei 9.504/97, ou tratavam de respostas dadas pelos Tribunais a consultas pleiteadas por 32

Endereço do site: http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm , a busca foi realizada no dia 04 de outubro de 2008.

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coligações que nada tinham a ver com a reserva vagas de candidatura. Estas decisões foram tabeladas, mas não foram incluídas no grupo de acórdãos abordados na presente análise. Portanto, importa ressaltar que o número total de acórdãos referentes à reserva de vagas prevista na lei 9.405/97 efetivamente encontrado e analisado é 14, e são destas decisões que o presente relatório tratará. As decisões referentes a cotas políticas datam de 2000 a 2008, sendo que elas estão distribuídas nesta faixa cronológica da seguinte maneira: cinco decisões foram proferidas em 2000; uma em 2001; três em 2004 e quatro em 2008. Quanto ao tribunal de origem, as decisões analisadas têm a seguinte procedência:  TSE: três decisões;  TRESP: quatro decisões;  TRESC: duas decisões;  TREMG: duas decisões;  TREBA: três decisões A grande parte dos recursos analisados eram recursos eleitorais (foi encontrado apenas um recurso cível) e não houve nenhum caso em que a recorrente fosse uma mulher. Em seis recursos, o pólo ativo contava com a presença de um interessado do sexo masculino, que, via de regra, buscava garantir no Poder Judiciário o seu alegado direito de se registrar nas vagas originalmente reservadas para mulheres, mas não preenchidas ou que buscava uma interpretação da Lei 9.504/97 que fosse benéfica para os homens. 33 Houve também processos nos quais coligações ou partidos eram recorrentes e um caso no qual o Ministério Público Estadual de Santa Catarina entrou com um recurso pleiteando uma interpretação da Lei n.º 9.504/97 que seria mais benéfica para as mulheres34. Portanto, percebe-se que o Judiciário não tem sido um espaço de tematização de direitos eleitorais por parte das mulheres. Pelo contrário, trata-se de um foro mais explorado pelos políticos do sexo masculino que buscam minimizar as restrições a seus direitos causadas pela implementação de cotas eleitorais. Em relação aos dados processuais, cabe também ressaltar que em 13 decisões analisadas o juiz relator era um homem, significando que houve apenas um caso julgado por uma mulher. 33

Ver as seguintes decisões: TSE, Resp. n.º 16.632, Relator Costa Porto, julgado em 9/5/2000; TREMG, Recurso n.° 2282, Relator Welington Militão, julgado em 23/08/2004; TREMG, Recurso n.º 1.808, Relator Oscar Dias Corrêa Júnior, julgado em 26/08/2004; TRESP, Recurso Cível n.º 20.822, Relatora Suzana Camargo, julgado em 20/08/2004; TRESP, Recurso n.º 161.381, Relator Nuevo Campos, julgado em 8/7/2008; TREBA, Recurso n.º 1.411, Relator Orlando Isaac Kalil Filho, julgado em 10/09/2000. 34 TRESC, Rec. 16.368/00, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira.

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c. Caracterização dos pedidos A maior parte dos recursos analisados foi proposta contra decisão judicial que havia indeferido o registro de candidato do sexo masculino em decorrência da violação do art. 10, §3º da Lei 9.504/97 (9 casos sobre 14).

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Nestes casos, as coligações, partidos e candidatos

excluídos da lista de candidatura argumentavam que as vagas não preenchidas por mulheres poderiam ser ocupadas por homens ou que a proporção mínima de 30%/70% poderia ser desrespeitada em caso de fracionamento da quantidade permitida de candidaturas. O pedido, portanto, era pelo deferimento de candidaturas masculinas em quantidade maior do que o limite legal permitido. Foram encontrados três recursos que buscavam excluir da lista dos partidos candidatos do sexo masculino registrados em vagas que deveriam ser reservadas para mulheres.36 São casos nos quais o partido não preencheu 30% das vagas com candidatas do sexo feminino, e usou estes lugares para candidatos homens. Dois destes recursos foram indeferidos com base nos seguintes argumentos:

A douta sentença não merece reparos. Os impugnantes não indicaram nenhum fato que pudesse revelar posição discriminatória da Coligação recorrida. Ao contrário, o fato de não haver preenchido a totalidade das vagas, a que tinha direito, já revela a sua carência de quadros. Ademais, ainda que procedentes fossem as razões dos impugnantes, a determinação judicial haveria de ser para excluir um candidato do sexo masculino e não para indeferir o registro de todos, como requerido. (...) Não havendo qualquer ato da coligação recorrida revelador de discriminação, inexiste ofensa ao quanto estatuído no art. 10°, § 3°, da Lei n° 9504/97, principalmente quando se percebe que, pela carência de quadros, os partidos coligados não lograram 37 preencher todas as vagas a que fariam jus.

Portanto, o tribunal decidiu nestes casos que seria necessário provar a existência de discriminação para que a reserva de vagas vinculasse o partido. 35

Ver as seguintes decisões: TSE, Resp. n.º 16.632, Relator Costa Porto, julgado em 9/5/2000; TREMG, Recurso n.° 2282, Relator Welington Militão, julgado em 23/08/2004; TREMG, Recurso n.º 1808, Relator Oscar Dias Corrêa Júnior, julgado em 26/08/2004; TRESP, Recurso Cível n.º 20.822, Relatora Suzana Camargo, julgado em 20/08/2004; TRESC, Recurso n.º 19.222, Relator Oswaldo José Pereira Horn, julgado em 31/08/2004; TSE, Resp. n.º 29.190, Relator Arnaldo Versiani, julgado em 9/4/2008; TRESP, Recurso n.º 161.381, Relator Nuevo Campos, julgado em 8/7/2008; Relator Orlando Isaac Kalil Filho, julgado em 10/09/2000; TRESP, Recurso 161.539, Relator Flávio Yarshell, julgado em 8/12/2008; TRESP, Recurso nº 161.539, Relator Nuevo Campos, julgado em 8/12/2008. 36 TRESC, Recurso n.º 16.368, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 22/08/00; TREBA, Recurso Eleitoral n.º1411, julgado em 10/09/2000, Relator Orlando Isaac Kalil Filho; e TREBA, Recurso Eleitoral n.º 1470, julgado em 11/09/2000, Relator Orlando Isaac Kalil Filho. 37 TREBA, Recurso Eleitoral n.º1411, julgado em 10/09/2000, Relator Orlando Isaac Kalil Filho e TREBA, Recurso Eleitoral n.º 1470, julgado em 11/09/2000, Relator Orlando Isaac Kalil Filho.

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Houve ainda um pedido do Ministério Público do Estado de Santa Catariana no qual se reivindica uma interpretação da Lei 9.504/97 que pode ter conseqüências importantes para políticas eleitorais de igualdade de gênero. Defende-se que a reserva legal de 30% das vagas de candidatura deve ser feita sobre o total de candidatos efetivamente registrados, e não sobre o total de candidatos possíveis. Esta interpretação poderia fazer com que os partidos fossem incentivados a buscar candidatas do sexo feminino, sob risco de perder muitas vagas nas eleições. Embora o pedido tenha sido negado, houve uma decisão proferida pelo TRESP em que a tese sustentada pelo Ministério Público de Santa Catarina é acolhida pelo Poder Judiciário (TRESP, Recurso Eleitoral n.º 161.495, julgado em 8/12/2008; Relator Flávio Yarshell).

d. Principais temas abordados nos acórdãos Os assuntos abordados nas decisões foram divididos em quatro categorias, referentes aos seguintes temas discutidos nos acórdãos: (a) O arredondamento da fração da reserva legal; (b) A possibilidade de homens ocuparem as vagas reservadas para as mulheres ou vice-versa; (c) A base de cálculo que deve ser utilizada para determinar a quantidade de cotas reservadas; (d) Constitucionalidade da reserva de cotas políticas.

d.1. Arredondamento da fração da reserva legal Muitos dos recursos analisados foram interpostos com base no art. 10, § 3º e 4º da Lei 9.504/97, redigidos da seguinte forma: Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinqüenta por cento do número de lugares a preencher. § 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo. § 4º Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior.

O conflito ocorre no momento de decidir qual norma deve prevalecer no caso de conflito entre o §3º e o §4º. Conforme apontado acima, o TSE pacificou seu entendimento sobre o assunto por meio das Resoluções n.º 21.608/04 e 22.717/08, nas quais se dispôs que na reserva de vagas, qualquer fração resultante será igualada a um no

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cálculo do percentual mínimo estabelecido para cada um dos sexos e desprezada no cálculo das vagas restantes para o outro sexo. O entendimento de todos os tribunais vai neste mesmo sentido.

d.2 Possibilidade de homens ocuparem vagas remanescentes reservadas para mulheres Este foi o conflito mais recorrente nas decisões, presente em 10 dos 14 acórdãos analisados. Trata-se de discussão sobre a possibilidade legal de candidatos de um sexo ocuparem vagas reservadas para o outro sexo no caso em que estas vagas não venham a ser preenchidas. Nestas hipóteses, o TSE de São Paulo decidiu reiteradas vezes que os homens não podem ocupar mais que 70% das candidaturas, nem que as vagas estejam disponíveis, uma vez que isso atentaria contra o princípio da proporcionalidade, objetivado pela Lei 9.504/97 e pelas regulamentações do TSE (TSESP, Recurso Cível n.º 149420, julgado em 30/08/04, Relatora Suzana Camargo). Já o TRE da Bahia decidiu que as vagas não ocupadas poderão ser preenchidas por candidatos do sexo oposto, mesmo que isto fira a reserva de vagas de candidatura. O Tribunal afirmou que o preenchimento de vagas reservadas para mulheres por homens não fere a legislação uma vez que a falta de mulheres candidatas é decorrente da ausência de interesse por parte destas, e não da discriminação.

(a) Base de cálculo que deve ser utilizada para determinar a quantidade de cotas reservadas para cada sexo Dois acórdãos analisados trouxeram uma disputa sobre a interpretação da Lei 9.504/97 referente a qual número deve ser tomado como base para o cálculo das cotas políticas. De um lado, é possível afirmar que se deve tomar como base o total de candidaturas permitidas em tese, ou seja, posto que existem 10 vagas disponíveis um determinada casa legislativa, o partido tem direito a registrar um total de 15 candidatos, e é com base neste número que se deve calcular a reserva de 30% das candidaturas para ambos os sexos. Este foi o entendimento que o TER de Santa Catariana adotou no julgamento do Recurso n.º 16.368 de 2000. De acordo com a sentença:

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Se a lei quisesse a representação mínima de cada sexo fosse calculada sobre o número de candidatos indicado, tenho que teria redação diferente, isto é, não remeteria a proporção, como o fez claramente, ao número de vagas obtidas através das regras do artigo 10 do cânon já citado” […] “A vontade do legislador não é essa e está bem demonstrada, repiso, quando ele usa a locução verbal “deverá reservar”. Se a lei diz que o partido ou coligação deverá reservar parcela do total de vagas, ela quer dizer que está garantido um número mínimo de vagas para cada sexo. Não quer dizer que, obrigatoriamente, deverão 30% de candidatos de um dos sexos, seja do total de vagas ou do número de candidatos indicados na convenção. Se, por exemplo, na convenção existirem seis mulheres que pretendem ser candidatas e, no entanto, essa convenção indicar apenas quatro delas e dezesseis homens, as duas que foram preteridas terão o direito de registrar a sua candidatura ante a reserva legal obrigatória, podendo postular esse direito diretamente ao Poder Judiciário. Dois dos homens terão que ser excluídos, obrigatoriamente, ainda que de ofício, para que se garanta a possibilidade de preenchimento das vagas destinadas ao sexo minoritário. 38

A questão foi resolvida de forma distinta pelo Juiz Flávio Yarshell do TRE de São Paulo, em decisão que enfatizou ser “com base no número de candidatos efetivamente lançados pela coligação que deve ser feito o cálculo da reserva legal, prevista no par. 3º do art. 10º da Lei 9.504 e da Resolução TSE 22.717. Trata-se de uma interpretação inovadora da lei, uma vez que ela restringe a quantidade de candidatos que podem ser lançados por partido político ou coligação nos casos em que a cota mínima reservada para cada gênero não for preenchida. Assim, por exemplo, se houver 10 vagas a serem preenchidas em uma Assembléia Legislativa, um partido poderia registrar, no máximo, 15 candidatos, sendo que 5 teriam que ser mulheres (30% de 15 é 14,5). Se o partido decidir registrar apenas candidatos homens, ele estará registrando apenas 10 candidatos, fato que, de acordo com a interpretação do Juiz Flávio Yarshell, deve levar a um novo cálculo de reserva de cotas. Tal reserva deverá ser feita com base no número de candidatos efetivamente lançados, levando a uma nova limitação da quantidade de candidatos do sexo masculino que poderão ser registrados, que passa a ser 7, contra 3 candidaturas femininas, no mínimo. Esta interpretação pode ser um incentivo para que os partidos se tornem proativos na busca de candidatas do sexo feminino, sob pena de perder suas vagas de candidatura.

38

TRESC Recurso n.º 16.368, julgado em 22/08/2000, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira.

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(b)

Constitucionalidade da reserva de cotas políticas

A constitucionalidade da reserva de vagas em partidos políticos foi tematizada duas decisões analisadas: o Recurso Especial Eleitoral n.º 16.632, julgado pelo TSE em 09/05/00 e o Recurso n.º 19.222, julgado pelo TRESC em 31/03/2004. No primeiro acórdão, reitera-se a posição adotada pelo TSE em julgamentos anteriores, segundo a qual a reserva de percentuais para candidaturas não é incompatível com o art. 5º da CF39. De acordo com a decisão, o princípio da igualdade (art. 5º, CF) comporta a possibilidade de se reservar cotas em partidos políticos para candidatas do sexo feminino. Portanto, as cotas eleitorais não são constitucionais. A

segunda

decisão,

proferida

pelo

TRESC,

discute

um

incidente

de

inconstitucionalidade suscitado pelo juiz de 1ª instância, o que entendeu que a reserva de vagas para mulheres do art. 10, Lei 9.504/97 violaria o princípio da igualdade. A inconstitucionalidade da norma foi afastada pela decisão do Tribunal sob a argumentação de que o princípio da igualdade consiste em conferir igual tratamento aos iguais, e desigual tratamento aos desiguais. Neste sentido, uma lei poderia estabelecer critérios de diferenciação entre grupos de pessoas, deste que tais critérios fossem justificados ou justificáveis de forma a preencher os requisitos da razoabilidade, da racionalidade e da proporcionalidade. Desta forma, a justificação do estabelecimento da diferença seria uma condição sine qua non para a constitucionalidade da diferenciação, a fim de evitar a arbitrariedade. De acordo com a decisão, apoiada sobre argumentação desenvolvida pelo Ministro Joaquim Barbosa em seu livro intitulado O Debate Constitucional sobre as Ações Afirmativas:

Esta justificação deve ter um conteúdo, baseado na razoabilidade, ou seja, num fundamento razoável para a diferenciação; na racionalidade, no sentido de que a motivação deve ser objetiva, racional e suficiente; e na proporcionalidade, isto é, que a diferenciação seja um reajuste de situações desiguais. Aliado a isto, a legislação infraconstitucional deve respeitar três critérios concomitantes para que atenda ao princípio da igualdade material: a diferenciação deve (a) decorrer de um comando-dever constitucional, no sentido de que deve obediência a ma norma pragmática que determina a redução das desigualdades sociais; (b) ser específica, estabelecendo exatamente aquelas situações ou indivíduos que serão "beneficiados" com a diferenciação; e (c) ser eficiente, ou seja, é necessária a existência de um nexo causal entre a prioridade legal concedida e a igualdade socioeconômica pretendida (...). 39

Neste sentido, ver o acórdão nº 13.759C, de relatoria do Min. Nilson Naves.

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E o voto segue citando o livro do Min. Joaquim Barbosa:

A Constituição de 1988 (art. 5º, I) não apenas aboliu essa discriminação chancelada pelas leis, mas também, através dos diversos dispositivos antidiscriminatórios já mencionados, permitiu que se buscasse mecanismos aptos a promover a igualdade entre homens e mulheres. Assim, com vistas a minimizar essa flagrante desigualdade existente em detrimento das mulheres, nasceu, entre nós, a modalidade de ação afirmativa hoje corporificada nas Leis 9.100/95 e 9.504/97, que estabelecem cotas mínimas para as eleições. As mencionadas leis representam, e primeiro lugar, o reconhecimento pelo Estado de um fato inegável: a existência de discriminação contra as brasileiras, cujo resultado mais visível é a exasperante sub-representação feminina em um dos setores-chave da vida nacional - o processo político. Com efeito, o legislador ordinário, consciente de que em toda a história política do país foi sempre desprezível a participação feminina, resolveu remediar a situação através de um corretivo que nada mais é do que uma das muitas técnicas através das quais, em direito comparado, são concebidas e implementadas as ações afirmativas: o mecanismo das cotas.

Neste sentido, o voto do juiz relator define os dispositivos da lei 9.504/97 que consagram a reserva de cotas como mecanismos de superação da discriminação, concorrendo, portanto, para uma realização maior do princípio constitucional da igualdade. Declara-se, desta forma, sua constitucionalidade.

e. Argumentação Na parte da tabela relativa à argumentação, buscou-se analisar de que forma o Poder Judiciário fundamenta suas decisões acerca das cotas em partidos políticos, ou seja, quais são os argumentos utilizados para justificar a decisão em cada caso. Na tabela, foram consideradas as justificativas feitas com base em (a) legislação; (b) jurisprudência; (c) princípios; (d) doutrina e (e) argumentos externos ao direito. Para cada acórdão tabelado, foram analisadas não apenas estas categorias de argumentação, mas também o modo pelo qual elas eram utilizadas, ou seja, se a jurisprudência e doutrina eram meramente citadas como argumentos de autoridade ou se elas eram efetivamente costuradas dentro das decisões de forma a fazer parte de uma argumentação mais ampla.

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e.1 Legislação A legislação citada nos acórdãos analisados se resume à Lei n.º 9.504/97 - a lei que instituiu as cotas políticas - e as Resoluções TSE nº 21.608/95 e 22.717/2008. A regulamentação do TSE é utilizada, sobretudo, nos casos onde há discussão acerca do arredondamento das frações da reserva legal, uma vez que ela dispõe sobre uma forma de arredondamento distinta daquela prevista na Lei 9.504/97. Ademais, o art. 5º da Constituição Federal foi citado nos casos em que estava em debate a constitucionalidade das cotas políticas. Em ambas estas decisões, citadas na seção anterior, a reserva de vagas foi declarada constitucional pelo Tribunal.

e.2 Princípios Três dos acórdãos analisados fizeram uso de princípios ao longo da argumentação desenvolvida.40 Nestas três decisões, o princípio da igualdade foi utilizado como fundamento para a constitucionalidade da lei de cotas, uma vez que esta foi interpretada como um mecanismo de superação de comportamentos discriminatórios. Trata-se, dessa forma, de “tratar desigualmente os desiguais”, de forma a promover uma vida política mais igualitária, estimulando e facilitando a entrada das mulheres nos partidos políticos e tirando obstáculos à realização do princípio constitucional da igualdade. Foram utilizados ainda como instrumentos de interpretação da Lei n.º 9.504/97 os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e racionalidade.41 Na decisão proferida pelo TRESC, afirmou-se que estes três princípios devem fundamentar toda e qualquer diferenciação entre cidadãos feita por lei, com o intuito de impedir a arbitrariedade do legislador.

e.3 Uso de jurisprudência As decisões anteriores citadas nos acórdãos relativos à aplicação da Lei 9.504/97 dizem respeito, sobretudo, à Lei 9.100/95, uma vez que foi ela que instaurou o sistema de cotas políticas no Brasil. Em todos os casos analisados, os precedentes eram utilizados como 40

TSE, Resp. nº 16.632, Relator Costa Porto, julgado em 9/5/2000; TRESP, Recurso Cível n.º 20.822, Relatora Suzana Camargo, julgado em 20/08/2004; TRESC, Recurso n.º 19.222, Relator Oswaldo José Pereira Horn, julgado em 31/08/2004. 41 TRESP, Recurso Cível n.º 20.822, Relatora Suzana Camargo, julgado em 20/08/2004; TRESC, Recurso n.º 19.222, Relator Oswaldo José Pereira Horn, julgado em 31/08/2004.

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argumentos de autoridade, ou seja, eles eram meramente citados como exemplos de decisões anteriores no mesmo sentido do voto proferido. Em nenhum caso os números dos acórdãos e as ementas citadas foram integradas à argumentação do voto, de forma a participar do encadeamento da decisão de forma articulada e integrada. O que se percebe, portanto, é que a jurisprudência dos tribunais é largamente utilizada como fundamento da decisão (em 8 dos casos analisados os precedentes eram citados na argumentação), mas tal jurisprudência é utilizada como meros exemplos ou argumentos de autoridade à favor da opinião do relator. Os casos citados nas decisões podem ser encontrados na coluna “Complemento 2” da tabela, logo após a coluna “jurisprudência citada”.

e.4 Uso de doutrina Apenas em duas decisões utilizaram literatura jurídica na argumentação desenvolvida42. Na decisão do TRE-BA, A doutrina é citada no relatório, fazendo-se referência à sentença. Cita-se: A sentença recorrida, julgando improcedente a impugnação, louvando-se em posição doutrinária de João Cândido, entendeu que o dispositivo estabelece uma reserva e que, não observada esta proporcionalidade por ausência de candidatos de um sexo, nada impede que a convenção preencha as vagas com candidatos de um sexo. Acrescenta mais: que, no caso em exame, podia o Partido inscrever até 26 candidatos e só fez 24, a demonstrar que, se mais número de candidata do sexo feminino não foram inscritas, não teria sido por impedimento do partido. E, conclui observando não existir na ata da Convenção qualquer protesto contra o fato, nem haverem os impugnantes apontado qualquer lesão de direito em sua inicial.

Assim, neste caso a doutrina mal faz parte da decisão, sendo citada apenas indiretamente no relatório do acórdão. Na decisão proferida pelo TRESC, o livro intitulado O debate Constitucional sobre as Ações Afirmativas, do Ministro Joaquim Barbosa é citado também indiretamente, ou seja, o texto é citado no âmbito do parecer proferido pela Procuradoria Regional Eleitoral, que por sua vez é citada no voto redigido pelo Ministro Oswaldo José Horn. O trecho citado do livro fornece os critérios para averiguar se uma lei que estabelece distinções entre grupos ou indivíduos deve ou não ser considerada constitucional. Assim, ele é utilizado como parte estruturante do voto, sendo parte de uma citação mais ampla do parecer da Procuradoria no âmbito da argumentação legal que busca declarar a constitucionalidade das cotas, 42

TRESC, Recurso n.º 19.222, Relator Oswaldo José Pereira Horn, julgado em 31/08/2004; TREBA, Recurso n.º 1.411, Relator Orlando Isaac Kalil Filho, julgado em 10/09/2000.

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e.5 Uso de argumentos externos ao direito No Recurso n.º 5.638, julgado pelo TRE-BA, a decisão usa como argumento complementar ao que chama de “inexistência de discriminação” o de que, dada a carência de quadros da coligação, esta não chegou a preencher todas as vagas a que teria direito. Por este motivo não faria sentido excluir candidatos do sexo masculino.

4. LEGISLAÇÃO COMPARADA A pesquisa em direito comparado seguiu por dois caminhos, um prático e outro teórico. De um lado, foram examinados os institutos de três ordenamentos em que houve relativo adensamento jurídico da proteção e promoção dos direitos da mulher, a saber, Espanha, Alemanha e México. Essa escolha foi feita com o propósito de comparar, no caso de Espanha e Alemanha, a aplicação, no plano interno, das mesmas normas internacionais e regionais sobre o assunto a que ambos estão submetidos; o ordenamento mexicano, por sua vez, foi escolhido por ser de um Estado latino-americano, que apresenta semelhanças com o Brasil. Além disso, leituras preliminares identificaram estes três ordenamentos como exemplos do que há de mais inovador em termos de um direito da mulher, e favoreciam uma análise comparativa por fazerem parte do sistema romano-germânico, como é o caso do direito brasileiro. Esta seção do relatório está, assim, dividida em quatro partes: nas três primeiras, apresentamos os ordenamentos jurídicos objeto da análise comparada; na última, faremos um resumo de toda a exposição, tecendo críticas, antes de, finalmente, chegarmos às considerações finais. 4.1 Alemanha O ordenamento alemão orienta-se, da mesma forma que o espanhol e o mexicano, pelo princípio da transversalidade. No plano legal, vigora a lei de 30 de novembro de 2001 (Bundesgesetzblatt de 5 de dezembro de 2001), que dispõe sobre a equiparação de mulheres e homens, no serviço público federal, nos poderes executivo e judiciário (Gesetz zur Gleichstellung von Frauen und Männern in der Bundesverwaltung und in den Gerichten des Bundes), doravante aqui designada pela sigla em alemão BGleiG. Para o setor privado, não há legislação sobre o assunto que lhe seja aplicável, menos ainda o dever de reservar quotas Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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para mulheres, embora algumas empresas, mediante acordo com sindicatos, tenham instituído essa prática. 43 A BGleiG adota um sistema de quotas, estabelecendo uma obrigação geral que consiste nisto, em caso de promoção ou criação de novas vagas, mulheres serão, sob determinadas condições, preferidas aos homens. Os requisitos impostos pela lei são, em primeiro lugar, a sub-representação da mulher em determinado setor, e, em segundo lugar, sua qualificação. Nos termos desse instrumento legal, em tradução livre, considerar-se-ão as mulheres subrepresentadas, quando a proporção feminina no total das pessoas que compõem as esferas específicas [...] for inferior a 50% [§ 4 (1)]. RICHTER observa que essa lei deixa uma importante lacuna em aberto, a saber, a da sub-representação masculina, não apenas a já existente em algumas esferas, como também aquelas que poderão advir, tão logo a participação feminina ultrapasse os 50%. Em vista disso, o autor sugere a realização de um exame mais cuidadoso das medidas de promoção da igualdade e de equiparação entre homens e mulheres, trazendo o foco para ambos, a fim de evitar situações em que a mulher qualificada e sub-representada possa ser preferida a um homem, mas um homem qualificado e subrepresentado não possa ser preferido a uma mulher. 44 Mas a característica mais impressionante talvez seja a aplicação do princípio da transversalidade, que demanda reajustes em diversas esferas. Na administração pública, por exemplo, instituíram-se procedimentos de investigação, abertos para, de um lado, apurar indícios de discriminação disfarçada (indireta) e déficit de participação; de outro lado, para identificar normas obsoletas, que se presta a perpetuar papéis sociais ultrapassados. Segundo publicação do governo federal alemão sobre o assunto,45 os procedimentos de investigação são divididos em duas fases. Na primeira, há um exame superficial, em que são considerados o objeto e o objetivo da ação, bem como as medidas tomadas, tendo em vista a finalidade proposta. Em seguida, indaga-se se essas medidas atingem homens e mulheres direta ou indiretamente, devendo ser considerados todos os âmbitos da vida: tempo livre, trabalho, mobilidade, participação, família etc. Se, encerrado esse exame, for verificado que ambos são atingidos da mesma forma, não há mais necessidade de prosseguir-se com a investigação; caso, no entanto, a 43

Cf. http://www.juraforum.de/lexikon/Quotenregelung. RICHTER, Thomas. “Das Geschlecht als Kriterium im deutschen Recht”. In: Neue Zeitschrift für Verwaltungsrecht – NVwZ, Heft 6, 2005, p. 637. 45 Cf. Bundesministerium für Familie, Senioren, Frauen und Jugend. Arbeitshilfe Geschlechterdifferenzierte Gesetzesfolgenabschätzung. „Gender Mainstreaming bei der Vorbereitung von Rechtsvorschriften“, Mai 2007. Disponível em www.bmfsfj.de. 44

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medida afete mulheres e homens de forma distinta, faz-se necessário um exame mais aprofundado do problema, em que serão focados os dados pertinentes, como, por exemplo, dados estatísticos ou resultados de pesquisas, as medidas previstas e as possíveis alternativas a elas para atingir o objetivo estabelecido. Nesse exame, faz-se ainda necessário, além de verificar se as medidas em estudo atingem homens e mulheres direta ou indiretamente, considerar também o âmbito em que isso ocorre e a intensidade dessa interferência. Ainda na esfera administrativa, a abordagem transversal revelou a imposição de concepções masculinas na organização das cidades: o legislador tem como referência a mobilidade do homem e ignora a mulher, preferindo o motorista de automóvel à mãe com o carrinho de bebê nos passeios: o traçado das ruas, a organização das calçadas, os interesses negligenciados das crianças, tudo parece dificultar a vida de quem não for homem e trabalhador motorizado em tempo integral. O direito do trabalho alemão, quando visto sob a mesma ótica, revelou que suas regras tinham como referência o trabalhador em período integral, e não aqueles em turno parcial, em geral mulheres. Disso resultava que a hora-extra, por exemplo, era apenas correspondente ao período trabalhado além das oito horas regulamentares; trabalhadoras em turno parcial de quatro horas, quando permaneciam em atividade além desse tempo, não recebiam adicional, antes da nona hora de trabalho. A desigualdade revela-se, portanto, mediante uma mudança de perspectiva.

Se

focarmos o valor das horas de trabalho e verificarmos que homens e mulheres ganham o mesmo, teremos aí o exemplo de uma igualdade formal: a quinta hora de trabalho de uma empregada em meio-período vale tanto quanto a quinta hora de trabalho de um empregado em período integral; mas, se deslocarmos o enfoque para os respectivos contratos de trabalho, veremos que a quinta hora, para as trabalhadoras de meio-período, implica uma hora adicional, realizada ao custo de um tempo que, de outra forma, elas teriam livre para cuidar de encargos pessoais e/ou familiares. Em suma: a quinta hora de trabalho de uma empregada em turno parcial não terá a mesma remuneração que a nona hora do empregado em turno integral, embora uma e outra sejam, de fato, horas adicionais de trabalho.46 Assim é no direito trabalhista. No direito penal, por sua vez, e como último exemplo, o enfoque da transversal revela isto, as mulheres que matam seus maridos tendem a ser mais severamente punidas do que homens que cometem o mesmo delito com suas esposas, e por 46

SACKSOFSKY, Ute. “Was ist feministische Rechtswissenschaft?”. In: Zeitschrift für Rechtspolitik – ZRP, Heft 9, 2001, p. 413.

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esta razão: a lei alemã pune com prisão perpétua o homicida doloso, definido não somente como aquele que mata para satisfazer uma tendência abjeta ou para encobrir outro crime, mas também como aquele que mata à traição, de modo feroz ou com meios cruéis.47 Dadas as diferenças físicas entre mulheres e homens, o homicídio do marido pela mulher será, na maior parte das vezes, possível somente com dolo, de forma sorrateira, à traição, sem dar à vítima, que é mais forte, oportunidade de defesa; o da mulher pelo homem, ao contrário, não se realiza necessariamente nessas condições, pois a superioridade física do assassino permite matar sem surpreender, o que livra o homicida da prisão perpétua.48

4.1.1 Panorama geral No contexto das políticas de reconhecimento, a principal questão hoje, no direito alemão, talvez seja esta, se e em que medida o discurso da emancipação feminina não resultou numa discriminação jurídica dos homens?49 Conforme acima descrito, o sistema de quotas prevê um regime aplicável aos casos em que as mulheres estão sub-representadas, mas não às situações em que os homens são minoria. Além do mais, a BGleiG determina que toda repartição pública com, no mínimo, 100 funcionários, terá uma mulher eleita por voto secreto, escolhida dentre as funcionárias da repartição, para exercer, durante quatro anos, funções de controle, supervisão, aconselhamento e apoio, visando a equiparação de homens e mulheres.

47

Cf. § 211, StGB (Código de direito penal alemão). SACKSOFSKY, Was ist..., p. 413. 49 RICHTER, Das Geschlecht..., p. 636. 48

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Gesetz zur Gleichstellung von Frauen und Männern in der Bundesverwaltung und in den Gerichten des Bundes, Alemanha, 2001

Resumo estruturado Parte 1: determinações gerais a)

objeto da lei:

· promover a igualdade entre homens e mulheres; · eliminar as diversas formas de discriminação; · melhorar a compatibilidade entre família e vida profissional · promover a igualdade entre mulheres e homens nas expressões da língua alemã b)

pessoas para quem a lei cria obrigações

· todos os funcionários públicos federais, em especial aqueles que ocupam cargos de chefia, bem como juízes e juízas são obrigados a promover a equiparação de homens e mulheres. c)

alcance da lei

· administração federal direta e indireta e tribunais federais

Parte 2: medidas para equiparação de mulheres e homens a) ·

concursos públicos exceto nos casos das funções exclusivas de um dos sexos, não poderá haver, em

concursos públicos ou em concursos internos para o provimento de cargos e funções, a oferta de vagas apenas para homens ou apenas para mulheres. ·

se a mulher não estiver adequadamente representada em determinado setor da

administração pública, as vagas livres preenchidas mediante concurso interno serão oferecidas em concurso público. ·

serão chamados para entrevista, em iguais proporções, homens e mulheres que

tenham demonstrado as qualificações necessárias para o cargo, previstas no edital

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·

a entrevista será realizada por comissão formada por homens e mulheres, em

iguais proporções. Se isso não for possível, deverá ser justificado. ·

na entrevista, não poderão ser feitas perguntas relativas a estado civil, a gravidez,

aos filhos e a outras pessoas sob os cuidados da candidata, que deverá ser previamente informada desses impedimentos. ·

se, no setor em questão, houver mulheres em número inferior a 50%, isso deverá

ser levado em consideração, no momento da contratação, da promoção ou do oferecimento de vagas para estágio ·a qualificação dos candidatos e das candidatas será avaliada exclusivamente a partir das exigências do cargo, da formação e da experiência profissional. Não serão considerados: i.

interrupção da atividade profissional, pouco tempo de atividade, redução do

tempo de trabalho ou formação que se realizou tardiamente para que encargos familiares pudessem ser assumidos ii.

situação financeira do marido, da mulher (companheiro, companheira etc.)

iii.

ônus advindos dos cuidados com os filhos ou necessitados sob guarda do

candidato ou da candidata b)

cursos de aperfeiçoamento

· a repartição pública deverá, mediante medidas apropriadas, apoiar o aperfeiçoamento profissional da mulher · quando necessário, deverão ser providenciados horários alternativos para a realização de cursos de aperfeiçoamento e oferecidos serviços de assistência para crianças (p.ex.: creche)

Parte 3: compatibilização de família e vida profissional para mulheres e homens a)

trabalho em meio período ou à distância, exceto se o serviço exigir dedicação

integral b)

licença para trato de interesses familiares

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Parte 4: pessoas encarregadas da equiparação de homens e mulheres ·

toda repartição pública com, no mínimo, 100 funcionários, terá uma mulher eleita

por voto secreto, escolhida dentre as funcionárias da repartição, para exercer funçõ es de controle, supervisão, aconselhamento e apoio, visando a equiparação de homens e mulheres. O mandato terá a duração de quatro anos, podendo ser renovado.

Parte 5: dados estatísticos e relatórios a)

a repartição pública deverá elaborar anualmente dados estatísticos, com

informações sobre a situação de homens e mulheres em sua área de atuação b)

relatórios sobre o assunto deverão ser encaminhados para o parlamento a cada

quatro anos.

Parte 6: disposições transitórias

4.2 Espanha Em 15 de março de 2007, a Câmara dos Deputados espanhola aprovou, por unanimidade, a Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva entre Mujeres y Hombres (doravante LOI), com o objetivo tornar efetivo o princípio da igualdade de tratamento e a eliminação de toda discriminação contra a mulher, em todos os âmbitos de sua vida, em sua atuação pública ou privada.50 Surgiu da vontade política de um governo que já havia se destacado por medidas para a proteção integral contra a violência de gênero, com a Ley Orgânica 1/2004 (FRANCH, MERINO, 2007). O projeto de lei contava já com o apoio do Senado, e, na votação da Câmara, foi aprovado por todos os deputados e deputadas, com a exceção dos representantes do PP, que se abstiveram.51 A razão apontada para a promulgação da lei, além das exigências formais de diretivas da União Européia, foi a persistente desigualdade fática entre homens e mulheres. Após 30 anos de democracia na Espanha, as mulheres representavam, ainda em 2008, apenas 20% dos 50

Las Cortes Generales aprueban la Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva de Mujeres y Hombres, notícia obtida na página da Presidência da Espanha (http://www.la-moncloa.es/). Acesso em 15 de fevereiro de 2008. 51 Las Cortes Generales..., em http://www.la-moncloa.es/.

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postos diretivos nas empresas com mais de 10 empregados e 29% naquelas com menos de 10 empregados. Nos Conselhos de Administração das empresas, sua participação era de 3% - o penúltimo país da Europa em participação feminina nesta categoria, à frente apenas da Itália. Nos postos de decisão política, a participação média era de 30%.52 O princípio da composição equilibrada, nem menos de 40%, nem mais de 60% de representação de nenhum dos sexos, já havia sido estabelecido para os países europeus em 1992, na Conferência de Atenas.

4.2.1. A Lei 3/2007 e o Direito Internacional e Comunitário Quando dos debates parlamentares para a aprovação da lei, algumas comunidades autônomas já haviam aprovado, em seus parlamentos, leis de igualdade entre mulheres e homens. Além disso, discutia-se a necessidade de dar cumprimento às diretivas 2002/73/CE, 2004/113/CE e 2006/54/CE,53 e não foram de menor influência tratados, convenções e conferências internacionais. O preâmbulo da LOI faz referência à Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW, em inglês), aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1979 e ratificada pela Espanha em 1983, em que surge, pela primeira vez em uma convenção internacional, a definição do conceito de ações afirmativas.54 Além disso, as conferências de Nairóbi (1985) e Pequim (1995) são citadas devido à adoção, em seus textos, “de cuestiones que con el tiempo han demostrado ser imprescindibles para la igualdad efectiva de mujeres y hombres” (FRANCH, MERINO, 2007, p.2). A importância da conferência de Nairóbi consistiu em, após um balanço dos avanços atingidos entre 1975 e 1985, enfatizar a necessidade de aumento da participação da mulher na tomada de decisões em todos os âmbitos da sociedade. Na conferência de Pequim, por sua vez, a principal discussão deu-se em torno do chamado gender mainstreaming, traduzido como transversalidade de gênero.

52

Presentación, Revista del Ministério de Trabajo y Asuntos Sociales – Igualdad Efectiva de Mujeres y Hombres, Número Extraordinario, 2007, p. 8. 53 Para mais informações sobre a incorporação da diretiva 2006/54/CE, Gender mainstreaming ou Princípio da Transversalidade, infra. 54 Artigo IV da Convenção: “A adoção pelos Estados Membros de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. 1. A adoção pelos Estados Membros de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória.”

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O gender mainstreaming é definido como o processo de avaliação das implicações sobre homens e mulheres em qualquer ação prevista, tanto em seu desenho como em sua aplicação e posterior avaliação, com o objetivo de alcançar a igualdade de gênero. Por fim, a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, de 2000, estabeleceu que a igualdade entre mulheres e homens deveria ser estabelecida em todas as áreas, incluindo emprego, trabalho e remuneração, e tornou-se a primeira referência básica na configuração dos princípios fundamentais na igualdade de tratamento e de não discriminação em razão de sexo (LÓPEZ, 2007, p. 54-55). O último ponto de referência anunciado no preâmbulo da LOI é a Diretiva 54, de 5 de julho de 2006. Trata-se de um grande exemplo de integração da jurisprudência do TJCE nas normas jurídicas, jurisprudência essa que, no âmbito de igualdade de tratamento e oportunidades entre mulheres e homens, teve, em conjunto com a atuação de interlocutores sociais, importância destacada. Ela define a igualdade entre mulheres e homens como um princípio fundamental do direito social e comunitário, impondo a obrigação positiva de promover a igualdade em todas as atividades, e parte da proibição de discriminação direta e indireta, com uma noção de discriminação que inclui o abuso sexual e o abuso por razão de sexo. A diretiva exige, também, a revisão, por parte de países membros, de suas normas neste campo anteriores a 1993. Inova, além disso, ao integrar, nas políticas de igualdade, a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar55. No âmbito do direito comunitário, o Tratado de Amsterdã tornou a igualdade entre mulheres e homens um princípio fundamental da União Européia, dando ensejo a uma série de diretivas a partir dos anos 70.

4.2.2 A lei 3/2007 e a Constituição espanhola de 1978 A LOI deu concretude ao artigo 14 da Constituição espanhola, que prevê o direito à igualdade e a não discriminação por razão de sexo56. Também o artigo 9.2 da Constituição já

55

Idem, pp. 55-56. Artigo 14 da Constituição espanhola: “Los españoles son iguales ante la ley, sin que pueda prevalecer discriminación alguna por razón de nacimiento, raza, sexo, religión, opinión o cualquier otra condición o circunstancia personal o social”. 56

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previa a obrigação dos poderes públicos de promover as condições para que a igualdade do indivíduo e dos agrupamentos em que se integram fosse efetiva e real.57 O preâmbulo da LOI explicita que o reconhecimento da igualdade formal perante a lei, apesar de ter sido um passo decisivo, não foi suficiente para liquidar com a discriminação salarial, a violência de gênero, a discriminação nas pensões de viuvez, o maior desemprego feminino e a escassa presença de mulheres nos postos de responsabilidade política, social, cultural e econômica. O artigo 9.2 da Constituição seria a abertura para uma ação normativa no sentido de combater todas as discriminações subsistentes, diretas ou indiretas, através da remoção de todos os obstáculos e estereótipos que impedem a consecução da igualdade, resultando em benefícios para toda a sociedade:

“Esta exigencia se deriva de nuestro ordenamiento constitucional e integra un genuino derecho de las mujeres, pero es a la vez un elemento de enriquecimiento de la propia sociedad española, que contribuirá al desarrollo económico y al aumento del empleo”.58

O princípio da transversalidade, explica o preâmbulo, foi norteador de toda a lei, por ser conseqüência necessária da adoção de políticas ativas na dogmática do direito antidiscriminatório moderno. Mas, ao mesmo tempo que a lei estabelece um marco geral para as ações afirmativas, criando desigualdades em favor da mulher, estabelecem-se cautelas para assegurar sua constitucionalidade. Ainda assim, a promulgação da lei, como previsto desde o início gerou diversos debates doutrinários(FRANCH, MERINO, 2007, p. 13). A questão que se colocava era: a lei criou um genuíno direito das mulheres, diferente daquele dos homens, ou limitou-se a ser conseqüente com o que já propunha a Constituição espanhola em seus artigos 9.2 e 14? FRANCH e MERINO, professoras de Direito Constitucional na Espanha, propõem que a LOI não cria direitos diferentes daqueles estabelecidos na Constituição Espanhola, mas mecanismos para tornar efetivos os direitos que já existem.59 No modelo das autoras, a igualdade formal, sustentada pelo Estado liberal, “se ha sustentado sobre un modelo de

57

Artigo 9.2 da Constituição espanhola: “Corresponde a los poderes públicos promover las condiciones para que la libertad y la igualdad del individuo y de los grupos en que se integra sean reales y efectivas; remover los obstáculos que impidan o dificulten su plenitud y facilitar la participación de todos los ciudadanos en la vida política, económica, cultural y social.” 58 Preâmbulo, Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva entre Mujeres y Hombres (3/2007). 59 Idem.

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persona que se identifica con los hombres”,60 particularmente com homens brancos e proprietários. O Estado social, apesar de ter incorporado novos direitos e novas titularidades, não teria chegado a questionar o modelo sobre o qual se erigiu o sujeito constitucional, de forma que não se teria alterado a vinculação da mulher com o âmbito privado e sua conseqüente exclusão de todo o debate e reconhecimento nos níveis jurídico, social e econômico. Na visão das autoras, a LOI seria claramente um desenvolvimento do artigo 9.2 da Constituição espanhola, que propõe a igualdade material. Estaria em íntima conexão com o modelo de Estado social – modelo que a própria Constituição, em seu artigo 1.1, vincula à igualdade, o que faria da igualdade material um valor superior com vocação para permear todo o ordenamento. O artigo 14 da Constituição, por sua vez, ao reconhecer o sexo como condição não suficiente para engendrar uma discriminação, não proibiria a política material em favor das mulheres. As autoras atentam para a distinção entre proibição de discriminação e possibilidade de estabelecer tratamentos diferentes a situações diferentes (FRANCH, MERINO, 2007, p. 12). Além disso, o artigo 14 teria estabelecido a igualdade como mais que um princípio, criando o direito de não discriminação – ou seja, o direito à igualdade efetiva. A análise sistemática do artigo 9.2 com o 14 permitiria a abordagem da igualdade real como finalidade. Outro fator que corroboraria com a visão de que a lei apenas dá cumprimento a uma estrutura já estabelecida constitucionalmente é que ela estabelece garantias que podem ser exercidas por todas as pessoas que sofrem discriminação no exercício dos direitos. Muito embora sejam as mulheres quem mais se utilizará das garantias, por serem, historicamente, quem sofre a discriminação, nada impede que também os homens discriminados possam invocá-las. Esta possibilidade é um dos pontos mais originais da lei espanhola, que se preocupa, em todo o seu texto, em estabelecer uma situação de efetiva igualdade entre os sexos, inclusive nas áreas em que a mulher já é tradicionalmente ultra-representada. Em comparação com BGleiG alemã, a LOI tem uma estrutura arejada, revelando uma preocupação em relação à igualdade que se expressa em institutos sofisticados para a consecução de seus objetivos.

60

Idem, p. 9.

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4.2.3 Princípio da Co-responsabilidade

Las politicas de corresponsabilidad de la vida familiar y laboral (...) forman parte del corazón de las politicas de la Unión europea. Dentro de la Estrategía Lisboa, sobre modernización de los sistemas de protección social y la necesidad de incrementar la participación de las mujeres en el mercado de trabajo, es la conciliación (se utiliza este término) um planteamiento desde la necesidad de los mercados de trabajo y desde la sostenibilidad de las pensiones no desde las politicas de igualdad y ciudadanía. (LÓPEZ, P. 64)

Além da transversalidade, um princípio que informou a LOI foi o da coresponsabilidade entre mulheres e homens. A lei 39/99, de conciliação entre vida familiar e profissional das pessoas trabalhadoras, não havia rompido com os papéis sociais, o que teria sido equivocado, por perpetuar a discriminação em razão de gênero (RÍO, 2007, p.5). Poderse-ia afirmar que não há como apostar na igualdade sem levar em conta a co-responsabilidade. Afinal, até o momento, as carreiras profissionais masculinas ter-se-iam sustentado com o tempo cedido pelas mulheres.61 A LOI teria buscado corrigir este erro, co-responsabilizando, então, a mulher e o homem, igualmente. Uma das pedras de toque nesse sentido foi o reconhecimento, no artigo 44, de uma licença-paternidade remunerada de 13 dias, por ocasião de nascimento, adoção ou acolhimento. Além disso, incluíram-se entre os critérios gerais de atuação dos Poderes Públicos a proteção à maternidade, com especial atenção aos efeitos derivados da gravidez, do parto e da lactação, já que a maternidade não deveria impor nenhum obstáculo para o acesso das mulheres ao mercado de trabalho ou à vida política.62 Na opinião de LÓPEZ, no entanto, a única iniciativa da lei no sentido da coresponsabilização teria sido a licença-paternidade, o que seria um avanço muito tímido. A LOI teria insistido muito mais na conciliação da vida familiar, profissional e pessoal que na idéia essencial de co-responsabilização (LÓPEZ, p. 64). 4.2.4 Gender Mainstreaming ou Princípio da Transversalidade A perspectiva da transversalidade a que se refere o preâmbulo é um conceito relativamente novo para os operadores jurídicos e interlocutores sociais (RÍO, p.6). Não se pretende, aqui, desenvolver uma história do princípio ou promover um aprofundamento de 61

A questão da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal não é, aliás, um problema apenas das mulheres, tendo sido discutida na última conferência informal de Ministros de Igualdade em Helsinki como um problema que deva ser mais amplamente abordado, do ponto de vista de políticas de emprego ou econômicas. (Presentación..., p. 10.) 62 Presentación..., p. 10.

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sua estrutura. Cabe apenas delinear o que ele significa, especialmente no contexto da LOI, e como ela o explora. O princípio da transversalidade baseia-se na idéia de que a democracia requer que todos os cidadãos participem e estejam representados igualitariamente nos mais diversos âmbitos da vida, seja na economia, na vida social, cultural ou civil. A única maneira de combater a violência e sub-representação das mulheres é reconhecer que se deve analisar a realidade tendo em vista, nos diversos âmbitos culturais, sociais, educativos, políticos e econômicos, que homens e mulheres não se encontram na mesma posição social. Isto torna necessária a integração do princípio da igualdade de tratamento e oportunidades entre mulheres e homens no desenho e na adoção de todas as políticas que possam ter repercussões diretas ou indiretas sobre a cidadania. A aplicação do princípio significa ter em conta, em todas essas políticas, as preocupações, necessidades e aspirações das mulheres na mesma medida que as dos homens. Para isso, é essencial a representação equilibrada das mulheres nos âmbitos de decisão política e econômica.63 O gender mainstreaming foi adotado na Plataforma para Ação no final da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres da ONU, em Pequim, em 1995. Foi então previsto na Diretiva 2006/54/CE, que regula as matérias de emprego e ocupação, e que, em seu artigo 29, determina:

“Transversalidad de la perspectiva de género. Los Estados miembros tendrán en cuenta de manera activa el objetivo de la igualdad entre hombres y mujeres al elaborar y aplicar disposiciones legales, reglamentarias y administrativas, así como políticas y actividades en los ámbitos contemplados en la presente Directiva.”

A Espanha já havia investido no princípio com a lei 30/2003, sobre medidas para incorporar a valoração de impacto de gênero nas Disposições Normativas que elaborasse o governo. No entanto, a lei não teve os resultados que se desejava tivesse: dos projetos que efetivamente realizaram uma avaliação do impacto de gênero, poucos reconheceram um impacto de gênero, apresentando como seria seu benefício à mulher (8,69%, no período de outubro de 2003 a novembro de 2005). A perspectiva transversal exige da lei um alto grau de complexidade: são reguladas todas as políticas públicas na Espanha, bem como o setor privado, mas um maior detalhamento é reservado para os âmbitos de competência do Estado. A proteção geral do 63

Idem.

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princípio da igualdade nos diferentes âmbitos normativos é concretizada nas 31 disposições adicionais, que modificam 27 leis que são afetadas pela lei 03/2007. “De este modo, la ley nace con la vocación de erigirse en la ley-código de la igualdad entre mujeres y hombres”.64 A lei modificou as leis estatais que são afetadas pelo princípio da igualdade real entre mulheres e homens, contemplando um conjunto de medidas de caráter transversal nos seguintes âmbitos: • Atuação dos poderes públicos; • Política educativa e de saúde; • Ação dos meios de comunicação públicos ou privados; • Acesso às novas tecnologias e à sociedade da informação; • Política de desenvolvimento rural e de moradia; • Política cultural, de criação artística, esporte e cooperação para o desenvolvimento; • Contratação e concessão de subvenções públicas; • Política trabalhista, de emprego e de Seguridade Social; • Função pública e corpos e forças de segurança; • Acesso a bens e serviços; • Organização da Administração Geral do Estado. Nos campos nos quais as mulheres estão pior situadas, a lei regula extensivamente. São eles: direito ao trabalho e Seguridade Social, direito à participação política e direito ao acesso à carreira pública. Para estas áreas, a lei estabelece normas obrigatórias e meios específicos de implementação. Nas outras, ela assume uma função preventiva, de promoção e fomento dos direitos.

4.2.5 Direito ao Trabalho e Seguridade Social Uma das grandes inovações trazidas pela LOI é regular não somente o funcionalismo público, mas impor também regras ao trabalho privado, desenvolvido nas empresas. Um dos princípios mais importantes neste campo é o da conciliação entre vida profissional, pessoal e

64

Preâmbulo, Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva entre Mujeres y Hombres (3/2007).

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familiar, incentivando a co-responsabilidade do homem e da mulher com as obrigações domésticas e familiares. Outra novidade é a introdução do princípio de igualdade de tratamento entre mulheres e homens nas negociações coletivas, espaço em que a lei impõe o dever de tratar a questão, mas mantém a liberdade de determinação dos melhores caminhos a serem seguidos para tanto. Trata-se da idéia de igualdade participada, através de um chamamento dos interlocutores sociais para o estabelecimento de medidas de ação afirmativa (LÓPEZ, p. 62). Isto é verdade especialmente em relação às pequenas e médias empresas, em que não há a obrigação de elaborar um Plano de Igualdade, como exploraremos abaixo. O Capítulo III do Título IV da LOI cuida da elaboração de Planos de Igualdade no âmbito das empresas – medida muito original, mas que dependerá, para sua efetivação, da vontade e da formação dos interlocutores sociais e principalmente da parte sindical (RÍO, p. 10). O artigo 45 estabelece que as empresas são obrigadas a respeitar a igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens no âmbito do trabalho, e deverão adotar medidas para este fim, que deverão ser negociadas e, se for o caso, acordadas. Já as empresas com mais de 250 trabalhadores têm o dever de elaborar e aplicar um Plano de Igualdade, que também deverá ser objeto de negociação, o que também se torna um dever para empresas menores no caso de se realizarem acordos coletivos nesse sentido. Os Planos de Igualdade, de acordo com o artigo 46 da LOI, serão um conjunto de medidas perseguidas para eliminar qualquer discriminação e atingir a igualdade de tratamento entre mulheres e homens. Para tanto, exige-se uma fase prévia de diagnóstico de situação, após a qual se estabelecerão os objetivos concretos a se atingir, estratégias e práticas e sistemas de acompanhamento e avaliação dos resultados. O plano poderá contemplar, e tendo como base o diagnóstico de situação, o acesso ao emprego, a classificação profissional, a promoção e formação, a remuneração, a ordenação do tempo para conciliação entre vida profissional, familiar e pessoal e a prevenção do abuso sexual e abuso por razão de sexo. Especificamente para o caso de abuso, poderão ser negociados, com os trabalhadores e trabalhadoras, guias de boas práticas, campanhas informativas e ações de formação. Para LÓPEZ, as medidas preventivas sobre abuso que farão parte dos planos teriam o efeito de incrementar a cultura de igualdade de direitos nas empresas. Os representantes dos trabalhadores, com isso, se sensibilizariam com a questão e passariam a denunciar as condutas constitutivas de abuso. Na opinião da autora, no entanto, a LOI deveria ter se preocupado

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mais com os casos em que são o empresário ou seus representantes a cometer o abuso (LÓPEZ, p. 63). A previsão de medidas para consecução de igualdade, mesmo quando, no caso de pequenas e médias empresas, tem mais o caráter de um incentivo que de um dever, ganha maior efetividade quando analisada em conjunto com os artigos 33, 34 e 35 da LOI. De acordo com o artigo 33, as Administrações Públicas, na contratação com entes privados, podem estabelecer condições especiais para promover a igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho. O artigo 34, por sua vez, preceitua que o Conselho de Ministros determinará, anualmente, quais contratos da Administração devem necessariamente conter estas disposições, e que os órgãos de contratação podem estabelecer preferência de adjudicação aos contratos que cumpram com aquelas diretrizes. Finalmente, o artigo 35 estabelece que as Administrações públicas poderão determinar, para as subvenções públicas, os âmbitos em que se incluirão como critérios de preferência valorações sobre a efetiva consecução de igualdade entre mulheres e homens. Para fomentar a elaboração e a aplicação efetiva destes Planos de Igualdade, a LOI prevê um distintivo, a ser oferecido pelo Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais para as empresas que se destacarem. Os critérios para a concessão do distintivo são a presença equilibrada de homens e mulheres nos órgãos de direção, a adoção de Planos de Igualdade e publicidade não sexista dos produtos. Este distintivo pode ser utilizado para fins de publicidade da empresa. Um efeito interessante da promulgação da LOI foi que, durante o ano de 2007, foram publicados diversos guias e manuais com instruções detalhadas acerca de como criar um Plano de Igualdade para ajudar as empresas, já que todas aquelas com mais de 250 funcionários se encontraram imediatamente obrigadas a pensar o assunto (GELAMBÍ, 2008). A Disposição Final Quinta determina que, 4 anos após a promulgação da lei, o Governo procederá à avaliação, junto de entidades sindicais e associações empresariais mais significativas, o estado da negociação coletiva em matéria de igualdade, aplicando, se for o caso, as medidas que forem pertinentes. Além disso, o artigo 75, preocupando-se com a representação equilibrada de homens e mulheres, estabeleceu que as sociedades obrigadas a prestar contas de perdas e ganhos procurarão incluir, em seu Conselho de Administração, um número de mulheres suficiente Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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para se obter uma representação equilibrada entre mulheres e homens, objetivo que se deveria alcançar em 8 anos. Isto foi considerado, pelo Partido Popular, uma intromissão desmedida na liberdade das empresas – o que não foi uma surpresa, pois o partido se mostrou absolutamente contra a mesma medida no que diz respeito às cotas eleitorais (RÍO, p. 10). Ainda no âmbito das empresas, uma novidade a nível processual é a remissão ao artigo 138 bis da Lei de Processo Trabalhista, no caso de discrepâncias entre empresários e trabalhadores em matéria de conciliação da vida familiar, profissional e pessoal. Um ponto no qual a lei avançou, mas, na opinião de RÍO, poderia ter avançado mais, é o relativo à licença-paternidade. O projeto inicial previa 8 dias, aumentados para 13 nos trâmites parlamentares, o que, com os 2 dias adicionais previstos pelo artigo 37.3 do Estatuto do Trabalho, resulta em 15. Esta duração está muito inferior à estabelecida em outros países da União Européia. Além disso, seria muito importante que essa licença tivesse caráter obrigatório, pois a fundamentação que estabelece a obrigatoriedade de 6 semanas para a mãe não é biológica, mas a de criação de laços entre mãe e filho, o que é importante igualmente em relação ao pai. No entanto, a LOI não estabelece a obrigatoriedade da licença-paternidade (RÍO, p. 9).

4.2.6 Participação política e acesso à carreira pública Os organismos de defesa dos direitos humanos têm insistido na preocupação com a presença das mulheres nos postos de direção, o que se expressa em declarações de direitos humanos, conferências e resoluções da ONU, bem como pelo Conselho Europeu, a União Européia e a União Interparlamentária (FRANCH, MERINO, p. 9). A demanda pela paridade nasceu formalmente na Europa nos anos 80, após a constatação de que décadas de sufrágio universal não haviam modificado a quase nula presença das mulheres nos postos de decisão. Aponta-se que o exercício do voto como condição de cidadania não se daria apenas através do sufrágio ativo, mas também do passivo, ou seja, do direito de cada cidadão de ser votado e exercer o poder. Passou-se ao reconhecimento de que a presença da mulher nos cargos eletivos e também nos de comissão contribuiriam para a democracia real, por trazer a criatividade e inteligência de metade da população para gerar idéias, valores e comportamentos diferentes na direção de decisões mais equilibradas e justas.65 65

Idem, p. 16.

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Na Espanha, a busca pela paridade de homens e mulheres na participação política teve início nos anos 80, quando alguns partidos políticos passaram a estabelecer cotas de participação feminina. Se no fim dessa década as cotas eram, em geral, de 25%, em 1997 o GP (Grupo Parlamentar) Socialista e o GP Izquierda Unida haviam estabelecido a obrigatoriedade da representação, em suas listas, nem menor de 40% nem maior de 60% para cada um dos sexos. Isso resultou numa transição de 6% de mulheres, na Legislatura Constituinte (1977-1979), para 21%, na VI Legislatura (1996-2000). 66 Algumas propostas de formalização dessa paridade em lei foram apresentadas, mas sempre reprovadas por votos do GP Popular. Foram algumas comunidades autônomas que passaram a incluir a reforma em suas leis, o que foi questionado perante o Tribunal Constitucional. Duas dessas ações aguardam julgamento, e duas, propostas pelo Governo, foram retiradas pelo governo de Rodríguez Zapatero em 2006. Os argumentos, nos quatro casos, giraram em torno das mesmas questões: a unidade da soberania (teoricamente ameaçada por uma independência representativa das comunidades autônomas) e a representação no Estado (receio de uma democracia corporativa), o princípio da igualdade no que toca os cargos públicos e funções representativas e a liberdade dos partidos políticos, somada ao direito de ser candidato. A LOI veio, então, como resultado de um processo, buscando efetivar a participação política da mulher através do princípio da composição equilibrada, desenvolvido na Disposição Adicional Primeira, de acordo com a qual a representação de um dos sexos não pode ser menor que 40% nem maior que 60%. Aqui se torna claro que a lei busca uma igualdade real entre os sexos: muito embora sejam as mulheres, sub-representadas, quem mais farão uso do princípio, nada impede que homens, sub-representados em alguma situação, possam também exigir a composição equilibrada. O princípio é também aplicável para as eleições das Comunidades Autônomas, mas é-lhes reservada a competência de criar situações ainda mais favoráveis às mulheres. A Disposição Adicional Segunda dedica-se à representação política, estabelecendo o princípio da composição equilibrada para a lista dos partidos políticos, não apenas nas eleições para o Legislativo estadual, mas também municipal, das comunidades autônomas e do Parlamento Europeu, entre outras eleições; vem a concretizar o que já estabelecia em princípio o Capítulo I do Título II. O artigo 16 dedica-se às nomeações realizadas pelos

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Idem, p. 25.

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poderes públicos,67 e o Capítulo II do Título V (artigos 52-54) à aplicação do princípio da composição equilibrada na Administração Geral do Estado (Poder Executivo). O Partido Popular propôs uma ação de inconstitucionalidade contra a Disposição Adicional segunda, alegando a restrição à liberdade dos partidos e violação do princípio da igualdade, bem como a abertura de um processo de parcelamento da soberania e limitação ilegítima do direito de ser eleito – ou seja, os mesmos argumentos das ações de inconstitucionalidade propostas anteriormente contra as leis eleitorais das Comunidades Autônomas. Sugeriam medidas de incentivo, ao invés de imposições. FRANCH e MERINO consideraram que alegação incorria em uma confusão, pois a DA Segunda não seria uma ação positiva, mas uma diferença justificada para efetivar o direito de participação política de mulheres e homens, previsto constitucionalmente. Afinal, uma norma aparentemente neutra pode ensejar verdadeiras desigualdades materiais.68 Nas eleições seguintes, 17 foram os recursos que, vindos da Justiça Eleitoral, chegaram ao Tribunal Constitucional. As decisões tomadas pela Corte em relação às candidaturas irregulares foram no sentido de que a exigência de composição equilibrada não era irracional ou arbitrária, fazendo sentido no contexto de buscar a verdadeira participação paritária entre os sexos, mas que as Juntas Eleitorais deveriam oferecer aos partidos a possibilidade de retificar as candidaturas que não tivessem cumprido com a lei. Ocorreu interessante demanda da formação política FE de las JONS, em cuja lista figuravam 10 mulheres e 3 homens, afirmando que tinham uma impossibilidade física de cumprir com a lei, pela falta de homens para se candidatar. O Ministério Fiscal, em parecer, manifestou-se no sentido de que a lei previa a participação de homens e mulheres nas proporções propostas, e deveria ser cumprida; o juiz da sentença, no entanto, considerou que, havendo impossibilidade física de incluir outros homens na candidatura, esta deveria ser realizada sem a exigência de saneamento, levantando, no entanto, a opinião de que o artigo 44 da Lei Eleitoral, modificado pela LOI, seria inconstitucional, por poder ferir o interesse das próprias mulheres.69

67

No âmbito dos poderes públicos a que se refere o artigo 16, uma interpretação para a extensão desses poderes pode ser a dada pela Súmula 35 do Tribunal Constitucional (STC 35/1983), que afirma que o que a Constituição incluir em poderes públicos são todos os entes e órgãos que exercem um poder de império derivado da soberania do Estado, em conseqüência de uma mediação mais ou menos larga do próprio povo. A STC 16/1982, além disso, dá a entender que também o Poder Judiciário é compreendido como um poder público. (FRANCH e MERINO, p. 18). 68 Idem, pp. 31-32. 69 Todos os casos extraídos de FRANCH e MERINO, pp. 33-34.

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O artigo 53 destaca-se por exigir a composição equilibrada também nos órgãos de seleção e comissões de valoração da Administração Geral do Estado. Nos debates anteriores à lei, na Comissão Mista de direitos humanos da mulher e igualdade de oportunidades, a deputada Monserín Rodriguez, atentou para o fato de que em poucos campos seria possível atestar mais o mérito e a capacidade das mulheres que na Administração Geral do Estado. Nos cargos em cuja investidura se media o mérito e a capacidade, as mulheres representavam 52% do total de funcionários. Na investidura de cargos escolhidos órgãos de decisão, em que os membros eram majoritariamente homens, as mulheres correspondiam a 2 ou 1% do total. Daí a preocupação em levar as mulheres aos cargos de decisão.70 O artigo 54 leva o princípio da composição equilibrada para a designação de representantes da Administração Geral do Estado nos órgãos colegiados, comitês técnicos e comitês consultivos nacionais e internacionais, bem como nos Conselhos de Administração de empresas em cujo capital o Estado participe. O artigo 55, por sua vez, é uma clara manifestação da transversalidade, pois obriga a realização de um informe sobre o impacto de gênero na aprovação de convocatórias de provas seletivas para o acesso ao emprego público. Um olhar sistemático nos dirige à Disposição Transitória Primeira, que estabelece um princípio que, embora pareça óbvio, pode suscitar discussões: o da irretroatividade da lei. Ora, isso significa que, nas nomeações futuras, os conselhos e órgãos terão de buscar atingir a composição equilibrada. Se se entender, sistematicamente, que a composição equilibrada diz respeito aos postos considerados em conjunto, as renovações seguintes fariam com que rapidamente se atingisse a composição necessária. Considerando-se que em alguns âmbitos, como nos Conselhos de Administração das empresas, a participação feminina é quase nula, as nomeações futuras, durante algum tempo, teriam de ser exclusivamente femininas. Caso se considerasse, pelo contrário, e a partir da irretroatividade, que o dever de buscar a composição equilibrada diria respeito às novas nomeações e, portanto, ao número de vagas que surgisse após a promulgação da lei, os objetivos seriam atingidos num prazo mais longo.71

70 71

Idem, p. 22. Idem, p. 23.

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4.2.7 Impacto da LOI nas eleições locais de 2007 A Federação Espanhola de Municípios e Províncias realizou um estudo detalhado das eleições municipais realizadas em 2007, analisando a representação das mulheres e a diferença observada em relação às eleições de 2003. Analisou a brecha de gênero (diferença entre as taxas masculina e feminina na categoria de uma variável; quanto maior a brecha, maior a desigualdade), a segregação horizontal (desequilíbrios na presença de homens e mulheres em diferentes áreas) e a segregação vertical (desequilíbrios do ponto de vista da posição hierárquica que ocupam mulheres e homens num órgão) que se produziram nas duas eleições, e buscaram extrair dos dados o impacto que a Lei 3/2007 teve sobre a igualdade efetiva entre mulheres e homens.72 As eleições locais de 2003 mostraram um forte desequilíbrio entre os sexos: os homens ocupavam 74,3% dos cargos de secretários municipais (concejalías, que são cargos eleitos), ou seja, quase três quartos do total. A distribuição entre mulheres e homens nas Câmaras mostrou-se, no entanto, muito desigual em função do tamanho dos municípios. A brecha de gênero nas concejalías foi de 46%.73 Os dados obtidos levam também à conclusão de que, quanto menor o número de habitantes do município, maior a brecha de gênero. Nos municípios de 101 a 5.000 habitantes, o percentual de cargos de vereador ocupados por homens foi 77,04, com uma brecha de gênero de 54%; já em municípios com mais de 300.000 habitantes, o percentual cai para 61,85, com uma brecha de gênero de 23,7%. Adotando-se o ponto de vista dos cargos de secretários municipais (concejalías) ocupados por homens e mulheres em cada Comunidade Autônoma, observa-se que a representação das mulheres variou entre 19,03% (Castilla-León) e 35,5% (Madrid). A diferença diz respeito, afirma o estudo, ao tamanho dos municípios que compõem cada Comunidade Autônoma.74 A análise da segregação vertical nas corporações locais em 2003 demonstrou que o desequilíbrio entre mulheres e homens crescia proporcionalmente ao grau de poder e tipo de 72

Estudio del Impacto de la Ley Orgánica 3/2007, para la Igualdad Efectiva de Mujeres y Hombres en la Representación de Mujeres en el Ambito de la Politica Local. FEMP – Federación Española de Minicipios y Provincias, maio de 2007. 73 Estudio del Impacto..., p. 19. 74 Idem, p. 25.

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responsabilidade. Entre os prefeitos (alcades), apontados pelos concejales, a presença feminina foi de 13,17%, contra 86,83% de homens. A brecha de gênero, portanto, que no caso das concejalías era de 46%, no caso dos postos mais altos de decisão chega a 74%, o que, segundo o estudo, comprovaria a existência de barreiras invisíveis impedindo às mulheres o acesso a postos de maior responsabilidade.75 Permaneceu, quanto às prefeituras, a distinção de que municípios com menos habitantes tendem a apresentar maior brecha de gênero. Outro dado interessante foi que a brecha diminuía ligeiramente no que se referia aos cargos de viceprefeitos, nos quais havia uma representação um pouco maior das mulheres, mas ainda assim brutalmente desigual. Quando se tratava das tenencias, cargos hierarquicamente inferiores às concejalías, a desigualdade era menor, com algumas Comunidades Autônomas apresentando mais de 30% desses cargos ocupados por mulheres. No entanto, nas Juntas de Governo, órgãos encarregados de gerir cotidianamente os entes e tomar a maior parte das decisões referentes às políticas municipais, constituindo, com o gabinete da prefeitura, os elementos centrais de intervenção e gestão, a presença das mulheres voltava a cair (abaixo de 30% em todas as Comunidades Autônomas). A pesquisa conclui que, havendo nos cargos necessidade de tomada de decisões e disposição de tempo, a presença das mulheres diminui.

Fonte: Estudio del Impacto..., p. 34.

75

Idem, p. 28.

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Quanto à segregação horizontal, a conclusão da pesquisa foi que a presença da mulher, em 2003, era tanto mais marcante quanto mais as responsabilidades eram derivadas da função que o rol de gênero lhes atribui: era a maioria nos serviços sociais e de saúde, e tinham presença equilibrada nas áreas de educação, cultura, esportes e juventude. Os homens eram preponderantes nas áreas com mais incidência na manutenção ou mudança de poder, configuração de espaços e distribuição de recursos a diferentes políticas (regime interno, economia e fazenda, meio ambiente, entre outros). Nas eleições locais de 2007, ou seja, após a entrada em vigor da LOI, a pesquisa mostra que os números progrediram no sentido de uma maior participação política da mulher. Em 2007, 31% dos cargos de vereador foram ocupados por mulheres, o que representa um aumento de 5% em relação às eleições anteriores, significando uma queda de 10% na brecha de gênero, que ficou em 38%. Também neste caso foi possível observar que a brecha diminuiu mais tanto maiores eram os municípios. Agora, nos municípios de 101 a 5.000 habitantes, o percentual de cargos de vereador ocupados por homens foi 73, e, em municípios com mais de 300.000 habitantes, o percentual caiu para 55,7%, tendo-se alcançado, nesta categoria, a paridade. Uma das observações mais interessantes foi a de que nos municípios com menos de 5.000 habitantes, uma redução de 8% na brecha de gênero ocorreu sem qualquer imposição, já que as mudanças eleitorais introduzidas pela LOI não se aplicam a eles. Já em relação à participação total em cada Comunidade Autônoma, muito embora a presença de mulheres tenha aumentado em todas, a desigualdade da brecha de gênero entre elas permaneceu nos mesmos padrões de anteriormente. No plano da segregação vertical, no entanto, as diferenças não foram tão marcantes. O aumento da presença das mulheres nos cargos de prefeito foi de apenas 1,69%, com uma brecha de gênero de 70%, mantendo-se a disparidade entre municípios com menos e mais habitantes, mas de grau muito inferior à disparidade que se observou ainda no caso das câmaras municipais. Também nas vice-prefeituras houve uma diminuição na brecha de gênero, sem que com isso se alcançasse a paridade: 48 pontos porcentuais. A brecha de gênero diminuiu expressivamente no caso das tenencias, postos em que algumas Comunidades Autônomas conseguiram alcançar o que a LOI considera paridade. Isso levaria à conclusão de que a representação das mulheres aumentaria mais rapidamente quanto mais

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próximo se está da base da pirâmide, ou seja, mais longe do poder real.76 Já no caso das Juntas de Governo, de forma muito parecida com o que ocorreu nas prefeituras, a diminuição da brecha de gênero foi inexpressiva. A segregação horizontal também não parece ter caminhado no sentido de uma superação. As áreas predominantemente masculinas não o deixaram de ser, nem tampouco as femininas; naquelas em que já havia paridade, a conclusão a que a pesquisa chega é que preponderam as mulheres, mas os postos de direção são ocupados por homens.77 No entanto, um fato relevante é que, nos municípios relativamente maiores, algumas áreas, como educação e meio ambiente, claramente se feminizaram. Quanto à presença de mulheres nas câmaras em relação aos partidos políticos, apenas um deles, o CC (Coalición Canaria), obteve uma representação paritária (brecha de 20%). Outros 6 partidos ficaram com brecha abaixo de 40%, contra nove que permaneceram acima. A conclusão geral a que chegou a pesquisa é que as eleições locais de 2007 permitiram um avanço para a paridade, mas apenas no nível mais baixo da representação política (tenencias, concejalías); a segregação vertical e a horizontal continuaram operando a pleno vapor.78

4.2.8 Princípios protetores e reparadores na LOI Os princípios protetores e reparadores da lei aglutinam-se, principalmente, em torno do princípio de indenização, protegendo frente a tratamentos adversos e negativos produzidos frente a quem apresentar reclamações e denúncias relativas ao princípio da igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens. Além disso, a lei é regida pelo princípio geral de tutela jurisdicional, como o direito de qualquer pessoa recorrer ao Judiciário, conforme previsto pelo artigo 53.2 da Constituição Espanhola. Neste âmbito, baseando-se nas Diretivas comunitárias mas indo mais adiante, afirma-se na lei o princípio da inversão do ônus da prova, de acordo com o qual a parte acusada deverá provar a ausência de discriminação frente a qualquer alegação relativa à igualdade de tratamento e oportunidades entre mulheres e homens.

76

Estudio de Impacto..., p. 63. Estudios de Impacto..., p. 70. 78 Para um detalhamento maior das conclusões a que chega a pesquisa, consultar Estúdios de Impacto..., a partir da p. 98. 77

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A lei prevê, também, a nulidade dos atos e negócios jurídicos discriminatórios e um sistema de reparações e indenizações, a serem determinadas pela efetividade e proporcionalidade do prejuízo sofrido. Determina, sobretudo, que as sanções deverão ser eficazes, para terem um caráter dissuasivo.

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Ley Orgánica para la Igualdad Efectiva entre Mujeres y Hombres, Espanha, 2007 Resumo estruturado

Título preliminar a) Objeto da lei: • Fazer efetivo o direito de igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens; • Eliminar a discriminação da mulher, seja qual for sua circunstância ou condição e em qualquer âmbito da vida; • Estabelece princípios de atuação dos poderes públicos, regula direitos e deveres de pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas. b) Âmbito de aplicação: • Toda pessoa, física ou jurídica, que se encontre em território espanhol, independente de nacionalidade, domicílio ou residência.

Título 1: o princípio da igualdade e a tutela contra a discriminação a) Aplicação do princípio: • O princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres pressupõe a ausência de toda discriminação, direta ou indireta, em razão de sexo, e, principalmente, as derivadas da maternidade, de obrigações familiares assumidas e do estado civil. • A igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres é um princípio informador do ordenamento jurídico e integrará e será observado na interpretação e na aplicação de normas. • O princípio é aplicável no âmbito do emprego privado e do emprego público, implicando no acesso ao emprego (inclusive no trabalho autônomo), na formação e na promoção profissional, nas condições de trabalho, na afiliação e participação em organizações sindicais, empresárias, mas não quando a atividade, por sua natureza, requeira diferenciação por sexo devido a requisitos profissionais essenciais e relevantes. b) Definições legais: Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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• Discriminação direta x Discriminação indireta: a discriminação direta por razão de sexo é entendida como aquela exercida entre situações comparáveis; a indireta é aquela em que situações aparentemente neutras colocam pessoas de um sexo em desvantagem particular em relação a pessoas de outro. • Abuso sexual x Abuso por razão de sexo: abuso sexual é o comportamento verbal ou físico de natureza sexual, e abuso por razão de sexo é qualquer comportamento realizado em função do sexo, ambos atentando contra a dignidade da pessoa, em especial criando efeito intimidante, degradante ou ofensivo. c) Conseqüências jurídicas das condutas discriminatórias: • Atos e cláusulas jurídicas discriminatórias serão nulos e ensejarão responsabilidade através de indenizações reais, efetivas e proporcionais ao prejuízo sofrido, e de um sistema eficaz e dissuasório de sanções. d) Ações afirmativas: • Para corrigir desigualdades de fato, serão aplicadas medidas específicas temporárias e razoáveis. • Tais medidas serão aplicadas pelo Poder Público, mas também pessoas físicas e jurídicas privadas poderão adotá-las, nos termos da lei. e) Tutela judicial: • A legitimação para intervir nos direitos sobre que versa a lei é de pessoas físicas e jurídicas com interesse legitimo; no caso de abuso sexual e abuso por razão de sexo, somente a pessoa abusada é legitimada. • O ônus da prova, a não ser no processo penal, recairá sobre o demandado.

Título 2: políticas públicas para a igualdade a) Critérios gerais de atuação dos poderes públicos: • Compromisso com a efetividade do direito constitucional de igualdade entre mulheres e homens; • Integração do princípio de igualdade de tratamento e oportunidades no conjunto das políticas econômicas, trabalhistas, culturais, sociais e artísticas; Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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• Colaboração entre as Administrações públicas; • Participação equilibrada de mulheres na tomada de decisões; • Adoção de medidas necessárias para erradicar a violência de gênero e violência familiar; • Consideração de dificuldades singulares enfrentadas por grupos de mulheres de coletivos de maior vulnerabilidade; • Respeito à diferença e à diversidade; • Proteção à maternidade, com especial atenção à assunção pela sociedade dos efeitos da gravidez, do parto e da lactância; • Estabelecimento de medidas que assegurem a conciliação do trabalho e da vida pessoal e familiar do homem e da mulher, e fomento à co-responsabilização pelas atividades domésticas e familiares; • Fomento de instrumentos de colaboração entre as distintas Administrações públicas e os agentes sociais, associações de mulheres e outras entidades privadas; • Fomento da efetividade do princípio da igualdade entre mulheres e homens nas relações particulares; • Implantação de uma linguagem não sexista no âmbito administrativo e seu fomento em geral. b) Transversalidade do princípio: • O princípio informará a atuação de todos os Poderes Públicos, nas políticas públicas em todos os âmbitos e no desenvolvimento de todas as suas atividades. c) Cargos de responsabilidade: • As nomeações e designações serão realizadas em atendimento ao princípio de presença equilibrada de mulheres e homens nestes cargos. d) Outras medidas: • O Governo aprovará, periodicamente, um Plano Estratégico de Igualdade de Oportunidades;

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• O Governo prestará contas periodicamente à Câmara dos Deputados relativamente às ações para a efetividade do princípio de igualdade (informe periódico). • Os projetos de disposições de caráter geral e os planos de especial relevância econômica, social, cultural e artística deverão apresentar um informe sobre seu impacto com relação ao gênero. • Estatísticas e estudos elaborados pelos poderes públicos deverão incluir a variável sexo (mesmo que isso signifique ampliar a amostra), introduzir novos indicadores que possibilitem compreender as diferenças nas condições entre homens e mulheres, bem como detectar situações discriminatórias, e eliminar definições que desvalorizem o trabalho da mulher ou determinados coletivos de mulheres. e) Ação administrativa para a igualdade: • O sistema de ensino incluirá em seus fins a educação a respeito da igualdade entre mulheres e homens, e eliminará obstáculos para que se atinja a efetiva igualdade. •

As instituições de ensino garantirão a integração ativa entre mulheres e homens,

cuidarão de eliminar conteúdos sexistas e estereótipos discriminatórios entre mulheres e homens do material didático, integrarão o princípio da igualdade nos currículos e nos cursos para formação docente. • Os órgãos de controle e governo dos centros docentes terão representação equilibrada de homens e mulheres. • Estabelecer-se-ão medidas para o reconhecimento e ensino do papel das mulheres na História. • A educação superior incentivará o ensino e a pesquisa sobre o alcance da igualdade entre mulheres e homens. • No âmbito da criação e produção artística e intelectual, haverá medidas de incentivo à promoção específica das mulheres, incentivos econômicos de ajuda à criação e produção artística e científica de autoria feminina, paridade nos órgãos consultivos, científicos e de decisão, bem como outras ações afirmativas que sejam necessárias. • As políticas de saúde também garantirão o princípio, levando em conta necessidades especiais de homens e mulheres, incentivando a pesquisa a respeito dessas diferenças, favorecendo a promoção específica da saúde das mulheres, prevenindo a discriminação, Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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considerando o abuso sexual e abuso por razão de sexo, oferecendo formação do pessoal para atender à violência de gênero, garantindo composição paritária nos postos diretivos e de responsabilidade no sistema de saúde, e oferecendo obtenção e tratamento de dados e estatísticas diferenciados por sexo. • O Governo promoverá a plena incorporação das mulheres na Sociedade da Informação em todos os programas públicos de desenvolvimento, e mediante programas específicos, contemplando as mulheres de coletivos de risco de exclusão e do âmbito rural. Os conteúdos e a linguagem da Sociedade da Informação não serão sexistas, e serão incentivados os projetos realizados por mulheres. • Todos os programas públicos de desenvolvimento dos esportes levarão em consideração a igualdade real entre homens e mulheres, e o governo promoverá o esporte feminino e a abertura das modalidades às mulheres. • As Administrações públicas promoverão o reconhecimento do trabalho rural da mulher e seus direitos à Seguridade Social. Haverá atuações para a formação da mulher rural, especialmente para sua incorporação no mercado de trabalho e em órgãos de decisão em empresas e associações, e atividades em que o trabalho das mulheres seja favorecido serão promovidas pelas Administrações públicas. Haverá uma rede de serviços sociais como medida de conciliação da vida laboral, familiar e pessoal no meio rural. • As políticas de acesso à moradia e de urbanismo levarão em conta o princípio da igualdade. O governo deve fomentar o acesso à moradia às mulheres com risco de exclusão, em situação de necessidade ou que tenham sofrido agressão de gênero, em especial quando tiverem filhos exclusivamente a seu cargo. • Para a abordagem transversal, elaborar-se-á uma Estratégia Setorial de Igualdade entre mulheres e homens, que será atualizada periodicamente, e haverá um processo de médio prazo de progressiva integração do princípio da igualdade e do enfoque o gênero em desenvolvimento (GED), com a promoção de ações afirmativas, em todos os níveis da Administração pública. • Todos os anos, o Executivo decidirá que contratos da Administração Geral do Estado devem incluir medidas tendentes à promoção de igualdade efetiva entre homens e mulheres. • Também no caso dos planos estratégicos de subvenções, as Administrações públicas poderão incluir ações para a efetiva consecução de igualdade entre homens e mulheres. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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f) Igualdade e meios de comunicação • Os meios de comunicação social de titularidade pública velarão por uma imagem igualitária, plural e não estereotipada de mulheres e homens na sociedade e promoverão a difusão do conhecimento acerca da igualdade. • A Corporação RTVE e a agência EFE atentarão, em sua programação, para uma linguagem não sexista, para refletir adequadamente a presença das mulheres em diversos âmbitos da vida social, para transmitir conteúdos de igualdade e apoiar campanhas institucionais. Incorporarão mulheres nos postos de responsabilidade, e fomentarão a relação com associações e grupos de mulheres. • Os meios de comunicação privados eliminarão a discriminação entre mulheres e homens, e as Administrações públicas promoverão a adoção, por parte desses meios, de acordos de auto-regulação para contribuir com o cumprimento da legislação de igualdade, inclusive na publicidade. • A publicidade considerada discriminatória nos termos desta lei serão ilícitas.

Título 4 – O direito ao trabalho em igualdade de oportunidades a) Igualdade de tratamento e de oportunidades no âmbito do trabalho: • As políticas de trabalho terão como um de seus objetivos aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho e avançar na igualdade efetiva entre mulheres e homens, melhorando sua empregabilidade e permanência através de formação. • Os programas de inserção laboral serão oferecidos a mulheres em todas as idades e de todos os níveis educacionais, e poderão destinar-se prioritariamente a determinados coletivos de mulheres. • Negociações coletivas poderão estabelecer medidas para o acesso das mulheres ao trabalho e para a igualdade de tratamento e não discriminação. b) Igualdade e conciliação: • Aos trabalhadores e trabalhadoras serão concedidos direitos de conciliação da vida laboral com a pessoal e familiar, para que assumam as responsabilidades familiares de forma equilibrada, evitando-se qualquer discriminação baseada no seu exercício.

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• A licença-maternidade e o salário-maternidade serão concedidos conforme normas de trabalho e Seguridade Social, que preverão, também, licença e salário-paternidade. c) Os planos de igualdade das empresas e outras medidas de promoção de igualdade: • As empresas devem respeitar o princípio da igualdade de tratamento e de oportunidades e adotar medidas para evitar a discriminação no trabalho, o que deve ocorrer por meio de acordos coletivos. • Empresas com mais de 250 funcionários deverão adotar um plano de igualdade, a ser igualmente objeto de negociação nos termos das leis trabalhistas. • As demais empresas poderão adotar planos de igualdade mediante acordos coletivos, e todas serão obrigadas a fazê-lo se a autoridade trabalhista substituir uma sanção acessória pelo dever de elaboração e aplicação deste plano. • O conjunto coordenado de medidas em que consistirão os planos de igualdade fixarão estratégias e práticas para a consecução da igualdade de tratamento e de oportunidades, e estabelecerão formas eficazes de acompanhamento e avaliação. • Os representantes dos trabalhadores e, portanto, os trabalhadores terão acesso a informações sobre o conteúdo dos planos e a consecução dos objetivos. • As empresas deverão promover condições de trabalho que previnam o abuso sexual e o abuso por razão de sexo, e oferecer meios de prevenção e de denúncia caso ocorram. Sugestões: códigos de boas práticas, campanhas, etc. • Os representantes dos trabalhadores devem sensibilizá-los a respeito destes abusos e levar as reclamações à direção da empresa. • O Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais criará um distintivo para as empresas que mais se destacarem nestes objetivos, o que poderá ser utilizado para fins publicitários. O funcionamento deste procedimento será dado por regulamento, e serão levados em conta a presença equilibrada de homens e mulheres em cargos de direção, a adoção de planos de igualdade ou outras medidas inovadoras, e a publicidade não sexista dos produtos.

Titulo 5 – O princípio da igualdade no funcionalismo público a) Critérios de atuação das Administrações públicas:

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• Remover dos obstáculos para a igualdade efetiva entre homens e mulheres; • Facilitar conciliação da vida profissional, familiar e pessoal; • Fomentar a formação em igualdade; • Estabelecer medidas efetivas de proteção frente ao abuso sexual e ao abuso em razão de sexo; • Eliminar qualquer forma de discriminação retributiva, direta ou indireta, em razão de sexo; • Avaliar periodicamente a efetividade do princípio nos seus respectivos âmbitos de atuação. b) O princípio da presença equilibrada na Administração Geral do Estado (doravante AGE) e nos órgãos públicos vinculados ou dela dependentes: • O Governo atenderá ao princípio da presença equilibrada de mulheres e homens na nomeação para titulares de órgãos diretivos da AGE e de órgãos públicos vinculados ou dela dependentes, considerados em seu conjunto; • Os órgãos de seleção de servidores e comissões de valoração de méritos para provisão de postos de trabalho terão composição equilibrada, salvo por razões fundamentadas e objetivas. • A presença equilibrada de homens e mulheres será atendida também na representação em comitês e órgãos colegiados, nacional ou internacional, da Administração Geral do Estado e dos órgãos públicos vinculados ou dela dependentes, salvo por razões fundamentadas e objetivas. O mesmo vale para nomeações em conselhos de administração de empresas em cujo capital participem. c) Medidas de igualdade no emprego na Administração Geral do Estado e nos órgãos públicos vinculados ou dela dependentes: • A aprovação de convocatórias de concursos públicos devem acompanhar um informe de impacto de gênero, salvo urgência e sem prejuízo da não discriminação por razão de sexo. • A normativa aplicável estabelecerá um conjunto de benefícios para proteger a maternidade e favorecer a conciliação entre vida profissional, familiar e pessoal, e reconhecerá uma licença-paternidade.

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• Para efeitos de valoração do trabalho desenvolvido e de seus méritos, o tempo em que as candidatas tenham permanecido na situação descrita na disposição anterior será computado. • Durante a gravidez ou o período de lactação natural, se as condições de trabalho da servidora forem prejudiciais a ela ou à criança, é garantida uma licença por risco, durante a qual seus direitos econômicos serão mantidos em sua plenitude. • Se o período de férias da servidora coincidir com uma incapacidade temporal derivada da gravidez ou da lactação natural, a servidora poderá desfrutar das férias num período posterior, mesmo após o período concessivo. O mesmo vale no caso de licençapaternidade. • Será dada preferência, nos cursos de formação e atualização, durante um ano, àqueles que tenham retornado ao serviço após licença-maternidade ou devido a situações excepcionais de guarda legal e atenção a pessoas maiores dependentes ou pessoas desabilitadas. • 40% das vagas dos cursos de formação serão reservados às mulheres que reúnam os requisitos estabelecidos. • Os concursos públicos incluirão o estudo e a aplicação do princípio da igualdade entre mulheres e homens nos diversos âmbitos da função pública. • Serão oferecidos cursos de formação sobre a igualdade e sobre a violência de gênero, dirigidos a todos os servidores. • As Administrações públicas estabelecerão com a representação legal das trabalhadoras e dos trabalhadores um protocolo de atuação que compreenda, no mínimo, um compromisso de prevenir e não tolerar o abuso sexual ou por razão de sexo, uma instrução a todos os servidores sobre seu dever de respeitar a dignidade das pessoas, a intimidade e a igualdade de tratamento entre mulheres e homens, o tratamento reservado de denúncias de fatos que poderiam constituir um abuso, e a identificação dos responsáveis por atender às denúncias. • Todos os Departamentos Ministeriais e Órgãos Públicos remeterão, ao menos uma vez por ano, aos Ministérios do Trabalho e Assuntos Sociais e de Administrações Públicas, informações detalhadas a respeito da aplicação efetiva do princípio da igualdade entre mulheres e homens.

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• No início de cada legislatura, o Governo aprovará um plano para a igualdade entre mulheres e homens na AGE e órgãos vinculados ou dela dependentes, com objetivos e estratégias relativamente ao funcionalismo público, o que será objeto de negociação e acordo com os representantes dos servidores. Seu cumprimento será avaliado anualmente pelo Executivo. d) Forças armadas e Forças e Corpos de Segurança do Estado: • As normas sobre pessoal das Forças Armadas e sobre Forças e Corpos de Segurança do Estado respeitarão o princípio da igualdade, em especial no que se refere ao regime de acesso, formação, ascensão, destino e situações administrativas. • As normas aplicáveis aos servidores públicos relativamente à igualdade, prevenção da violência de gênero e conciliação da vida profissional, pessoal e familiar são aplicáveis, ressalvadas peculiaridades necessárias, às Forças Armadas e às Forças e Corpos de Segurança do Estado.

Título 6 – Igualdade de tratamento no acesso a bens e serviços e sua administração • Todas as pessoas, físicas ou jurídicas, no setor público ou privado, que administrem bens ou serviços disponíveis para o público, fora do âmbito privado e familiar, terão o dever de cumprir com o princípio de igualdade entre mulheres e homens e evitar discriminações diretas ou indiretas em razão do sexo, a não ser quando justificadas por um propósito legítimo e os meios sejam adequados e necessários. • A conduta discriminatória no acesso a bens e serviços enseja indenização por perdas e danos. • Nenhum contratante pode indagar sobre gravidez de uma mulher demandante dos bens e serviços, a não ser para a proteção de sua saúde. • Seguradores não podem estabelecer prêmios e prestações diferenciados em função do sexo, a não ser quando este seja fator determinante de avaliação do risco, com base em dados estatísticos. Os custos relativos à gravidez e ao parto não podem diferenciar pessoas consideradas individualmente. • O descumprimento desta proibição gera pretensão do contratante prejudicado em relação aos prêmios e prestações do sexo beneficiado.

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Titulo 7 – A igualdade na responsabilidade social das empresas • As empresas poderão realizar, voluntariamente, ações de responsabilidade social para promover a igualdade entre mulheres e homens na empresa ou em seu entorno social, do que poderão fazer uso publicitário. • O Instituto da Mulher ou órgãos equivalentes das Comunidades Autônomas poderão exercer uma ação de cessação quando identificarem publicidade enganosa. • As sociedades mercantis procurarão alcançar uma representação equilibrada de mulheres no Conselho de Administração.

Título 8 – Disposições Organizativas a) Criação de órgãos: • Comissão Interministerial de Igualdade entre Mulheres e Homens (para a coordenação das políticas e medidas); • Unidades de Igualdade, em cada um dos Ministérios; • Conselho de Participação da Mulher (órgão colegiado de consulta e assessoramento). b) Presença ou composição equilibrada: • Considera-se composição equilibrada a presença de mulheres e homens de forma que as pessoas de cada sexo não superem 60% e nem sejam menos de 40% do conjunto.

A partir de então, a lei passa às disposições adicionais, transitórias e finais. As disposições adicionais são 27, e modificam artigos específicos de leis espanholas para adequá-las às disposições da presente lei. Apresentaremos as modificações mais relevantes, buscando não repetir o que já foi determinado na parte geral da lei, especialmente no que se refere aos princípios estabelecidos.

a) Lei Orgânica do Regime Eleitoral Geral:

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• Haverá representação mínima de 40% de cada um dos sexos nas candidaturas para os membros de todos os corpos legislativos (exceto para os municípios ou ilhas com menos de 5.000 habitantes), incluindo o Parlamento Europeu. Se o número de postos a serem cobertos for inferior a 5, a proporção será aquela mais próxima do equilíbrio numérico. b) Lei Orgânica da Magistratura: • Inclusão do capítulo impacto de gênero nas avaliações anuais sobre o funcionamento do Poder Judiciário; • Criação da Comissão de Igualdade (em lugar da Comissão de Qualificação), eleita pelo Pleno do Conselho Geral do Poder Judiciário, com a função de promover a igualdade entre homens e mulheres na magistratura e elaborar informes prévios sobre o impacto de gênero dos regulamentos. • Previsão de dispensa de até três anos para cuidado com familiares em determinadas condições e no caso de violência contra a mulher. • Inclusão de conteúdo de gênero no plano de Formação Continuada da Carreira Judicial, cursos na Escola Judicial sobre tutela jurisdicional do princípio da igualdade entre mulheres e homens e violência de gênero, e treinamento no Centro de Estudos Jurídicos sobre aplicação do princípio da igualdade na Administração Judicial e detecção e tratamento da violência de gênero. c) Lei de Processo Civil e Lei de Jurisdição Contenciosa Administrativa: • Legitimação dos sindicatos e associações de defesa da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, respectivamente a seus filiados e associados, na defesa do direito de igualdade de tratamento. No caso de interesses difusos, são legitimados os órgãos públicos com competência na matéria, os sindicatos mais representativos e associações com implantação em todo o território nacional, sem prejuízo da legitimação própria dos afetados, se determinados. No caso de abuso sexual ou por razão de sexo, a vítima é a única legitimada. • Incumbência do ônus da prova ao ofensor, quando as alegações da parte autora sejam fundamentadas em discriminação em razão de sexo. d) Lei Geral de Saúde e Lei de Coesão e Qualidade do Sistema Nacional de Saúde:

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• Estabelecimento de diversas medidas para a adequação da formação, da pesquisa e dos produtos utilizados, com o fim de atingir os problemas de saúde especificamente das mulheres, com especial atenção para a saúde laboral das trabalhadoras. • Os dados e informações obtidos deverão ser separados e sistematizados de acordo com o sexo. e) Fundo em matéria de Sociedade da Informação: • Dotação de três milhões de euros para cada um dos exercícios de 2007, 2008 e 2009. f) Lei do Estatuto dos Trabalhadores: • Serão nulas as decisões que desfavoreçam trabalhadores como reação a uma reclamação efetuada na empresa ou em ação judicial ou administrativa para exigir o princípio da igualdade de tratamento e não discriminação. • A negociação coletiva poderá estabelecer reservas e preferências nas condições de contratação, classificação profissional, formação e promoção, para favorecer o acesso das mulheres (ou do sexo menos representado) a todas as profissões. • Durante a lactação de filhos menores de 9 meses, as trabalhadoras terão direito a uma hora de ausência no trabalho, que poderá ser dividida em duas frações, e multiplicada no caso de partos múltiplos. Nos termos de acordo coletivo, a mulher poderá substituir este direito por uma redução em meia hora na jornada, ou acumulá-lo em jornadas completas. Se a mãe e o pai trabalharem, este direito pode ser usufruído por um ou pelo outro. • Quem, por razões de guarda legal, tiver sob seu cuidado direto algum menor de 8 anos ou uma pessoa portadora de deficiência física, psíquica ou sensorial que não desempenhe atividade remunerada, terá direito a uma redução da jornada de trabalho, com redução proporcional do salário, dentro dos limites de no mínimo um oitavo e no máximo metade dele. • Se o período de férias estabelecido pelo calendário de férias da empresa coincidir com uma incapacidade temporal derivada da gravidez, do parto ou da lactação natural, ter-seá direito de desfrutar das férias após este período, desde que se tenha completado o período aquisitivo a que elas correspondem. • No caso de parto, a mãe terá direito a 16 semanas ininterruptas de licença, distribuídas no tempo como ela preferir (resguardadas no mínimo 6 semanas para após o Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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parto, obrigatórias para a mãe), direito que será transferido ao pai no caso de morte da mãe. Se pai e mãe trabalharem, a mãe poderá ceder parte da licença, posterior ao parto, ao pai. Nos casos de adoção e acolhimento, a licença de 16 semanas terá início a partir da decisão judicial ou administrativa, no caso de filhos menores de 6 anos, ou menores de 18 mas com dificuldades de inserção por qualquer motivo. O período poderá ter um adicional de 2 semanas no caso de deficiência do filho ou do menor adotado ou acolhido, bem como, no caso de partos, adoção ou acolhimento múltiplos, 2 semanas a mais por filho, a partir do segundo. • O pai ou o outro progenitor terão direito à suspensão do contrato de trabalho por treze dias ininterruptos quando do nascimento de filho, adoção ou acolhimento, nos termos determinados. • Serão nulas as decisões extintivas e demissões do contrato de trabalho quando se basearem em discriminação ou na violação de direitos humanos, bem como durante a licençamaternidade, suspensão por risco ou enfermidade na gravidez ou na lactação; durante a gravidez, considerada desde seu início até o começo da licença; no caso das trabalhadoras que, devido a violência de gênero, estejam desfrutando direitos de redução e reordenação do tempo de trabalho, mobilidade geográfica, mudança de centro de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, nos termos da lei; dos trabalhadores reintegrados ao trabalho após licença por maternidade, paternidade, adoção ou acolhimento, até nove meses após o nascimento, adoção ou acolhimento. Não haverá nulidade na extinção do contrato ou na demissão se for provado que a razão é distinta da gravidez ou do desfrute dos direitos apontados. • O comitê de empresa (órgão colegiado do conjunto dos trabalhadores em empresas com mais de 50 funcionários) terá direito a receber informações, ao menos anualmente, relativa à aplicação pela empresa do direito de igualdade de tratamento e de oportunidades entre mulheres e homens, inclusive a proporção de cada um dos sexos nos diferentes níveis profissionais, e às medidas para a aplicação do Plano de Igualdade, se existente. • Os acordos coletivos deverão negociar medidas para promover a igualdade de tratamento entre mulheres e homens no âmbito do trabalho e elaborar os Planos de Igualdade, preservando-se a liberdade na definição de seu conteúdo. • Nas negociações coletivas, articular-se-á o dever de elaboração de Planos de Igualdade em empresas com mais de 250 trabalhadores.

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• A autoridade laboral velará por acordos coletivos não discriminatórios (direta ou indiretamente), podendo recorrer ao assessoramento do Instituto da Mulher ou aos Organismos de Igualdade das Comunidades Autônomas. g) Lei de Prevenção de Riscos Laborais: • Quando as condições de trabalho que podem afetar a saúde da trabalhadora grávida ou em lactação natural ou do feto não puderem ser corrigidas, ela deverá desempenhar função diferente e compatível com seu estado. h) Lei de Processo do Trabalho: • Serão nulas as decisões extintivas e demissões nos mesmos termos estabelecidos na Lei do Estatuto dos Trabalhadores, conforme descrito supra. • O processo de trabalho poderá ser iniciado de ofício por conseqüência de comunicações da Inspeção de Trabalho e Seguridade Social acerca de discriminações em razão de sexo. • Quando a sentença declarar a existência de lesão a direitos fundamentais e liberdades públicas, incluída a proibição de discriminação e abuso, o juiz deverá determinar a indenização, de valor compatível com o que seria devido pela modificação ou extinção do contrato de trabalho. i) Lei de Infrações e Sanções de Ordem Social: • Torna-se infração grave em matéria de relações laborais não cumprir com os Planos de Igualdade estabelecidos no Estatuto dos Trabalhadores ou nos acordos coletivos pertinentes. • São infrações gravíssimas em matéria de relações laborais as decisões unilaterais da empresa que impliquem discriminações diretas ou indiretas desfavoráveis por razão de idade ou favoráveis por razão de sexo, origem (incluída, aqui, a racial ou étnica), estado civil, condição social, religião, adesão ou não a sindicatos e acordos, vínculo de parentesco com outros trabalhadores da empresa ou língua dentro do Estado espanhol. Além destas disposições, que já existiam, são também infrações gravíssimas as decisões do empresário que suponham um tratamento desfavorável dos trabalhadores como reação a uma reclamação efetuada na empresa ou em ação administrativa ou judicial destinada a exigir o cumprimento do princípio de igualdade de tratamento e não discriminação.

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• São infrações gravíssimas o abuso não apenas por razão de sexo, mas agora também racial ou étnico, por religião ou convicções, deficiência, idade e orientação sexual no âmbito que alcança a direção empresarial, qualquer que seja o sujeito ativo, desde que a direção tenha sabido do fato e não tenha adotado as medidas necessárias. • É infração gravíssima a não aplicação ou não aplicação tempestiva do Plano de Igualdade estabelecido como dever em substituição a uma sanção por outra infração gravíssima. • Cria-se a sanção acessória específica para o descumprimento de deveres relacionados à igualdade de tratamento entre mulheres e homens consistente na perda de benefícios derivados da aplicação de programas de emprego. Essa sanção pode ser substituída pela elaboração e aplicação de um Plano de Igualdade, nos termos que forem estabelecidos regulamentariamente. j) Real Decreto-Lei 11/1998: • Os contratos de interinidade celebrados com desempregados para substituir trabalhadores durante o período de maternidade, adoção ou acolhimento darão direito a uma bonificação de 100% nas cotas empresariais de Seguridade Social, incluídas as de acidente do trabalho e enfermidades profissionais. k) Lei de Medidas Urgentes de Reforma do Mercado de Trabalho: • A mesma disposição exposta acima vale para sócios, sócios de trabalho das cooperativas e trabalhadores por conta própria ou autônomos. l) Lei de Emprego: • Os serviços públicos de emprego, suas entidades colaboradoras e agências de colocação profissional sem fins lucrativos deverão zelar especificamente, na gestão da intermediação trabalhista, para evitar a discriminação no acesso ao emprego. Serão consideradas especialmente discriminatórias ofertas de emprego para um dos sexos, salvo em se tratando de requisito profissional essencial e determinante da atividade a ser desenvolvida. m) Lei Geral da Seguridade Social: • São incluídas no âmbito das ações protetoras do sistema de Seguridade Social as prestações relativas à paternidade (a maternidade já estava prevista) e ao risco durante a lactação natural.

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• Serão beneficiários do benefício de maternidade e de paternidade o trabalhador e a trabalhadora, independente de seu sexo, que tenham somado um período de cotização mínimo de 180 dias nos 7 anos imediatamente anteriores (e não 5, como a lei previa), ou, alternativamente, por 365 dias ao largo da vida laboral. • Da mãe biológica com menos de 21 anos à data do descanso não se exigirá período mínimo de cotização. Da mãe entre 21 e 26 anos de idade se exigirão 90 dias nos 7 anos imediatamente anteriores ou 180 na vida laboral. • A prestação econômica referente ao risco durante a gravidez consistirá em subsídio equivalente a 100% da base reguladora correspondente, e não 75%, como previa a lei. • Será protegida também a lactação natural, de forma que, em caso de risco, valerá o mesmo referente ao risco durante a gravidez. A proteção se estende até o 9o mês da criança, a não ser que cesse o risco e haja reincorporação da funcionária em seu posto ou em posto compatível. • As modificações incluem vários detalhes protetivos da maternidade e da paternidade. n) Lei de Medidas para a Reforma da Função Pública: • Previsão de remuneração integral para funcionárias em licença por razão de violência de gênero. • Licença-paternidade de 15 dias nos casos de nascimento, adoção ou acolhimento. • Dispensa de três dias no caso de falecimento, acidente ou enfermidade de familiar de primeiro grau de consangüinidade ou afinidade. Se a localidade do familiar for distinta daquela do funcionário, a dispensa é de 5 dias. No segunda grau de consangüinidade ou afinidade, a dispensa é de 2 e 4 dias. • A funcionária em lactação de filho menor de 12 meses terá direito à redução de uma hora diária na jornada, direito que poderá ser acumulado para fins de dispensa. • No caso de nascimento prematuro ou filho recém-nascido hospitalizado, a funcionária e o funcionário poderão ter redução de duas horas na jornada recebendo a remuneração integral, ou maior redução, até o mínimo de duas horas, com vencimentos proporcionais.

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• O funcionário que, por razão de guarda legal, tiver a seu cargo menor de doze anos, pessoas portadoras de deficiência ou que requeiram dedicação especial terão direito à diminuição da jornada de trabalho. • O funcionário que precisar cuidar de um parente de primeiro grau por razão de enfermidade muito grave poderá ter sua jornada reduzida em até 50%, por até um mês. Havendo mais de um titular deste direito no mesmo caso, a redução poderá ser rateada entre eles. • No caso de parto, a mãe terá direito a 16 semanas ininterruptas de licença, distribuídas no tempo como ela preferir (resguardadas no mínimo 6 semanas para após o parto, obrigatórias para a mãe), direito que será transferido ao pai no caso de morte da mãe. Se pai e mãe trabalharem, a mãe poderá ceder parte da licença, posterior ao parto, ao pai. Nos casos de adoção e acolhimento, a licença de 16 semanas terá início a partir da decisão judicial ou administrativa, independentemente da idade do adotado ou acolhido. O período poderá ter um adicional de 2 semanas no caso de deficiência do filho ou do menor adotado ou acolhido, bem como, no caso de partos, adoção ou acolhimento múltiplos, 2 semanas a mais por filho, a partir do segundo. O tempo transcorrido na situação de licença será computado, para o funcionário e para a funcionária, como tempo efetivo de serviço, sendo-lhes garantidos todos os direitos econômicos. n) Lei de Regime de Pessoal das Forças Armadas:79 • Regulamentarmente serão estabelecidas as normas para, na medida do possível, atingir-se a composição equilibrada nas Forças Armadas. • À mulher será oferecida especial proteção na gravidez, parto e pós-parto, para cumprir as condições para o acesso a todos os postos militares. No caso de gravidez, a mulher poderá ser transferida a um posto distinto do que ocupava, adequado às suas circunstâncias.

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A Lei do Regime de Pessoal das Forças Armadas foi em sua maior parte revogada pela lei 39/2007, não subsistindo as alterações aqui descritas. No entanto, a nova elaboração da Lei de Regime Pessoal das Forças Armadas aplica os princípios enunciados na lei que estamos trabalhando. “La igualdad efectiva de mujeres y hombres en todo lo relacionado con el acceso a las Fuerzas Armadas, su formación y carrera militar es otro de los objetivos de la ley para responder a las nuevas realidades de los Ejércitos, donde la mujer ya está presente en una proporción progresivamente en aumento. Asimismo, se pretende conjugar la disponibilidad permanente para el servicio, específica de los militares, con la conciliación de la vida profesional, personal y familiar.” (Preâmbulo, Ley 39/2007, de 19 de noviembro, de la carrera militar). Para mais informações, consultar a página do Ministério da Defesa da Espanha, no endereço http://www.mde.es/contenido.jsp?id_nodo=4434&&&keyword=&auditoria=F.

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• As licenças maternidade e paternidade serão regidas pela legislação vigente para a Administração Pública. • São previstas licenças voluntárias no caso de nascimento de filho, adoção ou acolhimento (3 anos), cuidado de um familiar até o segundo grau em situação de enfermidade, idade ou acidente (um ano). Esta licença não é concedida quando o cônjuge ou parente na mesma situação beneficiou-se deste direito em relação ao mesmo sujeito causador. • É prevista a licença voluntária também no caso de residência do cônjuge em município distinto, devido a posto de trabalho definitivo nas Administrações Públicas ou nos destinos contemplados no artigo 126 da lei.

o) Lei de Regime de Pessoal do Corpo da Guarda Civil: • Regulamentarmente serão estabelecidas as normas para, na medida do possível, atingir-se a composição equilibrada na Guarda Civil. • À mulher será oferecida especial proteção na gravidez, parto e pós-parto, para cumprir as condições para o acesso a todos os postos do Corpo da Guarda Civil. No caso de gravidez, a mulher poderá ser transferida a um posto distinto do que ocupava, adequado às suas circunstâncias. • Licenças voluntárias no caso de nascimento de filho, adoção ou acolhimento (3 anos), cuidado de um familiar até o segundo grau em situação de enfermidade, idade ou acidente (um ano). Estes direitos não podem ser exercidos simultaneamente por dois ou mais membros da Guarda Civil em relação ao mesmo sujeito causador. p) Lei Geral para a Defesa de Consumidores e Usuários: • É infração em matéria de defesa dos consumidores e usuários a discriminação no acesso a bens e serviços. q) Lei das Sociedades Anônimas: • O relatório (memoria), parte da prestação de contas anual, deverá conter a distribuição por sexos do pessoal da sociedade no fim do exercício, detalhando a proporção de homens e mulheres em um número suficiente de categorias e níveis, incluindo os cargos diretivos e de conselheiros. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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r) Lei de Criação do Instituto da Mulher: • Inclusão, dentre as funções exercidas, a prestação de assistência a vítimas de discriminação para encaminhamento das reclamações, realização de estudos sobre discriminação e publicação de informes e formulação de recomendações. s) Lei 5/1984, reguladora do Direito de Asilo e da Condição de Refugiado: • É reconhecida a condição de refugiada às estrangeiras que tenham deixado seus países por terem sofrido violência em razão de seu sexo, inclusive violência de gênero. t) Lei de Ordenação dos Corpos Especiais Penitenciários e da Criação do Corpo de Ajudantes de Instituições Penitenciárias: • É extinta a divisão entre as escalas masculina e feminina no Corpo de Ajudantes de Instituições Penitenciárias, formando-se um corpo único. u) Disposições Transitórias. v) Disposições Finais.

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4.3 México No início dos anos 2000, a perspectiva de gênero começou a ser incorporada nos planos e programas nacionais mexicanos, com base no marco normativo da Plataforma Ação da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995) e da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (CEDAW), dentre as mais relevantes internacionalmente, somadas ao ordenamento da Lei do Instituto Nacional das Mulheres e das recentes Lei para a Igualdade entre Homens e Mulheres e Lei Geral de Acesso das Mulheres a uma Vida Livre de Violência. 80

4.3.1 Histórico dos mecanismos para igualdade de gênero adotados a partir da Quarta Conferência Mundial da Mulher81 A plataforma de ação da Quarta Conferência Mundial da Mulher (Pequim, 1995) consolidou os avanços alcançados pelas mulheres até então e tornou-se uma diretriz para a realização de políticas públicas em favor da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens. No ano de 1996 o Programa Nacional da Mulher (1995-2000) foi aprovado com a finalidade de regular e coordenar as políticas relativas às mulheres e, assim, proporcionar uma eficiente coordenação e integração de programas e ações governamentais envolvendo diversas organizações sociais, especialmente aquelas que atendem a mulher. No mesmo ano é criado no Ministério de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural a Unidade Nacional responsável pelo Programa de Mulheres para o Desenvolvimento Rural cujo propósito é promover novas formas de parceria econômicas regionais, o acesso à adoção de tecnologias adequadas e incentivar o desenvolvimento de projetos para gerar emprego e renda nas áreas rurais. Também em 2006 foi adotado no México o instrumento internacional conhecido como Convenção de Belém do Pará, cujo nome oficial é Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres. Em 1997 é decretada a Lei sobre Violência Doméstica, que altera diversas normas civis e penais do Distrito Federal com o intuito de introduzir o direito das pessoas a uma vida livre de violência doméstica. Neste mesmo ano é instalada a Comissão de Igualdade de Gênero da 80

Pasos hacia la igualdade de género en México, 2007. Publicação do Instituto Nacional de las Mujeres (www.inmujeres.gob.mx), agosto, 2007. p.1 81 Idem n. 1. pp. 12-14

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Câmara dos Deputados e Senadores e até 2007 todos os Congressos locais com comissões semelhantes. No ano de 1998 é criada a Coordenação Geral da Comissão Nacional da Mulher, responsável pela criação de políticas, diretrizes e critérios para a integração, implementação, acompanhamento, avaliação e controle do Programa Nacional da Mulher e sua aplicação pelos órgãos da Administração Pública Federal. O regulamento interno do Ministério das Relações Exteriores é reformado para estabelecer que o titular desta unidade deva “acordar as ações necessárias para a aplicação do Programa Nacional da Mulher na política externa e o que mais for relevante para o cumprimento dos compromissos internacionais do México em matéria e gênero, em coordenação com o Ministério do Inteiro e seus órgãos descentralizados”. Também é criada no Ministério do Trabalho e Previdência Social a Direção Geral de Igualdade de Gênero, a fim de promover o reconhecimento e a valorização do trabalho feminino por meio de quatro subprogramas: Divulgação e defesa dos direitos trabalhistas da mulher, Políticas de gênero, Promoção e emprego, e Gestão. É criado no Instituto de Seguridade e Serviços Sociais para os Trabalhadores do Estado uma Secretaria Técnica da Direção Geral para Assuntos de Gênero e Equidade. Em 1999, dentro do Ministério de Desenvolvimento Social, é criada a Secretaria de Trabalho sobre Enfoque de Gênero, cujo objetivo é integrar a perspectiva de gênero em todos os programas da agência opera. É assinada a Declaração para incorporar o Enfoque de Gênero no Ministério do Meio Ambiente, Recursos Naturais e Pesca, que reconhece que, para alcançar o desenvolvimento sustentável, é essencial a igualdade de direitos, oportunidades e obrigações para homens e mulheres no acesso, utilização, gestão, utilização e conservação dos recursos naturais. É publicada no Diário Oficial a Regra Oficial Mexicana NOM190-SSA11999, que estabelece critérios a serem observados na assistência médica e nas orientações fornecidas aos usuários e usuárias envolvidos em situações de violência familiar. É assinado o Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher, de forma a delegar ao Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres a função de receber e examinar as comunicações de pessoas vítimas de qualquer violação por um Estado Parte. No ano de 2001 o Instituto Nacional das Mulheres é criado com o objetivo de promover e fomentar condições que possibilitem a não-discriminação, a igualdade de oportunidades e de tratamento entre gêneros, o pleno exercício de todos os direitos das mulheres e sua participação em igualdade política, cultural, econômica e social do país. O Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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Programa Nacional para a Igualdade de Oportunidades e Não-Discriminação contra as Mulheres 2000-2006 é apresentado, refletindo a vontade política do governo federal de introduzir, de maneira transversal, uma abordagem de gênero na concepção, implementação e avaliação das políticas públicas, a fim de eliminar todas as formas de discriminação contra as mulheres. São formados comitês interinstitucionais de Ligações de Gênero no governo federal, como mecanismo para o acompanhamento dos compromissos do Executivo em matéria de igualdade de gênero. No México, o Instituto Nacional das Mulheres (INMUJERES) é o mecanismo responsável por consolidar a ação institucional para alcançar a igualdade entre homens e mulheres. Trata-se da instituição do Governo Federal encarregada de dirigir a política nacional para alcançar a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, por meio da institucionalização e transversalização da perspectiva de gênero na ações do Estado mexicano. Seu objetivo é promover e incentivar as condições que dêem lugar a não discriminação, igualdade de oportunidades e tratamento entre os gêneros, ao exercício de todos os direitos das mulheres e a sua participação igualitária na vida política, cultural, econômica e social do país82. Em 2002 o Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulher é ratificado, estabelecendo um mecanismo de fiscalização e vigilância que assegura o cumprimento da Convenção, o que significa uma ampla garantia para as mulheres mexicanas. São criadas instâncias para o avanço da mulher no âmbito da Federação, de forma que atualmente todos os entes da Federação contam uma instancia específica para tanto. O Acordo Nacional para a Igualdade entre o INMUJERES e os Ministérios do Estado é assinado, no qual se comprometem a cumprir os objetivos do PROIGUALDADE, programa especial do Governo para promoção da igualdade, e a incorporá-los em seus programas e políticas. No ano de 2003 é publicada a Lei Federal para Prevenir e Eliminar a Discriminação que tem por objetivo prevenir e eliminar todas as formas de discriminação exercidas contra qualquer pessoa na acepção do artigo 1º da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, bem como promover a igualdade de oportunidades e de tratamento. Também é publicada a Lei da Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas que rege as atividades da Comissão no sentido da orientação, coordenação, promoção, apoio, promoção, acompanhamento e avaliação dos programas, projetos, estratégias e ações para o 82

Disponível em http://www.inmujeres.gob.mx/.Último acesso em 29.03.2009.

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público e para o desenvolvimento sustentável dos povos indígenas e comunidades, em conformidade com o artigo 2 º da Constituição Política dos Estados Unidos do México. É criada a Comissão Especial para Conhecer e Acompanhar as Investigações Relacionadas aos Feminicídios na República Mexicana e Aplicação da Justiça, a fim de relatar o status de investigações relacionadas à violência feminicida e o andamento da administração da justiça no país. Em 2004 é publicada a Lei Geral do Desenvolvimento Social, garantindo o acesso aos programas de desenvolvimento social e a igualdade de oportunidades, bem como a superação da discriminação e da exclusão social, agindo sob o princípio do respeito a diversidade, que inclui o reconhecimento em termos de gênero. É realizada a IX Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe (CEPAL), quando é adotado o Consenso do México, que reafirma o compromisso com os objetivos da Plataforma de Ação da Quarta Conferência Mundial sobre Mulher (Pequim, 1995). É criado o Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra as Mulheres “Convenção de Belém do Pará (MESECVI) cuja finalidade é fiscalizar o cumprimento da Convenção, único instrumento juridicamente vinculante com alcance internacional sobre a matéria. Também é criada a primeira instancia da mulher no âmbito municipal, de maneira que em meados de 2007 tinham sido criadas 288 instâncias em 28 entidades. No ano de 2005 foi implantado o Programa de Institucionalização da Perspectiva de Gênero na Administração Pública Federal, no sentido de modificar a infra-estrutura institucional em seu regulamento, as atividades e relacionamento com o pessoal para transformar a dinâmica institucional e proporcionar o acesso não discriminatório das mulheres na administração pública. Além do Ministério da Administração Interna, entidade que mais demonstrou compromisso com o Programa, já existem 20 agências com o Programa estabelecido. Em 2006 é assinado o projeto “Reforço da governabilidade com enfoque de gênero e da participação política das mulheres no âmbito local”, que inclui ações específicas para aumentar a liderança das mulheres em áreas indígenas, favorecer políticas públicas igualitárias e reformar códigos municipais e leis estaduais discriminatórias. No dia 2 de agosto de 2006 é publicada no Diário Oficial a Lei Geral para a Igualdade Mulheres e Homens. É criado o Departamento Especial para Atenção de Delitos Relacionados com Atos de Violência contra as Mulheres, cuja missão é garantir o cuidado e a administração da justiça Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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para as mulheres, para criar uma cultura de respeito pelos direitos humanos e por vida livre de violência. O Centro de Estudos para a Avanço das Mulheres e da Igualdade de Gênero é estabelecido para contribuir com a melhora da condição econômica, social e política das mexicanas e promover um melhor equilíbrio na distribuição de oportunidades, recursos e poder entre mulheres e homens. No dia 1º de fevereiro de 2007, é publicada a Lei Geral de Acesso das Mulheres a uma Vida Livre de Violência. É firmado o Acordo Nacional para Igualdade entre Mulheres e Homens, no qual o Governo mexicano se compromete a garantir as condições de vida sem violência e discriminação, com igualdade de oportunidades e exercício pleno dos direitos das mulheres, assim como sua participação equitativa em todas as esferas da vida. O acordo foi assinado por 15 governadores. É instalado o Sistema Nacional para Prevenir, Cuidar, Punir e Erradicar a Violência contra as Mulheres que visa coordenar os esforços conjuntos, ferramentas, políticas, serviços e ações de prevenção, cuidado, punição e erradicação da violência contra as mulheres. O Sistema consiste em nove agências da Administração Pública e nos mecanismos para a promoção das mulheres nos Estados federativos.

4.3.2 A Lei Geral para Igualdade entre Mulheres e Homens Apresentada pelo Senador Lucero Saldaña, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), regulamenta o artigo quarto Constituição mexicana, que prevê a igualdade jurídica entre mulheres e homens. Reformada em 1974, a Carta Magna dos Estados Unidos Mexicanos estabeleceu a igualdade entre mulheres e homens, mas não possuía regulamentação no sentido garantir efetivamente a igualdade de direitos e de oportunidades considerando as desvantagens sofridas em conseqüência da desigualdade de gênero. A Lei estabelece a integração entre as três esferas de Poder na formulação de políticas e leis, e põe em prática mecanismos de coordenação para alcançar a harmonização legislativa e implementação de políticas e programas de não-violência e de igualdade entre mulheres e homens em todos os três níveis do governo. Seu principal objetivo é o de regular e assegurar a igualdade entre mulheres e homens e sugerir orientações e mecanismos institucionais para orientar a nação para a realização da igualdade material no âmbito público e privado, no sentido de promover o empoderamento das mulheres. As suas disposições são de ordem pública e interesse social geral e de execução em todo o país. A Lei promove seis áreas: vida econômica, participação e representação Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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política equilibrada, igualdade de acesso aos direitos sociais e à vida civil, a diversificação dos papéis e à eliminação de estereótipos, bem como o direito à informação e participação social.83 Liliana Rojero, Secretária Executiva do Instituto Nacional das Mulheres, em entrevista concedida à imprensa, apresenta a Lei em três componentes. Em primeiro, a Lei estabelece o Programa Nacional de Igualdade entre Mulheres e Homens. Trata-se de programa especial que alinha os objetivos estratégicos das entidades públicas de forma transversal. Liliana ressalta que o Programa corrobora o Plano Nacional de Desenvolvimento do presidente Felipe Calderón, que estabelece na Estratégia 3.5 a obrigação de garantir a igualdade entre mulheres e homens até 2012, por meio da transversalidade da igualdade de gênero, de forma que todas as entidades públicas incluam no seu plano de trabalho obrigações para com a igualdade de gênero. O segundo é o Sistema Nacional para Igualdade de Gênero, que é composto por todas as entidades da Administração Pública Federal e coordenado pelo Instituto Nacional das Mulheres (INMUJERES). O terceiro componente é a Comissão Nacional dos Direitos Humanos e seu papel de acompanhar o andamento das ações do Programa e do Sistema, os resultados e o impacto das políticas públicas na vida da mulher e da sociedade. Assim, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos é o órgão encarregado de fazer recomendações e punições as obrigações da Lei não forem cumpridas. Interessante notar que a Lei utiliza indistintamente os termos sexo e gênero, confundido-os por diversas vezes (MANZUR, p. 263). O termo sexo se refere a diferenças biológicas e físicas entre mulheres e homens, ao que gênero é uma construção cultural do sexo. Importante ressaltar, entretanto, o entendimento clássico de que o gênero é construído culturalmente é questionado por teóricas como Judith Butler, para quem a idéia de que o gênero é construído sugere certo determinismo de significados do gênero, inscritos em corpos anatomicamente diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como recipientes passivos de uma lei cultural inexorável (BUTLER, p. 26).

83

Idem, p. 15.

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Lei Geral para Igualdade entre Mulheres e Homens, México, 2006 Resumo estruturado

Título I Capítulo I - Disposições Gerais a) Objeto da lei: ·

Assegurar a igualdade entre homens e mulheres;

·

Propor diretrizes e mecanismos institucionais para concretizar a igualdade no

âmbito público e privado, promovendo o empoderamento das mulheres. b) Princípios: ·

São princípios orientadores dessa lei a igualdade, da não discriminação, eqüidade e

todos os outros contidos na Constituição dos Estados Unidos Mexicanos; ·

A igualdade entre homens e mulheres implica a eliminação da discriminação em

todas as esferas da vida, que é gerada pelos membros de ambos os sexos. c) Pessoas beneficiadas: ·

Todas as mulheres e homens que se encontrem em território mexicano, que devido

ao seu sexo, independentemente da idade, estado civil, profissão, cultura, origem étnica ou nacionalidade, condição social, saúde, religião, opinião ou habilidades diferentes, se encontrem em algum tipo de desvantagem, em violação ao principio da igualdade aqui estabelecido. d) Sanções por descumprimento: ·

A transgressão dos princípios e dos programas previstos por esta lei deve ser punida

de acordo com as disposições da Lei Federal de Responsabilidade dos Servidores Públicos e, eventualmente, pelas leis aplicáveis aos Estados que regulem esta matéria; ·

Em questões não abrangidas na presente lei serão aplicadas por extensão naquilo

que for apropriado as disposições da Lei Federal para Prevenir e Eliminar a Discriminação, da Lei da Comissão Nacional de Direitos Humanos, da Lei do Instituto Nacional das Mulheres (INMUJERES), dos instrumentos internacionais ratificados pelo Estado mexicano e dos demais ordenamentos aplicáveis à matéria. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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e) Definições: ·

Ação afirmativa: é o conjunto de medidas temporárias destinadas a acelerar

igualdade entre homens e mulheres; ·

Transversalidade: é o processo que garante a integração da perspectiva de gênero

com o objetivo de avaliar as implicações para as mulheres e os homens em qualquer ação programada, tratando-se de legislação, políticas públicas, atividades administrativas, econômicas e culturais nas instituições públicas e privadas; ·

Sistema Nacional para a Igualdade entre Mulheres e Homens e Programa Nacional

para a Igualdade entre Mulheres e Homens.

Título II – Das autoridades e Instituições Capítulo I - Distribuição de competências e coordenação interinstitucional a) Coordenação institucional para aplicação da lei: ·

A Federação, em conjunto com o Instituto Nacional das Mulheres, pode assinar

convênios ou acordos de coordenação no sentido de fortalecer suas funções e atribuições em matéria de igualdade (I), estabelecer mecanismos de coordenação para alcançar a transversalidade da perspectiva de gênero na função pública nacional (II), estimular a vinculação interinstitucional (III), coordenar as tarefas em matéria de igualdade mediante ações específicas, quando for o caso, afirmativas, que contribuam com uma estratégia nacional (IV), e propor iniciativas e políticas de cooperação para o desenvolvimento de mecanismos de participação igualitária de mulheres e homens, no âmbito da economia, da tomada de decisões e na vida social, cultural e civil; ·

Esses acordos devem considerar os recursos orçamentários, matérias e humanos

disponíveis para execução dessa lei; ·

A área responsável da Comissão Nacional de Direitos Humanos deve intervir no

acompanhamento e avaliação dos resultados obtidos na execução desse convênios.

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Capítulo II – Do Governo Federal a) Competências do Governo Federal: ·

Compete ao Governo Federal: conduzir a Política Nacional em Matéria de

Igualdade entre mulheres e homens (I), elaborar a Política Nacional em Matéria de Igualdade, de acordo com o estabelecido nessa lei (II), projetar e implementar os instrumentos da referida Política (III), coordenar as ações para a transversalidade da perspectiva de gênero, assim como criar e aplicar o Programa, com os princípios indicados nessa lei (IV), garantir a igualdade de oportunidades através da adoção de políticas, programas, projetos e instrumentos compensatórios como ações afirmativas (V), celebrar acordos nacionais e internacionais de coordenação e cooperação em matéria de igualdade de gênero (VI), incorporar no Orçamento de Despesas da Federação a alocação de recursos para cumprimento da Política Nacional sobre Igualdade (VII) e outros que esta lei e outras leis aplicáveis conferirem (VIII); ·

As autoridades dos três níveis de governo são responsável pela execução da Lei,

sem prejuízo das atribuições específicas que lhes são confiadas.

Capítulo III – Dos Estados e do Distrito Federal a) Competências dos Estados e do Distrito Federal: ·

Prevê que o Congresso dos Estados e Assembléia Legislativa do Distrito Federal,

com base em suas respectivas constituições, emita as leis necessárias para promover os princípios, políticas e objetivos previstos na Constituição e nesta lei sobre a igualdade de gênero; ·

Compete aos governadores conduzir a política local em matéria de igualdade entre

mulheres e homens (I), e criar e fortalecer os mecanismos institucionais para promoção e realização da igualdade de gênero (II), desenvolver as políticas locais, com uma projeção de médio e largo alcance, devidamente alinhadas com o Programa Nacional (III), promover em coordenação com os serviços da Administração Pública Federal a execução desta Lei (IV).

Capítulo IV – Dos Municípios a) Competências dos Municípios:

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·

Cabe aos Municípios implementar política municipal em matéria de igualdade entre

mulheres e homens em consonância com as políticas nacionais e locais correspondentes (I), contribuir com o Governo Federal e com o governo da entidade federativa correspondente na consolidação dos programas em matéria de igualdade (II), propor ao Poder Executivo da entidade em questão suas necessidades orçamentárias para a implementação da igualdade (III); conceber, desenvolver e implementar programas de conscientização e de desenvolvimento de acordo com a região, em áreas onde esta Lei estabelece (IV), e promover a participação social, política e cívica para atingir a igualdade entre mulheres e homens, tanto nas zonas urbanas como nas zonas rurais (V).

Título III Capítulo I – Da Política Nacional em Matéria de Igualdade

a) Ações e diretrizes da Política Nacional ·

Estabelece as ações condutoras para alcançar a igualdade na vida econômica,

política, social e cultural, considerando as seguintes diretrizes: promover a igualdade entre mulheres e homens em todas as esferas da vida (I), assegurar que o planejamento orçamental incorpore a perspectiva de gênero, para apóie a transversalidade e preveja o cumprimento dos programas, projetos e ações para a igualdade entre mulheres e homens (II), incentivar a participação e representação política equilibrada entre mulheres e homens (III), promover a igualdade de acesso e o pleno gozo dos direitos sociais para as mulheres e homens (IV), promover a igualdade entre mulheres e homens na vida civil (V), promover a eliminação dos estereótipos baseados no sexo (VI).

Capítulo II – Dos instrumentos de política em matéria de igualdade entre mulheres e homens b) Instrumentos para a aplicação Política Nacional ·

Os instrumentos da Política Nacional em Matéria de Igualdade entre mulheres e

homens são o Sistema Nacional para Igualdade entre Mulheres e Homens (I), o Programa Nacional para Igualdade entre Mulheres e Homens e a Execução em matéria de igualdade entre Mulheres e Homens (III); Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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·

Na concepção, desenvolvimento, implementação, avaliação e acompanhamento

dos instrumentos da política de igualdade entre mulheres e homens deverão ser observados os princípios e objetivos aqui previstos; ·

O Poder Executivo é responsável pela implementação do Sistema e do Programa

por meio dos órgãos correspondentes; ·

O Instituto Nacional das Mulheres é responsável por coordenar o Sistema e

determinar diretrizes para o estabelecimento de políticas públicas em matéria de igualdade; ·

A Comissão Nacional de Direitos Humanos é responsável pelo acompanhamento na

execução, avaliação e monitoramento da Política Nacional em matéria de igualdade.

Capítulo III – Do Sistema nacional para igualdade entre mulheres e homens a) Definição e objetivos do Sistema Nacional ·

O Sistema Nacional para igualdade entre Mulheres e Homens é o conjunto orgânico

e articulado de estruturas, relações funcionais, métodos e procedimentos que estabelecem as dependências e entidades da Administração Pública Federal entre si, com as organizações de diversos grupos sociais e com as autoridades dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a fim de efetuar ações de comum acordo destinadas à promoção e realização da igualdade entre mulheres e homens. b) Papel do INMUJERES no Sistema Nacional ·

O Instituto Nacional das Mulheres, por meio de seu Conselho Diretor, coordenará

as ações que criam o Sistema Nacional e elaborará as normas para sua organização e funcionamento, bem como medidas de articulação com outras dispositivos nacionais ou locais. c) Funções do Conselho Administrativo do INMUJERES no Sistema Nacional ·

O Conselho Administrativo do Instituto Nacional das Mulheres deverá: propor

diretrizes para a Política Nacional nos termos da legislação aplicável e de acordo com o disposto pelo Executivo Federal (I), coordenar os programas para igualdade entre mulheres e homens das agências e entidades da Administração Pública Federal, bem como determinar os agrupamentos de funções e programas afins necessários (II), promover, coordenar e realizar a revisão de programas e serviços em matéria de igualdade (III); determinar a periodicidade e

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características das informações que os organismos da Administração Pública Federal devem fornecer (IV), apresentar propostas aos organismos competentes sobre a alocação de recursos requeridos pelos programas de igualdade (V), apoiar a coordenação entre as instituições da Administração Pública Federal para formar e treinar seus funcionários sobre a igualdade entre homens e mulheres (VI), promover a participação da sociedade civil na promoção da igualdade entre mulheres e homens (VII), o que mais se faça necessário para os cumprimento dos objetivos do Sistema Nacional (VII); ·

O Sistema Nacional tem os seguintes objetivos: promover a igualdade de gênero e

contribuir para a erradicação de todas as formas de discriminação (I), contribuir para o avanço das mulheres (II), contribuir com a modificação de estereótipos que discriminam e incentivam a violência de gênero (III), e promover o desenvolvimento de programas e serviços que fomentem a igualdade entre mulheres e homens (IV). b) Coordenação institucional do Sistema Nacional ·

Os governos dos Estados e do Distrito Federal devem contribuir, no âmbito de suas

respectivas competências e nos termos dos acordos de coordenação celebrados com o Instituto e, se for o caso, com os organismos e entidades da Administração Pública Federal, com a consolidação e funcionamento do Sistema Nacional. Devem planejar, organizar e desenvolver, em suas respectivas circunscrições territoriais, sistemas estatais de igualdade entre mulheres e homens, visando sua participação programática no Sistema Nacional; ·

O acordo de ações entre a Federação e o setor privado será realizada por meio de

convênios e contratos em conformidade com: a definição das responsabilidades que assumam as e os integrantes dos setores social e privado (I), determinação das ações de orientação, estímulo apoio que esses setores desenvolverão em coordenação com as instituições correspondentes.

Capítulo IV – Do Programa Nacional para igualdade entre mulheres e homens a) Elaboração e Execução do Programa Nacional ·

O Programa Nacional para a Igualdade entre Homens e Mulheres será proposto

pelo Instituto Nacional das Mulheres e levará em conta as necessidades dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como as particularidades da desigualdade em cada região. Esse programa deve Integrar-se ao Plano Nacional de Desenvolvimento Nacional, Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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assim como aos programas setoriais, institucionais e especiais a que se referem a Lei de Planejamento. Os programas elaborados pelos governos dos Estados e do Distrito Federal, com visão de médio e longo alcance, indicarão os objetivos, estratégias e linhas prioritárias de ação, considerando os critérios e instrumentos da Política Nacional de igualdade em congruência com os programas nacionais; ·

O Instituto Nacional das Mulheres deverá revisar o Programa Nacional a cada três

·

Os relatórios anuais do Executivo Federal deverão conter o estado em que se

anos;

encontra a execução do Programa, assim como as demais ações relativas ao cumprimento do estabelecido nesta lei.

Titulo IV Capítulo I – Dos objetivos e ações da política nacional para igualdade entre mulheres e homens a) Objetivo geral da Política Nacional ·

A Política Nacional a que se refere o Título III desta Lei, definida no Programa

Nacional e canalizada por meio do Sistema Nacional, deverá desenvolver ações interelacionadas para atingir os objetivos que devem marcar o caminho da igualdade entre mulheres e homens, de acordo com os objetivos operacionais e ações específicas a que se refere este titulo.

Capítulo II – Da igualdade entre mulheres e homens na vida econômica nacional a) Objetivos e ações para o acesso à igualdade de oportunidades econômicas ·

Será objetivo da Política Nacional o fortalecimento da igualdade em relação a:

criação e utilização de fundos para a promoção da igualdade no trabalho e nos processos produtivos (I), desenvolvimento de ações para promover a integração das políticas públicas com perspectiva em matéria econômica (II), e promover liderança igualitária (III); ·

Para tanto, as autoridades e agências públicas desenvolverão as seguintes ações:

promover a revisão dos sistemas tributários para reduzir os fatores que dificultam a incorporação das pessoas no mercado de trabalho devido ao seu sexo (I), promover a Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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integração das pessoas as quais são relegadas a educação e a formação devido ao seu sexo (II), promover o acesso ao emprego das pessoas às quais são relegados cargos de direção particularmente devido ao seu sexo (III), apoiar o aperfeiçoamento e a coordenação dos sistemas estatísticos nacionais, para um melhor entendimento das questões relativas à igualdade entre mulheres e homens e na estratégia nacional de trabalho (IV), reforçar a cooperação entre os três níveis de governo para fiscalizar a execução das ações aqui previstas (V), financiar as ações de informação e conscientização destinadas a promover a igualdade entre mulheres e homens (VI), articular todos os projetos financiados para o avanço das mulheres (VII), evitar a segregação de pessoas mercado de trabalho com base no sexo (VIII), projetar e implementar diretrizes que assegurem a igualdade na contratação de pessoal na administração pública (IX), projetar políticas e programas de desenvolvimento e redução da pobreza com perspectiva de gênero (X), e criar incentivos e certificados de igualdade que serão concedidos anualmente às empresas que tenham implementado políticas e práticas em matéria de igualdade (X).

Capítulo III – Da participação e representação política equilibrada das mulheres e dos homens a) Objetivos e ações para garantir a participação e representação política equilibrada entre mulheres e homens ·

A Política Nacional proporá mecanismos de funcionamento adequados para a

participação equitativa entre mulheres e homens e na tomada de decisões políticas e sócioeconômicas; ·

Para

tanto,

as

autoridades

correspondentes

desenvolverão

as

seguintes

ações: incentivar o trabalho parlamentar com a perspectiva de gênero (I), assegurar que a educação em todos os seus níveis seja conduzida com igualdade entre mulheres e homens e se crie consciência da necessidade de eliminar toda forma de discriminação (II), avaliar por intermédio da área competente da Comissão Nacional de Direitos Humanos a participação equilibrada entre mulheres e homens em cargos de eleição popular (III), promover participação e representação equilibrada entre mulheres e homens dentro das estruturas dos partidos políticos (IV), promover a participação igualitária de mulheres e homens em altos cargos públicos (V), desenvolver e atualizar estatísticas separadas por sexo, em postos de decisão e cargos de direção nos setores público, privado e na sociedade civil (VI), e incentivar Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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a participação equilibrada e sem discriminação de mulheres e homens nos processos de seleção, contratação e promoção na carreira de função pública nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (VII).

Capítulo IV – Da igualdade de acesso e do pleno exercício dos direitos sociais para mulheres e homens a) Objetivos e ações para garantir a igualdade de aceso aos direitos sociais ·

A fim de promover a igualdade de acesso aos direitos sociais e o seu pleno

exercício, serão objetivos da Política Nacional: melhorar o conhecimento e a aplicação da legislação existente no âmbito do desenvolvimento social (I), supervisionar a integração da perspectiva do gênero ao conceber, executar e avaliar as políticas e atividades públicas, privadas e sociais que impactam a vida quotidiana (II), e revisão permanentemente das políticas de prevenção, assistência, punição e erradicação da violência de gênero (III). ·

Para tanto, as autoridades correspondentes desenvolverão as seguintes ações:

assegurar o acompanhamento e a avaliação da implementação da legislação existente nos três níveis de governo, em consonância com os instrumentos internacionais (I), promover a conscientização da legislação e da jurisprudência sobre a matéria de igualdade na sociedade (II), difundir na sociedade a consciência de seus direitos e mecanismos para a sua exigibilidade (III), integrar o princípio da igualdade no âmbito da proteção social (IV), promover ações que garantam a igualdade de acesso e de mulheres e de homens à alimentação, educação e saúde (V), e promover campanhas nacionais de conscientização para mulheres e homens sobre a sua participação eqüitativa em atenção às pessoas que dela dependem (VI).

Capítulo V – Da igualdade entre mulheres e homens na vida civil a) Objetivos e ações em matéria de igualdade na vida civil ·

A fim de promover e assegurar a igualdade na vida civil de mulheres e homens,

será objetivo da Política Nacional: avaliar a legislação em matéria de igualdade entre mulheres e homens (I), promover os direitos específicos das mulheres como direitos humanos universais (II), e erradicar as diversas formas de violência de gênero (III);

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·

Para tanto, as autoridades correspondentes desenvolverão as seguintes ações:

melhorar o sistema de inspeção no que diz respeito às regras sobre a igualdade de remuneração (I), promover a investigação com perspectiva de gênero em matéria de saúde e de segurança no trabalho (II), promover a formação das autoridades responsáveis pela administração e gestão da justiça no que diz respeito à igualdade entre mulheres e homens (III), apoiar as atividades de diálogo público relativas à legislação sobre a igualdade de mulheres e homens (IV), reforçar a cooperação e intercâmbio sobre direitos humanos e igualdade entre homens e mulheres com organizações não-governamentais e organizações internacionais de cooperação para o desenvolvimento (V), promover reformas legislativas e políticas públicas para prevenir, tratar, punir e erradicar a desigualdade nos âmbitos público e privado (VI), estabelecer mecanismos para o atendimento das vítimas de todos os tipos de violência contra as mulheres (VII), e promover as investigações em matéria de prevenção, assistência, punição e erradicação da violência contra as mulheres (VIII).

Capítulo VI – Da eliminação dos estereótipos estabelecidos em função do sexo a) Objetivos e ações para eliminar os estereótipos de gênero ·

Será objetivo da Política Nacional a eliminação dos estereótipos que incentivem a

discriminação e a violência contra as mulheres; ·

Para tanto, as autoridades correspondentes desenvolverão as seguintes ações:

promover ações que contribuam com a eliminação de toda discriminação baseada em estereótipos gênero (I), desenvolver atividades de conscientização sobre a importância da igualdade entre mulheres e homens (II), e acompanhar a integração de uma perspectiva de gênero em todas as políticas públicas (III).

Capítulo VII – Do direito à informação e participação social em matéria de igualdade entre mulheres e homens a) Acesso à informação sobre os programas e instrumentos da política de igualdade e participação social ·

Toda pessoa terá o direito a que as autoridades e organismos públicos coloquem à

sua disposição as informações que lhe sejam solicitadas sobre políticas, instrumentos e normas sobre a igualdade entre mulheres e homens. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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·

O Executivo Federal, por meio do Sistema, de acordo com suas competências,

promoverá a participação da sociedade no planejamento, concepção, execução e avaliação dos programas e instrumentos da política de igualdade entre mulheres e homens presentes nessa lei; ·

Os acordos e convênios em matéria de igualdade celebrados pelo Executivo e suas

unidades com os setores público, social e privado, poderão versar sobre todos os aspectos considerados nos instrumentos de política sobre igualdade, bem como auxiliar no trabalho de controle e demais ações operacionais previstas nessa lei.

Título V Capítulo I – Da execução em matéria de igualdade entre mulheres e homens a) Ações para monitorar e cumprir a aplicação desta lei ·

Nos termos do disposto anteriormente, a Comissão Nacional de Direitos Humanos é

responsável pelo monitoramento da aplicação, avaliação e acompanhamento da política nacional em matéria de igualdade entre mulheres e homens. Tem por objetivo a construção de um sistema de informação com capacidade para conhecer a situação da igualdade entre mulheres e homens, e do efeito das políticas públicas aplicadas nesta matéria; ·

A Execução deverá ser realizada por pessoas de reconhecida trajetória e

especializadas na análise da igualdade entre homens e mulheres; ·

A Execução em matéria de igualdade entre Mulheres e Homens consistirá em:

receber informações sobre medidas e atividades que a administração pública implemente em matéria de igualdade entre mulheres e homens (I), avaliar o impacto na sociedade das políticas e medidas que afetam os homens e as mulheres em matéria de igualdade (II), propor a realização de estudos e relatórios técnicos de diagnóstico sobre o estado das mulheres e homens em termos de igualdade (III), divulgar informações sobre as diversos aspectos relacionados com a igualdade entre mulheres e homens (IV), o que mais for necessário à consecução dos objetivos desta lei; ·

De acordo com o estabelecido na Lei da Comissão Nacional para os Direitos

Humanos esta poderá receber denúncias, fazer recomendações e apresentar relatórios especiais sobre a matéria objeto desta lei.

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Disposições Transitórias 5. CONCLUSÃO

A pesquisa realizada em direito comparado revela que as políticas de reconhecimento da mulher percorreram as seguintes fases: num primeiro momento, foram adotadas medidas que proibiam a discriminação; depois, organizaram-se projetos específicos para mulheres; por fim, adotou-se, numa terceira etapa, o princípio da transversalidade, que estabelece o dever de considerar a questão de gênero como um problema presente em todos os assuntos, não havendo tema em que a condição de mulheres e de homens possa ser irrelevante. Nessas três etapas, o objetivo geral das políticas adotadas é o mesmo: interferir nas relações sociais marcadas pela desigualdade. O que distingue uma política da outra são seus pressupostos: proibir a discriminação pressupõe que indivíduos ou grupos de indivíduos não possam ser diferenciados uns dos outros em razão de suas características; organizar projetos para mulheres ou incluir as questões de gênero como tema obrigatório em qualquer esfera, tudo isso pressupõe, ao contrário, que indivíduos ou grupos de indivíduos sejam diferenciados precisamente em função de suas características. A proibição da discriminação assegura que o direito já existente alcance também grupos dele originalmente excluídos, mas não traz consigo a obrigação de promover o reconhecimento e a inclusão da mulher na sociedade. Esse dever foi estabelecido tanto no nível internacional, como nos ordenamentos nacionais dos países estudados, e, ao sê-lo, criou um divisor de águas: o poder público deve agora agir, não somente aplicando normas existentes, mas também criando novas regras. Para cumprir a obrigação estabelecida, haverá à disposição do Estado, pelo menos, as duas estratégias acima mencionadas: organizar projetos específicos para mulheres e/ou assumir como conceito orientador da política de reconhecimento o princípio da transversalidade. Exemplo do primeiro caso são os sistemas de quotas, estratégia adotada com o objetivo de aumentar a participação feminina nas atividades em que o número de mulheres seja relativamente reduzido. Há, pelo menos, dois regimes que podem ser empregados para atingir essa meta: de um lado, um sistema de quotas rígido, em que se reservam vagas, a serem preenchidas independentemente da qualificação da pessoa e do fato de mulheres estarem ou não sub-representadas no setor em questão; de outro lado, um sistema flexível, em que, para o preenchimento de vagas, exige-se uma combinação de qualificação pessoal com subEsta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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representação do gênero no ambiente examinado. A primeira alternativa, por privilegiar apenas o sexo, despreza o mérito. Se, contudo, fosse adotado tão-somente o critério de merecimento, não haveria por que implantar um sistema de quotas para beneficiar aquelas mulheres que, por serem qualificadas, não necessitam do benefício.

Mas, se, além da

qualificação pessoal, for também necessário que as mulheres estejam sub-representadas, nesse caso o benefício, por não ser estendido indiscriminadamente, reveste-se de legitimidade, pelo menos à primeira vista. O princípio da transversalidade aponta para os mesmos objetivos das políticas que buscam a igualdade entre homens e mulheres mediante adoção de programas como o sistema de cotas, porém, entre as duas estratégias, há uma diferença: agora, existe o reconhecimento explícito que essa meta somente será alcançada após um longo processo, no qual a relevância das questões de gênero deverá ser consideras não apenas nas políticas de pessoal, mas também nas decisões sobre a organização do trabalho e da produção.84 Princípio moderno a que se recorre para promover a igualdade dos sexos, a transversalidade não busca criar programas específicos para mulheres, em áreas específicas, mas sim levantar questões de gênero em qualquer âmbito. Na administração pública, o princípio da transversalidade enseja uma série de procedimentos de investigação, tanto no sentido de descobrir, no ordenamento jurídico, a existência disfarçada de discriminação e de déficit de participação nos diversos setores que compõem a sociedade, como no sentido de identificar normas que contribuem para a sedimentação de valores em que se perpetuam os antigos papéis atribuídos, respectivamente, a homens e mulheres. Quando aplicado ao direito, esse princípio pode estimular o surgimento de uma ciência jurídica feminista,85 a qual procurará, em sua análise, mostrar que, não obstante a igualdade formal entre os sexos, as normas jurídicas são estabelecidas para assegurar uma situação concebida tão-somente por uma visão masculina do mundo. Não se trata mais de denunciar normas jurídicas que expressamente discriminam as mulheres, e sim de tornar presente necessidades femininas que são ignoradas sob o manto da igualdade. O princípio da transversalidade permite que tudo a envolver homem e mulher possa ser problematizado: das expressões idiomáticas à ciência do direito, passando pelo jardim da infância, pelo ensino fundamental, médio e superior, e, sem dúvida, pelo ambiente de

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KOCHER, “Vom Diskriminierungsverbot zum “Mainstreaming” – Anforderungen Gleichstellungspolitik für die Privatwirtschaft”. In: Recht der Arbeit – RdA, Heft 3, 2002, p. 171. 85 SACKSOFSKY, Was ist....

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eine

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trabalho, nada há que exclua, a priori, o enfoque pelo qual os membros da sociedade aparecem como mulheres e homens, e não como brancos e negros, ricos e pobres, empregados e desempregados ou qualquer outra identificação da pessoa diferente daquela que a considera segundo seu gênero e as necessidades que dele decorrem. Essa estratégia não conduz o enfoque apenas para um dos sexos, mas para os dois, permitindo que sejam percebidos num e noutro suas respectivas características e necessidades. As perguntas que passam a orientar a ação nesse sentido são formuladas dentro dos diversos campos específicos do direito, tornando presente as questões relativas à igualdade (ou às diferenças) dos gêneros, naquela área. No direito penal, por exemplo, pode-se fazê-lo, como vimos acima, no relatório sobre o direito alemão, comparando a punição, pelo mesmo crime, aplicada a homens e a aplicada a mulheres; no direito de família, podemos confrontar os direitos que pai e mãe casados terão sobre seus filhos, numa separação litigiosa, na qual não seja possível a guarda compartilhada. Podemos também confrontar os direitos de pai e mãe solteiros, comparando as prerrogativas e obrigações que ambos terão em relação a seus filhos. Enfim, o cardápio é extenso, porém, o mais importante a ser retido dessa investigação em direito comparado é isto, as políticas de reconhecimento seguiram estratégias distintas ao longo do tempo, sem que uma superasse por completo a outra. O princípio da transversalidade, combinado com o princípio da igualdade de todos perante a lei, exigirá que se examine a situação dos dois sexos, assegurando que todos os desfavorecidos, homens e mulheres, tenham direito a medidas que lhes permitam restaurar (ou conquistar) o equilíbrio. Muito embora as leis compartilhem o momento histórico do ponto de vista teórico, as soluções são diferentes. Há que se estabelecer uma diferença entre a lei alemã que pretende regular a administração pública direta e indireta e as leis espanhola e mexicana que pretendem regular diversos aspectos da vida pública e privada da mulher. Muito embora se possa diagnosticar o gender mainstreaming nas três leis, já que este não se define pelo número de áreas reguladas, mas pela técnica que insere a questão da igualdade nos mais diversos âmbitos, as leis espanhola e mexicana levam mais adiante o princípio. No caso da lei espanhola, o próprio preâmbulo, como foi exposto anteriormente, explicita a intenção de se erigir um código-lei de igualdade efetiva entre homens e mulheres. A lei mexicana, por sua vez, estabelece uma estrutura institucional que possa dar conta dos diversos âmbitos em que a desigualdade pode se manifestar.

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Há que se reconhecer que as três leis apresentam preocupação com as áreas de trabalho e, em alguma medida, de representação política. A lei alemã trata especificamente do funcionalismo público, e as leis espanhola e mexicana, que se pretendem mais gerais, dão ênfase para as questões trabalho e participação política. No caso da lei espanhola, essas áreas são as mais especificamente reguladas, conforme foi demonstrado. Na lei mexicana, entre as ações que deverão ser estabelecidas pelas autoridades, duas questões estão claramente presentes. O tema da violência, a não ser no que se refere ao abuso sexual no âmbito de trabalho, não é especialmente regulado por essas leis. No entanto, tanto na Espanha quanto no México, leis tratando especificamente da violência de gênero já haviam sido editadas antes da edição das leis de que estamos tratando, tendo sido, em ambos os casos, o marco legislativo para o início de uma regulamentação de um direito de igualdade entre mulheres e homens. A lei alemã estabelece regras apenas para o funcionalismo público, não regulando a atividade do setor privado; as duas outras leis, por sua vez, pretendem estabelecer regras de igualdade também para as empresas. Ainda que ambas se pretendam gerais, as estruturas da lei espanhola e da lei mexicana são muito diferentes. Poder-se-ia afirmar, a partir da exposição feita, que a lei espanhola 03/2007 aparece como um resultado de programas e objetivos. Muito embora a lei seja apenas um ponto de partida que será desenvolvido a partir de sua aplicação e da disputa por seu conteúdo, sua edição significa um ponto de chegada no sentido de que ali foram positivadas reivindicações substantivas, como cotas políticas que já haviam sido implantadas individualmente em partidos e também em algumas Comunidades Autônomas. A própria estrutura da lei revela o que estamos dizendo: após o estabelecimento de princípios gerais e de conceitos, estabelecem-se as diretrizes de atuação em cada uma das áreas reguladas, e, então, nas disposições adicionais, a lei toma para si o trabalho de promover alterações em leis específicas, com alto grau de detalhamento, criando deveres para os órgãos públicos, entes privados e sindicatos. A lei não atribui competências normativas para realizar seus objetivos, apesar de também prever órgãos de fiscalização e controle; estabelece medidas concretas como mudança de direitos previdenciários, deveres para empresas e sanções específicas para o descumprimento. Pode-se dizer, assim, que ela apresenta seus próprios mecanismos específicos de implementação, e, com a alteração pontual de diversas leis, desautoriza uma discussão posterior acerca de se aquelas leis que ela altera teriam sido revogadas ou não pelos novos princípios estabelecidos na lei. Com isso, exerce um controle sobre a futura interpretação de leis à luz da lei de igualdade. Esta pesquisa reflete as opiniões dos seus autores e não do Ministério da Justiça

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A lei mexicana, por sua vez, estabelece regras gerais, através da atribuição aos entes federativos e sistemas e comissões por ela criados de deveres de elaborar políticas, normas, fiscalizar ou implementar determinado objetivo. Isto não quer dizer que a lei não apresente objetivos concretos: por exemplo, ela trata da representação eqüitativa na estrutura dos partidos políticos, nos cargos de eleição popular e nos altos cargos públicos, no Capítulo Terceiro. No entanto, estabelece apenas que cabe às autoridades competentes desenvolver estes objetivos, não estabelecendo normas cogentes, como faz a lei espanhola com a instituição da obrigatoriedade de representação paritária na própria inscrição dos partidos políticos nas eleições, ensejando, portanto, a reclamação judicial direta para questionar quaisquer problemas daí advindos, como efetivamente ocorreu nas eleições locais de 2007. Para a implementação dos objetivos da lei mexicana, serão necessárias medidas a serem estabelecidas pelos entes a que a lei atribui responsabilidades. A própria linguagem utilizada pela lei demonstra seu caráter de um programa de ação: “serão objetivos da Política Nacional...”, “promover os direitos específicos das mulheres como direitos humanos universais”, “as autoridades correspondentes desenvolverão as seguintes ações: melhorar...”, “impulsionar...”, “apoiar...”, “fomentar...” ou “estabelecer os mecanismos para...”. Nesse sentido, é um ponto de partida, estabelecendo um plano a partir do qual direitos e deveres específicos serão estabelecidos futuramente. Assim, muito embora a lei mexicana pretenda estabelecer políticas também para o setor privado, ela não impõe deveres diretamente a sujeitos privados, deixando a elaboração destes deveres para as autoridades competentes. Isto é explícito no artigo 3o da lei, que estabelece que as transgressões a ela serão sancionadas de acordo com o disposto na Lei Federal de Responsabilidades dos Servidores Públicos ou seu correspondente nas autoridades federativas. O estabelecimento de deveres ao setor privado, na lei espanhola, se expressa principalmente na obrigatoriedade de elaboração de planos de igualdade por empresas com mais de 250 funcionários, o que é incentivado pelas preferências dadas na contratação com o setor público às empresas que cumpram com os objetivos estabelecidos de igualdade entre mulheres e homens. Além disso, a discriminação é desestimulada por meio de sanções impostas a todos aqueles que discriminarem pessoas que tomem a iniciativa de denunciar comportamento ou decisão discriminatória.

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Certas inovações das leis apresentadas são muito importantes para se pensar eventuais reformas legislativas no Brasil, tendo em vista que nossa legislação não contempla tais técnicas e institutos no que se refere à proteção e promoção dos direitos da mulher. Ressaltase a transversalidade, que se observa nos três diplomas normativos, e a originalidade da lei espanhola ao aliar esse com o da co-responsabilização e conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional do homem e da mulher.

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