III Ciclo de Debates em Estudos Olímpicos: da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos

June 8, 2017 | Autor: Marcelo Haiachi | Categoria: Olympic Studies, Paralympic studies
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III CICLO DE DEBATES EM ESTUDOS OLÍMPICOS Da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos: O Esporte, seu Desenvolvimento e suas Consequências

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Angelo Roberto Antoniolli Reitor André Maurício Conceição de Souza Vice-Reitor Prof. Dr. Afrânio de Andrade Bastos Chefe do Departamento de Educação Física Comissão Científica Prof. Dr. Antonio Mussino (UNIROMA/ITA) Prof. Dr. Ailton Fernando Santana de Oliveira (UFS/BRA) Prof. Dr. Décio Roberto Calegari (UEM/BRA) Prof. Dr. Fabio Zoboli (UFS/BRA) Prof. Dr. Gylton Brandão DaMatta (DWS/USA) Prof. Dr. Jim Perry (CUNI/CZE) Prof. Dr. Lamartine Pereira da Costa (UGF/BRA) NORMAS DE SUBMISSÃO DOS TRABALHOS Todos os artigos submetidos serão avaliados por ao menos dois revisores com experiência e competência profissional na respectiva área do trabalho e que emitirão parecer fundamentado, os quais serão utilizados pelos Organizadores para decidir sobre a aceitação do mesmo. Os critérios de avaliação dos artigos incluem: originalidade, contribuição para corpo de conhecimento da área, adequação metodológica, clareza e atualidade. Os artigos aceitos para publicação poderão sofrer revisões editoriais para facilitar sua clareza e entendimento sem alterar seu conteúdo. FICHA CATALOGRÁFICA - BIBLIOTECA CENTRAL DA UFS Ciclo de Debates em Estudos Olímpicos (3: 2014:São Cristiovão-SE) C568m III Ciclo de Debates em Estudos Olímpicos: Da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos: o Esporte, seu Desenvolvimento e suas Consequências: 6 e 7 de fevereiro de 2014, São Cristóvão, SE / Ailton Fernando Santana de Oliveira, Marcelo de Castro Haiachi, Randeantony da Conceição do Nascimento (organizadores). – São Cristóvão: Editora UFS, 2015. 186 p. ISBN: 978-85-7822-502-5 1. Esportes. 2. Olimpíadas. 3. Paraolimpíadas. 4. Esportes e Estado. 5. Profissionalismo nos esportes. I. Oliveira, Ailton Fernando Santana de. II. Haiachi, Marcelo de Castro. III. Nascimento, Randeantony da Conceição do. IV. Título: Legados no campo profissional e no desenvolvimento do esporte. CDU 796.032.2

Ailton Fernando Santana de Oliveira Marcelo de Castro Haiachi Randeantony da Conceição do Nascimento (organizadores)

III CICLO DE DEBATES EM ESTUDOS OLÍMPICOS Da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos: O Esporte, seu Desenvolvimento e suas Consequências

São Cristóvão, 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE REITOR Angelo Roberto Antoniolli VICE-REITOR André Maurício Conceição de Souza EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE COORDENADORA DO PROGRAMA EDITORIAL Messiluce da Rocha Hansen COORDENADOR GRÁFICO DA EDITORA UFS Vitor Braga CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA UFS Adriana Andrade Carvalho Antonio Martins de Oliveira Junior Aurélia Santos Faraoni Ariovaldo Antônio Tadeu Lucas Satie Katagiri

Ubirajara Coelho Neto José Raimundo Galvão Luisa Helena Albertini Pádua Trombeta Mackely Ribeiro Borges Maria Leônia Garcia Costa Carvalho

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adilma Menezes CAPA | ILUSTRAÇÃO DE CAPA Jean Carlo da Silva

Cidade Universitária “Prof. José Aloísio de Campos” CEP 49.100-000 – São Cristóvão – SE. Telefone: 2105 – 6922/6923. e-mail: [email protected] www.editora.ufs.br Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora. Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.

APRESENTAÇÃO

O

III Ciclo de debates em estudos olímpicos teve como tema: Da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos: o Esporte, seu Desenvolvimento e suas Consequências. O tema teve como objetivo debatermos o desenvolvimento do esporte e as políticas aplicadas a partir dos megaeventos esportivos que estão ocorrendo no Brasil. Nesses termos, o evento procurou debater quais as consequências e qual o grau de desenvolvimento esportivo que ocorrerá no Brasil, tendo como pano de fundo esses megaeventos esportivos, já que observamos as propagandas e programas dos grandes meios de comunicações, de entidades esportivas e de setores do governo, que, além do estímulo à prática esportiva propriamente dita, propagam que a preparação para a realização desses grandes eventos impulsionará diferentes setores da economia. Assim, torna-se necessário a continuidade dos debates realizados nos Ciclos anteriores 2011 e 2012, para entendermos qual ou quais as políticas no campo esportivo que norteará o seu desenvolvimento no Campo da formação profissional, da democratização ao aceso e da universalização dessas práticas esportivas, especialmente nos estados periféricos aos acontecimentos dos jogos. Nesse sentido, continuamos a perguntar: como podemos nos organizar para garantir a continuidade de políticas universalizantes e estruturantes para a população e a formação profissional? Quais as vantagens podemos conquistar com a realização desses eventos? Como os poderes públicos Estaduais e Municipais estão tratando esse tema? Como ficará a realização de programa e projetos esportivos, que estimulam e promovem a inclusão do indivíduo na pratica esportiva? A partir da realização desses megaeventos quais as prioridades das políticas esportivas no que se refere ao marco legal estabelecido; a formação profissional; ao campo de emprego, as práticas esportivas, aos projetos sociais esportivos; e a infraestrutura.

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Com o objetivo de encontrar respostas para essas e outras perguntas que possa contribuir para o desenvolvimento do esporte no país e no estado de Sergipe, é que a Universidade Federal de Sergipe, através do Departamento de Educação Física, representada pelo Núcleo de Pesquisa em Aptidão Física e Olimpismo de Sergipe - NUPAFISE, vem organizando anualmente desde 2011 Ciclos de Debates em estudos olímpicos e de políticas de esportes. Para esse terceiro ciclo, realizado entre os dias 6 e 7 de fevereiro de 2014, contamos com a presença de pesquisadores de renome nacional e internacional, tais como: Professor Dr. Otávio Guimarães Tavares da Silva (Universidade Federal do Espirito Santo) Coordenador do PPGEF/UFES (mestrado e doutorado) e líder do ARETE - Centro de Estudos Olímpicos Centro de Estudos Olímpicos) - apresentando como tema da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos: O Esporte, seu Desenvolvimento e suas Consequências. Professor Antônio Hora Filho presidente da Confederação Brasileira de Desporto Escolar – CBDE, tratou do Esporte Estudantil e suas Perspectivas Frente ao Desenvolvimento de Jovens Talentos Esportivos; Sr. Carlos Eloy, Secretário Municipal de Esportes e Juventude da Prefeitura de Aracaju, com o tema as Políticas de Esporte na Gestão Municipal de Aracaju; Prof. Msc. Flávio Dantas Albuquerque Melo, Membro do Grupo de pesquisa em Educação Física, Esporte e Lazer –GEPEL/UFS, com o tema dos Jogos Lúdicos aos Jogos Olímpicos; Profª Drª Raquel Simões Mendes Netto (Universidade Federal de Sergipe membro do Departamento de Nutrição); Profª Drª Ana Paula de Lima Ferreira (Universidade Federal de Sergipe membro do Departamento de Fisioterapia); Prof. Dr. Emerson Pardono (Universidade Federal de Sergipe membro do Departamento de Educação Física); Prof. Dr. Fabio Zoboli (Universidade Federal de Sergipe membro do Departamento de Educação Física) com o tema Projeto Pa-



Apresentação |

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radesportivo de Sergipe: um abordagem multidisciplinar focada na pessoa com Deficiência; Prof. Dr. Ailton Fernando Santana de Oliveira (Universidade Federal de Sergipe membro do Departamento de Educação Física); com o tema Diagnósticos Sobre o Esporte: Revelando Práticas e Praticantes (Lançamento do Livro Gestão do Conhecimento em Diagnóstico Esportivo) O evento ainda contou com a realização de oficinas esportivas: Introdução ao Treinamento Funcional, com o Acadêmico Diego Facion Beber; Cross Training, com o Prof.Dr. Marzo Edir da Silva; e Jogos Virtuais e sua Aplicação Prática, com o Prof. Dr. Roberto Jerônimo dos Santos Silva. Nesses termos, esse livro traz dez capítulos que visam debater temas ligados a prática profissional, seja no aspecto técnico, tático ou científico, bem como, nas questões teórica-filosófica no campo das políticas públicas de esporte. Aracaju, 07 de fevereiro de 2014

Prof Ailton Fernando Santana de Oliveira Coordenação do Evento e Professor da UFS

SUMÁRIO Apresentação

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BRASIL OLÍMPICO: UM ENSAIO CRÍTICO SOBRE A POLÍTICA ESPORTIVA VOLTADA PARA RIO 2016 Silvestre Cirilo dos Santos Neto Lamartine Pereira DaCosta Flávia da Cunha Bastos; Leonardo José Mataruna dos Santos

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CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ESPORTE BRASILEIRO NO INTERSTÍCIO OLÍMPICO LONDRES 2012 - RIO DE JANEIRO 2016 Marcos Bezerra de Almeida

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A “DANÇA DOS ALUNOS” NA ESCOLA Robélius De Bortoli; Irene Behring

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PARADESPORTO: ALGUMAS TENSÕES... ALGUNS DESAFIOS Fabio Zoboli Elder Correia da Silva Tamires Menezes de Jesus Monara Santos Silva

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DA COPA DO MUNDO AOS JOGOS OLÍMPICOS: O ESPORTE, SEU DESENVOLVIMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS Otávio Tavares

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ESPORTE E ESPETÁCULO EM ARACAJU NO INÍCIO DO SÉCULO XX: DA ORGANIZAÇÃO DOS CLUBES E DOS EVENTOS ESPORTIVOS ÀS MUDANÇAS NO ESPAÇO URBANO E NAS FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO COLETIVA Marlaine Lopes de Almeida

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FUNDAMENTOS DO VOLEIBOL E SUA APRENDIZAGEM: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS CONCEITOS DA APRENDIZAGEM MOTORA Daniel de Almeida e Freitas Quéfren Weld Cardozo Nogueira

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OFICINAS ESPORTIVAS: CONSTRUINDO PROPOSTAS PARA O ESPORTE EDUCACIONAL Gisele Santos Lima Jessica Vitorino da Silva Terra Nova Lorrany da Rosa Santos

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PROJETO PARADESPORTIVO DE SERGIPE: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO ATENDIMENTO NUTRICIONAL Talita Kizzy Barbosa Barreto Denise Leite Alves Raquel Simões Mendes Netto

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159 SISTEMA DE AVALIAÇÃO TÁTICA NO HANDEBOL (HAND-SAT): DESENVOLVIMENTO E ESTUDO PRELIMINAR Iuri Roseno Matos Aragão Marcos Bezerra de Almeida DESENVOLVIMENTO DA CLASSIFICAÇÃO NO ESPORTE PARALÍMPICO Andreia Maria Micai Gatti Edison Duarte José Irineu Gorla

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DA COPA DO MUNDO AOS JOGOS OLÍMPICOS: O ESPORTE, SEU DESENVOLVIMENTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS Otávio Tavares1

INTRODUÇÃO

O

tema proposto é bastante amplo, atual, e socialmente significativo. Por isto, bastante desafiador. Estamos chegando ao final e ao ápice da chamada ‘década dos megaeventos esportivos’. O período marcado a partir da realização dos Jogos Panamericanos de 2007 e que terá sua culminância com a realização da Copa do Mundo de futebol este ano e dos Jogos Olímpicos em 2016 no Rio de Janeiro. Mesmo sem entrar em uma discussão técnica sobre definições e significados do termo megaevento, não parece ser difícil reconhecer estas competições como tais em face da dimensão de suas exigências e impactos políticos, econômicos, urbanísticos e socioculturais em espaço de tempo relativamente curto. Daí porque a necessidade contínua de conhecer e debater as possíveis consequências da realização destes eventos. Neste contexto, trabalhando a partir do conceito de esporte como um “sistema aberto” de Puig e Heinemann (1991), ou seja, como um fenômeno com escassa identidade própria e amplas interfaces com os sistemas político, econômico, midiático e educacional, o tema proposto pelos organizadores permite múltiplas abordagens. Como estamos ainda antes do fim dos eventos que dão título a este ciclo de debates, e cujos desdobramentos e consequências só poderão ser corretamente avaliados com tempo e métodos adequados, vou tentar evitar qualquer exercício de futurologia explícita.

1 Professor Doutor da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.

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Minha proposta é debater este tema em três etapas. Na primeira, procurarei delimitar uma conceituação de esporte como um fenômeno polissêmico e polimorfo. Em seguida, procurarei apresentar uma síntese dos principais estudos sobre impactos e legados de megaeventos esportivos em uma abordagem prospectiva tentando identificar tendências e possibilidades a partir da experiência acumulada. Por fim, colocarei em discussão com vocês alguns cenários para discussão. O ESPORTE COMO UM SISTEMA ABERTO

Como nos ensinou Max Weber, classificar é exagerar. No nosso caso, as classificações são abstrações que se referem mais ou menos a determinadas manifestações do esporte moderno. Trabalhamos a partir da tese fundamental de que à medida que o esporte se torna um fenômeno cada vez mais variado em suas formas, locais de prática, valores e objetivos, maior se torna a necessidade de adjetivá-lo. Segundo Puig e Heinemann (1991), o esporte tradicional se associava a metas definidas em um âmbito de regulamentações perfeitamente claras. A ideia era sempre obter resultados baseados em uma preparação disciplinada e contínua. Esporte significava competição e orientação para uma meta ou objetivo. Assim, sua estrutura de valores era razoavelmente uniforme. Tanto pelas práticas quanto por seu marco organizativo, o esporte gerava processos de seleção e marginalização. Praticamente só se integravam a ele aquelas pessoas cujas capacidades e interesses coincidiam com suas características fundamentais. Por fim, era também uma prática mais atrativa para jovens do que para adultos, para homens do que para mulheres. O processo de ‘esportivização’ da vida cotidiana, bastante bem analisado por historiadores como Philipe Ariés (1992) e sociólogos



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como Ommo Grupe (1991) – a ampliação do número de praticantes, de seus tempos e espaços, sua estrutura de valores mais diversificada e os deslocamentos de seus códigos e valores para outras esferas da vida - levou a que já em 1964 fossem desenvolvidas as categorias de ‘esporte-educação’, ‘esporte- participação’ ou ‘esporte de lazer’ e ‘esporte de rendimento’ ou ‘esporte- performance’, como forma de dar conta de sua crescente complexidade. Estas categorias se revelaram tão produtivas que estruturam até hoje a discussão fundamental sobre o fenômeno esportivo e as políticas de esporte no país (Lei Federal 9615/98 e o Decreto 7.984/13). Ainda que a categorização em ‘educação’, ‘lazer’, e ‘rendimento’ não tenha perdido de todo sua eficácia, é cada vez mais fácil encontrar práticas que desafiam sua classificação pacífica neste modelo ternário. No âmbito dos esportes tradicionais, jogos e competições escolares são os exemplos mais claros e clássicos do quanto uma classificação destas pode ser discutível. A experiência mostra que apesar de objetivos educacionais declarados, a imensa maioria das competições estudantis no país reproduzem códigos e valores do esporte competitivo. O mesmo pode ser pensado em relação a muitas ‘peladas’ de futebol mais organizadas2 e ‘redes de voleibol’ bastante seletivas em termos de desempenho, como as pesquisas do Prof. Marco Stigger (2002) e as minhas mesmo já demonstraram. Isto indica que podemos pensar esta tríade em termos menos estanques. Creio que é mais produtivo pensá-las como polaridades em um continuum no qual as manifestações do esporte-educação podem ter algo de rendimento e/ou de lazer e vice-versa. Deste modo, elas podem se deslocar em um espaço triangular de relações segundo as características dos objetivos e formas de organização 2 Com equipes organizadas por critérios de desempenho, com uniformes próprios que emulam os uniformes de equipes profissionais, reprodução de seus rituais visíveis (correntes, gritos de guerra e etc.), arbitragem contratada e etc.

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que apresentam, estando ora mais próximas de um dos vértices do triângulo, ora de outros (figura 1).3

Figura 1: Modelo de oscilações das manifestações esportivas (

= manifestação esportiva)

Mas isto ainda não é tudo. Como sabemos, como um fenômeno cultural, o esporte relaciona-se com as mudanças em seu entorno. Isto é de tal modo verdadeiro que o esporte contemporâneo se mostra como uma realidade cada vez mais imprecisa uma vez que suas práticas estão cada vez mais diversificadas. Nos âmbito do contemporâneo podemos ver simultaneamente: a) o desenvolvimento de formas adaptadas e simplificadas dos esportes tradicionais (p. ex.: futebol de praia, futevolei, vôlei de praia); b) a esportivização destas formas simplificadas fazendo o caminho inverso em direção ao modelo do esporte tradicional (p. ex.:beach soccer);

3 Embora a legislação brasileira anteriormente mencionada estabeleça a distinção entre as manifestações do esporte a partir de suas objetivações, me parece fundamental também levar em consideração as formas de organização, uma vez que são elas que dão materialidade aos objetivos declarados.



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c) a esportivização de jogos e práticas corporais diversas que originalmente desenvolveram-se como práticas corporais de expressão, contato com a natureza, diversão e etc. (p. ex.: surf, skate, dança de salão, frescobol, pole dance...);

d) o desenvolvimento de novas práticas que, ainda que não se ajustando a concepções clássicas de esporte, tem a ver com o exercício físico (p. ex.: slackline, Stand-up Paddle - SUP); e) o desenvolvimento de práticas que mesclam elementos de outras (p. ex.: SUP Yoga, descida de ondas com caiaques);

f) e, a aproximação e eventual mescla entre esporte, espetáculo e entretenimento (p. ex.: o super bowl americano, as corridas aéreas da Red Bull, o circuito Banco do Brasil de vôlei de praia).

Em síntese, podemos dizer que práticas que hoje podem ser chamadas e compreendidas como esporte por seus praticantes4 podem variar em termos de tipo e número de objetivos, nível de organização, grau de regulamentação, grau de competição, nível de performance e amplitude de alcance. Diante do caráter polissêmico e polimorfo do esporte contemporâneo, como responder a questão: O que é o esporte? Em minha opinião, uma das melhores tentativas foi feita por Bailey (2005). Para este pesquisador britânico o ‘esporte’ é um substantivo comum que usualmente refere-se a uma série de atividade, processos e relações sociais com resultados físicos, psicológicos e sociológicos presumidos. Estas atividades incluem esportes individuais e coletivos; esportes de contato ou não; esportes orientados ao desempenho motor ou perceptivo; com diferentes ênfases nas habilidades

4 Considero as autodefinições dos praticantes como um dado importante a ser considerado.

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físicas, na estratégia ou na oportunidade; e atividades competitivas, de autodesenvolvimento ou puramente recreacionais. Se aceitarmos esta definição – e a noção de esporte como um sistema aberto, definido de maneira ampla e inclusiva - podemos pensar que os impactos e consequências da realização da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos de 2016 podem ser mais amplos do que se possa imaginar5. Agora que temos um modelo conceitual amplo e inclusivo de esporte, podemos nos concentrar em apresentar o que a literatura nos fornece de elementos para discutirmos o desenvolvimento e as consequências para o sistema aberto do esporte da realização da Copa do Mundo de futebol e dos Jogos Olímpicos no Brasil. O QUE A LITERATURA TEM A NOS DIZER SOBRE IMPACTOS E CONSEQUENCIAS ESPORTIVAS DOS MEGAEVENTOS?

Em primeiro lugar, deve ser observado que o tema é bastante recente, seja na preocupação dos gestores, seja na literatura acadêmica. Isto porque é apenas no final dos anos 1990 que o COI vai adotar o conceito de ‘legado’ como um discurso de responsabilidade social e uma maneira de enfrentar as críticas pelos custos crescentes dos Jogos Olímpicos. Um exemplo significativo é a própria entrevista dada à revista Veja pelo senhor Carlos Nuzman logo após sua posse como presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (NUZMAN, 1996, p. 7). Considerando que a ideia de legados é um dos maiores argumentos em favor da realização dos Jogos Olímpicos em qualquer lugar atualmente, é importante observar que não há em toda a entrevista nenhuma menção a ela. Muito pelo contrário! Sua resposta a uma pergunta a respeito da possibilidade do Rio de Janeiro sediar 5 Isto não impede (pelo contrário, diria que exige) que investigações empíricas pontuais se fixem em critérios operativos e trabalhem com definições conjunturais adequadas a cada circunstância.



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uma edição dos Jogos Olímpicos é bem diversa do discurso atual a respeito dos impactos econômicos dos Jogos no Rio.

Seria um erro o Brasil achar que através do esporte vai resolver os problemas econômicos do país. É assim que se pensa. Os números de aplicação de dinheiro no esporte são ínfimos diante dos problemas econômicos que temos.

De qualquer modo, a preocupação da COI em estabelecer um planejamento de legados como parte das exigências para sediar os Jogos, ao mesmo tempo em que tal discurso é praticamente inexistente no âmbito da FIFA, explica porque a atenção dos pesquisadores tenha se dirigido ao evento olímpico, fazendo com que a literatura existente seja muito mais ampla sobre os Jogos do que sobre a Copa do Mundo. O acompanhamento da literatura (GRAVER et al, 2010; IRSS, 2000; NZTRI, 2007; SOCIOLOGICAL REVIEW, 2006; VIGOR;MEAN, 2004) nos permite trazer algumas sínteses que serão apresentadas em duas partes: Na primeira, apresentarei elementos relacionados à realização de megaeventos esportivos de um modo geral. Na segunda, procurarei apresentar aquelas mais diretamente relacionadas ao âmbito da Educação Física / Ciências do Esporte. 1 - Existem lacunas consideráveis no conhecimento sobre legados e impactos, o que indica a necessidade continuada de estudos e pesquisas sobre o tema; 2 - Existe um hiato entre previsões iniciais e os números gerados após os megaeventos; 3 - Estudos de revisão apontam deficiências de fundamentação teórica e metodologias questionáveis para a investigação dos impactos e legados;

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4 - Os benefícios econômicos, sociais ou culturais em sediar megaeventos esportivos são difíceis de medir e as evidências disponíveis são limitadas; 5 - Enquanto existe uma riqueza de informações em relação aos legados tangíveis (‘hard’ legacies) criados por megaeventos, os legados socioculturais (‘soft’ legacies) parecem ser bem menos entendidos, definidos e medidos;

6 - A transferência de conhecimento organizativo é limitada em função das variações no contexto da organização política, legal, econômica e cultural da nova cidade-sede; 7 - O número de variáveis envolvidas na organização e realização de megaeventos faz com que as comparações entre eles seja muito complexa;

8 - Os Jogos, geralmente, não criam, mas ‘celebram’ um novo status do país ou da cidade. Roma 1960 e Tóquio 1964 celebraram a recuperação econômica de Itália e Japão após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Seul 1988 e Beijing 2008 celebraram a chegada da Coréia do Sul e da China à condição de países com elevado produto interno bruto. Barcelona 1992 coroou o reconhecimento da Espanha como uma moderna e próspera democracia europeia;

9 - Os JO podem ter também impactos negativos sérios. A organização de Montreal 1976 levou a cidade à falência gerando débitos que foram pagos por 25 anos. A organização de Atlanta 1996 agregou a percepção dos interesses comerciais exagerados no esporte a uma organização deficiente. Atenas 2004 provavelmente deu uma importante contri-



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buição para a crise econômica grega com suas despesas muito elevadas;

10 - Ou não ter, aparentemente, efeito significativo nenhum. A organização pelo México dos Jogos de 1968 e Copa do Mundo de futebol de 1970 não auxiliou a eventual transformação de seu status econômico ou político. Moscou 1980 pode ter servido de réquiem para um sistema em decadência, mas a então União Soviética era tão fechada que é difícil se avaliar seriamente qualquer impacto, positivo ou negativo para a cidade ou o país. Los Angeles 1984 tornou-se provavelmente mais importante pelo impacto que teve na lógica e na forma de organização dos Jogos Olímpicos como um processo lucrativo do que por qualquer impacto que teve para a cidade, uma vez que uma das bases do evento foi gastar pouco na infraestrutura necessária da cidade.

Quando nos dedicamos ao tema deste evento, vale destacar que existem muito poucos estudos sobre os impactos e legados dos megaeventos esportivos para o próprio sistema esportivo e a EF. Na verdade, a maior parte deles está relacionada aos Jogos de 2012 em Londres uma vez que fazia parte dos compromissos da candidatura o estabelecimento de uma geração fisicamente ativa como um legado dos Jogos (DEPARTMENT FOR CULTURE, MIDIA AND SPORT, 2010). Este é um dado que me parece significativo e digno de preocupação por parte da comunidade acadêmica da Educação Física. É preciso entender porque parece existir tão pouco interesse em investigar os impactos que eventos esportivos geram em seus próprios sistemas de origem e sustentação prática. De qualquer modo, sabemos que não é possível dizer qualquer coisa afirmativamente sobre aquilo que nos deveria causar maior interesse.

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Em relação à literatura existente, podemos destacar que:

Existe uma ausência de evidências conclusivas que grandes eventos esportivos aumentam os níveis de atividade física e prática esportiva da população.

Claramente, esta conclusão está associada ao déficit anteriormente mencionado. Todavia, é bastante persistente a suposição sobre o caráter inspirador dos grandes atletas para o aumento do desejo e da participação nas aulas de Educação física e nas práticas esportivas. Embora este seja um argumento político importante, ele parece se basear mais em pressuposições do que em dados. Apesar de muitos textos se referirem ao legado educacional, existem poucas tentativas de definição do termo.

Segundo Graver et al. (2010), os objetivos comuns recorrentes para os legados educacionais dos Jogos Olímpicos são: aumento da participação nas aulas de educação física e no esporte, ensino em valores, desenvolvimento de unidades curriculares específicas, treinamento vocacional, promoção da cultura, capacitação de voluntários, melhoras no sistema educacional. Entretanto, o sistema de avaliação de impactos do COI estabeleceu como indicador de impacto dos Jogos (legado educacional dos Jogos Olímpicos) os níveis de escolarização e alfabetização de diferentes faixas da população (INTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE, 2010), o que é surpreendente, uma vez que é muito difícil estabelecer alguma relação de causalidade entre estes fenômenos.

O legado esportivo é normalmente entendido apenas como aumento da prática esportiva. Isto significa que, embora a melhora de desempenho do sistema esportivo de alto-rendimento seja um objetivo comum a todos os gestores



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dos sistemas esportivos dos países-sede dos Jogos, poucas pesquisas avançam além da mensuração do rendimento competitivo, declinando completamente da investigação sobre o que acontece com as estruturas e o funcionamento do sistema esportivo.

Todo este conjunto de informações nos leva então à última parte da discussão proposta. Quais serão (ou seriam) as consequências dos megaeventos esportivos para o esporte? Uma vez que definimos esporte como um sistema aberto, polissêmico e polimorfo, pressupomos que suas relações e consequências são amplas e diversas. Como impactos e legados podem ser previstos antes, mas só medidos depois, creio que o caso aqui deve ser apresentação de tópicos em nível especulativo e que podem se transformar em temas de pesquisas. De maneira esquemática, vou apresentar estes tópicos divididos em possíveis consequências ‘positivas’ e ‘negativas’, aduzindo a eles alguns comentários. POSSÍVEIS CONSEQUENCIAS POSITIVAS

Ampliação da oferta de recursos para o sistema esportivo Se considerarmos todos os tipos de recursos financeiros para todos os tipos de necessidades do sistema esportivo, este é com certeza uma previsão com 100% de certeza de realização. O BNDES, por exemplo, destinou mais de R$1 bilhão para a reforma e construção de estádios, e infraestrutura geral para a Copa de 2014, o orçamento do Ministério do Esporte em 2013 foi de R$ 1,800 bilhão e a renúncia fiscal da União foi de R$403,7 milhões (2011). Estes dados apenas ilustram uma consequência que com certeza pode ser definida como positiva.

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Ampliação da infraestrutura Tal como o item anterior, esta é uma consequência com 100% de certeza de realização. A parte mais visível da ampliação da infraestrutura esportiva são as próprias instalações esportivas competitivas. A Copa do Mundo exigiu a reforma ou ampliação de 12 estádios de futebol e a realização dos Jogos Olímpicos no Rio contará com 35 instalações esportivas, sendo 7 provisórias e 28 permanentes. Além disto, existe a necessidade de instalações para treinamento dos atletas brasileiros e estrangeiros. Isto significa hoje 172 locais de treinamento em 73 cidades do país colocados diante da exigência de apresentação e manutenção de boas condições de funcionamento. Em muitos casos, provavelmente, a construção de novos equipamentos representou um impacto positivo para o sistema esportivo nacional em sentido amplo. Transferência de conhecimentos

Este impacto pode ser descrito basicamente em dois âmbitos. No que se refere ao conhecimento esportivo direto, este fenômeno vem ocorrendo pela contratação de treinadores e consultores estrangeiros para as seleções nacionais. Em fins de 2013 eram 39 profissionais estrangeiros e a expectativa do COB é que este número seja ainda maior até 2016. Espera-se que pelo menos parte deste conhecimento possa ser captado pelos treinadores nacionais. Outro aspecto importante reside no sistema de gerenciamento de conhecimento dos Jogos Olímpicos (Olympic Games Knowledge Management) criado pelo COI para permitir a transferência do conhecimento e da experiência na organização de Jogos Olímpicos. Este sistema tem se revelado bastante importante para os processos de transferência de conhecimentos nas múltiplas áreas da organização e administração esportiva. A perspectiva é de formação de



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quadros locais altamente capacitados, com impactos positivos para o desenvolvimento do sistema como um todo. Ampliação do percentual da população fisicamente ativo

Como afirmado anteriormente, este é um dos impactos mais previstos e intuitivamente lógicos dos megaeventos esportivos. Esta crença está baseada na noção de que a maciça presença do esporte e dos ‘heróis esportivos’ na mídia gere interesse e estímulo para a prática esportiva, especialmente entre crianças e jovens. O argumento básico é que, atuando como modelos, os atletas despertem o interesse dos outros para sua atividade. Não existem, porém evidências conclusivas a respeito da existência deste fenômeno.

Valorização das atividades profissionais relacionadas ao esporte

Este é outro impacto cuja previsão é de tipo intuitiva. A lógica do argumento também se assemelha a anterior. O destaque dado às atividades e competições esportivas durante um dado tempo deve gerar um aumento de interesse difuso sobre o tema e um interesse especial sobre profissões relacionadas ao sistema com possíveis impactos positivos numa escala de prestígio social de profissões. Ampliação das oportunidades de emprego e renda

Uma premissa deste impacto é que se ocorrer ampliação dos recursos, da infraestrutura, do aumento do número de praticantes e da valorização dos profissionais do sistema esportivo, então ocorrerá também uma ampliação das oportunidades de emprego e renda na área.

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Maior atenção à EF escolar Uma discussão bastante tradicional na EF brasileira reside na existência e no tamanho das relações entre EF escolar e o desempenho do sistema esportivo competitivo. Independente das condições de verificabilidade empírica de sua existência ou dos tipos de argumento que sustentam o debate, a experiência mostra que, pelo menos para o grande público, esta é uma relação dada. Tem se tornado regular a promoção de debates públicos durante e após os Jogos Olímpicos sobre a existência ou não de aulas de EF na escola e o desempenho olímpico nacional. Seu caráter cíclico e a realização dos Jogos de 2016 no Brasil não deixam dúvidas que, ainda que superficialmente, a discussão sobre a existência de aulas e infraestrutura para a EF na escola ocupará durante algumas semanas parte da agenda nacional. POSSÍVEIS CONSEQUENCIAS NEGATIVAS

Aumento da concentração e da disputa por recursos Um sistema esportivo polimorfo significa uma diluição de impactos e recursos mais ampla e difícil de ser medida. Por outro lado, sabe-se que megaeventos esportivos exigem inversões financeiras muito elevadas em curtos períodos de tempo (PREUSS, 2000) em termos diretos e indiretos da organização dos eventos. Assim, pode-se apostar na aplicação de um raciocínio econômico e político de exame da relação custo e benefício nos momentos de decisão a respeito da alocação de recursos. Isto inevitavelmente levará a disputa pelos recursos existente, ainda que os agentes sejam movidos apenas por um princípio de precaução. Ou seja, diante da insegurança sobre a quantidade e a disponibilidade dos recursos disponíveis os agentes tendem a demandar e acumular mais recursos do que o necessário, gerando a escassez da qual tentam se proteger.



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Manutenção de ‘elefantes brancos’ ‘Elefantes brancos’ são um recorrente problema pós-evento para os organizadores. Copas do mundo e, especialmente Jogos Olímpicos, demandam uma variedade de instalações esportivas grandes e de qualidade para esportes sem tradição local e/ou um número de praticantes e aficionados que venham a garantir sua manutenção. Embora parte deste problema tenha sido solucionado com a implementação de instalações temporárias, parece que os estádios construídos para a Copa do Mundo em Natal, Cuiabá, Manaus e Brasília têm capacidade muito superior ao que normalmente comparece aos jogos de futebol, gerando grande preocupação com o sentido destes gastos e com seus custos de manutenção posteriores. No âmbito olímpico, o velódromo é caso-típico de elefante branco para a maioria das cidades-sede. Aumento da pressão por resultados

Embora os resultados olímpicos demonstrem que competir ‘em casa’ é uma vantagem, deve ser considerado que a expectativa pode ser excessiva em alguns casos. Uma consequência indesejada, mas previsível desta situação é um aumento das críticas de toda a espécie e um efeito negativo para parte do sistema esportivo. Aumento de uma visão negativa do esporte

Parece evidente que o eventual apoio popular a realização da Copa e dos Jogos no Brasil não significa apoio aos gastos para a realização deste evento e a maneira como eles estão sendo feitos. O conjunto de manifestações populares que o país viveu no ano de 2012 apresentou grandes evidências da capacidade de distinção do indivíduo comum em relação a isto. Ainda que uma análise dos

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argumentos e dos processos políticos engendrados em 2012 esteja além do alcance deste texto, é bastante razoável ter como hipótese que a consolidação da percepção dos gastos para a realização dos megaeventos esportivos como uma extravagância perdulária e/ou uma fonte de desvios de dinheiro público pode arrastar a imagem e o prestígio do esporte junto. Aumento do subemprego e do desemprego no sistema esportivo

Se tomarmos como pressuposto a existência de uma desaceleração e uma diminuição do tamanho do sistema esportivo como um todo após os megaeventos, a consequência óbvia é a diminuição do número de trabalhadores no próprio sistema. Este processo levará a um ajustamento do mercado de trabalho com um provável decréscimo da quantidade e da qualidade dos postos de trabalho, ainda que ao final do processo, restem mais empregos do que antes. Encarecimento dos custos de manutenção do sistema

A contrapartida da ampliação da quantidade e da qualidade da infraestrutura do sistema esportivo para atender as demandas existentes é o encarecimento de seus custos de manutenção. Instalações maiores e mais sofisticadas geram também custos maiores para serem mantidas. Mesmo em países com maior abundância de recursos, este é um problema de racionalidade econômica. Isto indica a necessidade de planejamento de longo prazo para a captação de recursos (que podem se tornar escassos). Legitimação da lógica competitiva na EF escolar

Uma consequência negativa do aumento do interesse pela EF escolar pode estar exatamente na consolidação da noção de que as



Da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos |

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aulas de EF na escola têm como missão ser a base do sistema esportivo de alto rendimento. Isto se dá pelo fato de esporte de rendimento e sistema escolar terem lógicas fundamentalmente diferentes. A lógica do sistema esportivo de competição é a da seleção e da exclusão, enquanto que a lógica da escola é a da inclusão. A transformação das aulas de EF na escola em etapa inicial de seleção esportiva teria efeitos deletérios para a EF enquanto atividade escolar, pois implica em pensar que ela se ocuparia em identificar, selecionar e promover os mais aptos e dedicados em um ambiente cuja função social não é exatamente esta. CONCLUSÕES

Diante da condição de existência de consequências positiva e negativas da realização dos megaeventos esportivos, a conclusão é que se deve evitar tanto aceitações automáticas quanto rejeições pré-concebidas, mas assumir a complexidade tanto dos eventos em si, quanto de suas relações e impactos em diferentes instâncias e atores da sociedade. A partir deste ponto de vista, me parece que 4 elementos são importantes de serem observados. Em primeiro lugar, um planejamento de caráter amplo e detalhado, com diagnóstico, visão, metas, objetivos, meios e estratégias, de modo a diminuir as chances de problemas e a ocorrência de efeitos não previstos ou desejados. No caso dos Jogos Olímpicos de 2016 a preparação brasileira começou após a candidatura ‘independente’6 de Brasília para dos Jogos Olímpicos de 2000. Sem entrar em maiores detalhes para o momento, esta preparação envolveu a atração de eventos esportivos internacionais para o país e a candidatura e organização dos Jogos Panamericanos de 2007, além de uma série de outros detalhes. Além disto, como mencionado acima, existe por 6 Sem o apoio do governo brasileiro e a gestão do Comitê Olímpico Brasileiro.

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parte do COI toda uma estratégia de transferência de conhecimento de preparação e realização dos Jogos que diminuem bastante as margens de erro. O mesmo, contudo, não pode ser dito da organização da Copa do Mundo. Apesar de existirem diretrizes e padrões definidas pela FIFA, a organização da Copa do Mundo no Brasil experimentou um processo de indefinição bastante grande até que se definisse uma matriz de responsabilidades. De qualquer modo, ambos os processos caracterizam-se por processos de decisão ‘de cima para baixo’, com baixo envolvimento de muitos agentes do sistema esportivo. Por outro lado, isto não exclui a responsabilidade ou a necessidade de proatividade daqueles interessados diretamente ou indiretamente nos megaeventos esportivos. Deve-se reconhecer que muito foi feito e que muitas oportunidades foram perdidas também. Isto, contudo, não invalida a proposição de que esta janela de oportunidade ainda está aberta. Ela será bem aproveitada por aquelas pessoas e instituições que se planejarem e se prepararem adequadamente para minimizar os problemas e maximizar as consequências positivas. A produção de conhecimento também é elemento chave nesta questão. Seja como produção de dados para o sistema, seja como contraponto crítico, é importante que a academia se envolva nesta questão. De fato, nossa tradição acadêmica situa-se mais na posição francesa do intelectual como pensador da sociedade do que na posição americana do scholar como o especialista altamente capacitado que é solicitado a auxiliar na solução de problemas. Uma vez que o sistema político-administrativo do esporte apresenta grande distância do mundo acadêmico, não existe nenhuma garantia de que o conhecimento produzido a partir de investigações sobre este tema possa fundamentar o planejamento e a administração do sistema esportivo. No âmbito das administrações públicas o quadro não é muito diferente, embora devam ser reconhecidas algumas ações de aproximação entre entes da administração pública federal e os centros e núcleos de pesquisa em ciências do esporte.



Da Copa do Mundo aos Jogos Olímpicos |

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Todavia, se existe algo que pode aproximar a academia da política é o fato que ambas cultivam o debate. Isto é particularmente importante quando consideramos o tamanho, o alcance, a complexidade e os custos de eventos como estes. O debate continuado parece ser uma força de mediação possível para assegurar a aproximação do cálculo e da gestão eficiente dos meios à promoção dos fins e valores sociopolíticos que se estabeleçam como majoritários. O ano de 2012 representou uma mudança dramática na percepção social sobre os megaeventos esportivos no Brasil. De ‘diplomas de país desenvolvido’, como disse o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando da escolha do Rio para sede dos Jogos de 2016, a Copa e os Jogos se tornaram símbolos do desperdício de recursos, de corrupção e de inversão de prioridades. Dolorosamente, a sociedade aprenderá que as mobilizações vieram tarde demais, pois as consequências de não fazê-los será bastante pior do que o oposto em face dos gastos já executados e contratados, além dos danos à imagem do país. Ainda que parte dos argumentos contra a realização da Copa e dos Jogos sejam maniqueísmos fáceis, politicamente manipulados ou baseados em dados errôneos, muitos dos argumentos favoráveis também eram. A evidência que muitas cidades e países continuam disputando a realização dos Jogos – mas não da Copa – nos dá indicadores para pensarmos que este realmente é um bom evento de se realizar, com ganhos sociais, econômicos e políticos. O que sobra então é aquele que defino como o quarto elemento importante: a necessidade de luta por transparência e controle social nos marcos da democracia representativa.

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BRASIL OLÍMPICO: UM ENSAIO CRÍTICO SOBRE A POLÍTICA ESPORTIVA VOLTADA PARA RIO 2016 Silvestre Cirilo dos Santos Neto1 Lamartine Pereira DaCosta2 Flávia da Cunha Bastos3 Leonardo José Mataruna dos Santos4

INTRODUÇÃO

F

altando pouco mais de dois anos para o fim da chamada década de ouro do esporte brasileiro, ainda se discute o retorno que os megaeventos trazem para o esporte, objeto destes espetáculos. O primeiro evento da série de megaeventos foram os XV Jogos Pan-americanos, realizados na cidade do Rio de Janeiro, em 2007. Entretanto essa escolha foi realizada em 2002, época que estrategicamente o Brasil herdou os Jogos Sul-Americanos que seriam realizados na Colômbia e que, por falta de segurança, foram cancelados. O referido episódio de transferência do evento para o Brasil ocorreu depois da crise deflagrada pelo governo colombiano que perdeu forças para as FARCs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) ao explodirem oito bombas em Bogotá um dia antes de uma reunião da Organização Desportiva Sul-Americana (ODESUR) que ocorreria no Paraguai. Vale destacar que os Jogos já haviam sido adiados após uma reunião no Rio de Janeiro no inicio de 2002, e que pode ser considerado com um momento decisivo para o inicio da longa jornada de eventos que vive o país. Naquele momento, o

1 2 3 4

Doutorando em Educação Física UERJ – Centro de Estudos Olímpicos. UERJ - Centro de Estudos Olímpicos / University of East London. GEPAE – Grupo de Estudos em Gestão do Esporte/LATECA – EEFEUSP. Marie Curie Research Fellow - ARIES 2013 – 2948180 – LONRIO / Centre for Peace and Reconciliation Studies (CPRS) - Coventry University; Programa Avançado de Cultura Contemporânea- PACC - UFRJ / Centro de Estudos Olímpicos – UERJ.

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Brasil recebeu emergencialmente um megaevento, que foi considerado na epoca como um dos mais bem organizados até aquela data. Desde então, o país colocou o esporte e a acolhida aos megaeventos na agenda governamental. A criação do Ministério do Esporte foi um dos marcos da gestão do esporte no país, pois, pela primeira vez, o setor contaria com um órgão exclusivo para a sua gerência. O país que havia tentado, até então, sediar por três vezes os Jogos Olímpicos (1936, 2000, 2004) já havia recebido os Jogos Olímpicos Latino-Americanos em 1922 (Jogos do Centenário da Independência do Brasil), uma Copa do Mundo (1950), a Universíade (1963) e os Jogos Pan-americanos (1963), e voltou, assim, a almejar o sonho de transformar-se em país Olímpico. Com os Jogos Pan-americanos de 2007 sendo visualizados como “escada” para a candidatura Olímpica, o país passou a seguir um planejamento ousado atendendo a acordos institucionais, parcerias estratégicas, alianças políticas, transferência de conhecimento de especialistas internacionais para o seu objetivo final: o de sediar os Jogos Olímpicos para toda uma América Latina. Esse tipo de propósito ocorreu também em 2010 com a Africa do Sul que, ao receber a decisão de país sede, se comprometeu em organizar um megaevento para todo o continente africano, o que, de fato, não ocorreu (MATARUNA-DOS-SANTOS; GODWIN, 2014). Para o ano de 2012 tentou-se, prematuramente, sediar os XXX Jogos Olímpicos da Era Moderna, mas a avaliação do Comitê Olímpico Internacional (COI) levou os gestores brasileiros a serem instados a provarem a capacidade de organizar um evento desse porte. Isso foi feito e os Jogos Pan-americanos Rio 2007 foram executados nos moldes requeridos para os Jogos Olímpicos pela primeira vez na história do evento. Nem os atrasos nas obras de infraestrutura foram capazes de menosprezar a realização do evento. No campo esportivo, o país alcançou o terceiro lugar, sugerindo que o sucesso esportivo havia aportado finalmente no Brasil.



Brasil Olímpico |

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Concomitantemente, 2007 se configurou como um ano pródigo, pois o país foi escolhido para sediar os Jogos Mundiais Militares no ano de 2011 e a Copa do Mundo de Futebol, em 2014. Em relação à Copa do Mundo, o sucesso esportivo mais uma vez foi assumido pelo imaginário social, principalmente escudado pela derrota em 1950. Já em relação aos Jogos Militares, o país buscou um reposicionamento na competição, revendo sua estratégia e, alcançou a liderança no quadro de medalhas do evento, sendo considerado mais um caso de sucesso esportivo. Importante destacar que a nação que coleciona mais medalhas nesse evento em todas edições já realizadas, a Rússia (contando também o tempo como União Soviética), não participou do mesmo por razões desconhecidas e não explicadas com detalhes ao público brasileiro. Esse aspecto colaborou para que o Brasil terminasse o evento na primeira colocação no quadro de medalhas. Nesse meio tempo, em 2009, o Brasil, através da cidade do Rio de Janeiro, foi escolhido como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Um ano antes, em 2008, o país alcançou a conquista de 15 medalhas, número igual ao da edição de Atlanta 1996. Em 2012, nos Jogos de Londres, o país conquistou 17 medalhas e essa passou a ser considerada a melhor participação do país na competição. Mas, todas essas provas de sucesso esportivo são preditoras de vantagem competitiva do país? Esse pretenso sucesso esportivo seria em função de uma política esportiva construída e planejada para tal? RESULTADO ESPORTIVO DO BRASIL OLÍMPICO

O Brasil entrou em cena nos Jogos Olímpicos em 1920 na edição realizada na cidade de Antuérpia na Bélgica. Já nessa primeira participação, o país conquistou sua primeira medalha de ouro no tiro esportivo. Destacam-se dois fatores sobre essa conquista, conforme apontam Cancella e Mataruna-dos-Santos (2013): o primeiro

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medalhista de ouro do país foi um atleta militar, o então Tenente Guilherme Paraense do Exército Brasileiro, em uma especialidade profissional, o tiro; o segundo fator é conjuntural e pode ter influenciado no alcance de tal resultado: durante o trajeto para a Europa, os atletas perderam seus equipamentos e armamentos (ou foram furtados – há relatos históricos diversificados sobre o episódio) e competiram com equipamento mais moderno e de qualidade superior que fora emprestado por militares norte-americanos. Cabe ressaltar que era uma época na qual poucos esportistas se aventuravam nesse tipo de competição, principalmente por terem que deslocar-se durante semanas em navios. Nessa edição, por exemplo, apenas vinte e um brasileiros competiram, sendo menos de 10% da delegação presente em Londres 2012. Naquele período, o esporte era comandado pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e não havia qualquer regulamentação através da legislação vigente. Tal fato pode ser percebido quando do envio de duas delegações para os Jogos de Berlim 1936. A CBD e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) enviaram delegações e, por pouco, o país não foi impedido de participar do evento (COB, 2004). Deve-se ressaltar que a conquista de 1920 só foi superada, em termos comparativos, na edição realizada em 1984, nos Jogos de Los Angeles. A busca por resultados desde os anos 1930 foi retratada por Mazzoni (1941), principalmente no que tangia a extensão territorial do país perante outros países de dimensões e população menor, porém com resultados melhores. Levando-se em conta a avaliação através das questões socioculturais (DE BOSSCHER et al., 2008), para realizar a comparação dos resultados Olímpicos entre países, os autores utilizaram o Market Share, um índice que permite a análise através de uma série histórica, mesmo com as diferenças percebidas no número de países participantes, número de modalidades e eventos em disputa e número de atletas presentes (Tabela 1). Outro item abordado é o nú-



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mero de pontos, premissa do Market Share e que é obtida através do produto das medalhas (ouro, prata e bronze) por pontos (3, 2 e 1, respectivamente) e dividido pelo número de pontos em disputa em cada edição da competição. Nota-se que a discrepância entre os itens poderia contaminar uma possível comparação com os dados obtidos e, por isso, utiliza-se o índice calculado através do Market Share. Tabela 1: Resumo das informações sobre participantes em cada edição dos Jogos Olímpicos desde 1920. Sede

Ano

Antuérpia

1920

Amsterdã

1928

Paris

Los Angeles Berlim

Londres

Helsinque

Melbourne Roma

Tóquio

Cidade do México

Munique

Montreal Moscou

Los Angeles

Seul

Barcelona

1924 1932 1936 1948 1952 1956 1960 1964 1968

1972

1976 1980 1984

1988

1992

pontos Nº eventos Nº Esportes Nº países Nº Atletas 944

154

22

29

2.626

655

109

15

46

2.883

757 694 776 822 909 928 914 997

1045

1185

1208 1243 1359

1455

1592

126 116 129 136 149 145 150 163 172

195

198 203 221

263

286

17 14 19 17 17 17 17 19 20

44 37 49 59 69 72 83 93

112

3.089 1.332 3.963 4.104 4.955 3.314 5.338 5.151

5.530

23

121

7.170

21

80

5.179

21 23

27

32

92

140

160

170

6.028 6.829

8.391

9.356

Atlanta

1996

1657

271

26

197

10.320

Atenas

2004

1832

301

28

201

10.625

Sydney

Pequim

Londres

2000

2008

2012

1829

1865

1870

300

302

302

28

28

26

199

204

204

10.651

10.942

10.820

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Na Tabela 2, os dados demonstram que o Brasil apresentou resultados inconstantes até Sydney 2000. Deve-se ressaltar que esta edição foi a primeira com um Ciclo Olímpico completo sob a gestão de Carlos Arthur Nuzman, eleito presidente do COB em 1995. Desde então, o país apresenta-se numa crescente, como pode ser observado no gráfico 1.

Tabela 2: Resultados e Market share do Brasil nos Jogos Olímpicos desde 1920. Edição

1920 1924

1928

1932

1936

Ouro 1 0

0

0

0

Pts 3 0

0

0

0

Prata

1 0

0

0

0

Pts 2 0

0

0

0

Bronze 1 0

0

0

0

Pts Total Pts

Ms

1

6

0.64

0

0

-

0

0

0

0

0

0

-

-

-

1948

0

0

0

0

1

1

1

0.12

1956

1

3

0

0

0

0

3

0.32

1952 1960 1964 1968 1972 1976 1980 1984 1988 1992 1996 2000 2004 2008 2012 Total

1 0 0 0 0 0 2 1 1 2 3 0 5 3 3

23

3 0 0 0 0 0 6 3 3 6 9 0

15

9 9

69

0 0 0 1 0 0 0

0 0 0 2 0 0 0

5

10

1

2

2 3

2 2 2 2

2

6

9

4

8

5

1

3

12

30

2

4

6 2

2

4

10 60

0 6

3 8

10

56

2 2 1 2 2 2 2 2 3 0

5 2 1 4 2 2 8

15 10 8

9

24

3

22

6 8

10 56

18 25 29

185

0.55 0,22 0,10 0.38 0,17 0,17 0.64 1.10 0.69 0.50 1.45 0.98 1.20 1.34 1.55

0.58



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Em que pese o aumento de investimento no esporte de alto rendimento, os resultados são questionados de modo inequívoco, principalmente no que tange ao aumento do montante disponibilizado em relação ao aumento de medalhas ganhas em Pequim 2008 (STORM E NIELSEN, 2010). Nas edições de 1980 e 1984 o país apresenta seus melhores resultados absolutos até então. Entretanto, essas duas edições foram marcadas pelo boicote aos Jogos Olímpicos à época. Em Moscou 1980, apenas 80 países competiram e em Los Angeles 1984, o forte bloco socialista retribuiu o boicote comandado pelos EUA quatro anos antes. Esse adendo deixa claro o risco de relativismo ao analisarmos os resultados dessas duas edições. Nas edições seguintes, Seul 1988 e Barcelona 1992, o Brasil apresentou um declínio de aproximadamente 40% quando comparado à edição de Los Angeles 1984 e, entre Barcelona e Seul, o decréscimo nos resultados alcançou 20%.

Gráfico 1: Market Share do Brasil em Jogos Olímpicos desde 1920.

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A partir dos anos 1990, com a entrada do esporte como direito no texto constitucional, o país iniciou um processo de revisão da estrutura do esporte, com a atualização da legislação esportiva, sendo uma década pródiga nas discussões acerca da revitalização do esporte brasileiro. Na edição que comemorou o centenário dos Jogos Olímpicos, na cidade de Atlanta, em 1996, no que foi considerada a maior edição da competição até então, o Brasil conquistou 15 medalhas, alcançando um índice de 1,45%. Esse aumento de quase 200% em relação à Barcelona 1992 não se explica de forma plausível, a não ser pelo fato de que foi a primeira vez em que houve uma aclimatação da delegação brasileira, a montagem da Casa Brasil e o início da profissionalização da equipe técnica do COB (COB, 2004). Neste contexto de resultados duvidosos, Carlos Nuzman, até então conhecido pelo trabalho à frente do voleibol brasileiro na Confederação Brasileira de Voleibol (CBV), passando de uma posição intermediária em 1975 para o posto de campeão Olímpico em 1992, assumiu o Comitê Olímpico Nacional com o intuito de utilizar a experiência bem sucedida da CBV no esporte Olímpico. Ao mesmo tempo em que o esporte Olímpico iniciava o seu planejamento, o país mobilizava-se para sediar uma edição dos Jogos Olímpicos (Brasília, 2000; Rio de Janeiro, 2004 e 2012). Para os Jogos de Sydney 2000, esperou-se uma campanha superior a de Atlanta, sendo três os principais motivos para a expectativa criada: (1) a melhor campanha de todos os tempos conquistada em 1996; (2) o primeiro Ciclo Olímpico completo da era Nuzman à frente do COB e, (3) o crescente “interesse” Olímpico que levou os clubes, tradicionalmente ligados ao futebol, a promoverem o esporte Olímpico. O esporte brasileiro demonstrava a incapacidade operacional de dar suporte ao projeto montado pelo COB. Posto isso, coube ao Governo Federal e ao Comitê buscarem opções para reverter esse quadro. Em 2003, como citado anteriormente, criou-se o Ministério do Esporte que, junto a ferramentas



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de financiamento público já instauradas (Lei n° 10.264) voltadas ao esporte (BRASIL, 2001), abriam-se novos caminhos para a busca da solidificação do esporte Olímpico no país. A Lei 10.264, conhecida como Lei Agnelo/Piva, destina 2% do prêmio bruto de todas as loterias para o financiamento do esporte. Do montante, 85% são destinados ao Comitê Olímpico Brasileiro e 15% destinados ao Comitê Paralímpico Brasileiro. POLÍTICA ESPORTIVA DO BRASIL OLÍMPICO

Com o projeto de tonar-se potência Olímpica, o esporte de alto rendimento do Brasil se apoia na realização dos megaeventos esportivos no país para buscar atingir patamares mais elevados no cenário internacional. Entretanto, apenas aumentar o investimento financeiro é um argumento frágil na busca desse objetivo. Como exemplos desta distorção da política de investimentos, temos a Dinamarca, que investiu para Pequim 2008 cerca de 30% a mais em relação aos Jogos Olímpicos de Atenas 2004 (STORM; NIELSEN, 2010) e o Brasil, que aumentou cerca de 250% o seu investimento financeiro, saltando de R$ 692,5 milhões para R$ 1,75 bilhões nos dois últimos Ciclos Olímpicos (RODRIGUES; JUPPA, 2012). Nos dois casos, a diferença no número de medalhas ganhas foi mínima, havendo uma inflexão no caso dinamarquês. Outro enfoque importante é o planejamento em longo prazo, que possibilitaria a estabilização e posterior crescimento constante dentro o cenário esportivo internacional. Exemplos são o Reino Unido, a China e a Austrália que, através de caminhos diferentes, visaram a melhora dos resultados dentro dos Jogos Olímpicos e alcançaram os resultados esperados quando sediaram os Jogos Olímpicos. Reino Unido e China buscaram sistematizações próprias por meios diferentes, enquanto que a Austrália se espelhou na Alemanha Oriental (BÖHLKE; ROBINSON, 2009) com o trabalho

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tendo sido iniciado nos anos 1970 (GREEN; OAKLEY, 2001; HOYE; NICHOLSON, 2009). A Austrália e o Reino Unido buscaram um novo posicionamento no cenário esportivo mundial a partir do fracasso observado nos Jogos Olímpicos de 1976 e 1996, respectivamente (FARMER; ARNAUDON, 1996; DE BOSSCHER et al., 2008; HOYE; NICHOLSON, 2009), enquanto a China busca uma consolidação do seu domínio e poder perante o resto do mundo (HONG, WU E XIONG, 2005; HONG, 2008; HONG; ZHOUXIANG, 2011). A China, sede dos Jogos Olímpicos em 2008, na cidade de Pequim, presenciou uma grande discussão sobre o investimento no esporte de alto rendimento e a relação existente entre a busca pela medalha de ouro e o esporte de massa. Entretanto, a explicação das autoridades chinesas para o crescimento técnico na década citada foi o conceito de Juguo tizhi, o qual permite que o país inteiro abasteça o esporte de alto rendimento, além de contar com um dos sistemas mais efetivos de seleção e treinamento de atletas (HONG, WU E XIONG, 2005) e, com essa filosofia, o país alcançou o primeiro lugar nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008. Cabe lembrar que o desenvolvimento esportivo da China tem o início datado dos anos 1950, não sendo fruto de uma política construída exclusivamente para os Jogos sediados em seu território (HONG, 2008). O que, em contas finais e através dessa doutrina, o país alcançou o primeiro lugar nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 (HONG, 2008). Aliado a essa política esportiva de longo prazo, apresentou-se o chamado Projeto 119, baseado no cluster esportivo que respondia por quase 50% das medalhas distribuídas e que, no entanto, havia sido responsável por apenas 20% das medalhas conquistadas pelo país em Atenas 2004 (SHIBLI; BINGHAM, 2008). A Austrália, desde meados dos anos 1950, é reconhecida por sediar eventos esportivos, como, por exemplo, o tênis, o automobilismo, o motociclismo, o críquete, o rúgbi, o Commonwealth Games e, como ápice, a realização de dois Jogos Olímpicos: Melbourne, em



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1956, o Arafura Games em 1991 e Sydney, em 2000 (FARMER; ARNAUDON, 1996; STEWART et al., 2004; GREEN; HOULIHAN, 2005; HOYE; NICHOLSON, 2009). Este país iniciou sua busca pelo sucesso esportivo quando, em 1976, nos Jogos Olímpicos de Montreal, não ganhou qualquer medalha de ouro. Cinco anos após o fracasso Olímpico, o governo australiano criou o Australian Institute of Sport (AIS), com o intuito de assistir os atletas de alto rendimento (FARMER; ARNAUDON, 1996; STEWART et al., 2004; GREEN; HOULIHAN, 2005; HOYE; NICHOLSON, 2009). Originalmente inspirada nos modelos da Alemanha Oriental e da China (BÖHLKE; ROBINSON, 2009; HOYE; NICHOLSON, 2009), a Austrália - que anos depois passou a ser vista como referência na área de desenvolvimento esportivo de alto rendimento -, obteve sucesso ao melhorar o seu desempenho durante as duas décadas subsequentes (HOYE; NICHOLSON, 2009) e com a culminância na realização dos XXVII Jogos Olímpicos, em Sydney, no ano de 2000. Entretanto, o seu desempenho vem apresentando-se aquém do esperado, como pode ser observado nos últimos Jogos Olímpicos, em Londres 2012. Já o Reino Unido apresenta uma característica particular em eventos internacionais, que é a reunião de quatro países: Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte (HOULIHAN, 1996). A intervenção governamental no esporte britânico cresceu a partir dos anos 1970, com a criação do GB Sports Council. A ênfase dada até meados dos anos 1990 era a do Sport for All (DACOSTA; MIRAGAYA, 2002; GREEN, 2004). No entanto, com o fraco resultado alcançado em Atlanta, reviu seus objetivos e buscou priorizar os programas voltados ao desempenho e a excelência através do recém-criado Fundo da Loteria Esportiva (HOULIHAN, 1996; GREEN, 2004; DE BOSSCHER et al., 2008; HOULIHAN, 2011). Com a criação do World Class Performance Program (WCPP), em 1997, voltado à melhoria do esporte de alto rendimento (GREEN, 2004), os britânicos pro-

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moveram um turning point que permitiu ao país sair da trigésima sexta colocação no quadro geral de medalhas, com apenas 15 medalhas, sendo uma de ouro, oito de prata e seis de bronze (CARDOSO, 2000), culminando com o terceiro posto na última edição dos Jogos Olímpicos. Este avanço teve lugar por meio de 65 medalhas conquistadas em 2012 em 19 modalidades (LONDON 2012, 2012), sendo o foco do programa o apoio a atletas com reais chances de medalha, assim como o desenvolvimento daqueles com capacidade de obter a vitória e, por último, a identificação e desenvolvimento de talentos visando a alimentação da cadeia produtiva Olímpica (DCMS/STRATEGY UNIT, 2002). Posto isso, voltemos ao cenário brasileiro, no qual, em 2012, foi lançado o Plano Brasil Medalhas 2016, cujo objetivo é o de colocar o Brasil entre os 10 primeiros países nos Jogos Olímpicos e entre os cinco primeiros nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Segundo o plano, “serão investidos R$ 1 bilhão a mais no próximo ciclo olímpico, entre 2013 e 2016”, sendo: dois terços provenientes do Orçamento Geral da União (OGU) e um terço de investimentos de empresas estatais. Os esportes prioritários no Plano Brasil Medalhas 2016 visando os Jogos Olímpicos de Verão: Águas abertas (novo nome para maratona aquática) e Natação; Atletismo; Basquetebol; Boxe; Canoagem; Ciclismo BMX; Futebol feminino; Ginástica artística; Handebol; Hipismo (saltos); Judô; Lutas; Pentatlo moderno; Taekwondo; Tênis; Tiro esportivo; Triathlon; Vela; Vôlei de quadra e Vôlei de praia (BRASIL, 2012b). Foi declarado pelo Comitê Olímpico Brasileiro que o Judô é um dos principais carros chefe dos Jogos Olímpicos Rio 2016, de acordo com o pronunciamento à imprensa nacional registrado e divulgado por Mendes (2012). Os atletas já trabalham com esta meta desde antes de terminarem os Jogos Olímpicos de Londres 2012, como mostra Faber (2012), enquanto a comissão técnica da modalidade já traça metas de uma medalha em cada uma das 16 categorias de peso (BALDINI JR, 2013).



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Concomitantemente, foi lançado o edital de chamada pública, oriundo da Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento (SNEAR), que compreende ações voltadas à preparação dos atletas, preparação e organização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos 2016, capacitação de recursos humanos para o esporte de alto rendimento e o apoio à implantação de infraestrutura para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos 2016, dentro do Programa Esporte e Grandes Eventos Esportivos (BRASIL, 2012a). Esse último programa se insere na verba de R$ 1,5 bilhões destinados ao esporte de rendimento no quadriênio 2013-2016 que, somados ao montante de R$ 1 bilhão destinado ao Plano Brasil Medalhas, resulta num investimento direto de R$ 2,5 bilhões pelo governo federal neste período, demonstrando pelo seu porte inédito a “estatização” do esporte aqui presumida anteriormente. Adicionalmente a esse montante financeiro indisputável historicamente, o esporte brasileiro conta na atualidade com outras fontes de financiamento, tais como a Lei de Incentivo ao Esporte, a Lei Agnelo/ Piva, a Loteria, o Programa Bolsa Atleta. Nesse ínterim, entre a conquista em 2002 para sediar os Jogos Pan-americanos, já vislumbrando a possibilidade de usar esta competição como um requisito para sediar uma edição dos Jogos Olímpicos, e a redação deste texto, em 2014, não se pode garantir, todavia, uma especificidade de foco nos investimento ‘estatizantes’ voltada exclusivamente aos Jogos Olímpicos Rio 2016, ao estilo dos programas de sucesso antes aqui postos em relevo No Quadro 1, observam-se programas e ações identificados a partir dos nove pilares propostos por De Bosscher et al. (2008) no método SPLISS.

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Quadro 1: Programas e ações baseados nos nove pilares do método SPLISS. PILARES

Suporte financeiro

PROGRAMAS/AÇÕES

Programa Atleta Pódio (ME); Lei Agnelo/Piva (ME/COB); Lei de Incentivo ao Esporte (ME); Loteria (ME); Plano Brasil Medalhas (ME).

Autoridade Pública Olímpica; Empresa Olímpica Municipal; Organização e estruCurso Fundamentos da Administração Esportiva (COB); Curso tura para políticas do Administração Esportiva (COB); Curso Avançado de Gestão Esesporte portiva (COB). Participação e esporte Programa Segundo Tempo (ME); Centro de Iniciação ao Esporte de base (ME). Identificação de talentos e sistemas de de- Programa Atleta na Escola (ME), Rede CENESP (ME). senvolvimento

Suporte para atletas e Programa de Apoio ao Atleta (COB); Programa de Preparação de pós-carreira Atletas (COB); Programa Atleta Pódio (ME). Instalações esportivas Plano Brasil Medalhas (ME); Centros de Treinamento.

Desenvolvimento e su- Academia Brasileira de Treinadores (COB); Programa de Desenvolporte para técnicos vimento (DET/IDT) (COB). Competições nacionais Não encontrado. e internacionais Pesquisa científica

Não encontrado.

ME (Ministério do Esporte); COB (Comitê Olímpico Brasileiro)

Como foi possível observar a partir dos dados coletados para o Quadro 1, pouco foi planejado especificamente a partir e para os Jogos Olímpicos Rio 2016. Só para lembrar, a China idealizou o Projeto 119 visando Pequim 2008 e Londres 2012, desde 1997, ou seja, conta com um conjunto de ações voltados aos Jogos Olímpicos. Não se percebeu uma ação coordenada, a não ser o Plano Brasil Medalhas, lançado em 2012 e que busca incrementar o orçamento previsto para este ciclo Olímpico – de R$ 1,5 bi para R$ 2,5 bi com a adoção desse plano (BRASIL, 2012b).



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O plano em voga é voltado principalmente ao posicionamento do quadro de medalhas (ficar no Top 10) e garantir ao atleta um suporte à montagem do seu staff. Esse plano contraria estudos (DUFFY et al., 2001; GREENLEAF et al., 2001; GOULD et al., 2002; CONZELMANN; NAGEL, 2003; GIBBONS et al., 2003; DE BOSSCHER et al., 2008; BÖHLKE; ROBINSON, 2009), nos quais foram levantadas junto aos atletas as suas necessidades para a busca do sucesso esportivo. A “estratégia” apontada no documento volta-se para o crescimento do número de medalhas conquistadas nas modalidades já ativadas e a conquista de medalhas em modalidades sem esta tradição. A esta estratégia foram dados os nomes de crescimento intensivo e crescimento extensivo, respectivamente (BRASIL, 2012b). Dos programas e ações sinalizados, podemos destacar o Programa Atleta Pódio, que visa contemplar o atleta Olímpico com valores de até R$ 15.000,00 para auxiliar na montagem do seu treinamento e na construção de centros de treinamento. Em dois importantes pilares não se identificou programas ou ações coordenadas: competições e pesquisas científicas não foram contempladas como variáveis estratégicas nesse “planejamento” para 2016. Mesmo tendo sido noticiado que no ano de 2013 o país teve o melhor desempenho em campeonatos mundiais das modalidades Olímpicas, no início de 2014 o país não se fez representar, por exemplo, no Campeonato Mundial de ciclismo realizado na Colômbia, modalidade que ofereceu 54 medalhas em Londres 2012. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há pouco mais de dois anos da realização dos Jogos Olímpicos, o Brasil não demonstra ter se preparado esportivamente para a competição. Mazzei et al. (2012) relatam a importância desse preparo prévio para maximizar o home advantage e justificar todo o inves-

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timento feito através de um megaevento esportivo. Os autores ressaltam a importância da existência de programas duradouros, que criem vantagem competitiva para o país. Ao analisar os programas frágeis voltados, basicamente, a um resultado de curtíssimo prazo, analisam que o Brasil possui uma forma assistemática no que se refere a programas de desenvolvimento do esporte, estando aquém quando feito o benchmarking com outros países de reconhecida notoriedade Olímpica. Os projetos para a construção de centros de treinamentos estão sendo desenvolvidos pela entidade suprema do esporte federativo e confederativo nacional. Entretanto, com certo atraso para a meta de representatividade que o Brasil busca enquanto país sede. Faz-se importante destacar que os Jogos Olímpicos possuem uma dimensão tal que não permite que seus parâmetros sejam comparados com os dos Jogos Pan-Americanos, por exemplo, motivo pelo qual os autores reforçam a necessidade de maior cuidado não só na preparação das instalações, mas, sobretudo, na condução da formação e treinamento de atletas de alto rendimento. Pelo exposto anteriormente, os indícios levantados desse pretenso sucesso esportivo do Brasil após Londres 2012 não indicam que o país tenha criado uma vantagem competitiva na área de esportes Olímpicos. Tendo em vista o que países como China, Austrália e Reino Unido, em se tratando de eventos Olímpicos de Verão, planejaram para o legado de conquista de resultados, o argumento do país torna-se demasiadamente frágil, não sendo preditor do que será alcançado em 2016. O resultado esportivo possivelmente alcançado, provavelmente, será mais uma conquista individual, ou de programas confederativos de uma ou outra modalidade, do que fruto de um planejamento elaborado em nível nacional. Vamos ao debate?



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CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ESPORTE BRASILEIRO NO INTERSTÍCIO OLÍMPICO LONDRES 2012 - RIO DE JANEIRO 2016 Marcos Bezerra de Almeida1

INTRODUÇÃO

P

assada a euforia das disputas nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, podemos agora fazer uma avaliação dos eventos ocorridos com a delegação brasileira em Londres, suas causas e consequências para 2016. Quem assistiu os Jogos consultando sistematicamente os comentários e opiniões postados no twitter, facebook e nos mais diversos blogs brasileiros, ficou com a impressão de que ganhar uma medalha olímpica é fácil, muito fácil, tamanha foi a quantidade de críticas ao desempenho dos atletas brasileiros nas terras britânicas. Terá sido essa nossa pior participação olímpica? Não, não foi. Tampouco mostramos evolução esportiva esperada em resposta ao investimento feito. Parece que daí é que surgem os grandes desdobramentos que têm alimentado os debates atuais. Como devemos avaliar criticamente, sem ufanismos nem “cornetagens”, o desempenho do “Time Brasil” em Londres? Quais os caminhos para nos tornarmos uma potência olímpica? Quais são as barreiras ao desenvolvimento esportivo nacional? Será que nossos atletas não aguentam a pressão por resultados e se desestabilizam emocionalmente? Esses são questionamentos tanto recorrentes como pertinentes.

1 Professor Doutor do Departamento de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe.

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BREVE ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA EM LONDRES 2012 O lendário lema dos Jogos Olímpicos “O importante não é vencer, mas competir!” parece ter sido interpretado de forma equivocada por muitos anos. O velho Barão de Coubertin certamente não ficaria satisfeito se seus esforços para reeditar o maior evento esportivo do planeta se resolvessem numa pura e simples participação nas provas. Competir é disputar, e é fazer o possível para conseguir o lugar mais alto do Olimpo. Ganhar ou perder são consequências de um aglomerado de circunstâncias que precisam atuar concomitantemente para que o sucesso seja possível. Por exemplo, o nadador Bruno Fratus saiu das piscinas sem medalha no peito, mas fez o melhor tempo de sua vida nos 50 m livre. No atletismo, a equipe de revezamento 4 x 100 m feminino bateu o recorde sulamericano da prova, mas não foi suficiente para a medalha olímpica. O handebol feminino também não passou das quartas de final, mas passou a ser vista com respeito pelas principais potências europeias da modalidade, o que culminou com a inédita conquista do Campeonato Mundial na Sérvia no ano seguinte. Devemos considerar estes resultados em Londres como sucesso ou fracasso? E estes outros: Maurren Maggi teve um ciclo olímpico irregular e intermediado por lesões repetidas e uma intervenção cirúrgica. Por essa razão, não se esperava medalha, mas nossa saltadora de ouro em Pequim fez falta na final do salto em distância, no mínimo para causar pressão nas adversárias. Fabiana Müren era a mais forte candidata à medalha, visto seu retrospecto recente nos campeonatos mundiais do salto com vara. Contudo, foi eliminada ainda na primeira fase, após desistir do último salto. Na época, muitas críticas à sua decisão de não saltar foram feitas. A atleta alegou que no momento do salto houve uma mudança climática importante (ventos fortes) que a impediram de tentar o movimento. Os críti-



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cos questionaram seu lado emocional, sugerindo que a atleta teve medo, ou o popular “amarelão” na hora da prova. Não temos base suficiente para afirmar que foi isso que ocorreu, e, desta forma, no mínimo, deve ser concedido o benefício da dúvida a uma atleta que mostrou-se bastante eficiente em outras competições contra essas mesmas adversárias. Vale ressaltar que as condições do vento não são necessariamente as mesmas para todas as competidoras, visto que cada uma salta em um momento diferente. Da mesma forma, é importante reconhecer que ser atingida por uma rajada de vento a 5 m de altura suspensa por uma vara flexível aumenta sensivelmente as chances de uma queda perigosa e até mesmo fatal. Por outro lado, as críticas a respeito de sua postura parecem ter maior fundamento. Ainda que cada atleta possa sentir e interpretar seus resultados de forma particular, considerar como algo normal não ter tido a oportunidade de disputar um lugar no pódio após quatro anos de treinamento e expectativas, causa, no mínimo, estranheza. Em contraste com a postura da saltadora, a velocista Rosângela Santos, que foi a primeira brasileira na história a conseguir vaga na semifinal olímpica dos 100 m rasos, e que perdeu a semifinal para as futuras medalhistas de ouro e prata da prova, concedeu uma entrevista ao vivo na qual mostrou-se profundamente incomodada com o fato não ter chegado à final (não quis nem mesmo “mandar um recado” a seus familiares que assistiam ao vivo pela TV). Para muitos críticos pode ser incompreensível a ideia de que um atleta olímpico não tem obrigação de ganhar medalhas, mas que na verdade deve ter o mais intenso desejo de conquistá-la. E quando você deseja algo de verdade, faz o possível para conquistá-lo. E de acordo com John Wooden, um dos maiores treinadores de basquetebol da história: “Sucesso é a paz de espírito proveniente da consciência de que você fez todo o esforço possível para se tornar o melhor dentro do seu potencial” (WOODEN; JAMISON, 2010).

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Por falar em basquete, é possível que muitos não tenham dimensionado adequadamente o que representou a simples classificação da equipe masculina para Londres. Se a classificação não fosse efetivada, o basquetebol brasileiro perderia não apenas mais quatro anos, mas sim oito anos para se reerguer, pois a classificação do próximo ciclo olímpico (Rio 2016) era automática e entraríamos desacreditados disputando por sermos os anfitriões. E depois de três ciclos olímpicos de ausência (evitemos a conta de “16 anos fora dos Jogos”, visto que este é um evento que só ocorre de quatro em quatro anos), a vaga olímpica precisava ser conquistada na quadra, jogando, e não por ser o país sede. Nesta perspectiva, o Prof. Wlamir Marques fez certamente o mais lúcido e atento comentário sobre a equipe brasileira nos Jogos ao ressaltar que não fomos a Londres para ganhar medalha, e sim para resgatar a imagem do basquetebol brasileiro no cenário internacional. Contudo, a péssima campanha na Copa América em 2013, voltou a deixar dúvidas quanto à base do trabalho para os resultados ao longo dos próximos dois ciclos olímpicos. O basquetebol feminino por sua vez, segue desacreditado. Depois de uma década de prestígio internacional, ao longo dos anos 1990, a modalidade enfrenta uma crise de difícil contorno em curto prazo, pois não temos adversários na América do Sul, o que mascara sobremaneira as limitações de nossas equipes. Urge a necessidade da criação de uma Liga Sulamericana de clubes forte, além da instauração e intensificação do intercâmbio com países europeus. E ao mesmo tempo, faz necessário que a Liga de Basquete Feminino se estabilize. Duas modalidades parecem ter encontrado soluções para enfrentar os desafios do desenvolvimento esportivo. O judô levou 14 atletas a Londres, colocou 11 deles entre os oito melhores do mundo e ainda se fez presente em quatro pódios. O vôlei (quadra + praia) disputava seis medalhas, ganhou quatro, e mais, continua a manter-se entre os seis primeiros do mundo desde de 1980 no



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masculino e de 1988 no feminino. Foram 11 medalhas somente nas últimas três edições de Jogos Olímpicos, sendo quatro ouros. Na praia, que é modalidade olímpica desde 1996, o Brasil nunca deixou de marcar presença nas cerimônias de premiação. O vôlei em tese tem as mesmas dificuldades e limitações operacionais que o basquetebol ou handebol, inclusive a disputa cultural de público com o futebol. Mas como o vôlei conseguiu atingir e permanecer na elite mundial do esporte e o basquete não? A Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) tem um centro de treinamento especializado e bem estruturado, cursos de capacitação de professores e treinadores em todo o país, planejamento comercial (marketing) eficiente, e de forma mais ousada, a recém-criada Universidade Corporativa do Voleibol2, que pretende formar profissionais para as mais variadas funções associadas à excelência da performance da modalidade no país. A Formação de Técnicos Desportivos no Brasil

Em breve fecharemos um ciclo de 10 anos de realização de eventos esportivos de grande porte em nossas terras. Desde 2007, quando foram celebrados os Jogos Panamericanos e Parapanamericanos do Rio de Janeiro, recebemos a incumbência de sediar Jogos Mundiais Militares, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos e Paralímpicos. Com tanto investimento público e privado, seria bastante natural que as críticas enfatizassem a questão do legado que fica para a cidade- ou país-sede, e uma das dimensões debatidas é o legado esportivo. Em relação a isso, não podemos nos limitar a pensar sobre o que fica depois dos Jogos, mas sim sobre aquilo que é feito antes dos Jogos. 2 Universidade Corporativa do Voleibol: http://www.cbv.com.br/v1/ucv/ucv.asp

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Neste sentido, muito tem sido comentado sobre a formação dos atletas em nosso país (independentemente de modalidade), e a preparação de nossas equipes para disputar os não tão distantes Jogos Olímpicos de 2016. Na época da 2ª Guerra Mundial, Winston Churchill expressava que quem falha ao se preparar, prepara-se para falhar. Entende-se, portanto, que o planejamento é a base de tudo. Esta etapa precisa ser alimentada pela experiência dos envolvidos e pela interpretação dos dados coletados ao longo de anos, sempre alicerçados por um instinto visionário e estrategista. É notória a importância da formação de árbitros e dirigentes como elementos essenciais para o desenvolvimento do esporte, mas precisamos também nos debruçar sobre a formação dos formadores de atletas, em todos os níveis e etapas do processo. Mas onde devem se formar os treinadores esportivos? Parece que a resposta é simples, mas de fato não é. As faculdades da educação física em boa parte do país sofreram modificações em seus currículos e projetos pedagógicos que acabaram por desvalorizar uma formação mais específica de seus egressos, partindo para algo mais generalista e superficial. Hoje pode-se afirmar que, salvo raras e louváveis exceções, nenhum técnico esportivo é formado pura e simplesmente nesses cursos. Se ao menos uma base teórica for estabelecida no âmbito da vida acadêmica universitária, cursos complementares tornar-se-ão o caminho obrigatório para o encerramento de sua formação. A Escola Nacional de Treinadores de Basquetebol, por exemplo, criada em 2010, foi uma boa iniciativa, à semelhança de outras escolas de técnicos, como a da Associação Brasileira de Técnicos de Futebol ou os cursos da CBV. Contudo, é necessário que haja núcleos destas escolas em cada Estado brasileiro viabilizando um acesso mais estreito à informação, com grupos de debates e apresentações de trabalhos, de modo a fazer com que os reais problemas e dificuldades enfrentadas pelos atuais treinadores venham à tona e que as possíveis soluções



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surjam com mais embasamento. A regionalização dos problemas e das soluções deve ser respeitada para que ninguém pense que a ideia que deu certo em São Paulo, Brasília ou Rio de janeiro, vai funcionar perfeitamente em Sergipe, Alagoas ou Rondônia. A formação dos formadores de atletas precisa ser a prioridade nesta etapa do processo, se não vamos continuar nacionalizando estrangeiros para cobrir as lacunas deixadas por nossas próprias falhas. No entanto, duas palavras têm de estar na ordem do dia: planejamento e paciência. Pra que tudo isso dê certo, temos que esperar o momento certo para cobrar os resultados. O Legado dos Treinadores Brasileiros

O que os treinadores esportivos brasileiros nos deixam de legado? Em anos recentes tivemos a (ingrata) oportunidade de ler e ouvir críticas sobre estes profissionais na mídia esportiva ou redes sociais, que eles não estudam, que eles não se atualizam. Após a derrota desconcertante da Seleção Brasileira para a Alemanha na Copa de 2014, esta crítica foi enfatizada nas perguntas de todas as entrevistas coletivas da comissão técnica e nas mesas redondas dos principais programas de televisão esportiva. A impressão que passa é que admitir a necessidade de se atualizar ou se reciclar pode dar margem à interpretação de um estado de inferioridade ou capacidade técnica limitada. Após a perda da vaga para a final, o técnico brasileiro se defendeu alegando que houve um “apagão de 6 minutos” dos jogadores no decorrer do jogo. No dia seguinte, ao ser indagado sobre o excessivo número de dias de folga que a equipe brasileira teve ao longo de sua preparação, o mesmo treinador sustentou a ideia de que tudo havia sido feito conforme o planejamento previamente determinado. Cabe compreender aqui que é tão igualmente equivocado rejeitar a veracidade destas justificativas, como também descartar

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a possibilidade de apesar dessas afirmativas, a visão macro do trabalho conforme supostamente planejado e executado, obter falhas e inconsistências que culminaram com a eliminação das finais. Cada treinador à sua maneira deve buscar informações para aprimorar seu conhecimento e melhorar a performance de seus atletas e equipes. As formas de atualização contemplam desde a maciça participação em cursos, clínicas e estágios não só no Brasil como também no exterior, até a aquisição de livros, acesso a sites e participação em grupos de discussão de técnicos via e-mails ou redes sociais. Vários treinadores detém a arte de perceber as mudanças surgidas no estilo de jogo de equipes diferentes ao assistir os campeonatos internacionais pela televisão ou in loco. Estes profissionais não são torcedores que vão aos ginásios ou estádios para admirar jogadas espetaculares, mas sim profundos observadores da tática, da estratégia, do uso dos fundamentos e do comportamento de técnicos, atletas e árbitros, elementos que visam à melhora do seu rendimento profissional. Por tudo isso acima, a crítica de que nossos treinadores não estudam pode não ser fiel à realidade, em diversas modalidades esportivas. Mesmo que de forma velada, não seria impensável crer que nossos treinadores leem bastante. Não obstante, também não se pode afirmar que o fazem. Entretanto, inquestionavelmente não escrevem. E essa é a principal falha. É onde permitimos escapar gradativamente a oportunidade deixar um legado esportivo para as gerações atuais e futuras do esporte brasileiro. Temos treinadores de alto nível nas mais variadas modalidades esportivas, mas com raríssimas exceções, nenhum publica seus conhecimentos. A razão apresentada para a recusa era a de não “entregar o ouro para o bandido”. É possível que isso tenha um fundo cultural. Nos EUA, por exemplo, é praticamente uma questão de honra e prestígio no meio profissional mostrar o que se sabe e o que se faz. É mais do que comum os treinadores publicarem artigos e livros, alimenta-



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rem sites e grupos de discussão, e até possuírem canais de vídeo no Youtube, dando dicas de ensino de fundamentos, de táticas defensivas e ofensivas, preparação física e tudo mais. Mostrar o que sabem nunca foi considerado por lá “entregar o ouro ao bandido”! No ano de 1994, o então técnico do time de basquetebol Chicago Bulls, Phil Jackson, esteve no Rio de Janeiro para participar de um evento e ministrou uma aula teórica e outra prática demonstrando com detalhes o sistema de jogo ofensivo que ele adotava em sua equipe. Não foi algo superficial para tapear os espectadores e fingir que os ensinava. Foi legitimamente o ataque do Chicago Bulls. Quem assistiu às aulas e costumava ver o time jogar, sabe que não faltou nada sobre o assunto. Digite qualquer elemento do basquetebol, por exemplo, no Google ou no Youtube e você descobrirá uma infinidade de sites, livros, artigos e videoaulas bem explicadas e detalhadas sobre seu assunto. Todavia, no Brasil, com exceção do livro “Basquetebol: sistemas de ataque e defesa” do Prof.º Walter Carvalho e do livreto (sem editora ou ISBN) “Os dez mandamentos do basquetebol moderno” do Prof.º Waldir Boccardo, todos os demais treinadores que publicaram livros por aqui se dedicaram à iniciação esportiva, mesmo aqueles que só trabalham com o alto rendimento. Curiosamente, o único técnico em atividade no país que tem autoria sobre basquetebol de alto rendimento é o argentino Ruben Magnano, comandante da seleção brasileira masculina. Magnano é o único treinador sulamericano a ser autor de um capítulo no prestigiado “NBA Coaches Playbook”, o livro dos técnicos da Liga Profissional Americana de Basquetebol (NBA). Após uma sequência de atuações de um irreconhecível baixo desempenho, a seleção masculina de basquetebol terminou em último lugar na classificação geral da Copa América 2013, com quatro derrotas e nenhuma vitória. No retorno ao Brasil, o técnico da equipe transferiu parte da culpa para a ausência dos jogadores brasileiros que atuam na NBA.

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Seu comando sobre a equipe, que até um antes era incontestável, passou a ser considerado inadequado aos olhos de muitos críticos, a maioria, técnicos de basquetebol brasileiros, alegando que não precisamos de treinadores estrangeiros. O Brasil, como uma pretensa potência olímpica em desenvolvimento, precisa aprender a passar a informação que adquiriu ao longo dos anos pelos mais variados meios para multiplicar e perpetuar o conhecimento. O Intercâmbio com Técnicos Estrangeiros

Um outro aspecto a se considerar é relativo à alta resistência acerca da contratação de técnicos estrangeiros para dirigir clubes brasileiros. As justificativas pairam entre a sensação de demonstrar que não temos capacidade técnica suficiente, e a aparente desvalorização dos treinadores brasileiros em relação aos de outros países. Precisamos buscar um meio termo entre os sentimentos de xenofobia e colonização. Qual o mal que nos faz ter treinadores estrangeiros em nossos clubes? Será que não há nada a aprender com estes profissionais? No final dos anos 1980, a seleção brasileira de vôlei já foi dirigida por um treinador coreano, Young Wan Sohn, que teve passagem curta e mal sucedida. Técnicos de futebol estrangeiros assumiram clubes brasileiros, também sem destaque nos anos recentes. A ginástica artística tem mantido boa sequência de descoberta de talentos e obtenção de resultados expressivos com a participação de treinadores de outros países. Entre os casos recentes com mais destaque observam-se o handebol feminino, campeão mundial em 2013 com o técnico dinamarquês Morten Soubak, e o basquetebol masculino, que retornou ao cenário olímpico com o argentino Rubén Magnano. Ao longo dos anos recentes, diversos atletas de clubes brasileiros de basquetebol



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se acostumaram a ouvir instruções em outra língua que não a portuguesa. Recentemente, duas equipes do NBB estiveram sob o comando de técnicos espanhóis. E já tivemos argentinos, uruguaios e porto-riquenhos na função. Nos faltam cursos de formação ou de aprimoramento para técnicos no Brasil. Clínicas e oficinas ministradas por treinadores brasileiros em geral são direcionadas à iniciação esportiva (mesmo quando que as ministra não trabalha na iniciação, e sim no alto nível). Ou seja, de que maneira serão viáveis o aprendizado e a formação de novos treinadores, e a atualização daqueles que já estão plenamente engajados no ofício? Alguns de nossos profissionais buscam uma formação continuada visitando centros de treinamento e fazendo cursos de técnico na Europa e EUA. Não seria mais barato e acessível aproveitar a longa estadia de um treinador estrangeiro para observar atentamente sua maneira de trabalhar? Esta seria uma oportunidade interessante para nossos treinadores (iniciantes ou experientes). A direção da equipe não se limita a definir o time titular, os tipos de defesa e as jogadas ensaiadas. Há muito mais por trás disso. Estilo de liderança, opções estratégicas, determinação de posturas, atitudes e normas de deslocamentos tanto na defesa como no ataque, são informações vitais para compor um sistema tático. Quem os acompanhar mais de perto, poderá aprender outros exercícios e métodos de treinamento. Será que em nosso “almoxarifado de informações” não há espaço para novidades? Será que estas nem mesmo existem? Será que nossos treinadores já dominaram tudo a respeito de suas modalidades esportivas a ponto de nunca se encontrarem em um eventual déficit de conhecimento? Temos treinadores de alto gabarito, por isso não devemos substituir todos. Mas também não se pode ver com maus olhos que de tempos em tempos se quebre a homeostase e se veja as coisas com outros olhos, sotaques e línguas.

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As relações entre treinadores e equipes ultrapassaram a esfera técnica. Cada treinador deve compreender que seu principal papel é o de ser um “catalisador de performance”, identificando ou criando a mais eficiente maneira de melhorar o rendimento individual de cada atleta e coletivo de sua equipe. Neste sentido, Jeff Clark, CEO do blog celticsblog.com, conduziu um interessante debate sobre o assunto. Em 28 de julho de 2014, Clark recebeu a seguinte pergunta (tradução livre): O que é mais valioso para uma equipe: um treinador que pode implementar o melhor sistema de jogo com os jogadores adequados, um treinador que pode adaptar qualquer sistema para se ajustar e valorizar os jogadores em seu elenco, ou um treinador que apesar de não ser capaz de criar um sistema, pode liderar e motivar os atletas para que suas performances superem de seu esperado nível de talento?

Como resposta, Clark destaca as experiências de três diferentes técnicos, sendo que o estilo de trabalho de cada um se relacionava diretamente a cada opção da pergunta. Os três treinadores mencionados juntos conquistaram um total de 17 títulos na NBA, mostrando que de fato, não existe uma fórmula mágica. “Acho que a coisa mais importante é conseguir o ajuste certo entre craques e treinador. Que é quase impossível prever” (tradução livre), encerra a resposta. Um Outro Lado do Esporte Brasileiro

O esporte brasileiro está prestes a mostrar ao mundo seu valor. Enquanto esperamos a conquista de medalhas e performances expressivas no Rio de Janeiro 2016, existe um outro lado do esporte brasileiro que não aparece na mídia esportiva nacional. Uma realidade bem diferente e a contraponto das intenções de trazer os



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Jogos Olímpicos e Paralímpicos para nossas terras a fim de, entre outras coisas, fomentar a prática do esporte em todas as suas dimensões (sócio-educativa, lazer ativo, promoção de saúde e qualidade de vida, alto rendimento e entretenimento popular). Quando nos afastamos dos grandes centros do país, o que observamos é a total disparidade entre as honrosas conquistas e demonstrações de superação de nossos atletas olímpicos e paralímpicos e aquilo que se propõe e pratica nas demais regiões. Vou dar o exemplo do basquetebol sergipano. Em Sergipe não existem clubes participando dos campeonatos, e quem faz o esporte de base são exclusivamente as escolas. Algumas delas. Aliás, somente quatro escolas participaram dos campeonatos estaduais de base este ano. A Federação Sergipana de Basketball (FSB) tem apenas três filiados, sendo uma escola e dois clubes, mas os clubes não oferecem o basquetebol em sua grade de atividades aos sócios. Em um deles inclusive, o teto do ginásio desabou em 2006 e nunca mais foi restaurado. É difícil administrar o esporte se a Federação não tem arrecadação. E em função da ausência dos clubes, para organizar a tabela do campeonato, a FSB precisa contar com a nem sempre possível disponibilidade de quadras em escolas, no Sesc/Sesi ou no Ginásio Estadual (enorme e sempre vazio para nosso público). Os jogos acontecem em rodada única, todos na mesma quadra. Não temos jogos ocorrendo concomitantemente em vários ginásios. Isso afeta até o número de árbitros no quadro da Federação. Não adianta ter árbitros demais se os jogos são raros. Apesar da FSB contar com toda a sua documentação em dia, a captação de recursos via patrocinadores tem se tornado escassa. Assim, se não há recursos, não há como haver muitos jogos. Vejam só a situação na tabela 1:

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Tabela 1. Quantidade de partidas disputadas nos campeonatos sergipanos de basquetebol nas categorias de base em 2012. CAMPEONATO ESTADUAL SERGIPANO 2012

Categoria

Sub-15 Feminina

Sub-17 Feminina

Sub-15 Masculina

Sub-17 Masculina

Equipes Participantes 2

3

6

5

Total de Jogos Previstos

Partidas Disputadas pelo Campeão

3

2

Melhor de 5 partidas 10*

10**

3

4

4

*Um dos jogos foi WO; **Houve um WO e por isso outras duas partidas não foram realizadas.

Além de não haver campeonatos sub-13 e sub-19, a quantidade de jogos disputados pelas equipes é absurdamente baixo. Claro que não é só isso. As equipes também disputam jogos escolares (pelo menos três outras competições no ano), mas em geral com adversários muito inferiores e com regulamento adaptado por razões financeiras (tempo de jogo é de quatro períodos de 8 minutos corridos, por exemplo). Fica complicado fazer com que técnicos, atletas e árbitros se desenvolvam adequadamente com esta situação. Em relação à categoria sub-19, as escolas só jogam até a sub-17, e como não existem clubes, quando o atleta chega aos 18 anos, não tem mais onde jogar. No campeonato adulto, nenhum clube oficial participa. Eventualmente alguma escola resolve participar, às vezes com atletas demasiadamente jovens para este tipo de torneio. Os times são criados entre amigos que pagam do próprio bolso a confecção dos uniformes e a taxa de inscrição no campeonato, e ainda por cima, a FSB condiciona a participação da equipe à presença de um técnico. Ou seja, os raros que se habilitam à função, têm que trabalhar de graça, pois não há perspectiva de receber salário. Esse quadro afeta inclusive a busca de talentos esportivos, visto que ao se encontrar um jovem com potencial esportivo interessan-



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te, não há para onde encaminhá-lo. O papel do esporte escolar é meramente a detecção de talentos, não sua promoção ou desenvolvimento, e neste sentido, é pouco provável que possamos desenvolver talentos fazendo uma meia dúzia de jogos ao ano, dos quais apenas um ou outro em igualdade de condições competitivas. O pior de tudo é saber que esta realidade não é exclusividade nem do basquetebol e nem mesmo do Estado de Sergipe. Esse foi só um exemplo para mostrar a cruel realidade que o país dos próximos Jogos Olímpicos terá que enfrentar. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece claro que a organização desportiva brasileira se confunde ao elaborar objetivos e meios ao longo de todo o processo. Há evidências inquestionáveis da urgência do desenvolvimento de políticas públicas que viabilizem o incremento da participação popular em esportes, mas que isso precisa ocorrer de forma igualitária pelo país, não apenas privilegiando os grandes centros econômicos. O modelo de formação de treinadores afeta diretamente os modelos de formação dos atletas, assim como o intercâmbio de técnicos tanto no âmbito nacional como no internacional precisa atender um número mais abrangente de profissionais. O papel da Universidade tem ficado à margem dos acontecimentos, e isso ressalta uma importante lacuna no movimento esportivo olímpico ou não. Nossos modelos administrativos do esporte têm se mostrado ineficientes. Além da lacuna deixada na formação de gestores para o esporte, a ausência dos clubes como fomentadores da prática esportiva tem limitado não apenas o acesso, mas também a formação continuada de atletas, técnicos e árbitros. Não fomos hábeis em extrair um legado dos Jogos Pan e Parapanamericanos Rio 2007. Então, o que esperar do Rio 2016?

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REFERÊNCIAS BOCCARDO, W. Os dez mandamentos do basquetebol moderno. (encomenda via www.bolar.com.br)

CARVALHO, W. Basquetebol: sistemas de ataque e defesa. Rio de Janeiro: Sprint, 2001.

CLARK, J. Mailbag: Loose ends and unanswerable questions. Disponível em: http://www.celticsblog.com/2014/7/28/5946869/mailbag-loose-ends-and-unanswerable-questions, acesso em 28 de julho de 2014. NBA - NATIONAL BASKETBALL ASSOCIATION. NBA coaches playbook: Techniques, Tactics, and Teaching Points. Champaign: Human Kinetics, 2009.

WOODEN, J.; JAMISON, S. Jogando para vencer. Rio de Janeiro: Sextante, 2010.

A “DANÇA DOS ALUNOS” NA ESCOLA Robélius De Bortoli1 Irene Behring2

INTRODUÇÃO

O

percurso deste estudo inicia-se a partir de um questionamento genérico qual seja identificar e compreender a dança como conteúdo das aulas de Educação Física (EF). A referida escolha defrontou-se com a ausência do conhecimento dança nas aulas de EF, cujo conteúdo é desenvolvido segundo o gosto do professor. Além disto, a dança realiza-se na escola eventualmente, nas festividades e em projetos que não se sustentam por muito tempo. Nestas escolas, a dança não foi encontrada como conteúdo em aulas de EF. No entanto, ela estava lá, mesmo silenciada ou ignorada por sujeitos hierarquicamente superiores (professores e administradores). Esta dança tem um nome – funk – aqui denominado “dança dos alunos”, por aparecer em tempos/espaços escolares “dos alunos”. Durante entrevista, a “dança dos alunos” não foi mencionada pelos professores e administradores apesar de se manifestar nos dias “de aula livre”3 e no recreio. Em análise, pelo fato dela se manifestar nestes espaços escolares, até mesmo o CD que os alunos traziam com “sua” música era constantemente vetada, pois, emergia um estilo aparentemente inaceitável. Não interpretada e discutida como uma cultura de determinado grupo, este estudo traz à tona a reflexão de escolas que, como institui1 Robélius De Bortoli - Doutor em Biodinâmica do Movimento Humano pela USP, Docente da Universidade Federal de Sergipe, SE - Coordenador e Pesquisador do Laboratório de Pesquisa do Desenvolvimento Cognitivo Humano – LADEC. 2 Irene Behring – Mestre em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo. 3 Termo utilizado pelos professores às aulas em que permitem aos alunos escolherem a atividade de sua preferência.

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ções educativas, em sociedade, apresentam uma cultura que orienta valores e comportamentos. Um lugar que não se restringe a aquisição de saberes, mas também de inclusão de comportamentos e hábitos norteadores das aprendizagens disciplinares, afirma Julia (2001). Verificou-se que a escola não procura analisar a diferença. De tal modo que é possível pensar: a diferença – diversidade – cultural (GUSMÃO, 2006) que se depara com os valores da escola, mas, também, com o fato que cada grupo (administradores, professores e alunos) expressa esses valores, ou seja, os aspectos de sua realidade, de maneira diversificada. No contexto de poder regulatório sobre as pessoas e saberes Julia (2001) entende a cultura escolar como uma cultura conforme. Ou seja, uma cultura operada na escola a qual “desemboca no remodelamento dos comportamentos, na profunda formação do caráter e das almas que passa por uma disciplina do corpo e por uma direção das consciências” (JULIA, 2001, p. 22). Esta questão remete à reflexão do distanciamento sócio-cultu4 ral entre administradores, professores e alunos. Assim, o distanciamento sócio-cultural surge como hipótese explicativa da dificuldade de inserção da dança como conhecimento na/da escola5. 4 Boas impulsionado pelo relativismo cultural exaltava o respeito e a tolerância em relação a culturas diferentes ao considerar que, [...] na medida em que cada cultura exprime um modo único de ser humano, ela tem o direito à estima e à proteção, se estiver ameaçada” (Boas 1940 apud CUCHE, 1999, p. 46). 5 Segundo Benedict (1934). A cultura redutível a um determinado número de tipo ou estilo está de acordo com suas escolhas e vai se caracterizar por seu modelo (pattern). Isto implica em um termo que confere a ideia de totalidade homogênea e coerente. Benedict define cultura como um fenômeno coerente, pois busca seu objetivo independente do objetivo dos indivíduos; ela cita as instituições, sobretudo as educativas, que procuram moldar todos os comportamentos e o “esquema” inconsciente que cada cultura oferece ao indivíduo para todas as atividades da vida. Segundo ela, o que define a cultura “não é a presença ou ausência de tal traço ou de tal complexo de traços culturais, mas sua orientação global em certa direção, seu ‘pattern’ mais ou menos coerente de pensamento e ação”. E continua: “as culturas buscam um objetivo relacionado com a orientação de seu ‘pattern’, à revelia do indivíduo” (apud CUCHE, 1999, p. 78).



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Nas observações em campo, identificou-se esta dança como forma de comunicação entre os grupos afins por meio de códigos, por exemplo, o passo “dixavado”6 Trata-se de um passo que os alunos funkeiros utilizavam para cumprimentar aqueles que compartilham do seu grupo, nas escolas observadas. Firmado na premissa teórica de Medina et al (2008), compreende-se esta dança como uma forma de manifestação social a qual representa aspectos característicos de uma sociedade/comunidade. Como tal é vista como uma manifestação de direito dos povos. [...] independente da cor, religião, sexo, poder sócio-econômico e outras barreiras que poderiam ser inibidoras no processo de democratização. A dança representa os símbolos e significados da maneira de viver dos grupos sociais (MEDINA et al 2008, p. 110).

Sendo assim, a recolocação central da pesquisa permitiu arguir por que um diálogo entre os sujeitos da comunidade escolar não têm se efetivado como possibilidade formativa na escola. A suspeita, então, foi que essa dificuldade adivinha da existência de comunidades (comunidade de alunos, comunidade de professores, comunidade de administradores), grupos distintos. A cultura apresentada pelos alunos coloca em evidência a tese de Boas (1940, apud CUCHE 1999, p. 41). Este autor, antropólogo e relativista cultural ao estudar as culturas, afirma que o que diferencia os grupos humanos seria de ordem cultural e não racial. A possibilidade da existência de mais de uma comunidade escolar e suas tensões no estabelecimento de sentidos, levou à reflexão

6 Émile Durkheim (1897, apud CUCHE, 1999, p. 52), ao procurar compreender o social em todo o seu aspecto e em sua dimensão cultural nas sociedades, afirmava que os “fenômenos sociais têm necessariamente uma dimensão cultural, pois são também fenômenos simbólicos”.

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sobre essa distinção a partir da perspectiva multicultural, na qual a cultura apresenta-se como forma de ruptura que revela a diversidade humana, expressa pela multiplicidade de “razões” culturais. O multiculturalismo (GUSMÃO, 2006) se inscreve na perspectiva da diversidade cultural humana na qual a heterogeneidade cultural permite compreender também a constituição de hierarquias culturais (GONÇALVES; FARIA FILHO, 2005; SOUZA; VALDEMARIM, 2005; CACHORRO, 2003). Este estudo procura então compreender a dificuldade da inserção da dança em aulas de EF. Sendo assim, neste processo de construção analítica parece relevante questionar a intolerância a uma cultura que se apresenta diversa a dos professores e administradores escolar. O diálogo teórico/empírico, ao longo do texto, fez articulação entre a teoria estudada e os dados levantados com os sujeitos, entre os quais destacou-se: a dificuldade da presença da dança nas aulas de EF, suas relações, possibilidades e dificuldades no percurso desse componente curricular, confrontando com a cultura dos sujeitos que se encontram e desencontram no ambiente escolar. A pesquisa pode colaborar para a melhor compreensão sobre a dança nas aulas de EF e contribuir na elaboração de políticas e propostas de inclusão desta no ambiente escolar, de maneira efetiva. Ou seja, relacionar as necessidades formativas do aluno jovem/adolescente7 à forma de aprendizagem oferecida pela instituição escolar. 7 Analisando uma sociedade multicultural descentrada de poder unificado e em sujeitos mais perturbadores e provisórios, sobressai um grupo que se identifica por meio de uma manifestação cultural na escola. São os jovens/adolescentes, cuja trajetória de vida social tem sido expressa por uma dimensão simbólica, formas de comunicação e de posicionamento diante da sociedade em que vivem. Embora não possam ser compreendidos como portadores/construtores de uma cultura totalmente diferente, apresentam distinções de identidade fundamentadas no compartilhamento de estilos de vida/subculturas diferentes. A diferenciação, acompanhada da identificação, se apresenta por suas “distinções simbólicas, pela diferença de vestuário, hábitos linguísticos e hábitos de consumo” (PAIS, 1993, p. 50). Destacou-se, como estudiosos da classe dita juventude: Sposito (2006); Burak, (2001); Duarte Quapper (2001); Mergullis (1996); Pais (1993).



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PERCURSO METODOLÓGICO A pesquisa é descritiva possui enfoque qualitativo, pois se ancora num trabalho de campo e numa bibliografia. Nela observou-se, descreveu-se e buscou-se compreender seu objeto sob a luz de um referencial teórico, a partir das narrativas de dezoito professores, vinte e um pedagogos e trinta e dois alunos de 20 escolas do Ensino Fundamental do Sistema Municipal de Ensino de Vitória/ES, a presença/ausência da dança como conteúdo em aulas de EF. Considerando as características apresentadas a pesquisa também possui caráter fenomenológico, visto que se investigou seu objeto a partir daquilo que o mesmo construiu na manifestação do próprio fenômeno (MACEDO, 2000), ou seja, a fonte direta de coleta de seus dados foi o ambiente natural dos sujeitos nela envolvidos. Assim, a pesquisadora constituiu o principal instrumento da investigação, pois buscou compreender o processo mediante o qual as pessoas constroem seus significados e descrever em que consistem estes mesmos significados (GEERTZ, apud BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47, 70). Para captação e/ou registro de dados no trabalho de campo, utilizou-se observações escritas e entrevistas abertas. Estas foram individuais, agendadas e gravadas em áudio. Após sua transcrição, o conteúdo foi sujeito de análise por emparelhamento (LAVILLE; DIONNE,1999). Embora as entrevistas tenham sido abertas, fez-se uso de perguntas semi-estruturadas para se levantar dados sobre procedimentos particulares do entrevistado no processo ensino-aprendizagem. Estruturou-se, por exemplo, perguntas para saber se a dança faz parte do currículo da escola; se o professor ou professora contempla a dança em suas aulas, independente dela existir no currículo; ou se observa a prática da dança entre os alunos no espaço escolar, fora da aula de EF. Não obstante, tomou-se o devido

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cuidado para que a presença da pesquisadora não interferisse no comportamento dos entrevistados (as), a ponto de modificá-lo. Escolha e contatos com as escolas

Elencou-se para a pesquisa de campo, vinte escolas do Ensino Fundamental da rede pública do município de Vitória/ES, para que se investigasse a prática da dança em aulas de Ensino Fundamental. Para isso, foram obtidas na Secretaria Municipal de Educação, informações sobre as escolas da rede, para mapeá-las conforme objetivos da pesquisa e para serem organizadas as visitas. A servidora responsável pelo atendimento à pesquisadora, recomendou dez escolas entre aquelas que, segundo ela, mais se destacam na rede. Além das dez recomendadas, optei como pesquisadora, por selecionar mais dez entre as demais. A ideia foi atingir equilíbrio na coleta e análise de dados, ou seja, analisar dados, tanto de escolas consideradas modelos quanto daquelas menos expressivas. Os primeiros contatos com as escolas foram feitos através de ligações telefônicas e tiveram o objetivo de conseguir licença para que eu pudesse realizar meus estudos no interior das mesmas. Após concessão da licença, foram agendadas visitas e entrevistas com os sujeitos envolvidos no ensino-aprendizagem de Educação Física. Ao chegar à escola, eu pedia para ser encaminhada à pedagoga e, no caso de sua ausência, ao diretor ou coordenador que a levariam ao professor de EF. Nas primeiras incursões ao campo, o objetivo foi mapear projetos pedagógicos, nos quais a dança aparecesse mesmo de forma rudimentar, em aulas de EF. Entretanto, logo nas primeiras visitas e entrevistas em sete escolas, foi observado não haver nenhum projeto pedagógico, ou mesmo prática de ensino, que contemplasse a dança como conhecimento ou como lazer, de forma sistemática. Porém, foi notado que, de alguma forma, a dança se faz presente



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no espaço escolar, a despeito de ser ignorada ou negligenciada pela instituição de ensino. Sendo assim, ela começou a ser investigada enquanto manifestação cultural do jovem/adolescente, dentro do ambiente escolar de um modo geral e não apenas em horários de/ ou em aulas de EF especificamente. Apesar desta dança ter se materializado pela primeira vez para mim, espontaneamente, por meio das crianças, a pesquisa foi direcionada, principalmente, às adolescentes de 5ª a 8ª série. Porque para Pais (1993, p. 60) as crianças, em geral, não vão além de um papel passivo. A escolha da população dita juventude ocorreu ter sido verificado que o aluno jovem/adolescente da escola pública em geral é produtor de uma cultura cuja simbologia reflete a leitura de sua condição, além de servir como afirmação de sua identidade (FREITAS, 2006, p. 254). Também foi apurado, nessa etapa, o melhor turno para se desenvolver a pesquisa, tendo em vista o público visado. Em outras palavras, pretendeu-se observar a relação do aluno jovem/adolescente com o suposto conhecimento dança presente no contexto escolar e em aulas de EF. Sujeitos da pesquisa

Como descrito, os sujeitos arrolados estão diretamente conectados ao processo ensino-aprendizagem da disciplina Educação Física. Foi na interação da pesquisadora com os alunos, dentro da instituição escolar, que se revelou o recorte tornado objeto desta pesquisa, qual seja a dificuldade de inserção do conhecimento dança em aulas de Educação Física. A ideia inicial admitia entrevistas apenas com os profissionais da escola, isso porque se trabalhou com a hipótese da existência regular do conteúdo dança em aulas de EF em pelo menos algumas escolas. Entretanto, ao longo do trabalho de campo, observou-se que, oficialmente, a dança se realizava apenas em datas festivas do

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calendário escolar, embora fosse bastante visível sua presença entre os alunos. Ou seja, a dança se manifestava em pequenos grupos dispersos nas aulas de EF, no horário reservado ao recreio ou, até mesmo, em sala de aula, em outras disciplinas. Desta forma, foram observados entre meninos e meninas, trinta e dois alunos na faixa etária representada por alunos de 6ª a 8ª série do ensino fundamental, os quais foram entrevistados em caráter informal (entrevistas abertas), ao longo do período de aulas de EF e nos pátios de recreio. Nessa etapa, ampliaram-se as observações sobre o tipo de música/dança que circula entre os alunos e o tipo de apreciação/avaliação que essa manifestação cultural recebe por parte da instituição, especificamente, dos professores e pedagogos. Embora os alunos jovens / adolescentes se tornassem referencial, para coleta de dados, por apresentarem momentos importantes de mobilização em torno de códigos específicos, “cada um com sua própria experiência de vida, influenciada por circunstâncias históricas e sociais específicas” (PAIS, 1993, p. 57), a demanda cultural, com a dança de cinco crianças não poderia deixar de ser mencionada ao analisarmos a dança no contexto escolar e seu apagamento nas aulas de EF. Como já descrito, diferente dos jovens, as crianças demonstram certo quantum cultural familiar que orienta suas condutas8, e por meio deste, elas demonstraram, em minha segunda escola visitada, uma dança que mais tarde entenderia ser a mesma preferência em torno do ritmo musical e estilo de dança dos alunos jovens / adolescentes, porém por perspectivas diferentes. As observações de campo foram analisadas, em associação com respostas a perguntas de entrevistas abertas e/ou falas/respostas dos sujeitos envolvidos na pesquisa, durante interações formais e 8 Pais, 1993 (itálico nosso).



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informais com a pesquisadora. Finalmente, foi feito cruzamento de dados na análise, em uma tentativa de trazer à tona algo que justifique a dificuldade de inserção da dança em aulas de EF, o desencontro entre o conhecimento dança, escola e a EF escolar. Percorrendo o campo

Chegamos a uma espécie de pátio onde o professor de EF que, pela manhã é coordenador, estava observando alguns alunos de 4ª série. Os meninos jogavam uma partida de futebol e duas meninas seguravam, cada uma, as pontas de uma corda para as outras “pularem”, observadas por outras que estavam sentadas em um estreito relevo da parede. Elas, seguidamente, escorregavam e tinham que subir de novo, uma se segurava na outra, como auxílio, e esse movimento ia se repetindo com muita espontaneidade, no que pude observar uma dinâmica produção de movimentos. Um menino tentava entrar na brincadeira de pular corda, mas as meninas não lhe davam resposta. Utilizavam uma linguagem corporal, pois elas sinalizavam um “não” ao fingir não dar atenção ao desejo do menino. Ele sempre insinuava uma preparação de impulso para entrar no movimento do “vai e vem” da corda, que não lhe era permitido. O professor se mostrava alheio à brincadeira das meninas e observava, em pé, de braços cruzados, o jogo de bola dos meninos. A maioria dos alunos, de 7ª série, estava sentada nas cadeiras da plateia e observava o transcorrer da atividade. Em pequenos grupos, conversavam e ouviam seus pequenos aparatos eletrônicos com música em ‘mp3’. Pude observar que um menino prestava atenção na atividade desenvolvida no palco e permaneceu assim todo tempo. Esta poderia ser sua forma de participação, mas o seu distanciamento físico fortalecia o dado: na escola meninos e meninas não formam pares para dançar. A música de forró estava muito alta e quatro meninas formavam dois pares entre si. A professo-

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ra no meio das duplas ensinava o passo para uma aluna. As alunas riam muito, a professora cumpria com sua tarefa e algumas meninas dançavam atrás de um biombo no fundo do palco e de vez em quando olhavam para o que estava acontecendo no palco e para mim. Imediatamente voltavam a dançar atrás do biombo. A coordenadora disse que o melhor mesmo seria entrevistar a professora titular, mas infelizmente, ela estava em licença. Ela sim poderia dar informações mais precisas, devido a seu envolvimento com o projeto. Pude ver quando quatro meninas saíram do auditório e as segui. Paramos à porta para conversar e perguntei se elas gostariam de fazer dança nas aulas de EF. Todas responderam que gostam de dança e, “sim gostariam de fazer dança nas aulas de EF”. Se vocês gostam de dançar porque estão aqui fora? Uma delas respondeu que não se sente “motivada a participar do projeto”. As outras duas disseram que “iriam começar” e a quarta menina disse “que já participava, apesar de não estar frequentando”. Isto me levou a explorar, nas visitas seguintes, as implicações do afastamento de alguns alunos do projeto e a ausência da participação masculina. Nas aulas de EF, o esporte profissional tem se confundido com esporte escolar. É possível refletir, por meio das entrevistas, que a competitividade e a técnica têm prevalecido em busca, não do desenvolvimento humano e valorização da diversidade de vivências corporais, mas sim, como forma de competição e espetacularização, fenômenos estes, que tendem a perpetuar uma formação escolar que favorece a poucos. A pedagoga entende que as transferências culturais operadas a partir de outros setores em direção à escola, tendem a justificar a ausência da dança nas aulas. Durante o recreio houve um conflito entre as meninas; elas cercaram a pedagoga e se queixaram do problema pelo qual estão passando: uma das meninas do grupo está sendo perseguida por outras de outro grupo. Percebi que essa queixa era uma forma de advertência de que elas mesmas tomariam providências, caso a es-



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cola não o fizesse. A menina que sofreu represália era a mais bonita do grupo e está cercada pelas outras. Ela apresentava um semblante de pessoa fragilizada e foi defendida por seu grupo como se fosse uma princesa. Parecia claro que ela não precisava reagir, o grupo podia resolver isto no lugar dela. Como é comum, os alunos, como atores sociais, produzem um lugar e um tempo de cumplicidade para minimizar os seus medos e ansiedades e se fecham em comunidades como forma de autoproteção. Como tal, comportam-se basicamente “pela tendência ao coletivo, com certa organização, que os distingue como os que mais de uma vez não seguem os valores tradicionais” (MARGULLIS, 2001, p. 72). Esta identificação pode ser justamente o que os distingue de outros grupos e, também, o que os exclui ou os inclui no contexto relacional. Como nos lembra Cuche (1999), a identidade de grupo é um dado dependente do contexto relacional, pois, esta identidade contextual identifica, posiciona e localiza o sujeito socialmente9. A pedagoga manteve certo equilíbrio, e demonstrou sua capacidade de mediação. Na escola há um saber diferente daqueles com os quais os alunos estão familiarizados, um saber e métodos de um grupo distinto ao destas alunas, que remete necessariamente para a escola, mas no momento as alunas se dão por satisfeitas e deixam, voluntariamente, a tarefa de mediação para essa pedagoga. Todavia, o padrão de distinção social se reafirma. Para o professor “os alunos normalmente escolhem a música própria de gueto” e o funk é uma “música de gueto”. Cachorro (2003, p. 224) propõe que as atenções fixem-se nas dimensões omitidas e no rico material cultural humano, especificamente no relativo à diversidade cultural. Ele defende a “interação cara a cara dos sujeitos das escolas públicas” por reconhecer 9 Segundo Cuche (1999, p. 176) o conceito de identidade é uma “norma de vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas”.

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que, ali, “multiplica-se sentidos sociais e organizam-se particulares comunidades de sentido, como pequenos guetos”. Assim, o espaço educacional, mais uma vez, perde a oportunidade de fornecer densidade às experiências e práticas envolvendo a corporalidade. Há uma visibilidade da dança dos alunos na escola e essa instituição não encontra alternativas para dialogar com essa força. Ela aparece na sala de aula, nos pátios e corredores; ela está ali no processo de formação dos alunos, porém, não pela socialização do conhecimento. Ao refletir pela perspectiva da escolarização, percebo esta manifestação cultural inserida como problematização de uma dança antagônica que transforma a organização escolar. Por este viés, seria não mais a ‘dança dos alunos’ um cerne de negociação e sim, uma questão de debate10 pedagogicamente construído, a respeito das “potencialidades e os limites das práticas corporais como possibilidade de formação” (TABORDA DE OLIVEIRA; OLIVEIRA; VAZ, 2008, p. 305). A diversidade cultural parece separar as pessoas em níveis sociais. Não é à toa que, o mesmo docente, em um momento de reflexão afirma que devido à “formação dos nossos professores e pedagogos eles tentam restringir ao máximo a cultura que o adolescente vive hoje, porque para eles o clássico é que é legal” (Professor de 6ª a 8ª série). As alunas de 6ª série, que acompanhavam a entrevista, conversavam bastante entre si e, ao mesmo tempo, estavam atentas ao relato do professor. Havia um menino no meio delas – é comum ter sempre um deles que se sente à vontade entre as meninas batendo um papo, interagindo com elas. Nesse momento escutou-se: “Professor, o Adroaldo11 é gay? Ele está fazendo umas coisas... uns movimentos assim.” Gesticulou o dono da voz, fazendo gestos de dan10 FARIA FILHO (1996, apud PESSANHA et al 2004) escreve que com o advento das escolas públicas criou-se um lugar de projetos e perspectivas sociais. 11 Nome fictício.



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ça. É um menino que veio correndo da quadra, onde eles jogavam informalmente o basquete, em direção ao professor, provocando o limiar da virilidade masculina diante de uma manifestação com o movimento corporal. O professor ignorou a pergunta e continuou a responder à entrevista. O menino retornou correndo para a quadra. Na escola aparecem temas passíveis de discussão, como a intolerância que discrimina. Certas observações preconceituosas podem ser analisadas como um ato de violência que ‘machuca’ o moral da pessoa. Isto porque, independentemente de o menino ser homossexual, presencia-se um pré-conceito diante do fato de o aluno se arriscar a dançar especificamente na escola. Nos bailes, o menino que dança não é considerado homossexual. Ao contrário, de acordo com o relato das meninas de uma das escolas visitadas, os meninos, no baile funk, se aproximam da menina desejada e a atrai com a dança. Neste contexto, no baile, os que marcam presença com sua dança são considerados os “bons de cela”12. No entanto, na escola, os meninos que se arriscam a dançar sofrem com insinuações preconceituosas como a referente à Adroaldo. A mesma questão de gênero e orientação sexual brotou mais de uma vez. A pedagoga de 5ª a 8ª série da escola “J”, em entrevista, declarou: “Em festividades na escola, geralmente, só as meninas participam. O menino que participou não é “aqueeele menino”. Em outra entrevista, o professor de EF da escola “L” afirmou que “o homem não podia fazer dança na faculdade”. Relato semelhante, encontrei no professor da escola “B”: “Em Vitória, existe tabu, por parte dos alunos e das Faculdades, por isso esse conteúdo não é desenvolvido nas escolas. Eles acham que dança é coisa de ‘boiola’” (ou seja, de homossexual). 12 Termo que esta pesquisa utiliza dos estudos de CAMACHO, Luiza Mitiko Yshiguro. Violência e indisciplina nas práticas escolares de adolescentes: um estudo das realidades de duas escolas semelhantes e diferentes entre si. São Paulo, 2000, 266p. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo - SP.

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Nos pátios de recreio e nas aulas de EF os meninos e meninas se separam para brincar ou jogar bola e, nesta separação, há um acordo tácito estabelecendo o que é de menino e o que é de menina. Identifico, em relatos e no observado, um preconceito dirigido aos meninos que se aventuram a dançar na escola. Umas alunas afirmaram que “os meninos, na escola, não dançam”. A questão de gênero acaba por aparecer como mais uma barreira a ser transposta. Esse movimento em direção à educação não é tarefa fácil, reconhece o professor da escola “H”. Ele afirma que há dez anos trabalha na escola e tem sempre achado difícil conversar com as primeiras séries, mas já consegue discutir temas envolvendo a violência, pelo menos, com as turmas de 7ª a 8ª série. Diante de tanta dificuldade, essa conquista o faz sentir-se “um felizardo”. Este professor constrói uma prática segundo o que propõe Camacho (2000, p.206), ou seja, que a escola mostre aos seus alunos que estão “sendo intolerantes entre seus pares, quando se voltam contra o gordo, o feio, o homossexual, o desajeitado e o fraco”. Portanto, é fundamental problematizar as situações envolvendo a corporalidade, por meio de uma complexa reflexão, de maneira a levar o indivíduo a questionar “formas já naturalizadas de preconceito, domesticação e violência sobre o corpo” (TABORDA DE OLIVEIRA; OLIVEIRA; VAZ, 2008, p. 313). É primordial dar densidade às experiências e práticas envolvendo a corporalidade nas aulas de EF e à sistematização da diversidade cultural e da questão de gênero que aparece em lócus, de forma a permitir ao aluno ampliar seus recursos de esclarecimento e reflexão. Afinal, ele precisa conquistar subsídios para criticar os modos de organização historicamente produzidos no que tange à corporalidade. Sendo assim, pode-se pensar em argumentar que, tanto a questão de gênero quanto o conhecimento cultura corporal de movimento, na escola, ainda não são reconhecidos em sua diversidade e nem tratada em sua totalidade. Os dados obtidos em campo



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permitem pensar que o conceito da escola acerca de corporalidade transita entre o preconceito e o desconhecimento da corporalidade de seus alunos no sentido amplo (TABORDA DE OLIVEIRA, 2003). Como observado outras vezes, as razões que fundamentam a maneira como a dança é vivenciada na escola, transitam entre a crença do “dom” do professor de EF e o afastamento dos “universos simbólicos” de adultos (professores, gerenciadores e administradores)13 e jovens (classe dita juvenil). De um lado, as manifestações jovens, do gueto, pouco confiáveis, perigosas, marginais. De outro, a educação formal escolar, seus códigos e linguagens culturais, controlados e civilizadores. Há uma vontade da escola de se sentir afastada da violência, instituindo na prática escolar uma antecipação de práticas preventivas (CACHORRO, 2003), como a dança nas festividades escolares em que administradores e professores escolhem o ritmo e estilo a serem desempenhados, desta maneira, antecipando-se aos eventuais imponderáveis. Em uma manhã n escola “J” seguia naturalmente a sua rotina de mais um dia de ano letivo. Localizada em uma ladeira, logo na entrada, ela apresenta uma área cimentada, por aonde se chega às salas. As turmas de 1ª a 4ª série estava no recreio e tocava uma música evangélica ao fundo14. Ao primeiro olhar, parecia que os alunos não sabiam bem como aproveitar aquele tempo de recreação, mas, depois, via-se que eles andavam para lá e para cá, trombavam uns nos outros, paravam para conversar alguma coisa e seguiam em frente. Alguns meninos corriam e passavam em ziguezague para 13 A trajetória de vida social dos jovens tem sido expressa por uma dimensão simbólica, como forma de comunicação e como um posicionamento diante da sociedade. De uma forma muito própria emitem uma interioridade que os torna referência histórico-cultural que alcança para além da compreensão de outros grupos societários e “matriz adultocêntrica” (QUAPPER, 2001, p. 73). 14 Durante todo recreio reconheci, pela letra, que a música tocada era de origem evangélica, fato que confirmei com o coordenador.

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não esbarrar em ninguém. Encontrava-me em pé, observando estes alunos quando a pedagoga se aproximou e disse que, por estar trabalhando recentemente na escola, não poderia dizer se o conteúdo dança fazia parte das aulas de EF. Aliás, deixou bem claro: “Não posso dar informações porque comecei a trabalhar na escola recentemente, por isso, não vou te dar nem meu nome”. Segundo ela, seria melhor “a entrevista ser feita com a professora do projeto de dança”, mas como insisti em falar com a professora de EF ela pediu que esperasse enquanto iria falar com ela e “já voltava”. Voltou após algum tempo e informou que a professora achou melhor eu voltar à tarde, pois teria maiores informações com a professora do projeto. A pedagoga relatou, por fim, que “as danças estão incorporadas ao projeto e às festividades”. O coordenador me informou que a diretora é evangélica e, por isso, esse estilo de música foi escolhido para tocar no recreio. A escola torna-se, desde o primeiro momento, fechada para mim. Estava claro que eu era um elemento estranho, violando a intimidade daquele ambiente e daquele grupo. Em meu primeiro contato com a escola “K” fui informada pela pedagoga que estavam em troca de professor. Diante deste fato, a visita foi adiada para o semestre seguinte, quando um professor de EF seria admitido. No dia marcado, encontrei o professor em quadra (descoberta) e ele pediu que o esperasse enquanto levava a turma da quadra para a área central escolar e trazia a outra turma de 6ª série. Esta turma foi chegando à quadra, pouco a pouco. Aproveitei a oportunidade para conversar com os alunos, enquanto deixavam seu material em cima das arquibancadas. Assim como o falar, a escolha no vestir, se relacionar e dançar também “se reveste de um significado simbólico” (PAIS, 1993, p. 61). Diante da receptividade dos alunos, foi fácil ter a atenção dos mesmos e perguntar-lhes. Vocês gostariam de fazer dança na aula de EF? “Sim”! Escuta-se e, antes de lhes ser perguntado qual estilo gostariam de dançar nas aulas, uma menina disse: “Funk”. Conti-



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nuei com os olhos fixos em minhas anotações. Olhei para os alunos e constatei que eram quinze, no total, próximos a mim. Foi feita a outra pergunta: Qual estilo de dança vocês gostariam de dançar nas aulas de EF? A maioria respondeu: funk. Aos dois meninos perguntei: Vocês dançariam com as meninas na escola? Eles sorriram e não responderam. Um deles pediu que eu ficasse com o caderno dele e, junto com o outro, correu para a quadra para jogar futebol. Os estilos de dança presentes são: o balé, a dança de rua e a dança baiana e os alunos gostam muito, conclui a pedagoga. Ela relatou que os alunos são motivados pela mídia. Como exemplo, informou que há algum tempo, com a equipe Furacão 2000 na mídia, os alunos queriam dançar o “proibidão”. “Proibidão” é o funk mais pesado, explica a pedagoga. Perguntei quem dança mais na escola: meninas ou meninos? A pedagoga respondeu que, para a criança, a dança é ingênua, já “os jovens tem a sexualidade aflorada. Eles usam a dança como apelo sexual, a gente vê muito isso”, afirma. E quem mostra mais esse apelo sexual com a dança? Meninos ou meninas? “As meninas se aproveitam do corpo, a baiana tem mais gingado de quadril... aqui na escola eles não se agarram para dançar, mas quando passa um carro na rua com a música do funk, as meninas ouvem e elas dançam. No forró eles se agarram, mas aqui na escola, não. Quando necessário, os alunos evangélicos fazem as coreografias. Hoje já tem igreja que usa esse tipo de manifestação para cultuar a Deus”, explica. Em um corredor que dá acesso a outras salas de administração da escola a professora prossegue falando sobre sua experiência, lembrando que “raramente tem dança nas aulas de EF”. A dança é praticada na escola em momentos festivos, com as danças folclóricas e, também nos projetos. “Tem outra dança sim, que aparece... não sei se poderia chamar de cultura..., mas é uma coisa deles, o funk. Acredito que a mídia influencia muito. O que está na moda é o que eles estão dançando. Há dois anos atrás tentei implantar um

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projeto com dança rítmica, mas eles traziam a música deles e tive que conversar. Acho que porque eles têm preguiça de acordar, então, de sessenta alunos inscritos no início do ano, no final do ano eu só fiquei com sete. Em Vila Velha é diferente. São alunos de classe média e a receptividade com os projetos é maior. Até a postura delas é diferente, as daqui andam igual malandrinho”. Em outro dia cheguei à escola “R” às 14h50min. O segurança interfonou para a sala das pedagogas e, uns cinco minutos depois, a pedagoga de 5ª a 8ª série desceu e relatou estar sem tempo para a entrevista, pois não havia recebido recado, informando sobre essa visita. Pelo exposto, ficou combinado que, ao final do recreio, conversaríamos o que não ocorreu por motivos administrativos que a envolveram. Todavia, enquanto esperava, observei as crianças das primeiras séries e depois as turmas de 5ª a 8ª série. Os alunos das primeiras séries, em bancos distintos, se reuniram para jogar “bafo”, descontraídos, acompanhados do olhar de interesse do segurança que logo se aproximou deles, assim que se organizaram. O curioso desta cena era como, naquele momento, o aluno fazia daquele espaço um lugar próprio, mesmo controlado pelos administradores, que circulavam sem parar entre eles, no recreio. Era possível imaginar que se tratava de uma rotina criada dentro de um lugar controlado. Outros alunos, pelo pátio de recreio, andavam ou corriam. Um menino parou e deixou uma menina dar uma mordida no sanduíche dele. Umas meninas, em duplas, andavam de mãos dadas, outras se aproximaram e me perguntaram se podiam entrar no grupo aprendiz. Informei que eu era visitante, não sabia que grupo era aquele e, infelizmente, não poderia ajudá-las. Quem são os alunos afinal? Alunos interessados ou desinteressados? Eram 15h17min quando esses alunos foram chamados a sentar no chão. Sentaram-se tão juntinhos que faziam lembrar um monte de pintinhos amontoados em uma granja. Enquanto um “cutucava” o outro, iam sendo solicitados a se levantar, em pequenos grupos, para re-



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tornar as salas, sempre acompanhados pelo coordenador, pela diretora e o coordenador de tempo integral. Às 15h30min, as turmas de 5ª a 8ª série desceram para o pátio de recreio. Alguns alunos, que se sentaram junto a mim, foram os primeiros a me ensinar como reconhecer o cumprimento entre os funkeiros: um passinho, escorregando para trás. Mais tarde, eu ouviria de uma pedagoga que eles tinham mania de fazer isto, mesmo quando tinham problemas na sala do coordenador. A expressão usada pelos alunos para descrever como os alunos funkeiros dançavam, na escola, era “dixavado”. “Eles estão andando e, de repente, param e dançam o funil dixavado mexendo os pés”, relatam. Bruno diz: “Olha os que usam chinelo de dedo são os “funkeiros” e eles fazem aquela dança esquisita”. Um deles foi identificado como sendo “emo” pelo fato de usar tênis all star, colares com um crucifixo e o cabelo com uma produção com mechas. Pela primeira vez surgiu claramente diante de mim uma espécie de código de comunicação. É claro que gírias, gestos, adereços e preferências também são símbolos identificadores, mas ficara claro daquela vez a própria dança (ou elementos dela) como uma simbologia de identidade de grupo. Isto me ajudava a rever as observações feitas anteriormente e entender ainda melhor a força da dança, no caso o funk, como elemento constituinte da identidade coletiva ou comunitária dos alunos nas escolas. Em meio a aquilo tudo, perguntei pela dança nas aulas de EF. Responderam que não tem dança. Uma aluna, Amanda, é enfática ao dizer: “Não, o professor só passa aquela queimada doida ou tem futsal e nessa hora fico na arquibancada”. No mês de dezembro, já em frente à escola “S”, encontrei alguns alunos de 8ª série jogando bola em um pequeno círculo, acompanhados por um olhar de quem queria participar do jogo, por parte do segurança. Ao passar pelo portão da escola, deparei-me com um pátio cercado por paredes e uma escada que permite o acesso ao segundo piso. Observei, surpreendida, várias peças de roupa penduradas ale-

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atoriamente em varais. Tive a impressão de estar no cenário de uma peça teatral que traz à percepção do espectador a rotina de “moradores” daquele lugar. Os alunos quase sempre correm (não andam) pela escola ou então conversam em pequenos grupos. Há sempre um professor andando em direção a alguma sala e coordenadores sempre monitorando os acontecimentos, tanto envolvendo o aspecto físico como o abrangendo o relacionado aos alunos. As salas da pedagoga ficam no andar superior, o qual propicia uma visão dos outros espaços. Caminhei pela escola e não encontrei o professor de EF. Compreendi que deveria voltar outro dia. Em conversa telefônica, a pedagoga informou que o professor se encontrava em licença. Eram 15h quando, em minha segunda visita à escola, o portão foi aberto, sem eu precisar bater, pois cheguei quando uma aluna estava saindo. Nesse dia, o cenário no interior da escola não apresentava as roupas pendurados, o que destacava, ainda mais, a presença dos alunos fora da aula. Eles estavam divididos em pequenos grupos e conversavam. O segurança ligou, comunicou à pedagoga a chegada de “uma pessoa da UFES”, que havia conversado com ela por telefone. Imediatamente, fui encaminhada à sala dela com o auxílio de um dos alunos que se encontravam no pátio, em aula de EF. Subindo alguns degraus de escada pude ver que alguns jogavam bola na quadra, enquanto outros estavam sentados. Descobri, por meio de uma das alunas, sentada na mesa e na cadeira do segurança, que ela e os outros alunos que estavam no pátio – e não na quadra – eram da turma da aula que transcorria na quadra. Em sua maioria, eram as meninas que estavam fora da quadra, mas havia uns meninos também. Um deles se aproximou do vão de entrada da quadra e, dirigindo-se a um colega, convidou-o a entrar no jogo com ele. No portão da escola, percebi umas alunas vindo da quadra, localizada no outro lado da rua da sede da escola (a escola estava em reforma). Aproveitei a oportunidade para conversar com elas. Demonstraram não saber se gostariam de ter a dança nas aulas de



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EF porque nunca tiveram. Em seguida uma a uma responderam que sim, gostariam de ter a dança nas aulas. Perguntei qual tipo de dança gostariam de dançar na aula. Cinco dessas meninas responderam que gostariam de dançar o funk. Camila respondeu que “gostaria de dançar o funk e o axé”. Uma aluna esclareceu apoiada pelas outras, que “se tiver a dança funk nas aulas aí, vai ser ‘dixavado’ (aí vai ser ‘disfarçado’)”. Tal como em outros espaços escolares, materializa-se a tensão entre valores e hábitos sociais contrapostos. Como nos lembra Margullis (2001, p. 71) esta tensão existencial é produto do embate entre “ser como lo desean o ser como se les impone”15. Enquanto mais estudos se debruçam sobre a escola continuaremos, em nossas visitas, nos deparando com os alunos em sala de aula ou correndo pelo pátio dando-nos a impressão de estarem em busca de alguma coisa, ou quem sabe de uma “saída”, o qual reflete a forma própria de se relacionarem com o tempo e espaço escolar. COMENTÁRIOS FINAIS

Frente ao que foi exposto conclui-se que entre o que era apresentado em relatos e o idealizado, surgia a necessidade de compreensão da ausência da dança em aulas de EF assim como da manifestação da dança funk no contexto escolar. Ao aprofundar-me na análise observei que aquele estilo de dança e seu ritmo musical não são aceitos e reconhecidos como uma dança de caráter cultural, na escola. Sim, esta dança antagônica não é da escola, mas apresenta uma dimensão cultural - fenômenos simbólicos - de um grupo de alunos que não entende o porquê da contestação por parte dos professores e administradores. Identificamos que a revelia da contestação por parte da escola, os alunos tentavam inserir a dança funk, assim como sua mú-

15 Ser como desejam ser ou ser como lhes impõem (tradução nossa).

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sica, nos dias “de aula livre” e no recreio. Porém, a preferência dos alunos era constantemente vetada todas as vezes que executavam aquela “dança horrorosa”. A precariedade de reflexão dificulta a escola perceber esta manifestação cultural que exprime a condição pessoal, coletiva do grupo de alunos. Esta escolha não é aleatória expressa a dimensão cultural produzida pelo aluno. Deste modo, entendo que a dança, como manifestação própria, oriunda dos gostos e preferências dos alunos, encontra dificuldade de ser discutida pedagogicamente, materializada num discurso que a entende como perturbação da ordem, perigo e descontrole, como elemento de um universo simbólico diferente daquele da escola. Sendo assim, a escola define o que se pode ouvir e dançar na escola a partir de seus próprios códigos e valores. Há, portanto uma hierarquização cultural entre adultos e jovens que nos faz pensar em uma cultura jovem que resiste em ser silenciada. Pensar a “dança do aluno” como possibilidade educativa traria, como perspectiva à EF na escola, uma intenção com o trato das práticas configuradas/retiradas do universo de cultura corporal/ movimento em constante redefinição de símbolos transmitidos e, por fim, sujeitos à nova interpretação, já que a cultura tem se apresentado como um fenômeno dentro de um mundo em movimento. Enquanto se evitar abordar a dança nas aulas de EF, a escola não compreenderá a existência da manifestação com a dança que não consegue comunicação com a escola. Assim, a diversidade cultural no âmbito escolar, tem apontado problemas difíceis de serem contornados. Propõe-se, assim, a mudança do eixo de reflexão, passando das instituições educativas para os sujeitos como possibilidade de responder se o jovem está se permitindo ser jovem, na escola.



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SOUZA, R.F.; VALDEMARIN, V.T. (Org). A cultura escolar em debate: questões conceituais, metodológicos, e desafios para a pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2005. TABORDA DE OLIVEIRA, M.A. Práticas pedagógicas da educação física nos tempos e espaços escolares: a corporalidade como termo ausente? In: BRACHT, V.; CRISÓRIO, R. (Org.). A Educação Física no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados; Rio de Janeiro: PROSUL, 2003. p. 155-174

TABORDA DE OLIVEIRA, M.A.; OLIVEIRA, L.P.A.; VAZ, A.F. Sobre a corporalidade e a escolarização: contribuições para a reorientação das práticas escolares da disciplina de educação física. Pensar a Prática, Goiânia, v. 11, n. 3, p. 303-318, 2008. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2009.

PARADESPORTO: ALGUMAS TENSÕES ... ALGUNS DESAFIOS Fabio Zoboli1 Elder Correia da Silva2 Tamires Menezes de Jesus3 Monara Santos Silva4

INTRODUÇÃO

O

presente ensaio parte do pressuposto de que a participação de “atletas deficientes” no âmbito esportivo pode ser vista como mais uma ferramenta a contribuir com a construção da cultura e do ethos inclusivo. No entanto, o paradesporto pode ser um paradoxo para a cultura inclusiva na medida em que parte do princípio da segregação. Desta forma acreditamos que o paradesporto, situado no atual momento histórico, pode ser uma ponte que ligará o deficiente ao âmbito das competições com os “atletas normais” ou então que sejam criadas práticas corporais que partam da real condição motora do deficiente e que as atividades não precisem ser “adaptadas” – ou seja, que o princípio do respeito a diversidade seja respeitado. Desta forma, o respeito a diferença seria um dos mais nobres pilares para a convivência humana no âmbito desportivo. O caráter aparentemente enigmático da prática de atividades corporais por deficientes pode ser potencializado no sentido do paradigma

1 Professor do Departamento de Educação Física e o Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Sergipe – UFS. Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia - UFBA 2 Mestrando em Educação Física pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Graduado em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe – UFS. 3 Graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe – UFS. 4 Mestranda em Educação Física pela Universidade Federal de Sergipe – UFS. Graduada em Educação Física pela UFS.

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da inclusão partindo da ressignificação da deficiência através do esporte. Esta postura não é um “ser contra” o paradesporto, mas um desafio no sentido de solicitar uma abertura para a percepção de diferentes níveis de realidade e de diferentes níveis de percepção. Pautado neste objetivo o escrito que ora apresentamos vem tencionar algumas questões que emergem desde a origem do esporte adaptado questionando alguns fundamentos e discursos disseminados por tal prática. Neste movimento de arguições discorremos com positividades e negatividades historicamente presentes no contexto paradesportivo tentando sempre contribuir com a celebração do respeito à dignidade humana do para-atleta ou do atleta. PARADESPORTO: CAMINHOS E ENCRUZILHADAS

O contexto histórico da pessoa deficiente foi mediado por várias fases que giraram em torno de signos que faziam sentido para cada período/época dentro de cada grupo. Desde princípios que norteavam a eliminação do deficiente do contexto social – exclusão material ou simbólica – até as fases posteriores de segregação, integração, adaptação rumo a tão sonhada inclusão foram e ainda são caminhos que a humanidade dá com passos lentos. A cultura inclusiva pautada no acolhimento e no respeito ao diferente e a diferença ainda se mostra em fase de construção. Seja no ambiente de trabalho, na educação, no transporte público, no direito ao lazer, no acesso à cultura, nas políticas de acessibilidade, nos esportes etc. Todas estas dimensões sociais passam por momentos de aculturação, na medida em que algumas leis se colocam “forçosamente” em prática, bem como na medida em que várias práticas que norteiam o âmbito social, no que tange as pessoas deficientes, vão sensibilizando as pessoas a perceberem novos mundos, novas metáforas para o existir humano onde caiba o diferente.



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No contexto esportivo, que neste texto suspendemos para análise, vale mencionar que o esporte para os deficientes surge em 1948, na Inglaterra, com os Jogos de Stoke Mandeville. Ludwig Guttmann foi o desbravador da reabilitação pelo esporte junto a pessoas deficientes.

A história do desporto para pessoas portadoras de necessidades especiais começou na cidade de Aylebury, Inglaterra. A pedido do governo britânico, o neurologista Ludwig Guttmann criou o Centro Nacional de Lesionados Medulares do Hospital de Stoke Mandeville, destinados a tratar homens e mulheres do exército inglês feridos na Segunda Guerra Mundial (COSTA; SOUSA, 2004, p. 30).

Já as Paraolimpíadas – evento maior no que tange o desporto para pessoas deficientes – tiveram seu início em 1960 em Roma e são realizadas até hoje de quatro em quatro anos fazendo uso das mesmas sedes onde são feitas as Olimpíadas, ou seja, são realizadas depois dos Jogos Olímpicos nos mesmos países/cidades que sediam as Olimpíadas, fazendo uso das mesmas estruturas/ambientes de competição – porém, com as devidas adaptações para melhor acessibilidade. No entanto, é importante ressaltar que os Jogos Paraolímpicos surgem dos Jogos de Stoke Mandeville:

O sonho olímpico de Guttmann viria a se concretizar em 1960, em Roma. Seu colega Antonio Maglio, diretor do Centro de Lesionados Medulares de Ostia, na Itália, propôs que os Jogos Internacionais de Stoke Mondeville se realizassem naquele ano na capital italiana, imediatamente após a XVI Olimpíada, e nas mesmas instalações, surgindo assim os Jogos Paraolímpicos, com a denominação de Olimpíadas dos Portadores de Deficiência (COSTA; SOUSA, 2004, p. 31).

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Importante perceber que o advento do esporte adaptado se deu logo após a I Guerra Mundial, devido à necessidade de reinserção na sociedade de pessoas deficientes, em sua grande maioria, vítimas da guerra. Utilizaram o esporte como forma de reabilitação dos pacientes vítimas da guerra. Neste sentido, Araújo (1997) aponta que: O trabalho de reabilitação buscou no esporte não só o valor terapêutico, mas o poder de suscitar novas possibilidades, o que resultou em maior interação das pessoas. Através do esporte “reabilitação” estava devolvendo à comunidade um deficiente, capaz de ser “eficiente” pelo menos no esporte (ARAÚJO, 1997, p. 7).

Existia ainda uma outra corrente vinda dos Estados Unidos que utilizava o enfoque esportivo como forma de inserção social, dando a conotação competitiva utilizada pelo desporto. Essas correntes, no decorrer da história, cruzam-se formando objetivos comuns. Saindo do componente médico-terapêutico, estendem-se à incorporação da prática esportiva e do desporto de rendimento, procurando a integração do atleta e sua reabilitação social, como afirma Varela (1989). O processo de reabilitação tem a finalidade de proporcionar a pessoa deficiente uma maior independência nas atividades do seu dia-a-dia e também na sua vida social. Conforme Pereira (2009), quando abordamos o termo reabilitação de pessoas com deficiência, a intencionalidade tanto pode ser direcionada a restauração de funções quanto pode vincular-se ao processo de participação social da pessoa com deficiência. No processo de integração do deficiente é necessário que tanto a sociedade como o próprio deficiente estejam adaptados para o convivo social. Segundo Sassaki (1997) a integração social, afinal de contas, têm consistido no esforço de inserir na sociedade pesso-



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as com deficiência que alcançaram um nível de competência compatível com os padrões sociais vigentes. A integração tinha e tem o mérito de inserir a pessoa com deficiência na sociedade, sim, mas desde que ele esteja de alguma forma capacitado a superar essas barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes. Segundo Cidade e Freitas (2002, p. 21) foi o idealizador dos jogos paradesportivos Ludwig Guttmann que “introduziu um aspecto particular na sua filosofia, o que eventualmente afetou a vida de muitas pessoas portadoras de deficiência no mundo todo e não somente em seus pacientes no hospital: o esporte como componente do programa de tratamento e reabilitação”. Ainda pegando esses autores como base o Dr. Guttmann “iniciou o que se tornaria o desencadeador da prática regular da atividade física entre os deficientes como processo de reabilitação: os eventos esportivos” (CIDADE; FREITAS, 2002, p.22). Permitir que os deficientes físicos, intelectuais e sensoriais se envolvam com atividades de cunho desportivo é a base fundante do discurso que a inclusão fomenta para justificar a importância social – e por consequência política – de tais Jogos. Ainda de acordo com Gonçalves; Albino e Vaz (2009), refletir sobre o contexto da inclusão significa percorrer campos distintos, entre eles certamente o do desporto, que de certa forma também acolhe os excluídos5. Portanto, é cada vez mais marcante o apelo do caráter inclusivo do paradesporto vivenciado por aqueles que não se encontram nos moldes de normalidade ou excepcionalidade positiva. Esta afirmação está intimamente ligada ao que Goffman (2008) sugere quando menciona que o deficiente/estigmatizado pode ver as privações que sofreu e as perdas que teve como uma benção secreta, especialmente devido à crença de que o sofrimento muito pode 5 Referimo-nos àqueles que de alguma forma vivem a margem dos padrões instituídos socialmente.

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ensinar a uma pessoa sobre a vida e sobre as demais pessoas. Desta forma, o estigmatizado se apresenta de modo que suas ações são inalcançáveis pelas demais pessoas, principalmente se considerar que estas, por não possuírem nenhum tipo de deficiência, não passaram por provações significativas (GOFFMAN, 1988 apud GONÇALVES; ALBINO; VAZ, 2009). No entanto aqui podemos levantar algumas questões a fim de estabelecermos tensões ao que nos propomos tratar: a inclusão e a segregação. Em que medida o paradesporto é inclusivo se nele visualizamos competições segregadas apenas a pessoas com deficiências? De igual forma, por que eventos como as Olimpíadas limitam os cegos, os amputados, os paralisados? Sob que tramas de pertencimento se encontram os eventos esportivos e paradesportivos? Em que grau suas políticas se assemelham e se contradizem? Não seria o paradesporto uma adaptação do desporto no que se refere aos valores do esporte: competição, logo, seleção e exclusão? Em que medida o paradesporto serve para promover um discurso moral pautado na superação e no sacrifício como compensação da deficiência? A legitimidade e o prestígio do paradesporto são assegurados por si mesmo ou estão atrelados ao esporte no seu modelo convencional? A crença tanto dos atletas “deficientes” como de seus treinadores de que o sucesso no esporte minimiza o processo histórico de discriminação e leva ao reconhecimento social é um grande equívoco, porque se assim o fosse nossos medalhistas de ouro paraolímpicos seriam ídolos nacionais ou garotos-propaganda de inúmeras empresas. Não recordamos de termos visto, ao longo dos últimos anos, medalhistas “deficientes” fazendo propaganda de tênis, camiseta ou bebidas energéticas, como ocorre com os atletas considerados “normais”, no máximo que a mídia nacional tem feito é utilizado



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os resultados tido pelos deficientes como exemplo de vida e dedicação (CARMO, 2006, p.56).

Não estamos aqui afirmando que as pessoas deficientes não sabem fazer esporte, ou que deva ser negado a elas esse direito. Muito menos estamos querendo induzir que o esporte não atribui valores e melhora o contexto global da qualidade de vida destas pessoas. Para nós, a prática da atividade esportiva para pessoas deficientes é tão importante como para as demais pessoas e são atravessadas pelos mesmos valores e princípios. Porém, o que aqui acusamos é esse idílio fantasioso que é criado para justificar os jogos para esse público, esse ranço histórico de se falar de igualdade e de inclusão quando se tem como pano de fundo questões de cunho histórico permeado pelo estigma da exclusão e do desrespeito à condição de diferença. Já que a igualdade – no que tange a condição humana – é fantasiosa, que seja respeitada então a diferença, que se criem possibilidades para que o acolhimento e o respeito à diferença sejam contemplados. A identidade está fortemente atrelada à diferença, Silva (2000) reforça este pensamento ao descrever que “assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis.”No contexto social da inclusão a diferença é transformada em estigma, pois quanto mais o corpo é desviado de uma norma/padrão, quanto mais “deformado” for este corpo, muito mais ele suscita a atenção social indiscreta, que vai do horror à reprovação social. O estigma é entendido como uma demarcação social do corpo no sentido de lhe atribuir um estereótipo negativo que desencadeia preconceito e discriminação no âmbito das relações entre os sujeitos. Os atributos que consideram um corpo como diferente – num sentido de valor e poder – são construídos socialmente e seus estereótipos são demarcados a partir desses significados.

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Sendo assim, o princípio inclusivo precisa trabalhar no entendimento que a diferença e a igualdade são algo volúveis na medida em que podem se movimentar tanto para excluir como para incluir. Sendo assim fazemos nossas as palavras de Boaventura de Santos (2002): “Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito de sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. A meu ver, as diferenças não podem ser apresentadas nem descritas em termos de melhor e/ou pior, bem e/ou mal, superior e/ou inferior, positivas e/ou negativas, maioria e/ ou minoria etc. São simplesmente – porém não simplificadamente –, diferenças. Mas, o fato de traduzir algumas dessas diferenças como “diferentes” – e já não simplesmente como diferenças – volta a posicionar essas marcas, essas identidade, esse “ser diferença” como contrárias, como opostas e negativas à ideia de “norma”, do “normal” e, então, daquilo que é pensado e fabricado como “correto”, o “positivo”, o “melhor” etc. (SKLIAR, 2006, p.23)

Os valores da inclusão estão pautados no contexto do reconhecimento da diferença e no respeito a ela. Respeito este que só brota do conhecimento das diferenças através do conviver – “viver-com” –, da abertura, da relação, do relacionar-se. A essência da inclusão:

Reconhece em cada ser humano, em cada corpo humano, a singular diferença que não se repete no universo, logo reconhece a preciosidade de cada um e, por conhecer, acolhe, e por acolher, valoriza e, porque valoriza, compromete-se e, ao comprometer-se, afirma essa singular existência humana, esse corpo singular como potencialidade, infinita potencialidade. E porque comprometido, valoriza e porque valoriza, acolhe, e porque acolhe viabiliza, afir-



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ma, promove, respeita, encanta-se e encontra-se, misturam-se em afetos, sonhos, produções e ações coletivas a favor da vida, em sua multiplicidade e infinitas possibilidades que se metamorfoseiam e se transformam a cada instante (TRINDADE, 2002, p.87).

A inclusão do diferente, que precisa ser, a nosso ver, um desafio constante no contexto esportivo, não se trata apenas de aceitar um diferente em nosso meio. Esta, segundo Forest e Pearpoint (1997, p.138), é a menor parte do quebra-cabeça. Para estes autores:

Inclusão trata, sim, de como nós lidamos com a diversidade, como lidamos com a diferença, como lidamos (ou como evitamos lidar) com a nossa moralidade (...) inclusão não quer absolutamente dizer que somos todos iguais. Inclusão celebra sim, nossa diversidade e diferença com respeito e gratidão. Quanto maior a nossa diversidade, mais rica é a nossa capacidade de criar novas formas de ver o mundo (...) inclusão é reconstruir nossos corações e nos dar as ferramentas que permitam a sobrevivência da humanidade como uma família global.

A partir do exposto vale questionar o caráter de inclusão social que o paradesporto alega assumir. Como o esporte, que busca legitimidade pelo viés da inclusão, pode considerar-se inclusivo se esta pautado na lei do mais forte? Ou seja, o desporto fica preso a um paradoxo, pois está em conflito com a lógica que lhe é propagada, desta forma também acontece com o paradesporto, no qual vigora a máxima da performance e consequentemente da exclusão. Desta maneira, fica claro que a finalidade não é romper com o desporto, mas aproximar-se dele, pois o que assemelha o esporte do paradesporto são os jogos de exclusão no que diz respeito à sobrevivência dos mais

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fortes e aptos, ou seja, apesar do paradesporto se apresentar para o deficiente, sempre vence o que entre os deficientes é o mais eficiente (GONÇALVES; ALBINO; VAZ, 2009). Assim como no esporte convencional, no paradesporto também é vitorioso somente o mais veloz, o mais forte, o mais ágil. A diferença é que velocidade, força e agilidade aparecem entre próteses, vendas nos olhos e outras adaptações estruturais (GONÇALVES; ALBINO; VAZ, 2009, p. 161-162). O esporte, especialmente o de alto rendimento, carrega consigo a característica da exclusão fruto de um mecanismo competitivo que ressalta a vitória, deixando para trás inúmeros atletas com seus corpos “quase fortes”, “quase velozes”: seres à margem, distantes do ponto mais alto do pódio (GOELLNER; SILVA, 2012, p.192-193).

Além disso, o paradesporto parece ter uma dependência frente ao esporte na medida em que sua origem é o próprio desporto, ou seja, ele é adaptado. Desta forma, de acordo com Gonçalves; Albino e Vaz (2009), o paradesporto se propõe a desempenhar uma posição de segunda categoria, devido à forma como se estrutura e dos ideais que coloca para si próprio. Enquanto o esporte não depende do paradesporto para obter seu reconhecimento, o mesmo não ocorre com este último, já que sua existência só é possível porque o esporte se projeta como um fenômeno social de grande relevância. Em relação com o esporte e possuindo o mesmo tipo de organização racional, o paradesporto reproduz o desporto: vence o melhor, as competições adotam a mesma sistematização, é necessária superação diária, muita disciplina, treinamento, e rigor técnico. Desta forma “o paradesporto não tem o objetivo de romper com a estrutura desportiva, pelo contrário, quanto mais próxima, maior sua legitimidade” (GONÇALVES; ALBINO; VAZ, 2009, p.159). Prova disso é que

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todas as modalidades são adaptadas com exceção do goalball6 que é uma modalidade que se originou da própria cultura das manifestações corporais dos cegos. Assim, adaptam-se regras, os modos de execução dos fundamentos e dentre outros, a partir do que é hegemônico, desta forma tenta-se adequar o inadequado. De tal modo tudo fica parecido, tudo fica igual, com os mesmos valores, as mesmas crenças. Será que não dá para se criar formas esportivas diferentes para que seja contemplada a própria diferença humana?

Advogar a adaptação significa, em última análise, defender a hegemonia de um corpo de conhecimentos sobre o outro [...] Essa conduta serve muito mais para perpetuar os conhecimentos sobre os esportes e as mazelas daí decorrentes do que para explicitar o princípio da diferença e da desigualdade na tentativa de buscar novos conhecimentos buscando a superação deste quadro social segregado em que vivem os deficientes (CARMO, 2006, p.55).

CONSIDERAÇÕE FINAIS

Acreditamos estar numa fase transitória no que se apresenta em termos de inclusão e paradesporto. Em breve, esperamos que seja comum o participar partilhado dessas práticas esportivas onde não haja barreiras de inserção, até porque acreditamos que a tecnologia vai cada vez mais potencializar o humano no sentido 6 O goalball é um jogo praticado por atletas cegos e tem como meta arremessar uma bola com guisos com as mãos no gol do advesário. Cada time joga com três jogadores e todos os atletas usam vendas nos olhos. A metragem da quadra e de 18m x 9m e as goleiras ficam ao fundo totalizando os 9m de fundo, sendo que as balizas medem 1,30m de altura. A bola deve ser lançada com as mãos pelo chão para que o som do guiso seja ouvido a fim dos atletas adversarios poderem efetuar a defesa.

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de deixá-lo menos a mercê de suas fragilidades oriundas de sua animalidade, de sua fraqueza e precariedade frente à vida. Ou seja, acreditamos que a translação a permear o contexto dos corpos cada vez mais estarão ligadas às metamorfoses biotecnológicas que visam sua potencialização nos mais diversos âmbitos/segmentos da vida. Porém, tal como a inclusão, é um modelo ainda a ser aculturado. Ambas precisam superar seus condicionantes históricos. REFERÊNCIAS

ARAÚJO, P.F. Desporto adaptado no Brasil: origem, institucionalização e atualidade. 140f. Tese (Doutorado em Educação Física) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1997. CARMO, A. A. Atividade motora adaptada e inclusão escolar: caminhos que não se cruzam. In RODRIGUES, D. Atividade motora adaptada: a alegria do corpo, p.51-62. São Paulo: Artes Médicas, 2006.

CIDADE, R.E.A.; FREITAS, P.S. Introdução à educação física e ao desporto para pessoas portadoras de deficiência. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2002. COSTA, A. M.; SOUSA, S. B. Educação Física e esporte adaptado: história, avanços e retrocessos em relação aos princípios da integração/inclusão e perspectivas para o século XXI. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, v.25, n.3, p. 46-56, maio de 2004.

FOREST, M.; PEARPOINT, J. Inclusão: um panorama maior. In: MANTOAN, M.T.E. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Memnon, p.137-41, 1997.

GOELLNER, S.V.; SILVA, A.L.S. Biotecnologia e neoeugenia: olhares a partir do esporte e da cultura fitness. In: COUTO, E.S.; GOELNER, S.V. (orgs.) O triunfo do corpo: polêmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes, p.187-210, 2012. GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GONÇALVES, G.C.; ALBINO, B.S.; VAZ, A.F. O herói esportivo deficiente: aspectos do discurso em mídia impressa sobre o Para-panamericano 2007. In: PIRES, G. De L. (org.) “Observando o Pan Rio/2007 na mídia”. Florianópolis: Tribo da ilha, p.149-167, 2009.



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PEREIRA, S. O. Reabilitação de Pessoas com deficiência no SUS: Elementos para um debate sobre integralidade. 113f. Dissertação (Mestrado) Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, 2009.

SASSAKI, R.K. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. – Rio de Janeiro: WVA, 1997. SILVA, T.T. A produção social da identidade e da diferença. In SILVA, T.T. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Tomaz Tadeu da Silva (org.). p. 73-102. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. SKLIAR, C. A inclusão é “nossa” e a diferença é do “outro”. In RODRIGUES, D. Educação e inclusão: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus, 2006.

SANTOS, B.S. Produzir para viver: Os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

TRINDADE, A.L. Do corpo da carência ao corpo da potência: desafios da docência. In: GARCIA, L.G. (org.). O corpo que fala dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: DP&A Editora, p.65-88, 2002. VARELA, A. Desporto para as pessoas com deficiência. Revista Educação Especial e Reabilitação, Lisboa – Portugal, v. 1, n. 5/6, jun. 1989.

ESPORTE E ESPETÁCULO EM ARACAJU NO INÍCIO DO SÉCULO XX: DA ORGANIZAÇÃO DOS CLUBES E DOS EVENTOS ESPORTIVOS ÀS MUDANÇAS NO ESPAÇO URBANO E NAS FORMAS DE IDENTIFICAÇÃO COLETIVA Marlaine Lopes de Almeida1

INTRODUÇÃO

E

ste estudo caracteriza-se por uma pesquisa histórica, e faz uso do referencial teórico e metodológico da história cultural. Tem como escopo investigar as iniciativas políticas encampadas no primeiro quartel do século XX em Sergipe que contribuíram para o desenvolvimento das práticas esportivas, buscando entender como se deu o processo de urbanização da cidade em função da promoção dos eventos esportivos. A intenção é mostrar como foi surgindo espaços sociais destinados a cultura do esporte, e, a proximidade dessas práticas com a representação de identidade coletiva do público sergipano. Ao debruçar-me na pesquisa sobre a História da cultura esportiva em Sergipe, examinei os periódicos encontrados de forma cautelar e minuciosa, uma vez que os jornais foram os principais registros escritos encontrados como referência sobre o fenômeno estudado. Nesse aspecto, Le Goff (1984), nos chama atenção para levar em consideração um ponto crucial da pesquisa histórica, que diz respeito à questão dos fatos encontrados nem sempre estarem dispostos da mesma forma como realmente aconteceram, pois, ao

1 Mestre em Educação, História e Sociedade pela UFS; doutoranda em educação pela UFBA; Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do IFBA; pesquisadora financiada pela FAPESB; e-mail: [email protected]; [email protected].

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serem registrados foram modificados por interesses sociais que tentaram representar um modelo almejado por um grupo específico. Daí ressalta-se o papel do historiador na sua estreita relação com os documentos, segundo o qual deve haver uma (re)significação dos fatos e dos sentidos conotados do que foi arquivado, necessitando de um manuseio, seleção, ordenamento, comparação e interpretação do historiador com o intuito de constituir seu objeto de estudo em um fato da História. Perceber o que moveu a cultura esportiva através dos elementos contidos nos jornais implica compreender que contexto e aspirações o novo século propiciava aos indivíduos, que tipos de hábitos, condutas e valores deveriam (re) produzir. Assim, partimos do entendimento do que representou as manifestações desencadeadas nos espaços urbanos no início do século XX, buscando compreender a atmosfera de exaltação em torno da cultura física que era imposta pelo novo tempo. De acordo com Elias (1992), as sociedades cada vez mais regulamentadas, buscavam garantir aos indivíduos os meios suficientes de excitação agradável, em experiências compartilhadas sem o risco de desordem socialmente intolerável. Houve sociedades, como no caso da Inglaterra, que deram um passo à frente nesse processo, no momento em que se deu o desenvolvimento da industrialização e urbanização, pela emergência de passatempos que gradualmente foram organizados e difundidos como formas de ocupação de tempo livre, tornando esse fenômeno conhecido como “desporto”. Assim, compreendemos que algumas formas de passatempos moldaram-se no sentido de representar práticas culturais a partir de um estado no qual estavam ausentes, mas que o próprio fluxo e desenvolvimento das sociedades a tornavam necessárias como uma maneira de “controlo” dos impulsos, imprimindo aos indivíduos, formas de auto-regulação do comportamento, que caminham no sentido de propiciar modelos civilizados de relações sociais.



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O entendimento de práticas esportivas, deste trabalho deverá ser tomado como a representação de uma manifestação cultural, estabelecida como configurações2 balizadas a partir de formas de expressões sociais aceitáveis. Assim falamos de práticas esportivas que se fizeram presentes através da representação de uma cultura ausente em uma dada realidade social. O conceito de representação utilizado fundamenta-se nas considerações apontadas por Chartier: [...] a representação como exibição de uma presença, como representação pública de algo ou de alguém... a representação é instrumento de conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente através da sua substituição por uma imagem capaz de o reconstituir em memória e de o figurar tal como ele é (CHARTIER, 1990, p. 20).

Em si tratando da identidade dos indivíduos, a literatura consultada indica que, no início do século XX ocorreram significativas mudanças no comportamento e no modo de vida das pessoas, devido ao crescente processo de urbanização e modernização das cidades, o que desencadeou um fenômeno que Sevcenko (1998), viria a chamar de “mobilização permanente”. Essa mobilização significou um constante deslocamento dos indivíduos do âmbito privado para o público. E neste sentido, a praça, os clubes, os salões de festas, os lugares elaborados e construídos especificamente para eventos 2 “Configuração é uma formação social cujo tamanho pode ser muito variável, em que os indivíduos estão ligados uns aos outros por um modo específico de dependências recíprocas e cuja reprodução supõe um equilíbrio móvel de tensões. O conceito de configuração implica na relação de interdependência dos indivíduos, não só pelos seus intelectos mas pelo que eles são no seu todo, a totalidade das suas ações nas relações que sustentam uns com os outros. Assim as ações realizadas são tão concretas quanto a existência dos sujeitos”. C.f. CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Galhardo. Lisboa: Difel, p. 91 – 191. 1990. ELIAS, N. Introdução a sociologia. Edições 70. p. 140 – 145. 1980.

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esportivos, firmavam-se como espaços propícios para circulação e visibilidade dos indivíduos3. A cidade expandiu-se e transformou-se, não só na sua estrutura física. As mudanças tornam-se perceptíveis principalmente nos interesses pessoais e coletivos, nas inter-relações e configurações, na qual a busca em representar “o moderno” no cotidiano da cidade, e no próprio estilo de vida, incutiu novas formas de relacionamento entre os indivíduos. Fato que repercutiu diretamente na maneira de desfrutar dos prazeres da vida urbana. Assim, em uma perspectiva de formação da cidade, as obras de melhoramento e embelezamento nos projetos dos administradores foram implantadas no sentido de tornar Aracaju uma cidade moderna, ao alcance do mundo das máquinas, dos bondes, dos trens, automóveis, dispondo, dessa maneira, de espaços confortáveis, propícios e acolhedores ao desenvolvimento da cultura esportiva. Neste contexto, os eventos esportivos emergiam como uma forma de espetáculo capaz de imprimir significados aos espaços e lugares, configurando-os como ambientes pensados e projetados para constituir identidades coletivas. Vários espaços foram elaborados para impulsionar o desenvolvimento da cultura esportiva, tais como um Prado4, inaugurado em 18 de novembro de 1922: É amanhan que os apreciadores do hippismo irão apreciar no coidado prado do Derby Club a magnífica corrida do sympathisado grêmio sportivo. É a décima quinta. Será,

3 Para Viñao Frago, a construção dos espaços é dotados de intencionalidades “[...] o espaço jamais é neutro: em vez disso, ele carrega, em sua configuração como território e lugar, signos, símbolos e vestígios da condição e das relações sociais de e entre aqueles que o habitam. O espaço comunica; mostra, a quem sabe ler; o emprego que o ser humano faz dele mesmo” (FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 64). 4 Pista para corridas de cavalos com arquibancadas para os espectadores e demais instalações pertinentes.



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de certo, arrojadíssima, não só pelo enthusiasmo que vem despertando, como ainda pelo facto de correrem animais afamados, vindos de fora do Estado, sendo 6 pareos e avultados os prêmios. A directoria tem se esforçado pelo esperado êxito de amanhan, tendo conseguido que os bondes da linha do Matadouro comecem a trafegar ás 13 ½ horas. Será, incontestavelmente, inesquecível o triunpho do Derby Club ao comemorar brilhantemente amanhan o seu vitorioso primeiro aniversário de fundação (CORREIO DE ARACAJU, 17 de novembro de 1923).

São perceptíveis os esforços para apoiar os acontecimentos esportivos, como a ampliação do sistema de transporte, além da própria iniciativa de trazer animais de outras localidades para garantir o sucesso do evento. De acordo com Melo (2001), as experiências com as corridas de cavalo no Rio de Janeiro datam de 1810. No entanto, o registro mais antigo sobre as corridas de cavalo data de 1814, em uma nota publicada na Gazeta do Rio de Janeiro, tendo o primeiro clube da cidade sido criado em 1849. O turfe foi o primeiro esporte organizado no Brasil. Em Sergipe a criação de um clube destinado ao turfe aconteceu na segunda década do século XX, já os clubes como os de regatas e futebol, foram criados na primeira década do século XX, concomitante ao surgimento dessas práticas em outras localidades do País. Já os jogos das primeiras competições de Futebol foram realizados nos campos da Praça Pinheiro Machado (Antiga Praça da Conceição) e da Praça do Petisco, no Bairro Siqueira Menezes (hoje Bairro Industrial). Esses espaços eram “campos” improvisados e desconfortáveis, mesmo assim, o público aracajuano, entusiasmado com o futebol, suportava o ambiente insalubre e anima-

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va as tardes de Domingo, comparecendo em grande número aos jogos ali realizados5. As autoridades públicas, tanto do Estado quanto do Município, alegavam não dispor de recursos nos cofres públicos para construir um estádio adequado, justificavam, ainda que, a Praça Pinheiro Machado era um logradouro público que necessitava de lei específica para se transformar oficialmente em um estádio esportivo. Conforme o cronista esportivo Pompeu Voga6, o público aracajuano clamava por um campo de futebol adequado e condigno com o progresso do esporte no Estado de Sergipe. Sensibilizado com a situação, o Coronel Adolpho Faro Rollemberg, deliberou-se a compra de um terreno para construção de um “graund” (campo) que contemplasse as necessidades dos entusiastas do esporte Bretão. Assim, em 1° de agosto de 1919, o Coronel Adolpho Faro Rollemberg reuniu-se na residência do Capitão de Corveta Oscar Azevedo (vice-presidente da Liga Desportiva Sergipana e presidente do Club Sportivo Sergipe), juntamente com Almirante Aminthas José Jorge (presidente da Liga Desportiva Sergipana), e o Sr. João Monteiro (presidente do Club Cotinguiba), para comunicar que não havia conseguido adquirir o terreno prometido, resolvendo então doar um terreno de sua propriedade, localizado em local privilegiado na capital, na antiga Praça da Fundição, para a construção de um campo de futebol. Nesta reunião ficou documentado que o terreno doado aos dois clubes, ficaria livre de quaisquer indenizações futura para os novos proprietários. Três dias depois da reunião, em 03 de agosto de 1919, Adolpho Rolemberg faleceu, aos 47 anos, vitimado de uma uremia, seguida de infecção generalizada. 5 C.f. VIANA FILHO, Memória Esportiva, Aracaju, 30 de setembro a 06 de outubro de 2002. 6 C.f. Jornal do Povo, 27 de maio de 1919.



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O projeto de construção do campo fora levado a frente, a imprensa acompanhou todas as fases de construção do novo campo, demonstrando a expectativa do público e o quanto almejado se tornara a ideia de sua implantação. Em 07 de março de 1920 inaugurava-se o primeiro graund de futebol de Sergipe. Que recebera o nome de Graund Adolpho Rolemberg, localizado entre as Ruas Vila Cristina e Vila Nova (atual Duque de Caxias). Esse espaço foi o principal palco dos espetáculos esportivos de Aracaju durante 28 anos. O empreendimento fora construído com bases de alvenaria, arquibancadas de madeira e cobertura de zinco. Na terceira década de existência, o lugar foi demolido, os dirigentes políticos do Estado de Sergipe alegaram falta de recursos financeiros para reforma e prestar manutenção à estrutura do Graund, atualmente o espaço é ocupado por uma área residencial. Registra-se também a construção de um rinque de patinação no ano de 1923, durante a administração do Governador Graccho Cardoso, instalado na Praça Benjamim Constant:

[...] Foi introduzido um longo passeio a concreto, circulando o jardim da Praça Benjamim Constant. Pelo pouco tempo que dispúnhamos esta obra pode ser considerada um tour de forci (SIC). Como todos sabem, nesta praça se celebram as tradicionais festas de fim de anno de modo que alli é grande a fluencia e pode-se dizer de toda população de Aracaju, se reúne naquelle local para tomar parte nos divertimentos e festejos populares. O passeio tem 140 metros de comprimento por 5 de largura, portanto uma área de 700 m quadrados; é guarnecidos de meios fios de granito pela parte externa e de cimento pela arte interna, tem um lastro de concreto e é revestido de cimento grosso capaz de resistir grandes esforços. Esta grande área

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foi construída para o sport de patinação (BITTENCOURT apud BARBOSA, 1992, p.61).

A implantação de um espaço de lazer constituído em forma de uma pista de patinação trouxe a Aracaju um modelo representativo dos hábitos da elite europeia. No Brasil, esta prática fora difundida desde o século XIX, inicialmente destituída de caráter competitivo, funcionava como atrativo para a população nos espaços públicos de lazer. De acordo com Melo (2001), no Rio de Janeiro, a prática era adotada desde 1820, aumentando sua popularidade no ano de 1870 quando foi construído o primeiro rinque, na época denominado “Skating Rink”. Em Aracaju, o espaço também era utilizado para os treinos e competições de “law-tenis”, de “tag-ofwar” (cabo de guerra), corrida de velocidade, corrida com saltos, corrida de bandeiras. Outro espaço de relevante prestígio foi a construção de uma garagem para embarcações, instalado no bairro Boa Vista, atualmente Av. Ivo do Prado, em 14 de agosto de 19107, privilegiando os clubes de regatas recém-formados que, a partir de então, passaram a realizar com frequência regular os eventos náuticos. A restauração da Ponte do Imperador, reestruturada segundo os modelos arquitetônicos que estivessem em harmonia com o novo tempo, foi de grande importância para os eventos esportivos. A Ponte do Imperador era um dos cenários mais atrativos da cidade, local onde o público assistia as competições de regatas e dos demais esportes aquáticos e festejos náuticos. Em Sergipe, os primeiros contatos com as atividades aquáticas envolvendo um público assistente aconteceram no início do século XX. Nota-se o aparecimento de modalidades esportivas individuais, como o remo, a natação e o iatismo. Ainda assim, de forma muito esporádica, restrita à figura masculina da elite sergipana, no estuá7 C.f Correio de Aracaju, 17 de julho de 1910; O Estado de Sergipe, 17 de agosto de 1910.



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rio do Rio Sergipe. Esse fato atraia a conceituada sociedade política e letrada da capital, acompanhada das suas famílias para prestigiarem o espetáculo que se tornaram as regatas ali disputadas. Melo (2001), afirma que, a organização dos Clubes de Regatas, ainda no final do século XIX, em 1895, surgiu na tentativa de criar uma entidade que tivesse por finalidade regulamentar e controlar as atividades de remo. Em 1897 foi criada a União de regatas, chamada de conselho Superior de Regatas. Em 1902, houve mais uma mudança, transformando-se na Federação Brasileira de Remo. Esta instituição criou um código rígido de controle e estruturação dos clubes de regatas, algumas das normas, impunham o registro das embarcações, divisão por categoria, números de associados, regulamentação dos uniformes, dentre outras que visavam o crescimento dos clubes e a organização das competições e eventos náuticos. Essa forma de estruturação dos clubes fez com que esta modalidade conquistasse um grande número de espectadores, estruturando-se em forma de espetáculo e adquirindo um crescente número de praticantes. A partir de Elias (1992), é possível entender que, o surgimento dos clubes e a consequente organização dos eventos esportivos, representaram uma tentativa de estabelecer na cidade espaços sociais civilizados. O cultivo dos espetáculos esportivos afirmou-se através da sua relação com os projetos de urbanização e desenvolvimento da cidade, criando ambientes que se configuraram pela recíproca relação de interdependência entre os indivíduos e destes com os espaços sociais. Assim, no início do século XX, esse crescente processo de urbanização e modernização das cidades passou a ser acompanhado por uma mobilização dos seus habitantes no sentido de encampar a cultura física respaldada em eventos esportivos, modelo este que, segundo Lucena (2001), estava em circulação em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Vitória.

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A organização dos eventos esportivos no início do século XX tinha como principal finalidade, a legalização e legitimação da prática esportiva, e consequentemente, a institucionalização dos clubes de esporte, fazendo com que as agremiações funcionassem seguindo um modelo voltado ao consumo do espetáculo. Assim, os eventos esportivos funcionariam como criadores de lugares e espaços privilegiados pelo deslocamento, consumo e manifestações de pessoas. Desde a primeira década do século XX, a cidade de Aracaju assistiu diversas manifestações de organização dos acontecimentos esportivos, como a instalação do Club Cotinguiba em 10 de outubro de 19098, uma semana depois, em 17 de outubro de 1909 foi instalado o Club Sportivo Sergipe9, na última semana de outubro do mesmo ano surgiu o Clube de Regatas da Associação Comercial10, em 14 de setembro de 1919 foi fundado o Club Sportivo Feminino11, e em 18 de novembro de 1922 foi inaugurado o Derby Club12. Além da presença dessas instituições, a urbe Aracajuana no início do século XX caracterizava-se pelas mais diversas formas de manifestação e consumação. A imprensa publicava que os ingressos para os jogos de “foot ball” haviam esgotado, noticiavam também o deslocamento dos indivíduos e a superlotação dos torcedores em bares, cafés, confeitarias e diversos outros espaços públicos nos dias de eventos esportivos. Após as competições, eram realizadas festas dançantes em comemoração ao sucesso do evento. Para a disputa do primeiro campeonato oficial de futebol e regatas, realizado no Graud Adolpho Rollemberg e no estuário do Rio Sergipe, patrocinado pela Liga Desportiva Sergipana, os Clubes Cotinguiba e Industrial, contrataram vários atletas dos principais clubes 8 9 10 11 12

C.f Correio de Aracaju, 10 de outubro de1926. C.f Correio de Aracaju, 16 de outubro de 1926. C.f Correio de Aracaju, 19 de outubro de 1909. C.f Correio de Aracaju, 17 de setembro de 1919. C.f Correio de Aracaju, 12 de novembro de 1923.



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de Futebol da Cidade de Salvador – BA, recebendo, inclusive, times dos Estados vizinhos para competir e garantir o sucesso do evento. A partir de Elias, é possível perceber que o espetáculo esportivo configurava-se por manifestações desencadeadas com o intuito de oferecer as pessoas uma excitação libertadora de uma disputa que envolvesse esforço físico e destreza, e estava intrinsecamente relacionada às transformações do significado social das atividades de lazer, dissipando-se não apenas como meio de sensação agradável, mas principalmente como meio de identificação coletiva. Assim, em Aracaju, no início do século XX, os indivíduos que se apropriaram das atividades esportivas, tanto por promovê-las ou praticá-las, o fizeram no sentido de tentar aproximar-se de um modelo civilizado de excitação com o esporte, repercutindo-o em forma de espetáculo, e por conseguinte, concentrando essas representações em uma instituição que as reconheciam como práticas legítimas no meio social. Os eventos esportivos, neste contexto, funcionariam como forma de despertar no público o desejo de pertencimento e de constituir uma identidade coletiva, possibilitando o contato e a sociabilidade. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M.L. Práticas esportivas em Aracaju no início do século: um estudo sobre a participação da mulher. São Cristóvão: Departamento de Educação Física/Universidade Federal de Sergipe, 2004. (Monografia de Licenciatura em Educação Física). BARBOZA, N. Em busca de imagens perdidas: Centro Histórico de Aracaju. Aracaju: Fundação Cultural Cidade de Aracaju, 1992.

CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Galhardo, Coleção: Memória e Sociedade. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

ELIAS, N. A busca da excitação. Coleção: Memória e Sociedade. Rio de Janeiro: Difel. 1992.

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FRAGO, A.V.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. LE GOFF, J. et al. “História”. In: ENCICLOPÉDIA Einaldi. Porto: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda. 1984, v.1. LUCENA, Ricardo de Figueiredo. O esporte na cidade: aspecto do esforço civilizador brasileiro. Campinas: Autores Associados, 2001. MEDINA, A.M.F.. Ponte do Imperador. Aracaju: J. Andrade, 1999.

MELO, V.A. Cidade Sportiva: primórdios do esporte no Rio de Janeiro: Relume Dumará / FAPERJ, 2001.

PORTO, F.F. Alguns nomes antigos do Aracaju. Aracaju: J. Andrade, 2003. SEVCENKO, N. Orfeu extático na Metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das letras, 1998. FONTES: Jornal Correio de Aracaju, Diário da Manhã, Sergipe Jornal, Jornal do Século XX; Jornal do Povo, 27 maio de 1919. Revistas

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Revista Sport, Revista de Educação Física. Depoimentos

VIANA FILHO, Memória Esportiva, Aracaju, 30 de setembro a 06 de outubro de 2002.

FUNDAMENTOS DO VOLEIBOL E SUA APRENDIZAGEM: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS CONCEITOS DA APRENDIZAGEM MOTORA Daniel de Almeida e Freitas1 Quéfren Weld Cardozo Nogueira2

INTRODUÇÃO

E

ste trabalho tem como objeto de estudo fundamentos do voleibol e sua aprendizagem: uma análise a partir dos conceitos da aprendizagem motora. Para isso, selecionamos os manuais de voleibol contidos na biblioteca da Universidade Federal de Sergipe, fazendo inicialmente uma leitura do sumário, para verificar quais melhor serviriam para o presente trabalho. Também utilizamos literaturas da aprendizagem motora, para servirem de parâmetros, pois as mesmas são mais referenciadas quando se trata dos conceitos de aprendizagem motora. A proposta é verificar de que forma é abordada a questão da aquisição das habilidades motoras específicas do voleibol nos manuais, usando como base comparativa os livros de aprendizagem motora. Por ser uma modalidade esportiva é sabido que ela possui fundamentos próprios e que para se possa pratica-lo é necessário aprender tais fundamentos. Assemelhando-se a vida cotidiana, onde temos que aprender diariamente novas habilidades motoras para que possamos completar nossas atividades de forma mais eficiente e econômica possível, no voleibol também é necessário aprender as habilidades específicas que lhe compõe. Específicas por conta de apenas se encontrar nesta modalidade esportiva, ou 1 Acadêmico da Universidade Federal de Sergipe. 2 Professor Doutor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe.

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seja, as técnicas executadas no voleibol se diferem das habilidades do dia a dia. Sabendo disso, é possível dizer que tais habilidades não são aprendidas por meio da repetição rotineira, é necessário separar um tempo apenas para serem aprendidas, pois sem ter feito a aquisição das técnicas, fica impossível praticar o voleibol. Mas com isso chegamos a pergunta, como se aprender habilidades motoras que não estão presentes na nossa rotina diária? Sabemos que por conta da popularização do voleibol entre as pessoas e pelo ensino da modalidade nas escolas, as publicações acerca deste esporte foram aumentando gradativamente. Muitas destas publicações foram produzidas no intuito de ajudar o ensino e a propagação da modalidade. Uma destas publicações são os livros de voleibol ou os manuais de voleibol. Neles são mostradas as técnicas, o histórico dentre outras informações pertinentes relacionados ao voleibol. Mas se o intuito dos manuais é ensinar o voleibol, como eles tratam a aquisição das habilidades específicas que formam esta modalidade? Como os manuais entendem a aprendizagem destas habilidades? São estas perguntas que incentivaram a produção deste trabalho. Este trabalho visou ajudar no entendimento do tema proposto, possibilitando posteriormente a quem viesse a estudar sobre a aquisição das habilidades específicas do voleibol, um entendimento a mais sobre a visão dos autores relacionados aos manuais de voleibol em discussão com os conceitos existente nos livros dos autores desenvolvimentistas. Inicialmente foram feitos fichamentos dos livros, separando conceitos e citações que eram pertinentes ao trabalho. Posteriormente, por se tratar de um trabalho de revisão bibliográfica foram lidas com mais profundidade os capítulos que interessavam, separando as ideias de cada autor de forma que fosse possível analisa-las completando um autor com outro ou verificando as discrepâncias entre eles. Desta forma pretende-se verificar o que



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cada autor dos manuais de voleibol fala sobre e entendendo como acontece a aquisição das habilidades motoras e se está de acordo com os postulados desenvolvimentistas os quais serão usados como base conceitual. Foi estabelecido como objetivo geral investigar como os manuais de voleibol tratam a questão das habilidades motoras, fazendo uma discussão com os autores desenvolvimentistas os quais tratam desta questão. Os objetivos específicos que norteiam esta pesquisa consistem em: identificar a origem epistemológica do termo da aprendizagem motora, aquisição de habilidades motoras, utilizado nos textos; fazer um levantamento acerca das discussões da abordagem desenvolvimentista e suas relações com questões referentes à aquisição das habilidades motoras; fazer um levantamento acerca das discussões feitas nos manuais de voleibol referente a aquisição de habilidades motoras; fazer uma discursão entre as ideias encontradas nos manuais e nos livros das abordagens desenvolvimentista, relacionado a aquisição das habilidades motoras. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O VOLEIBOL

O voleibol surge em 1865 na associação Cristã de Moços de Holyoke, Massachusetts, com o norte-americano Willian G.Morgan. O diretor da divisão de Educação Física, vendo que os alunos mais velhos não tinham se adaptado basquetebol recentemente criado por ser uma modalidade de alto impacto e causar muitas lesões, foi forçado a criar uma atividade onde todos pudessem participar promovendo benefícios a saúde dos que não praticavam outras modalidades, essa atividade inspirada no tênis, era algo recreativo e que proporcionava menor contato físico entre os participantes. Inicialmente nomeada de Minonette era praticada com regras que se distanciam das de hoje em dia, a bola era de borracha, a área da quadra era diferente, era permitido dar quantos toques

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quisesse na bola de um jogador para o outro, por ser uma atividade recreativa e inclusiva não tinha número mínimo de jogadores em quadrae assim por diante. Em pouco tempo essa atividade foi nomeada de volleyball e foi difundida pelas ACMs dos EUA e do Canadá. De 1987 a 1922 surgem às primeiras regras, dentre elas a delimitação de seis jogadores e dos três toques por equipe. O voleibol chega a América do sul em Pernambuco por volta de 1910 se expandindo pras ACM de São Paulo. Por ser uma modalidade sem muito contato físico e de pouco impacto o voleibol sofreu alguns preconceitos, era considerado jogo de mulher e de idosos o que atrapalhou por um curto período de tempo a sua expansão. Em 1949 é disputado o primeiro campeonato mundial de voleibol masculino, no qual ocorreu em Praga e teve como campeã a equipe da ex-União soviética. Na década de 1970 o voleibol brasileiro desponta, começa a se formar técnicos, são investidos em cursos para o aprimoramento dos atletas, esses cursos eram ministrados por técnicos estrangeiros de renome. Nesse período vários campeonatos internacionais começaram a ser sediados no Brasil, aumentando assim a presença de técnicos estrangeiros e a notoriedade do voleibol. Outro fator que alavancou esse esporte no Brasil foi o interesse das emissoras de televisão, a Record em 1981 transmitiu o mundialito de voleibol feminino obtendo índices de audiências acima do esperado. Com essa imersão do voleibol na televisão vieram os patrocinadores ajudando assim com que o vôlei se tornasse profissional, a profissionalização do voleibol permitiu que os técnicos e atletas passassem a se dedicar integralmente ao voleibol (BOJIKIAN; BOJIKIAN, 2008). O voleibol brasileiro se firmou verdadeiramente quando, em 1984 nas Olimpíadas de Los Angeles, a equipe formada pelo técnico Bebeto Freitas, consegue garantir par ao Brasil a medalha de prata sendo que finalmente em 1992, com a equipe formada pelo técnico José Roberto, consegue o ouro nas Olimpíadas de Barce-

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lona popularizando ainda mais o voleibol no Brasil. A partir daí o voleibol toma proporções gigantescas no gosto do brasileiro, se tornando uma das melhores de voleibol do mundo. Características do voleibol

O voleibol é uma modalidade esportiva com grande ênfase no sentido coletivo do jogo, isso se dá pelo fato de não se pode fazer jogadas decisivas sozinho. É muito difícil um jogador apenas chegar a marcar um ponto sem o auxílio dos demais jogadores, mesmo num bloqueio simples onde o jogador consiga realizar com eficácia o bloqueio convertendo o ponto para seu time, ele necessita de que os demais jogadores estejam posicionados nos locais corretos para que ele possa realizar o bloqueio. Para que se concretize um ponto no voleibol não basta apenas o corte sair bem feito, para que isso ocorra toda a jogada tem que ocorrer de forma correta, ou seja, o defensor tem que defender e passar a bola eficientemente par ao levantador que por sua vez tem que levantar a bola com precisão para somente aí atacante poder reverter o ponto. Fato esse que, por exemplo, no futebol pode não ocorrer, pois um jogador de grande habilidade pode sair com a posse de bola sozinho e efetuar o ponto, no caso o gol, sem a ajuda dos demais companheiros de time. O voleibol é um esporte de jogadas aéreas no qual faz ponto o time que conseguir derrubar a bola no lado adversário. A quadra para a prática é retangular com medidas de 18x9 e é dividida no meio por uma rede. Uma característica marcante do voleibol é a falta de contato corporal entre os jogadores adversários por estar uma equipe de um lado da rede e o adversário do outro. O voleibol é um esporte democrático, pois pode ser praticado por pessoas de qualquer gênero e idade. O ponto como dito anteriormente é feitos quando se derruba a bola no time adversário, mas existem também outras formas de pontuação, as que são dadas através das

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faltas como, por exemplo: se um jogador topar na rede; se na hora do saque o jogador pisar na linha; caso um jogador dê dois toques ao mesmo tempo na bola; caso haja erro no rodízio. Algumas regras básicas instituídas no voleibol foram: dar no máximo três toques na bola; os toques devem ser realizados por atletas alternados; na execução de cada toque, não é permitido segurar ou conduzir a bola; não permitir que a bola toque o solo do seu campo de jogo (BOJIKIAN; BOJIKIAN, 2008, p.23). Como todo esporte o voleibol possui habilidades específicas próprias para sua prática, habilidades essas que diferem das habilidades cotidianas e que tem que ser aprendidas para que o jogo tenha fluência. Bojikian e Bojikian (2008) listam as seguintes habilidades específicas (Posição de expectativa; movimentação ou deslocamento; toque de bola por cima; manchete; saque por baixo; saque por cima; cortada; bloqueio; defesa). Sendo que cada habilidade tem sua característica e forma de execução como apresentado no quadro abaixo. Quadro 1: Fundamentos do Voleibol. FUNDAMENTO TÉCNICO

AÇÃO NO JOGO

Posição de expectativa e movi- Levantamento mentação

EXECUÇÃO

Deve ser executada de forma que permita a pronta entrada em ação por parte do atleta, pois a dinâmica do voleibol requer intervenções imediatas.

Todo corpo participa, o contato será sutil com a parte interna do dos dedos e pequena flexão dos punhos. Os braços e pernas deverão se estender provocando uma transferência de peso.

Toque por cima

Levantamento

Manchete

As pernas devem estar semiflexionadas, afastadas lateralmente em um distanciamento semelhante a largura Passe, defesa, ledos ombros e um pé ligeiramente a frente do outro, os vantamento braços estendidos paralelos a frente do outro com uma mão sobreposta a outra.

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Continuação

Saque por baixo

Inicio do jogo

Saque por cima

Inicio do jogo

Cortada

Ataque

Bloqueio

A bola é lançada para cima, à frente do corpo, a uma altura de, no máximo 30 cm, e será golpeada com o braço contrário daquele que o lançou, que realizará todo o movimento em direção a bola.

Bola lançada por ambas as mãos acima da cabeça. O braço que golpeará a bola faz um movimento passando por cima da linha do ombro se flexionando na máxima amplitude escapulo-umeral, golpeando a bola quando a mesma descer a uma altura apropriada com o braço devidamente estirado.

É subdividida em: deslocamento; chamada; salto; fase aérea; queda.

O bloqueador salta estendendo braços e pernas simulDefensivo/ofentaneamente na direção da bola sendo que no bloqueio sivo ofensivo as mãos invadem o espaço aéreo adversário.

Algumas dessas habilidades ainda apresentam variações como o saque por cima (ser flutuante ou com rotação), a manchete (entrada sob a bola e ataque à bola), cortada (largada). Todas elas com suas especificidades, forma de ser aprendida e executada. Habilidades motoras do voleibol

As modalidades esportivas podem ser destacadas como jogos que exigem a execução de habilidades específicas. Em cada uma das modalidades encontramos movimentos específicos, denominados tanto de habilidades esportivas ou técnica esportiva, as quais são indispensáveis para a prática das modalidades em questão. Como é possível jogar voleibol sem saber executar um toque ou manchete? Como executar jogadas combinadas em jogos de handebol, por exemplo, sem uma técnica apurada do passe e recepção de bola? Como chegar a meta de uma partida de futebol sem um conhecimento mínimo das técnicas de condução de bola de chute ao gol? As modalidades esportivas são também manifestações de um conjunto de habilidades motoras que “tomam vida” para que o jogo

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aconteça. Gallahue (2008) define habilidade motora como sendo uma série de movimentos realizados com exatidão e precisão. Tais habilidades são divididas em habilidade motora fundamental e habilidade motora especializada, sendo que habilidade motora fundamental é definida pelo autor como “uma série organizada de movimentos básicos que implica a combinação de padrões de movimentos de dois ou mais segmentos do corpo” (p. 52). O autor ainda divide as habilidades motoras fundamentais em categorias, são elas: movimentos de equilíbrio (contorcer-se e girar); locomotores (correr e pular); e de manipulação (rebater e lançar). Ainda neste contexto a habilidade motora especializada é definida como “uma habilidade motora fundamental ou a combinação de habilidades motoras fundamentais aplicadas à realização de uma atividade específica relacionada ao esporte.” (GALLAHUE, 2008, p.52). Então contorcer o corpo e rebater um objeto, como por exemplo num saque de vôlei tipo tênis, que são caracterizadas como uma habilidades motoras fundamental mas que neste contexto estão sendo utilizadas em conjunto, com um objetivo específico. O voleibol na sua característica de modalidade esportiva possui um conjunto de habilidades que precisam ser aprendidas e desenvolvidas para uma melhor participação dos envolvidos. Bizocchi (2010) classifica tais habilidades em: posições básicas, movimentações específicas, toque por cima, manchete, saque (por baixo, tipo tênis e balanceado), bloqueio e cortada. Na dinâmica de uma partida de voleibol, os fundamentos técnicos transformam-se em fundamentos de jogo, os quais são classificados por Ribeiro (2004) em fundamentos ofensivos (saque, levantamento e ataque) e defensivos (recepção, bloqueio e defesa), todas elas utilizadas nas diversas “combinações aéreas” que constituem a dinâmica do jogo de voleibol. Bizocchi (2000), ainda, identifica habilidades como os rolamentos, os mergulhos e os recursos de ataque (explorada, largada, empurrada, meia-força); recursos de defesa (defesa com as



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mãos espalmadas, defesa com uma das mãos - embaixo ou no alto - defesa com um dos braços - abafa, tapinha, defesa com os pés e recuperação de bolas que volta da rede); recursos do levantador (largada, levantamento com umas mãos, ataque de segunda, simulação de ataque), recursos de saque e recursos de bloqueio (evitar as exploradas – de bolas fortes ou fracas, disputa do bloqueio x bloqueio – bolas indefinidas sobre a rede, puxada). Como se trata de habilidades a serem aprendidas para a prática do esporte em questão, podemos denominá-las juntamente com Wickstrom (1977) apud Tani (2005, p. 87) de “atividades motoras avançadas e altamente específicas”. Para o aprendizado destas atividades motoras avançadas e altamente específicas é necessário um suporte anterior, ou seja, uma base na qual o individuo possa aprender e progredir a partir dela. Este suporte é formado por habilidades básicas, sendo estas definidas por Wickstrom (1977) como “uma atividade motora comum com uma meta geral, sendo ela a base para atividades motoras mais avançadas e altamente específicas” (apud Tani, 2005, p.87). Não se trata aqui de ensinar diretamente uma habilidade motora específica, sem se valer elementos básicos que servirão de suporte para as futuras participações no esporte. As habilidades motoras básicas como o andar, correr, arremessar, receber, saltar, quicar, rebater e chutar estão presentes em diversas modalidades, inclusive no voleibol. Para Tani (2005) a primeira habilidade básica a ser desenvolvida é o andar, seguida pelo correr, arremessar, receber, saltar, quicar, rebater e chutar. As habilidades motoras básicas como o andar, correr, arremessar, receber, saltar, quicar, rebater e chutar estão presentes em diversas modalidades, inclusive no voleibol. Ao discutir a questão das habilidades básicas no voleibol, Muller (2009) enfatiza a importância do aprendizado prévio das técnicas básicas que servirão de suporte para o aprendizado dos movimentos com um maior grau de complexidade.

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Mais tarde, a técnica básica aprendida influenciará nos novos movimentos, dificultando ou facilitando a mudança e a correção. A boa formação básica dará condições para novas experiências e para novas experiências e para as prováveis execuções corretas. A aprendizagem inadequada ou engrama “gravado” incorretamente limitará essas variações, além de proporcionar um gasto maior de tempo nas correções dos gestos aprendidos fora dos padrões técnicos ideais (MULLER, 2009, p. 27).

Para Muller (2009), as habilidades motoras específicas são melhor aprendidas quando as habilidades básicas estão fortemente estabelecidas, isto é, existe um grau de estabilização e autonomia dos movimentos, o que significa uma proficiência na sua execução dos gestos. Por meio da diversificação e complexidade destas habilidades básicas pode-se chegar à eficácia na execução de uma habilidade motora específica, por exemplo, a cortada, já que nela estão presentes diversas habilidades básicas que são executadas sequencialmente para que o fundamento de jogo aconteça: o indivíduo corre, salta e rebate. Bojikian e Bojikian (2008), por sua vez, ressalta a importância do desenvolvimento das habilidades básicas para que haja uma reorganização motora mais rápida e eficiente, reorganização essa que acontece na criança no período de onze a quatorze anos por conta do desenvolvimento repentino da estrutura corporal que faz com que haja um desajuste motor na criança. Com tais habilidades básicas incorporadas de modo estável e autônomo é possível avançar para habilidades mais complexas e específicas do voleibol. Para a aquisição dessas habilidades motoras específicas, Tani (2005) aponta dois processos fundamentais, relacionados com o aumento da diversificação e complexidade do comportamento, isto é, “o aumento na quantidade de elementos do



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comportamento e, por aumento da complexidade, o aumento da interação entre os elementos” (TANI, 2005, p. 87). Esta diversificação do comportamento, onde se observa um aumento no número de elementos do comportamento, é uma etapa muito importante no desenvolvimento motor da criança. Numa etapa posterior, estes elementos do comportamento, como andar, correr, saltar e arremessar, interagem para formar estruturas mais complexas. (TANI, 2005, p.87)

Este aumento de diversificação e complexidade pode ser visto em situações como as do saque que pode ser executado de diversas formas: saque por baixo, saque por cima ou tipo tênis, saque por cima em suspensão, saque balanceado, etc. Ribeiro (2004) ainda classifica o saque de acordo com sua trajetória (tensa ou flutuante); direção (diagonal ou paralela); distância (curta ou longo); velocidade (rápido ou lento). Bojikian e Bojikian (2008) por sua vez classifica o bloqueio em: bloqueio ofensivo e defensivo, bloqueio simples e coletivo (duplo ou triplo). A diversificação e a complexidade do comportamento acontecem, por exemplo, quando observamos as fases de execução da cortada. Bojikian e Bojikian (2008) apresenta essas fases de forma seqüencial: deslocamento, chamada (preparação para o salto), salto, fase aérea (posicionamento dos braços e contato com a bola) e a queda. Cabe também perceber a importância que as habilidades básicas possuem na construção das habilidades específicas, neste caso os fundamentos do voleibol. Se por acaso o executor do fundamento não tiver aprendido devidamente uma grande quantidade de habilidades básicas, ele terá futuramente dificuldades de aumentar o grau de complexidade de seus movimentos, ou seja, ele demorará mais para aprender e executar um fundamento mais avançado no voleibol, já que para executar, por exemplo, a cortada, é necessário

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que o indivíduo possua autonomia em diversas habilidades básicas (correr, saltar, rebater). Se, por um lado a autonomia em diversas habilidades básicas sustenta a execução das habilidades específicas, o que promove a autonomia nos fundamentos do voleibol? Bojikian e Bojikian (2008) propõe um processo metodológico composto por: (1) apresentação da habilidade motora - o professor mostrará o fundamento que será ensinado, a técnica de execução, qual a utilidade e por que é importante aprender a executa-lo com perfeição. Para facilitar o aprendizado, o professor deve, sempre que possível, mostrar na prática a execução correta do fundamento, seja através da execução, ou trazendo alguém que o faça ou através de vídeos, fotos, slides, filmes, que demonstre detalhadamente o fundamento; (2) sequência pedagógica - a habilidade é fragmentada em pequenas partes que devem ser ensinadas de maneira associada e progressiva; (3) exercícios educativos, por sua vez, são atividades com o propósito de corrigir os erros de execução dos gestos técnicos. Já os exercícios formativos visam o desenvolvimento das capacidades motoras que contribuirão para a aprendizagem do fundamento; (4) automatização - relacionada com a execução harmoniosa e com perfeição, ou seja, com um autograu de proficiência. Tal proficiência, sinônimo de autonomia, é conseguida com treinamento e repetição em situações variadas, e exige que o processo metodológico seja executado de maneira eficiente, sem queimar etapas; (5) aplicação do fundamento à mecânica do jogo nas formas de: exercício em forma de jogo, jogo adaptado e jogo de iniciação. Mesmo com a efetivação de todo o processo metodológico, não é possível afirmar que as habilidades serão executadas com eficiência total, sem nenhum erro. Ribeiro (2004), ao apresentar os fundamentos do voleibol ele nos mostra os principais defeitos que ocorrem durante a execução do movimento, um desses defeitos citado ocorre quando o atacante não faz a extensão completa dos braços



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na execução da cortada. Apesar de apenas acontecer no momento da rebatida (contato com a bola), para que esse defeito ocorra o indivíduo já inicia o movimento de corrida de forma errada. Normalmente isso acontece pela falta de autonomia das habilidades básicas necessárias para executar toda a cortada com exatidão. Neste caso o individuo não consegue realizar o salto em conjunto com a projeção dos braços para cima, ou seja, falta coordenação de membros superiores e inferiores, o resultado disso é um maior gasto de tempo para o aprendizado correto, ineficiência na execução ou até impossibilidade de execução do fundamento. Ter uma pequena diversidade de habilidades básicas não atrapalha apenas a execução do fundamento, mas também pode vir a atrapalhar a aplicação do fundamento durante a prática do jogo. Não se trata apenas da presença de erros, mas também do modo como as habilidades serão utilizadas para promover a participação no jogo. Como coloca Bojikian e Bojikian (2008), de nada adianta aprender um fundamento do voleibol se o aluno não consegue aplica-lo na prática, pois saber executar o fundamento corretamente não indica saber jogar voleibol, pois o jogo é uma prática dinâmica, exigindo assim que o praticante saiba quando e como usar o fundamento. Durante o jogo o aluno é obrigado não apenas saber o fundamento, mas também deve ser capaz de diversificar o mesmo movimento. Por exemplo, executar uma manchete com eficácia quando se sabe que a rota da bola, não quer dizer que o aluno é um exímio jogador, para tal é necessário que ele seja capaz de executar a manchete em queda, em bolas vindas nas laterais e assim por diante. Ao realizar um bloqueio simples caso o jogador tenha dificuldade, por exemplo, de contorcer-se, ele conseguira apenas interceptar ataques paralelos, tendo dificuldades em bloquear ataques na diagonal, tornando assim ineficiente o seu bloqueio. Podemos verificar observando uma partida de voleibol, que a todo momento os jogadores executam os

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fundamentos a partir de habilidades básicas e suas variações, o jogador anda e corre para frente, para trás e as diagonais sempre mudando o rumo, saltam para cima, para frente e projetando todo o corpo em direção ao solo, para poder assim melhor adequar o fundamento a necessidade de jogo. Idade e hierarquização da aprendizagem das habilidades

Para a iniciação do voleibol os autores pesquisados entraram em concordância no quesito idade: a idade ideal para iniciação no esporte deve respeitar a idade de maturação motora da criança. Para Muller (2009), apenas a idade cronológica é insuficiente para usar como referência, pois existe um contexto a ser analisado, ou seja, a individualidade deve ser respeitada. Essa individualidade é formada pelo meio social que o indivíduo esta imerso, sendo considerar necessário além dos aspectos físicos e sociais. Para a iniciação do voleibol, como para qualquer outro esporte, é necessário que a criança tenha diversificadas vivências motoras, pois serão essas vivências que servirão de suporte para o aprendizado das habilidades específicas. Quanto mais diversificado for o conhecimento motor da criança, maior facilidade ela terá para aprender as habilidades específicas e diversifica-las também. A criança que brincar em diferentes tipos de terrenos (pisos, gramas, terá, madeira), com diferentes objetos (bolas, raquetes, tacos), de vários tamanhos e pesos, e praticar jogos de pegar, saltar, rolar ou, ainda, esportes com bola que um as mãos, os pés ou ambos, terá uma experiência variada e completa, essenciais à formação física e futura formação técnica para os esportes, além de levar à descontração e à criatividade dos jogos e brincadeiras de rua para o treinamento regular (MULLER, 2009, p.56).



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Ou seja, a criança que tem vivências motoras diversas e variadas, tem mais facilidade de iniciar a vida esportiva do que uma criança que tem uma vivencia motora pobre. De nada adianta o indivíduo aprender um fundamento como a manchete ou o toque por cima, se ele não souber como usar no decorrer do jogo e nas diversas situações que ele é necessário. No caso da manchete como defesa o aluno que tem uma vivência motora maior ao tentar pegar uma bola que esteja fora de seu alcance, ele pode combinar a ação de se projetar ao solo em direção a bola executando a habilidade específica da manchete com o auxílio das habilidades básicas de saltar e rolar. Nesse caso o aluno usa de habilidades aprendidas nas brincadeiras e jogos anteriores a introdução da aprendizagem do voleibol, não é necessário que o professor de voleibol ensine como o aluno se projetar ao solo e efetuar a manchete ao mesmo tempo. Seguindo uma ordem cronológica, Tani (2005) coloca que o aprendizado das habilidades básicas ocorre até os seis a sete anos e a partir dos dez a doze anos que a criança começa o refinamento e a diversificação nas combinações das habilidades básicas (TANI, 2005, p. 87). Para Bojikian e Bojikian (2008), a introdução da criança no voleibol deve acontecer entre os onze e quatorze anos, se assemelhando com o período anteriormente descrito por Tani (2005) como a fase de diversificação e combinação das habilidades básicas. Bojikian e Bojikian (2008) se apoiam nessa ideia ao afirmar que é nesse período em que as crianças sofrem uma grande modificação física tornando assim essa fase um período onde ocorre uma reestruturação motora natural, é nessa idade em que a criança tem um grande crescimento morfológico tornando-a estabanada. Isso ocorre por conta que ela não esta adaptada ao “novo corpo”, suas experiências motoras estão limitadas a uma condição diferente da atual, seu corpo tomam proporções ainda desconhecidas para a criança. Parece contraditório esse período ser o melhor para a introdução no voleibol, pois a criança perde

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a noção de seus movimentos, porém é nessa fase em que o aluno tenta se reorganizar motoramente, ele fica aberto a novas experiências motoras a fim de se adaptar a essa nova condição corporal. Aceitando o processo de desenvolvimento hierárquico e a diversificação a partir das habilidades básicas é possível assumir então que as habilidades que serão aprendidas posteriormente não são algo completamente novo, ou seja, tudo está relacionado com algo que já foi aprendido. Sabendo que existe uma idade ideal para a iniciação no voleibol, entende-se então que a iniciação em uma idade inferior a citada anteriormente pelos autores tem consequências negativas na aprendizagem da modalidade. Aceitando isso como correto, pensar que colocar a criança o quanto mais cedo na especialização de uma modalidade com a finalidade de formar um futuro atleta é errado, pois a criança estaria sendo privada de vivenciar e aprender as experiências motoras básicas de forma lúdica e corriqueira, sem ter o sentido da obrigação. Enfim, a Educação Física escolar que toma a responsabilidade por ensinar essas habilidades básicas, mas mesmo assim a experiência é diferente, pois por ser uma disciplina escolar e obrigatória, o aluno não tem a mesma liberdade de aprendizado e com certeza que as proposições apresentadas pelo professor podem não ser tão vastas e ricas quantos aos que o meio social natural proporciona a criança. Bojikian e Bojikian (2008) reforça que uma aprendizagem precoce limita o atleta aos fundamentos, reduz sua criatividade em campo pois é a partir da experiência que teve na infância que o atleta se forma, nesse caso se o atleta tem poucas experiências motoras suas respostas são reduzidas ele não tentou resolver o mesmo problema motor de várias maneiras. Como já foi dito anteriormente o voleibol é constituído por movimentos complexos e específicos que, mesmo que esses movimentos não sejam reproduzidos no cotidiano, é necessário o aprendizado de habilidades básicas que estão presentes especialmente na rotina



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do individuo. O aprendizado e a fixação das habilidades motoras básicas são de suma importância, quanto maior for o domínio que o indivíduo tenha destas habilidades, mais fácil se torna o aprendizado das habilidades específicas e com maior complexidade, presentes nas diversas modalidades esportivas. O processo de aprendizado partindo do mais básico e progredindo em direção ao mais complexo é conhecido como desenvolvimento hierárquico (TANI, 2005). Para que este processo de desenvolvimento hierárquico aconteça é necessário que haja uma combinação de habilidades básicas, com o intuito de aumentar a diversidade dos movimentos e, consequentemente, a sua complexidade. Esse processo de ensino hierárquico, partindo do simples para o composto fica explicitado quando Ribeiro (2008) mostra como se dá o de treinamento do bloqueio. Segundo o autor o treinamento deve acontecer por fases, sendo que a primeira fase é mais básica e as últimas mais complexas. Para a aprendizagem real do voleibol Bojikian e Bojikian (2008) propõe um processo metodológico que é dividido em cinco etapas (Apresentação da habilidade, sequência pedagógica, exercícios educativos e/ou formativos, automatização e aplicação do fundamento ao voleibol), tais etapas devem ser realizadas em sequência, onde o professor não pode passar de uma pra outra ou anular uma das etapas, pois assim o ensino poderia ser comprometido. Esse processo metodológico por si só já apresenta característica do desenvolvimento hierárquico, pois é feito do simples para o composto bem como já foi anteriormente explanado. Na etapa sequência pedagógica o autor sugere o aprendizado por adição, onde a habilidade é subdividida em partes onde cada parte é ensinada separadamente e somente se ensina outra parte da habilidade quando o aluno já tiver aprendido a primeira, ao se ensinar a segunda parte ele adiciona a primeira parte fazendo assim com que o aluno continue praticando o que foi ensinado anteriormente e também com que ele faça a ligação entre as partes.

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Para Tani (2005) o desenvolvimento hierárquico se dá pelo menos por dois aspectos básicos fundamentais: estabilização e adaptação. No processo de estabilização existem dois outros processos que o fundamentam, um é a consistência (quando o individuo repete uma solução efetiva pra um problema motor até que ele consiga repetir essa resposta efetiva de forma automática) e a constância (quando o indivíduo consegue variar a resposta em diversas outras possibilidades). Para exemplificar essa alteração no comportamento motor e a importância da prática e repetição na automatização de um novo padrão motor verificamos que nos manuais de voleibol os autores fazem com que o aluno repita o mesmo movimento por diversas vezes “O encaminhamento para a automatização é a repetição da habilidade motora, desde que realizada em auto grau de proficiência” (BOJIKIAN; BOJIKIAN, 2008). A repetição fica presente no processo de adição falado anteriormente, pois nela se aprende apenas uma parte de técnica e em seguida essa parte é anexada ao aprendizado de outra parte, fazendo que em que em todo o processo o aluno repita a primeira parte diversas vezes deixando cada vez mais autônoma aquele padrão, criando assim uma consistência do movimento. A constância vem quando se tem consistência no movimento e partir do padrão já automatizado se varia possibilidades desse movimento, ou seja o padrão aprendido é efetuado de formas diferentes, em múltiplas situações. Para melhor esclarecimento temos como exemplo

Imaginemos uma criança tentando, sem sucesso, dominar uma bola com os pés. Cada tentativa revela uma solução ineficaz; a inconsistência é a marca principal do comportamento a essa altura. Pode-se dizer que a criança não sabe o que é necessário para resolver o problema motor, consequentemente, não há clareza sobre o que o compõe i pro-



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grama de ação necessário para a solução. Com a gradual compreensão do que está envolvido no problema a criança busca um meio mais eficaz de solução. Uma vez encontrado, ela tenta reproduzi-lo da forma mais fiel possível a cada tentativa. A consistência da resposta aumenta por meio dessa repetição sistemática do processo de solução... é a partir desse momento que uma nova classe de mudanças se apresenta. A criança busca chutar a bola não só utilizado o padrão que se tornou consistente, e mas tenta novas formas de resolução. Elas chuta com diferentes partes do pé, ora com a perna direita ora com a esquerda, com a bola em movimento, com ela em movimento, com ambos em movimento.... As mudanças que levam a esse estado são denominadas de ganho de constância (TANI, 2005, p. 76)

O processo adaptativo se dá quando ocorre reorganização das habilidades já adquiridas, ou seja, quando ocorre o aumento da diversificação e da complexidade dos movimentos. O processo adaptativo é muitas vezes composto pelo aumento da diversificação e consequentemente da complexidade das tarefas exigidas. Esse aumento, por sua vez, exige uma reorganização das habilidades ou de várias habilidades ao mesmo tempo. Não se trata apenas de executar um ou outro fundamento, mas sim da maneira de como esse se inter-relacionam nas diversas situações de jogo. Vejamos o exemplo do ataque exemplificado por Bojikian e Bojikian (2008). A cortada é normalmente a ação que finaliza a maioria das ações ofensiva do voleibol, mas por si só ela não significa nada, ela não é fundamento independente, motoramente falando, ela é a união de diversas habilidades básicas e específicas (deslocamento, chamada, salto, fase aérea e queda). Além disso, na fase aérea a um momento em que a bola é golpeada por um conjunto de ações bastante complexas e diversificadas: “Os braços são lançados por cima.

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O que golpeará a bola faz um movimento passando sobre a linha do ombro, posicionando-se, semiflexionado, na máxima amplitude escapulo-umeral. O outro encerrará sua trajetória um pouco acima da linha do ombro, estendido à frente do corpo. Ocorre uma Hiperextensão do tronco” (BOJIKIAN; BOJIKIAN 2008, p.88). Esse fundamento sofre variedade também de acordo com a trajetória de outro fundamento, o levantamento, que pode ser mais alto, baixo, curto ou longo, distante ou mais próximo da rede requerendo muito mais coordenação visomotora do aluno, aumentando assim ainda mais a complexidade desta habilidade. CONCLUSÃO

O presente trabalho analisou as proposta de ensino da modalidade voleibol, a partir dos conceitos desenvolvimentistas. Para tanto foram escolhidos os manuais de voleibol por serem eles ainda os mais utilizados pelos professores de voleibol que pretendem utilizar a modalidade em suas aulas de educação física ou até mesmo em clubes. Procurei me ater aos manuais que propunham uma metodologia sistemática no ensino do voleibol, apesar das dificuldades por conta do tempo dividido entre outras aulas na Universidade, emprego e demais afazeres, consegui reunir informações suficientes dar continuidade deste trabalho que me abriram alguns questionamentos que vão além do que foi proposto pelo próprio trabalho. Confrontando os conceitos utilizados pelos autores dos manuais selecionados, com os livros desenvolvimentistas, percebe-se o claro embasamento teórico vindo dos mesmos, os manuais por quererem ensinar habilidades motoras se utilizam de forma visível dos conceitos desenvolvimentistas, desde a formação dos componentes motores dos alunos até a faixa etária no qual se iniciar em tal modalidade visto que os autores desenvolvimentistas aparentemente são o que melhor esclarecem como se acontece o desenvolvimento



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motor sabendo também que o fazem através não apenas de estudos e suposições e sim de forma prática. Pode-se dizer então que os conhecimentos para a construção dos manuais de voleibol são formados com o estudo da abordagem desenvolvimentista, onde por muitas vezes os próprios autores citam e utilizam nomenclaturas e conceitos da mesma abordagem. Algumas problemáticas me apareceram na leitura dos manuais de voleibol quando percebi no contexto atual um decréscimo na qualidade do esporte brasileiro. Como os autores mesmo falam, para que se aprenda e se torne um atleta que domina e sabe utilizar as habilidades motoras específicas do esporte escolhido, é necessária que o mesmo tenha uma ampla experiência motora antecedente a iniciação esportiva. Essa experiência motora acontece de forma natural e lúdica nas brincadeiras e jogos realizados no dia-a-dia da criança. Bem como vem sendo discutido nas aulas de Educação Física Licenciatura da UFS, essas experiências vêm gradativamente sendo reduzidas por conta de diversos fatores: diminuição de terrenos baldio, aumento da violência, hiperestimulação das crianças em diversas coisas das quais não escolhem (aulas de idiomas, lutas, bancas, etc), aumento da tecnologia que fazem com que cada vez mais as criança saiam menos de casa. Com isso abro uma pergunta: Como preparar bons atletas para competições se os mesmos estão cada vez mais limitados no tocante motor? Nas ultimas copas vimos uma decadência do futebol brasileiro, um esporte onde o Brasil se diz supremo. Conclui-se então a importância a importância de uma vida repleta de experiências motoras, pois a base para a construção das habilidades específicas se encontram lá, é necessário nessa fase inicial confrontar as crianças com diversos problemas motores. É comprovado que quanto mais estímulos à criança recebe nessa fase de aprendizagem motora básica, melhor e mais fácil ela aprende as demais habilidades. Facilita também na fase de complexidade

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e diversificação do movimento, pois os indivíduos com um amplo conhecimento motor e uma ampla variedade, consegue fazer conexões entre as habilidades mais fáceis para resolver problemas e situações mais complexas que lhe aparecem. REFERÊNCIAS

BIZZOCCHI, C. O voleibol de alto nível: da iniciação a competição. São Paulo: Fazendo Arte, 2000.

BOJIKIAN, J.C.M.; BOJIKIAN, L.P. Ensinando voleibol. 4. ed. São Paulo: Phorte, 2008.

GALLAHUE, D.L.; DONNELLY, F.C. Educação física desenvolvimentista para todas as crianças. 4 ed. São Paulo: Phorte, 2008.

MULLER, A.J. Voleibol: desenvolvimento de jogadores. Florianópolis, SC: Visual Books, 2009. RIBEIRO, J.L.S. Conhecendo o voleibol. Rio de Janeiro: Sprint, 2004.

TANI, G. Comportamento motor: aprendizagem e desenvolvimento. Rio de Janeiro Guanabara Koogan, 2005.

OFICINAS ESPORTIVAS: CONSTRUINDO PROPOSTAS PARA O ESPORTE EDUCACIONAL Gisele Santos Lima1 Jessica Vitorino da Silva Terra Nova2 Lorrany da Rosa Santos3

INTRODUÇÃO

O

esporte ao longo das suas práticas é analisado como fator de importante atuação para o desenvolvimento humano, portanto, deve estar ao acesso de todos nas suas mais diversas manifestações e ser garantido para toda a população sem distinção de classe, cor, religião ou etnia. Não obstante, é possível observar que durante muito tempo o esporte dentro do ambiente escolar vem sendo afirmado como uma prática pedagógica cujo objetivo ancora-se na luta inesgotável pelo rendimento, criando dessa forma políticas de exclusão que impossibilitam aos indivíduos o acesso a suas respectivas práticas. Julgamos que é necessário ter clareza que o acesso às práticas esportivas, de modo geral, é um direito do cidadão e dever do Estado, garantido pela Constituição Federal de 1988, no entanto, esta vem sendo vinculada prioritariamente às práticas de alto rendimento, tornando-as excludentes. Portanto, o incentivo às práticas pedagógicas situadas na ideia da valorização de ações de cunho

1 Graduada em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Federal de Sergipe (2013). Bolsista do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES, 20122013). São Cristovão, Sergipe, Brasil. [email protected] 2 Mestranda em Educação e graduada em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Federal de Sergipe (2013). Bolsista do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES, 2011-2013). São Cristóvão, Sergipe, [email protected] 3 Graduanda em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID/ CAPES, 2012 – Atual). São Cristovão, Sergipe, Brasil. [email protected]

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esportivo não exclusivo, baseadas nos direitos sociais do cidadão, devem ser estimuladas como uma das formas de construir possibilidades efetivas de participação através de propostas associadas ao esporte educacional. Partindo dessas afirmativas, a proposta de intervenção construída em diálogo com as ações desenvolvidas pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES/MEC), em parceria com a Universidade Federal de Sergipe/Departamento de Educação Física e com a Secretaria de Estado da Educação de Sergipe, procurou realizar oficinas esportivas, de caráter pedagógico, com uma referência voltada para a educação com ênfase nos direitos humanos e no reconhecimento do esporte como um direito social. Entende-se que as oficinas exercem uma função facilitadora de auxiliar no processo de inserção do esporte por meio de utilização de aspectos educacionais. No caso específico, elas foram pensados à partir dos denominados “balizamentos” propostos por Nogueira (2009), como estratégia principal para a não desconfiguração do esporte no âmbito escolar, são eles: (1) as ações assumem um caráter coletivo, envolvendo os jovens no processo de gestão da prática esportiva? (2) assumem um caráter coletivo porque promovem o diálogo entre o esporte escolar e as diversas outras instituições e dimensões do esporte e da comunidade? (3) tendem a criar vínculos de mediação e representação com o intuito de promover a expansão da prática esportiva na escola e fora dela? (4) possuem como foco a construção de experiências positivas em situações esportivas? (5) abrem espaços para a discussão coletiva e apresentação de propostas? (6) abrem espaços para o trabalho com outras práticas corporais como a dança, a luta, a ginástica, a brincadeira, etc.? (7) possibilitam o trato pedagógico com esporte tomando por base diversos artefatos culturais como a música, o cinema, o teatro, a televisão, a poesia, dentre outros? Diante de tais pressupostos, foram ofertadas e desenvolvidas, no Colégio Estadual Gonçalo Rollemberg Leite, Aracaju/SE, oficinas



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que trabalhavam especificamente com quatro modalidades esportivas (atletismo, basquete, futsal e peteca) e com o circo, compreendido como uma prática corporal e artefato cultural, numa perspectiva pensada a partir dos “balizamentos”, citados anteriormente, que nortearam essa proposta. Sendo assim, o presente trabalho apresenta como objetivo, relatar as experiências decorridas de tal projeto a fim de compartilhá-las para construir pontes de diálogo com acadêmicos e estudiosos da área para incentivar e efetivar propostas inovadoras para o trabalho com o esporte educacional. Neste sentido, o texto que aqui se apresenta encontra-se dividido em dois momentos. No primeiro concentra-se uma breve fundamentação teórica pela qual foi pautada as nossas ações e experimentações e no segundo, apresenta a proposta e descreve os relatos das respectivas oficinas desenvolvidas. ESPORTE DE RENDIMENTO, EDUCACIONAL E DE PARTICIPAÇÃO

Muitas literaturas têm afirmado que a incessante busca pela performance verificada nas práticas pedagógicas e nas ações políticas que envolvem o esporte têm processado inúmeras práticas excludentes. A fim de consolidar políticas públicas e propostas pedagógicas inclusivas para a esfera esportiva no país, o esporte foi dividido conceitualmente nas dimensões educacional, de rendimento e de participação. Para alcançar a democratização e a garantia de acesso ao esporte como um direito social é importante que se reconheça cada uma dessas dimensões em suas especificidades. De acordo com a lei nº 9.615/98 apresentada na Política Nacional do Esporte (BRASIL, 2005)4 o conceito de “desporto educacional” é exposto como aquele “praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, 4 Resolução Nº05/ Conselho Nacional do Esporte, 14 de Junho de 2005.

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a hiper-competitividade de seus praticantes com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e pratica do lazer”. Seguindo o entendimento pautado pelo Ministério do Esporte, a prática esportiva se torna educacional, a partir do momento em que se concretiza a participação voluntária e responsável da população, além de efetivar a promoção do desenvolvimento da cultura corporal brasileira, cultivar e aprimorar atividades que atendam às necessidades lúdicas, estéticas, artísticas, combativas e competitivas da sociedade. O foco deste intento é priorizar a educação em níveis mais elevados de conhecimento e de ação que podem ser refletidas na criação de possíveis soluções das mazelas sociais. Para este Ministério, “o esporte escolar é o esporte praticado na escola no âmbito da educação básica e superior, seja como conteúdo curricular da Educação Física ou atividade extracurricular”, conforme a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96. É importante destacar que as práticas esportivas são atividades indispensáveis para o desenvolvimento humano e por esse motivo é que as condições específicas para atender a diversidade presente na sociedade são exigidas. É importante perceber as diferenças enquanto um elemento de conhecimento que deve ser explicitado e defendido, ao mesmo tempo em que se denunciam e se combatem as mazelas da desigualdade. Portanto, essas três dimensões do esporte citadas acima foram pautadas e diferenciadas para atender a diversidade que constitui a sociedade, é dever do estado garantir e multiplicar a oferta de práticas esportivas, competitivas e de lazer a toda a população sem distinção de cor, etnia, gênero, ou condição socioeconômica. Devem ter garantia de acesso ao esporte nas suas mais diferentes dimensões e manifestações, em especial as populações empobrecidas e os que são considerados como menos hábeis para a prática. O esporte educacional é a dimensão mais apropriada a ser encaixada numa perspectiva escolar, na medida em que este se baseia



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nos princípios da cidadania, da diversidade, da inclusão social e da democracia, pois estes concebem valores, hábitos e atitudes prováveis de serem desenvolvidas através da prática de esporte. O pensamento a princípio é tratar sobre uma dimensão de esporte que não reproduza o rendimento, mas que também não fique apenas tendo como foco a participação ou simplesmente diversão com o “jogar por jogar”, mas apresentar o esporte, a partir do aspecto educacional, sem a intenção de abandonar as suas especificidades, a técnica, a tática e os demais componentes da prática esportiva, ou seja, sem descaracterizá-lo enquanto tal. O Esporte Educacional, diferentemente do esporte de rendimento, objetiva transcender a visão do esporte como performance ou busca por resultados, utilizando princípios como: cooperação - união de esforços no exercício constante da busca do desenvolvimento de ações conjuntas para a realização de objetivos comuns; participação - valorização do processo de interferência do homem na realidade na qual está inserido. Além da co-gestão, corresponsabilidade e integração e co-educação - concepção da Educação que, como um processo unitário de integração e modificação recíproca, leva em conta a heterogeneidade (sexo, idade, nível socioeconômico, condição física, etc.) dos atores sociais envolvidos. DESENVOLVIMENTO DAS OFICINAS (PIBID): RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

O esporte está presente na escola como uma das principais estratégias de intervenção pedagógica, analisado a partir dos limites e possibilidades que este oferece para a formação da juventude. Essa análise leva em consideração a forma como esse conteúdo pode ser explorado através de suas especificidades, como forma de contribuição educacional para o processo de ensino-aprendizagem. O esporte é reconhecido como manifestação cultural e, por este mo-

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tivo, carrega consigo os conflitos, as contradições e as antinomias de uma sociedade marcada pela desigualdade social. Pensando em utilizar o esporte como um dos confrontadores da exacerbada desigualdade social e contribuir para uma sociedade mais democrática, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) através de uma parceria firmada com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS) implementaram e desenvolveram um projeto esportivo de cunho educacional em uma escola pública de Aracaju. O projeto teve como objetivo oferecer oficinas pedagógicas que incentivassem e ampliassem a participação dos jovens nas práticas esportivas, contribuindo para sua formação enquanto indivíduo que vive em sociedade. A oficina pedagógica é entendida aqui como uma metodologia de trabalho em grupo, caracterizada pela “construção coletiva de um saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências” (CANDAU, 1999, p.23), em que o saber é construído ao longo do processo de formação da experiência de jogo até a sua conclusão. Portanto, a partir dela, docentes e alunos podem construir uma ponte de diálogo visando à resolução de problemas localizados na realidade em que se encontram, através de um conhecimento que se realiza num “[...] tempo-espaço para vivência, a reflexão, a conceitualização: como síntese do pensar, sentir e atuar. Como ‘o’ lugar para a participação, o aprendizado e a sistematização dos conhecimentos” (CANDAU, 1999, p.23). O intuito desta proposta visava incentivar as práticas esportivas para adolescentes e jovens, avaliar a prática esportiva a partir das análises dos indivíduos diretamente envolvidos nas ações (alunos, professores, gestores e comunidade escolar); analisar temas relevantes para juventude acerca da participação nas práticas esportivas; construir pontes de diálogo entre o cotidiano escolar e os futuros professores de educação física; incentivar o trabalho com a temática

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esportiva nas escolas e apresentar propostas inovadoras para o trabalho com o esporte educacional. Atletismo: Um salto para a integração

A oficina de atletismo teve duração de 1 mês e 27 dias, cuja intervenção pôde ser realizada com 20 crianças, sendo 12 do sexo masculino e 8 do sexo feminino com faixa etária entre 12 e 15 anos. As propostas da oficina durante esse primeiro momento de intervenção, foi trabalhar sob as temáticas relacionadas aos fundamentos básicos da modalidade referida, suas principais regras, disposição tática e entre outros princípios, a fim de oferecer aos estudantes a possibilidade de conhecimento e experiência, estabelecendo pontes com diversos outros saberes que percorrem as instâncias dos valores sociais, meio ambiente, respeito às regras, inclusão, sociabilização e integração entre os sujeitos. Nesse sentido, as intervenções se deram da seguinte forma: duas vezes na semana, cada uma com carga horária de 1h30min em cerca de nove semanas. Na qual, a primeira etapa consistiu em realizar uma avaliação com os alunos sobre os conhecimentos e experiência que os eles já tinham a respeito do atletismo para podermos dar início as nossas atividades. Desta maneira, prosseguimos os trabalhos inserindo alguns fundamentos da modalidade como corridas, saltos, lançamentos, arremessos incluindo nas práticas valores como ética, respeito ao próximo, respeito às regras, estabelecendo ações de caráter coletivo e individual, além de discussões coletivas onde os alunos tinham a possibilidade de atuar no processo de construção das atividades. Logo, durante a fase de atuação da oficina foi possível observar o desenvolvimento e a construção de experiência positiva por meio das atividades realizadas que impulsionavam os alunos a cada vez mais participarem das práticas, se envolvendo com a proposta do

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programa e convidando outros sujeitos a também ingressarem nessa empreitada. Visto que, ao término da oficina 3 novos participantes, em virtude da influência dos demais buscou juntar-se ao grupo. Portanto, na busca pela construção da oficina foi dado privilégios aos saberes que pautavam-se nas relações sociais e fatores que superem a prática para além do ensino do esporte por meio de suas regras, técnicas e táticas afim de que fosse possível instituir um trato pedagógico ao conhecimento por meio da experiência de jogo. Basquete: Um arremesso para o futuro

A oficina de basquetebol iniciou-se no dia 20 de Outubro de 2012 sendo realizada aos sábados das 14 às 17 horas para 28 alunos e teve duração de um mês e vinte dias. Em seu princípio procurou-se averiguar o nível técnico que os alunos já possuíam no basquete, o quanto eles conheciam e o que pensavam sobre a modalidade. No decorrer das oficinas, foram trabalhados alguns fundamentos básicos do basquetebol associando-os as atividades que trabalhassem a coordenação motora geral e específica dos alunos. O foco das atividades foi principalmente a condução de bola, com o fundamento drible, seguido do fundamento passe, além da formulação de pequenos jogos para uma melhor assimilação dos fundamentos, e de um jogo livre sempre ao final de cada oficina, com a inclusão gradativa de regras. A formação de pequenas e grandes equipes, variadas com relação ao gênero, idade e nível técnico, também foi estimulada, para que os alunos criassem afinidades, conhecessem e compreendessem seus colegas. A oficina teria assim, a oportunidade de proporcionar uma experiência de jogo didática e lúdica, além de possibilidades socialmente interacionais entre os participantes. Ao longo das oficinas pode-se observar um desnivelamento técnico grande entre os alunos, devido à prática regular de alguns e ao primeiro contato de outros com o basquete. Também havia uma



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grande variação com relação ao gênero e às idades dos alunos, além de muitos não se conheceram. Entretanto, essas diferenças e algumas antipatias aparentes foram se dissolvendo com as interações e a competitividade nas atividades. O aspecto técnico também evoluía gradualmente. Foi possível observar que ao término do ciclo da oficina os alunos realizavam a formação de grupos a partir de novas finalidades e das já existentes que tinham se fortalecido, assimilavam a homogeneização das atividades entre meninos e meninas, compreendiam as desigualdades na evolução técnica de cada um, assim como as limitações de seus colegas, e manifestavam consciência da importância da prática desportiva como uma divertida possibilidade de conseguir novas interações sociais. Nos aspectos técnicos, todos obtiveram um bom desenvolvimento, o que aumentou a competitividade entre eles, sem abandonar as afinidades adquiridas. FUTSAL: A EXPERIÊNCIA DO JOGO E A TRANSMISSÃO DE VALORES

A oficina de futsal oferecida durante o período de 1 mês e 20 dias de intervenção desenvolveu-se junto a 25 crianças do sexo masculino e com faixa de idade entre 11 a 14 anos, um trabalho na referida modalidade com as seguintes temáticas: o jogo, fundamentos, orientação tática, as regras, a relação entre o esporte e os valores morais, o respeito às regras e o respeito às diferenças entre os alunos. Nesse período, o qual foi classificado de fase de avaliação diagnóstica o objetivo dos monitores foi verificar o que os alunos conheciam do futsal e como o praticavam. Após os jogos livres, começamos incluir fundamentos básicos como condução e domínio de bola, passe, chute, e na sequência dos trabalhos fomos inserindo nas práticas questões relativas aos temas transversais, como o respeito às regras, o jogo coletivo, o individualismo e a violência.

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Para aplicação das aulas, foi implantado no Colégio o projeto de intervenção PIBID/Educação Física da UFS (Universidade Federal de Sergipe). E no primeiro ciclo a Oficina de Futsal teve duração de 1 mês e vinte dias, sendo desenvolvidas 10 intervenções de uma hora e trinta minutos de duração para 29 alunos, com frequência de duas vezes por semana. O trabalho foi pautado no ensino do esporte coletivo na escola através da experiência do jogo formal, onde as técnicas foram sendo inseridas como respostas para as situações do jogo. Circo: Um espetáculo no palco da vida itinerante

A oficina de circo foi desenvolvida durante o período previsto de 1 mês e 20 dias de intervenção, juntamente com os 50 adolescentes inscritos de sexo masculino e feminino e com faixa de idade entre 14 a 16 anos. De acordo com o planejamento desenvolvido pela dupla responsável pela oficina foi proposta uma abordagem com as seguintes modalidades: Acrobacias de solo, Malabares, Equilíbrios e Palhaçaria. Além de desenvolver as habilidades específicas de cada modalidade, ao propor cada atividade, cada exercício, a oficina objetivou incluir temáticas referentes a segurança, confiança, respeito, superação dos medos/desafios, disciplina, persistência dentre outros aspectos que se fazem importantes num processo de formação. A oficina mesmo com toda a empolgação, divulgação, prévio planejamento e organização, não obteve muito sucesso devido ao não comparecimento da maioria dos cinquenta alunos inscritos. Acredita-se que essa falta ocorreu por conta dos horários que foram estabelecidos para a realização da oficina, pois os alunos tinham que permanecer na escola quase que de maneira integral, ou seja, os alunos que estudavam pela tarde participavam da oficina pela manhã e vice-versa. Em contrapartida, a única oficina que foi pos-



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sível ser realizada, apresentou-se de maneira bastante satisfatória, tanto para os alunos que participaram ativamente das atividades, quanto para nós bolsistas que observamos a dedicação e aceitação da nossa proposta por parte dos mesmos. Para o próximo período de realização da proposta, pretendemos elaborar uma nova grade de horários mais convenientes e que se adéque a demanda dos alunos, para que haja um maior número de participantes, já que não houve rejeições nas inscrições. Objetivamos também retomar o planejamento proposto para o desenvolvimento das oficinas, com algumas ou poucas modificações que se julgarem necessárias. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para um momento inicial, muitos problemas no desenvolvimento de tal proposta foram detectados. É importante frisar que o projeto ainda está sendo desenvolvido e o conteúdo deste trabalho foi pautado, em parte, a partir dos relatórios semestrais. Neste sentido, os resultados aqui apresentados se referem aos elementos identificados durante a execução do projeto e que interferem no seu desenvolvimento. O primeiro deles refere-se à identificação da disparidade entre a dinâmica universitária com a dinâmica escolar, ou seja, a universidade e a escola onde o projeto está em execução são instituições distintas, com autonomia para tomar suas decisões com relação, por exemplo, ao calendário das aulas, a perspectiva educacional, o entendimento sobre o papel dos agentes educativos e do papel do esporte como estratégia pedagógica. É preciso, portanto, estar disposto a dialogar e negociar com os agentes envolvidos no projeto de acordo com as especificidades de cada instituição. Enfim, os primeiros meses de trabalho com as oficinas focaram na tentativa de conhecer os agentes escolares, identificar algumas peculiaridades

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da Instituição. Tratou-se aqui de uma progressiva passagem de um momento inicial de estranhamento e pouca familiaridade com as pessoas e o local, para outro de liberdade para abordar, fazer indagações e mostrar-se mais atento para detalhes e acontecimentos. A fim de construir pontes e ampliar o diálogo com acadêmicos e estudiosos da área, objetivamos neste trabalho apresentar e relatar nossas primeiras experiências, na busca para efetivar práticas esportivas a partir de oficinas pedagógicas e procurando incentivar a construção de propostas inovadoras para o trabalho com o esporte educacional. REFERÊNCIAS

BRASIL. Política Nacional de Esporte. Brasília: Ministério do Esporte, 2005.

CANDAU, V.M. Educação, currículo, direitos humanos e estratégias pedagógicas. Rede de Educação em direitos humanos, 1999. Disponível em . Acesso no dia: 19 abril 2013. NOGUEIRA, Q.W.C. Esporte educacional: entre rendimento e participação. Texto apresentado na VII Semana de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão: Mimeo, 2009.

PROJETO PARADESPORTIVO DE SERGIPE: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO ATENDIMENTO NUTRICIONAL Talita Kizzy Barbosa Barreto1 Denise Leite Alves2 Raquel Simões Mendes Netto3

INTRODUÇÃO

O

presente artigo é um relato de experiência do atendimento nutricional à portadores de deficiências físicas que fazem parte do Projeto Paradesportivo de Aracaju. O acompanhamento é feito a todos os atletas ou iniciantes na atividade física que integram este projeto. Através da avaliação e orientação nutricional, a nutrição oferece possibilidade de melhor desempenho na atividade física e mais saúde a partir das boas escolhas alimentares. As consultas foram realizadas na Clínica de Nutrição do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Durante as consultas coletávamos informações necessárias para as tomadas de decisões da orientação nutricional. O diálogo aberto e algumas perguntas direcionadas ao hábito alimentar enriquecia nossa avaliação. O processo de reabilitação do deficiente abrange os aspectos funcionais, psíquicos, educacionais, sociais e profissionais relativos ao desenvolvimento humano e às capacidades adaptativas nas diferentes fases da vida (BRASIL, 2008). O tratamento visa restabelecer e compensar a perda de funcionalidade, bem como evitar

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe. 2 Bolsista PIBIC, do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Sergipe. 3 Professora Adjunta do Departamento de Nutrição e do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe.

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ou retardar a deterioração da funcionalidade em todas as áreas de vida da pessoa (WHO, 2012). Neste âmbito, a atenção à saúde aos portadores de necessidades especiais é imprescindível porque também é uma forma de reabilitar e reintroduzir o indivíduo no seu papel social. O atendimento clínico é um momento de possibilidade de troca de informações sobre qualidade de vida e a introdução de novos conhecimentos neste saber saúde. É um espaço também que deve-se permitir o compartilhamento das tentativas, os medos, as angústias e mitos (SILVEIRA; RIBEIRO, 2004). Por isso, o atendimento nutricional, com consultas mensais, torna-se, muitas vezes, o momento deste indivíduo ter contato com sua saúde, com o corpo, que pode estar sendo negligenciado por conta da imobilização parcial. Saúde, neste sentido, não é apenas doença e medicação, é compreender seus limites e tentar conhecendo seu corpo, ultrapassá-los (REINNERS, et al., 2008). No acompanhamento nutricional o objetivo é claro: avaliar, diagnosticar e intervir (RIBEIRO; SILVA, 2009). Mas, a avaliação de um grupo tão específico, portadores de vários tipos de deficiências, torna-se um desafio a cada avaliação, uma descoberta de superação de limites em cada consulta, um obstáculo a ser vencido em cada intervenção. O impacto na saúde e no bem estar dos deficientes já é conhecido com a inclusão e reabilitação que o esporte promove (PEDRINELLI; VERENGUER, 2008). O cuidado nutricional também têm um grande impacto neste sentido pois há mudanças metabólicas causadas pela imobilidade ou pelo esporte que necessitam de maior cuidado nutricional, evitando problemas de saúde (BURKE; DEAKIN, 2010). A avaliação nutricional dos deficientes deve ser baseada em três métodos, sendo eles, exames clínicos, antropometria e análise dietética. Porém, a avaliação pode ser limitada por algumas dificuldades técnicas na coleta das informações, seja pela incapacidade ou capacidade reduzida do indivíduo de manter o corpo na



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posição vertical, e aferir o tecido adiposo e tecidos magros (RIBEIRO; SILVA, 2009). A imobilização leva à redução do gasto energético, desencadeando a perda da massa muscular e óssea, além da diminuição da taxa metabólica de repouso e o comprometimento do sistema nervoso autônomo levando à dificuldade na vascularização do tecido adiposo e comprometimento na sinalização das catecolaminas (KARLSSON, 1999). A partir desses fatores, pode se justificar a maior concentração de tecido adiposo na região visceral (BUCHHOLZ et al., 2003). Moussavi et al., (2001), afirmam que lesionados medulares, por apresentarem maior propensão ao aumento da gordura corporal, são susceptíveis às mesmas doenças que afetam a população idosa, especialmente em relação às doenças cardiovasculares. Como consequência da inatividade e do aumento do tecido adiposo ocorre um estado de resistência à ação da insulina, a qual está associada ao aparecimento do diabetes mellitus tipo 2, às dislipidemias e à hipertensão arterial, caracterizando assim, a síndrome metabólica. Neste sentido, há necessidade de intervenção nutricional nestes esportistas decorrente não só da própria deficiência e de suas alterações metabólicas, mas também da necessidade do suporte energético maior demandado no esporte. Torna-se então, o acompanhamento nutricional uma via de saúde e melhor desempenho esportivo para os esportistas portadores de deficiência física. METODOLOGIA

A população é praticante de diversos esportes (basquete, natação, vôlei, handebol, ciclismo, atletismo e badminton), de ambos os gêneros, que fazem parte das equipes de atletas do esporte adaptado. Os esportistas eram voluntários e maiores de 18 anos. Cada participante foi informado sobre os procedimentos da pesquisa

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e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (CAAE: 20964913.8.0000.5546). O acompanhamento foi realizado ao longo de 6 meses, com acompanhamento individualizado, sendo uma consulta mensal. Nesta consulta realizou-se uma anamnese sobre o histórico de saúde, hábitos alimentares e ainda a aplicação de um recordatório alimentar e, por fim, a aferição de medidas antropométricas. Após este procedimento foi elaborado um plano alimentar individualizado e dadas orientações nutricionais pertinentes com a patologia e as comorbidades que se apresentarem. As consultas foram realizadas na Clínica de Nutrição do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Sergipe, no Campus de São Cristóvão. Para avaliar-se a ingestão alimentar utilizou-se o Recordatório Alimentar de 24 Horas (Rec24h). Todos recordatórios foram aplicados pelo mesmo pesquisador. Os parâmetros antropométricos mensurados foram: a estatura, o peso, Circunferência Braqueal, Circunferência da Panturrilha, Circunferência da Cintura, o Índice de massa corpórea (IMC) e as Dobras Cutâneas Triciptal, Subescapular, Bicipital e Supra- ilíaca. As circunferências foram realizadas utilizando-se fita inelástica e de acordo com as normas de cada aferição de circunferência. Todas as dobras foram realizadas usando-se adipômetro Lange®. A massa corporal foi verificada com a utilização de balança digital, da marca Balmack®, com capacidade máxima para 150 kg e precisão de 0,1 kg. Caso fosse necessário, os participantes eram pesados sentados. Os indivíduos que apresentaram amputações tiveram correção do peso corporal de acordo com a região corporal amputada, baseada na proposta de ajuste de Brunnstons (1983). A verificação da estatura foi realizada através de estadiômetro acoplado à parede Sanny® Utilizou-se questionário especialmente desenvolvido para esta população o qual continha questões referentes à avaliação clínica



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do paciente (história da doença e do aparecimento da deficiência, antecedentes patológicos e familiares, medicamentos em uso domiciliar, treino e nível de atividade física, estilo de vida), dados dietéticos (anamnese alimentar, dia alimentar habitual) e dados antropométricos (peso, estatura, dobras e circunferências). A consulta além da avaliação era espaço de explicação das limitações em ir à consulta, em cumprir o plano prescrito, expectativas quanto ao acompanhamento, apoio e o incentivo à prática esportiva, ou seja, um lugar onde a prática nutricional ia além da intervenção e avaliação, e sim um olhar para o indivíduo que leva em consideração aspectos nutricionais, clínicos e psicossociais. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o acompanhamento notou-se dificuldades tanto na avaliação quanto na participação e adesão dos esportistas. Para nós havia uma barreira do desconhecimento sobre cada limitação e sobre a avaliação na deficiência e para eles uma limitação na adesão e na possibilidade de chegar ao local. As diferenças de cada desportista em relação à patologia, local da lesão e diferentes mobilidades nos fizeram entender melhor esta população. Porém, mesmo com todo o apoio da literatura para a avaliação nutricional ser bem sucedida, a avaliação minuciosa de cada deficiente físico era um aprendizado e um desafio a mais para nós. A imobilidade não era um empecilho para eles, muitas vezes, era para nós, que tínhamos que ir além dos conhecimentos básicos do livro para realizar as medidas de maneira correta. Um desafio constante e inesquecível, somando pérolas para a formação profissional de estudantes e profissionais que compunham a equipe. Apesar de todo conhecimento das patologias e das deficiências em si, há a necessidade de criar-se parâmetros que padronizem a avaliação e as necessidades desta população (RIBEIRO; SILVA,

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2009). Há um desconhecimento por parte dos profissionais e há pouco direcionamento neste tipo de avaliação nutricional. A avaliação pode necessitar de adaptações e tem limitações, principalmente quanto à antropometria, onde o método é adaptado às condições físicas do paciente (ABREU, et al., 2011). Então, a principal dificuldade é a própria forma de avaliar, por não existir a padronização para este público. Depois da avaliação, a prescrição dietética é o segundo passo. Mas a adesão à mudança proposta é sempre um desafio. Esta adesão desempenha papel crucial no sucesso do tratamento. É um processo onde existe parceria entre o profissional da saúde e o paciente, e engloba aspectos que fortalecem a aceitação e cultivo de atitudes promotoras de qualidade de vida; um processo de desenvolvimento da consciência para o autocuidado e manutenção da busca de saúde (REINNERS, et al., 2008). A dificuldade da reeducação alimentar ou de mudança para hábitos alimentares saudáveis é parte da lida que o nutricionista encontra no seu trabalho. E, com estes esportistas, muitas vezes, a limitação em seguir as recomendações ou ter um responsável disponível para comprar os alimentos e confeccionar as preparações necessárias propostas no plano alimentar, frequentemente os impedia de alcançar o objetivo estabelecido consulta. Além disso, chegar até o consultório poderia ser complicado pela limitação da locomoção ou da necessidade de ter um acompanhante. Alguns, dependentes de alguém que os auxiliasse. Foi importante perceber que aqueles que eram independentes, ou seja, cuidavam dos seus alimentos e se locomoviam sozinhos, tiveram maior facilidade para alterar seus hábitos e introduzir hábitos alimentares mais saudáveis. Embora sem seguir plano alimentar ou não ter alcançado o objetivo, isso não era motivo para desistir. Os esportistas comprometidos com o esporte e com a mudança que a alimentação pode



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proporcionar, frequentavam corretamente as consultas e era visível os dados de melhoras em vários parâmetros. Pequenas mudanças, como aumentar a frequência da alimentação diária, já exercia um papel importante na disposição, na saúde, e na compreensão do esportista na função do alimento correto para seu equilíbrio corporal. As mudanças no padrão alimentar, a melhor participação no esporte, o aumento da ingestão hídrica, foram relatos ouvidos constantemente dos esportistas quando seguiram a prescrição e frequentavam as consultas marcadas. No decorrer do atendimento, mês a mês, o crescimento foi de ambas as partes. O caminho de entender o outro e suas diferenças nutricionais, aliadas com a parceria da consulta e da soma de conhecimento que estes atendimentos trouxeram nos impulsionou a não desistir mesmo diante das dificuldades e com certeza trouxe ganho para nós, para eles e para a ciência da nutrição. CONSIDERAÇÕES FINAIS PRELIMINARES

Conclui-se assim, que a avaliação e orientação nutricional de pessoas com deficiência física pode ser ainda um campo a ser melhor estudado, por isso, há a necessidade de que estudantes e profissionais melhorem seus conhecimentos na avaliação e busquem formas de intervir. Através desta experiência em atender e acompanhar estes esportistas, alcançou-se um avanço para a nutrição no estado de Sergipe. A ideia de escrever um relato é para que a comunidade possa apoiar o atendimento de saúde à esta população e incentivar que eles possam ter acesso à tudo necessário para terem qualidade de vida.

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REFERÊNCIAS ABREU, T.; FRIEDMAN, R.; FAYH, A.N.T. Aspectos fisiopatológicos e avaliação do estado nutricional de indivíduos com deficiências físicas. Revista HCPA. v 31, n.3, p.345-352, 2011

BRASIL. A pessoa com deficiência e o Sistema Único de Saúde. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. 2. ed. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2008. BRUNNSTONS, S. Clinical Kinesiology. Philadelphia: Davis, 4ª ed. 1983.

BUCHHOLZ, A.C.; MCGILLIVRAY, C.F.; PENCHARZ, P.B. The use of bioelectric impedance analysis to measure fluid compartments in subjects with chronic paraplegia. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation. v.84, n.6, p.854–61, 2003. BURKE, L.; DEAKIN, V. Clinical Sports Nutrition. 4th ed. Australia: Elisabeth Walton, 2010.

KARLSSON, A.K. Insulin resistance and sympathetic function in high spinal cord injury. Spinal Cord, Houndmills, v.37, p.494-500, 1999

MOUSSAVI, R.M; RIBAS-CARDUS, F.; RINTALA, D.H.; RODRIGUES, G.P. Dietary and serum lipids in individuals with spinal cord injury living in the community. Journal of Rehabilitation Research & Development. v.38, n.2, 2001. PEDRINELLI, V.J.; VERENGER, R.C.G. Educação física adaptada: introdução ao universo das possibilidades. In: Gorgatti, M. G, Costa, R. F. Editores. Atividade física adaptada. Barueri, São Paulo: Manole; 2008.

REINERS, A.; AZEVEDO, R.; VIEIRA, M.; ARRUDA, A. Produção bibliográfica sobre adesão/não-adesão de pessoas ao tratamento de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, n. 13 (Sup. 2), p.2299-2306, 2008.

RIBEIRO, S.M.L; SILVA, R.C. Avaliação do Estado Nutricional de portadores de necessidades especiais. In: TIRAPEGUI, J.; RIBEIRO, S. M. L. Avaliação Nutricional: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.

SILVEIRA, L.M.C.; RIBEIRO, V.M.B. Grupo de adesão ao tratamento: espaço de “ensinagem” para profissionais de saúde e pacientes. Interface – Comunic Saúde Educ. v.9, n.16, p.91-104, 2004. WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Relatório mundial sobre a deficiência/ The World Bank; trad Lexicus Serviços Lingüísticos. São Paulo: SEDPcD, 2012.

SISTEMA DE AVALIAÇÃO TÁTICA NO HANDEBOL (HAND-SAT): DESENVOLVIMENTO E ESTUDO PRELIMINAR Iuri Roseno Matos Aragão1 Marcos Bezerra de Almeida2

INTRODUÇÃO

O

s jogos desportivos coletivos representam uma atividade social e organizada na qual os jogadores estão agrupados em duas equipes numa situação de rivalidade esportiva (TEODORESCU, 1984). A particularidade dessa prática coletiva gera várias situações durante o jogo, aumentando a aleatoriedade e imprevisibilidade dos jogos, independentemente da modalidade. Contudo, fazendo uma exigência maior da capacidade de adaptação/resposta imediata dos indivíduos durante a prática coletiva (GARGANTA, 1995), diante disso os jogadores utilizam muito mais da inteligência e da cooperação. O esporte coletivo, na sua maioria, é jogado com a posse de bola, porém, sem a mesma o jogo também continua, pois, é através desse momento que o jogador deve procurar e movimentar-se em busca de espaços vazios, principalmente se estiver em função do companheiro que está com a posse da bola, passando a ser opção de passe e criando opções de finalização (GUIMARÃES, 2011). A complexidade dos jogos coletivos tende a desenvolver nos jogadores uma atitude tática/estratégica maior, que supra a imprevisibilidade estrutural diante do jogo na qual existem vários

1 Acadêmico do Curso de Ciência da Atividade Física e do Esporte da Universidade Federal de Sergipe. 2 Docente do Departamento de Educação Física e do Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal de Sergipe.

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componentes de interação (tempo, espaço, quadra, companheiros, adversários, bola, placar, arbitragem, etc.) a todo momento. Esses componentes adicionam aos jogadores problemas que devem ser resolvidos rapidamente e com precisão através da capacidade tática (SOUZA; PAULA; GRECO, 2000). A capacidade tática é interpretada como a tomada de decisão de forma criativa e inteligente para a solução de problemas que os jogadores enfrentam durante as competições. Neste sentido, o jogador deve aplicar o conhecimento e a experiência que possui para otimizar as respostas dos recursos técnicos usados no jogo (GRECO; BENDA, 1998).O handebol é um esporte coletivo onde os indivíduos sofrem adaptações no jeito de agir durante todo o jogo devido às ações do adversário, sendo classificado como um esporte de invasão objetivando ocupar a quadra defendida pelo adversário para marcar gol e ao mesmo tempo tem que proteger a sua própria meta (GONZÁLEZ; BRACHT, 2012). No handebol, as ações táticas têm relação direta com as ações técnico-táticas. Essas ações táticas devem estar presentes no treinamento e na competição. Contudo, o rigor para essas ações deve ser maior nos treinos com direcionamento para as situações ideais e para tomadas de decisão que exijam melhoria das capacidades físico-técnicas dos jogadores. Espera-se como consequência natural, que os jogadores assimilem possibilidades de comportamento tático ideal e real. Se essas capacidades táticas não são bem desenvolvidas nos jogadores, em geral ocorrem comportamentos táticos inadequados que podem receber mérito equivocadamente quando obtém êxito, (GUIMARÃES, 2011). Estas ações e seus resultados precisam ser observados em separado, viabilizando uma avaliação mais abrangente e ao mesmo tempo específica para cada tomada de decisão. No entanto, poucos são os estudos em que relacionam as habilidades esportivas com a tática individual e/ou coletiva dos

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jogadores no handebol dificultando a forma de avaliar e mensurar o nível de habilidade tática dos mesmos durante os treinos ou jogos. Sendo assim, esse estudo tem como objetivo desenvolver um método de avaliação para o handebol avaliando as questões táticas durante as práticas do esporte facilitando a correção dos pontos fracos para os jogos e treinos seguintes. DESENVOLVIMENTO

O estudo tem caráter descritivo observacional com uma amostra composta por 122 indivíduos (56 homens, 49 mulheres), divididos em 11 equipes amadoras que participavam da Copa Jairo Zuzart e 2 equipes profissionais (9 homens, 8 mulheres) Teve como critério de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos e os indivíduos deveriam praticar handebol acima de um ano. Foram ainda considerados como critérios de exclusão lesões musculares e articulares e/ou deficiências físicas ou intelectuais que pudessem influenciar no desempenho durante a coleta de dados. Para o registro das imagens das equipes amadoras foi usada uma câmara digital SLR (Canon EOS 500D) com capacidade para processar imagens a 30 Hz (i.e.,30 imagens por segundo). Assim como para as equipes profissionais foram feitos download das finais dos jogos completos para análise tática. Para o desenvolvimento do HAND-SAT aconteceram 5 etapas que estão dividas em: 1. Estrutura conceitual do HAND-SAT: propiciar com maior objetividade e especificidade os comportamentos táticos desempenhados por atletas durante jogos à professores, técnicos e investigadores da área. O mesmo está em desenvolvimento a partir dos princípios táticos fundamentais do handebol;

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2. Estruturação e funcionalidade do sistema: foi adaptado com base o trabalho de Costa et al. (2011), pois o mesmo estuda o futsal, porém, com as mesmas perspectivas de observação. O sistema é composto por duas macrocategorias, sete categorias e 101 variáveis que estão organizadas em função dos tipos de informações tratadas pelo sistema.

Figura 1: Organização estrutural das variáveis do Sistema de Observação, Análise e Avaliação do Desempenho Tático no Handebol (HAND-SAT), adaptado de COSTA et al. (2011).

1. Desenvolvimento do instrumento de observação: permite a avaliação e classificação das ações táticas durante as partidas dos jogadores com ou sem bola em função das variáveis contidas nos Princípios Táticos, Localização da Ação no Campo de Jogo e Resultado da ação (COSTA et al., 2011).



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Essas três categorias e suas respectivas variáveis foram encontradas na literatura (GRECO e ROMERO, 2012; CALVO e LÓPEZ, 1997; BAYER, 1994; HERRERO, 2003; EHRET et al., 2002), e se propõem a identificar os princípios táticos das ações durante o jogo, a localização e os resultados das ações que deveriam ser considerados no desempenho tático de um jogador.

2. Realização do teste de campo: para os sistemas possíveis no jogo de handebol, é denominado de Jogo Normal (GR + 6 vs. 6 + GR) que deve ser aplicado em 15 minutos em uma quadra de medidas oficiais. Essa dimensão foi mensurada após observar em jogos que toda a quadra, durante os jogos, era utilizada e caso houvesse alguma restrição, poderia afetar no desempenho dessas equipes já iniciadas, pois, os jogos de quadra reduzida é utilizado no mini-handebol (CALVO e LÓPEZ, 1997).

Figura 2: Estrutura física do GR + 6 vs. 6 + GR.

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3. Desenvolvimento do instrumento para análise de dados: através de uma planilha automática feita no Excel for Windows® foram feitos os cálculos das variáveis estudadas. Essas variáveis estão presentes nas seguintes categorias: Índice de Performance Tática no Handebol(IPTH), Ações Tácticas, Percentual de Erros e Localização da Ação Relativa aos Princípios (LARP), permitindo, a partir da inserção dos registos desse procedimento.

O IPTH é caracterizado por ter variáveis de cunho composto. Os IPTHs das variáveis são calculados pelo critério de realização do princípio tático, por parte do jogador, e nas três categorias de variáveis que compõem a macrocategoria Observação. A partir daqui, calculam-se os IPTHs de jogo, da fase ofensiva, da fase defensiva e de cada princípio. Os valores de ponderação das variáveis são expostos no quadro 1, e suas combinações fornecem valores variantes entre 0 a 170. Estes valores foram obtidos a partir do trabalho de Costa et al. (2011) e com a importância da variável, contudo, é levado em consideração a importância das variáveis táticas analisadas, tomando em consideração a lógica do jogo de handebol. A equação utilizada para o cálculo do IPTH é: IPTH = ∑ ações tácticas (RP + QR + LA + RA) / número de ações táticas

Após encontrar o resultado do IPTH específico, foi desenvolvido um novo IPTH, porém, agora o referente que toma por base o IPT. O IPTHr toma por referência os resultados do IPT do FUTSAT de Costa et al. (2011) a partir uma regra de três simples. Nesse caso foi desenvolvida uma relação dos valores encontrados na análise. A equação utilizada para o IPTHr foi: Índice de Performance Tática no Handebol Referente (IPTHr)= 100↔170, x↔n



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O valor de 100 equivale ao valor máximo do IPT O valor de 270 equivale ao valor máximo do IPTH O x é a incógnita com valor a ser encontrado O n é o valor do IPTH encontrado por aquela equipe específica

O desenvolvimento da coleta de dados ocorreu conforme as seguintes etapas:

1. Apresentação da proposta da pesquisa – a partir de uma lista das equipes de handebol presentes na cidade de Aracaju – SE, foram contatados os professores responsáveis pelas equipes para apresentação do projeto de pesquisa e verificar o interesse dos mesmos em participar das coletas. Confirmado o interesse dos professores, foi avaliada a disponibilidade da equipe para participar da coleta de dados. Assim como também foi avaliado o local de posicionamento da câmera diante das dimensões da quadra.

2. Aplicação do TCLE (apêndice A) e realização dos testes – nesta etapa foram apresentadas informações pormenorizadas acerca da pesquisa e dos procedimentos de coletas de dados aos atletas. Diante da aceitação mediante a leitura do TCLE, foram realizados dois procedimentos: a) Preenchimento e assinatura do TCLE; b) Jogo de handebol – visando a obtenção de dados relacionados à tomada de decisão (realização dos princípios) dos atletas, neste procedimento foi realizado um jogo de handebol com duração de 30 minutos durante o torneio Jairo Zuzart, porém, foi registrado apenas 15 minutos de jogo. Esses 15 minutos foram registrado no primeiro tempo do jogo pois a duas equipes iniciariam com a igualdade no placar, além disso foi considerado que os atletas já esta-

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riam aquecidos antes de iniciar a coleta de dados e diante disso, começaram os registros do jogo em vídeo para analise posteriormente.

Em cada jogo do torneio, os atletas das equipes foram posicionados nos seus devidos postos de acordo com o trabalho realizado diante da sua equipe. Para distinção dos mesmos, cada equipe usou uniformes de cores contrastantes e numerados a partir do número 1. Durante todo o jogo as equipes seguiram as regras oficiais da IHF, porém, caso necessário poderia haver substituição mas os valores desses atletas só seriam considerados se eles tivessem jogado durante um mínimo de 3 minutos dos 15 mencionados. A câmera foi posicionada atrás de uma das balizas da quadra em plano aberto e superior de modo a contemplar integralmente o espaço de jogo. A altura da mesma foi de 7 metros considerando o piso da quadra utilizada. Ao final de todo o registro de imagens as equipes foram nomeadas de acordo com o sexo sendo “m” para masculino e “f” para feminino, assim como para as equipes profissionais foram usados siglas específicas, levando em conta o país de origem para análise de dados. Para a seleção brasileira foi utilizado “SB” e para a seleção espanhola “SE”, porém, para as equipes amadoras foram utilizadas “E1, E2, E3, E4, E5, E6...” e a sigla de registro de sexo. A partir da análise de dados obtivemos como resultados a não realização de todos os princípios táticos no handebol por parte das equipes. As equipes que mais realizaram os princípios táticos no ataque foram as masculinas E2m, E5m, e a equipe feminina SBf (fig. 3). Na defesa, as equipes que mais realizaram os princípios táticos foram as equipes masculinas SEm, E1m, E5m, e a equipe feminina E2f (fig.4). Os princípios realizados, diante das situações de jogos, por todas as equipes femininas e masculinas no ataque (figura 3) foram o engajamento e o bloqueio, assim como na defesa (figura 4) os princípios realizados por todas as equipes foram a basculação, a



Sistema de Avaliação Tática no Handebol (Hand-Sat) | 167

flutuação, a troca de oponentes e o deslizamento. Contudo os princípios que não foram realizados na ação ofensiva por nenhuma das equipes foi a ponte aérea, e também a cortina no caso das equipes masculinas, entretanto nas ações defensivas o único princípio que não foi realizado por as equipes femininas foi a dobra.

Figura 3: Princípios táticos realizados no ataque.

Figura 4: Princípios táticos realizados na defesa.

Esses princípios estão presentes no ataque e na defesa das equipes, e são demonstrados na, maioria das vezes, de forma involuntária, pois já estão internalizados nos atletas. Essa quantidade de informações diante de um jogo faz com que o estudo de Menezes e Reis (2010) afirme que não deve existir pré-movimentações

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estabelecidas, pois a complexidade das situações envolve o uso da lógica e performances individuais e coletivas. Alguns estudos fazem a projeção de vídeos para conseguir entender o discernimento dos seus atletas durante a situação apresentada, outros utilizam do método observacional, através da gravação de jogo, para que possa se fazer uma análise do cenário real da situação em jogo. O estudo de Gois Junior (2014) utiliza o método observacional para propor um método de análise de tomada de decisão em ações ofensivas no basquetebol através de formulário contendo 30 situações reais de jogo, divididas em cinco categorias (drible, arremesso, corte com bola, movimentação de jogador sem bola, passe). Os dois estudos citados acima baseiam-se no método observacional para se desenvolver e obter dados/características que ajudem a melhorar o esporte em questão. Contudo apenas o estudo de Menezes (2011) faz uma análise técnico-tática das situações de jogo no handebol, a partir de uma entrevista com técnicos de equipes profissionais e foi realizado através de um questionário semiaberto. Apesar disso, nenhum estudo foi encontrado utilizando os princípios específicos do handebol para análise dos sistemas táticos, assim como também não foi encontrado nenhum trabalho cientifico sendo desenvolvido um sistema de avaliação tática do handebol tendo como base os princípios específicos da modalidade que variam de acordo com a característica da modalidade. A somatória da realização do princípio, da qualidade de realização do princípio, da localização da ação do campo de jogo e o resultado da ação dividido pelo número de ações realizados é igual ao índice de performance tática do handebol. O IPTH das equipes estudadas varia de acordo com a quantidade de ações realizadas. As equipes que tiveram maiores índices foram a SBf e a SEm, assim como as equipes que tiveram menor realização desses índices foram: E1f e a E4m (fig.3). As outras equipes estudadas sofreram variações de baixa, média e alta consideração entre elas mesmas



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e entre as citadas acima. Esse índice responde as situações táticas na qual as equipes realizaram de forma correta ou não, porém para que esses índices tivessem melhor aceitação foi feita o IPTHr. O IPTHr toma por referência o FUT-SAT e com isso apresenta com os maiores resultados as equipes SEf e SEm com 69,85 e 67,40 respectivamente. Assim como as equipes E1f, E3m e E4m apresentaram os menores resultados (fig.5).

Figura 5: Índice de Performance Tática no Handebol e sua variação.

A somatória de todos os índices encontrados em cada princípio divido pela quantidade de ações realizadas no jogo é igual ao índice de performance tática. Esse índice ajuda as equipes multidisciplinares de técnica e tática entender quais os principais déficits das suas equipes, quando considerados os princípios específicos da modalidade, e como deve se trabalhar e proceder para que isso possa ser melhorado diante das situações trabalhadas durante os treinos e realizadas durante o jogo. Todavia, a falta de escores para comparação de qualidade ainda é inexistente para a maioria dos esportes. O estudo de Costa et al. (2011) tem o mesmo objetivo que o trabalho aqui desenvolvido, contudo, o esporte no estudo citado é o futebol.

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Com isso o índice de performance tática no handebol tem a mesma perspectiva do trabalho de Costa et al. (2011), porém, levando em consideração o handebol. As primeiras diferenças surgem em relação a quantidade de princípios, pois, no futebol são apenas dez princípios de ataque e defesa, já no handebol são 15. Esses 15 princípios são avaliados de forma individual, contudo, ao final de toda a análise é encontrado apenas um único valor para todo o índice de performance tática coletiva. Esses índices tiveram maior pontuação nas equipes profissionais Sem (182,0) e SBf (188,6) e menores valores nas equipes amadoras. A falta de trabalhos que estudem a tática coletiva no induziu à necessidade de desenvolver mais um índice de performance tática no handebol. Contudo, esse objetiva referenciar ao máximo os valores encontrados nesse estudo com base no estudo de Costa et al (2011) e é conceituado como índice de performance tática no handebol referente. Esse índice fez com que o valores encontrados no primeiro índice caíssem por mais de 50%. Essa queda nos números está associada à quantidade de princípios que o futebol realiza durante a sua prática, sendo menores em relação ao handebol. Apesar dessa queda ser muito acentuada, a regra de três se faz necessário para deixar mais embasado o referencial do primeiro índice citado. Essa regressão nos valores não diminui a veracidade de as equipes profissionais ainda se manterem com os melhores índices. As equipes SEm (67,4) e SBf (69,9), assim como todas as outras equipes, mostram a diminuição dos valores em grande proporção, porém, sem a regressão dos seus conceitos e da capacidade tática coletiva, deixando claro que a partir desses índices podem ficar menos complexo o entendimento das ações individuais em prol do coletivo ou da não estruturação base dos atletas no handebol. A planificação de ensino-aprendizagem dos atletas de handebol devem ter como base os princípios coletivos gerais em prol do



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desenvolvimento especifico da modalidade. A falta desse alicerce ocasiona o pouco discernimento tático dos seus atletas diante situações de jogos. CONCLUSÃO

Foi possível concluir que o HAND-SAT consegue determinar e discernir as equipes com melhores capacidades táticas nas situações ofensivas, defensivas e na somatória dessas situações. Apesar da forma de avaliar do método ser subjetiva, isso não compromete a aplicabilidade do método durante treino ou jogos. Apesar dos resultados encontrados não apresentarem a realização de todos os princípios táticos ofensivos e defensivos das equipes estudadas podemos afirmar que o método avalia de forma clara e precisa todos os princípios, pois a realização dos mesmos depende do aprendizado geral e especifico da modalidade durante a formação do atleta em questão ou da condição de entendimento dele diante do jogo onde haverá situação coletivas e/ou individuais e não apenas da pontuação do avaliador durante a análise observacional do registro da imagens. REFERÊNCIAS

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CALVO, J. L.; LÓPEZ,F. J. Minihand. Confederação Brasileira de Handebol, 1997.

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EHRET, A.; SPATE, D.; SCHUBERT, R.; ROTH, K. Manual de handebol: treinamento de base para crianças e adolescentes. São Paulo: Phorte, 2002. GARGANTA, J. O ensino do comportamento tático nos jogos esportivos coletivos: aplicação no handebol. Dissertação (doutorado). Universidade de Campinas, 1995.

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MENEZES, R.P. Das situações do jogo ao ensino das fixações no handebol. Revista Motriz, v.17, n.1, p.39-47, 2011.

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DESENVOLVIMENTO DA CLASSIFICAÇÃO NO ESPORTE PARALÍMPICO. Andreia Maria Micai Gatti1 Edison Duarte2 José Irineu Gorla3

O

surgimento do movimento paralímpico foi baseado num modelo centrado nas práticas de reabilitação e de lazer (BAILEY, 2008). No ano de 1944, o neurocirurgião alemão Ludwig Guttman começou a trabalhar na Unidade de Lesões Medulares em Stoke Mandeville, em Aylesbury (Inglaterra) incorporando a prática esportiva como um processo de extensão da reabilitação (VANLANDEWIJCK, 2011). A prática de atividades competitivas pelas pessoas com lesão medular e outras deficiências similares servia como elemento motivador para que elas buscassem uma integração com o ambiente não hospitalar (BAILEY, 2008). As primeiras atividades esportivas foram tiro com arco, pólo e Netball (basquete com ausência de tabela). Os primeiros Jogos de Stoke Mandeville coincidiram com o dia da abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948. A competição foi entre dois centros de reabilitação britânico, com 26 atletas, disputando o tiro com arco. (ROSEN, 1973a). No ano de 1952, foi realizado os Jogos Internacionais de Stoke Mandeville (Grã Bretanha e Holanda) e em 1960 na cidade de Roma, ocorreu a nona edição dos Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, que passou a ser considerado posteriormente como os Primeiros Jogos Paralímpicos. As modalidades disputadas 1 UNICAMP/SP – [email protected] 2 UNICAMP/SP - [email protected] 3 UNICAMP/SP- [email protected]

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foram: atletismo, natação, esgrima em cadeira de rodas (ECR), tênis de mesa, tiro com arco, basquete e sinuca (IPC, 2009).

O período entre 1960 e 1980 foi chamado pelo pesquisador Bailey (2008) como a Era do Desenvolvimento no qual o crescimento do Movimento Paralímpico ocorreu, porém de maneira isolada e baseado em um modelo médico. Nesse modelo, para que a competição fosse realizada com certa equidade entre os atletas foi criada a classificação esportiva baseada na classificação médica. A estrutura da classificação médica refletia a estrutura do hospital de reabilitação, com classes separadas por pessoas com lesão medular, amputações, alteração cerebral e outras em condição neurológica ou ortopédica (VANLANDEWIJCK, 2011). A classificação no esporte reduz a probabilidade de vantagem de um dos lados, promovendo a participação. Possui duas formas de classificação: a classificação por desempenho e a classificação seletiva (TWEEDY, VANLANDEWIJCK, 2011). Segundo os mesmos autores a classificação por desempenho, agrupa os competidores de acordo com os seus desempenhos no esporte, por exemplo: golfe e artes marciais. Já a classificação seletiva, minimiza impacto de determinados fatores, como idade, peso, gênero na competição. Os esportes paralimpicos são de classificação seletiva, pois utiliza a deficiência como unidade de classificação minimizando o impacto da deficiência no resultado da competição. Os sistemas de classificação foram desenvolvidos por várias federações internacionais esportivas e utilizados em todos os esportes. A primeira Federação Internacional foi a International Stoke Mandeville Games Federation (ISMGF), fundada em 1960, que baseado no modelo médico desenvolveu o sistema de classificação para pessoas com lesão medular. A primeira descrição desta classificação encontrada na literatura foi descrita por Rosen (1973a), que relata que esta classificação foi utilizada durante os Jogos de Heidelberg na Alemanha em 1972 com 7 classes médicas de acordo com o nível da lesão



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medular. Após os Jogos da Alemanha, Rosen (1973b) relatou que não houve mudanças nas classes IA, IB, II e III na classificação internacional da ISMGF, mas houve mudanças nas classes IV, V e VI. Vanlandewijck e Chappel (1996) descreveram oito classes para a classificação que incluía elementos funcionais, utilizada pela ISMWSF (1993). Segundo os mesmos autores, o nome da ISMGF foi modificado para ISMWSF (International Stoke Mandeville Wheelchair Sports Federation) para permitir que outros atletas, além da lesão medular pudessem fazer parte de competições sancionadas. Em 1964, foi fundada ISOD: International Sports Organization for Disabled, que criou um sistema de classificação para amputados, que incluía ambas as etiologias: congênita ou adquirida com 9 classes médicas de acordo com o nível da amputação. Essa associação criou também um sistema de classificação funcional, com seis classes para Les autres, (termo francês para as outras patologias), que incluíam uma variedade de deficiências locomotoras como: artrodese, artrose de articulações maiores, anquilose, espondilose Anquilosante, seqüelas da síndrome Guillain-barré, esclerose múltipla, distrofia Muscular, ataxia de Friedrich, artrogripose e osteogênese imperfeita (VANLANDEWIJCK, CHAPPEL, 1996). Em 1968 com a fundação da Cerebral Palsy-International Sports and Recreation Association: CP-ISRA foi desenvolvido o sistema de classificação para pessoas com Paralisia Cerebral, com oito classes, baseada em avaliação funcional para as seguintes modalidades: atletismo e natação. Segundo IPC (2009), durante o período de 1952 a 1972 participaram dos Jogos “Paralímpicos” apenas atletas com lesão medular. A partir de 1976, nas Paralimpíadas do Canadá, foram incluídos os atletas com amputação, outras deficiências e deficientes visuais. Nos Jogos de 1980 na Holanda, foram incluídos os atletas com Paralisia Cerebral e desde então, até os dias atuais participam todos os atletas com as deficiências citadas.

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Com o crescimento do movimento paralímpico, o esporte deixou de ser extensão da reabilitação e tornou-se importante por si só. O foco no esporte, em vez de reabilitação, impulsionou o desenvolvimento de sistemas de classificação funcional (TWEEDY, VANLANDEWIJCK, 2011). Nos sistemas de classificação funcionais, os principais fatores que determinam a classe, não são diagnósticos e avaliação médica, mas quanto a deficiência da pessoa impacta sobre o desempenho esportivo (TWEEDY, VANLANDEWIJCK, 2011). Até a década de 1970, a classificação era baseada no diagnóstico médico e não era especifico do esporte. Os atletas competiam com a mesma classe em todos os esportes. Ainda naquela década, a CP-ISRA e a ISOD, desenvolveram um sistema voltado para a classificação funcional que relacionava com o esporte esportivo (VANLANDEWIJCK, CHAPPEL, 1996). Em 1976, o professor de educação física Horst Strohkendl, pesquisou e publicou em sua tese de doutorado, um sistema funcional para o basquete em cadeira de rodas (BCR). No desenvolvimento do seu método contou com o auxilio de Bernard Coubaiaux e Phill Craven. Em caráter não oficial, esse método começou a ser utilizado em 1982, nos Jogos Panamericanos do Canadá e em 1984, foi utilizado no Mundial de Stoke Mandeville, na Inglaterra. Nas Paralimpíadas de Seul, em 1988, a nova forma de classificação foi, então, oficialmente testada (VANLANDEWIJCK, CHAPPEL, 1996). Em 1989 com a fundação do IPC- International Paralympic Committee, alguns esportes tiveram que desenvolver um novo e confiável sistema de classificação em apenas 3 anos fazendo com que houvesse uma aproximação na integração dos sistemas de classificação, ou seja permitir que um atleta com um tipo de deficiência competisse em igualdade contra um atleta com outro tipo de deficiência (VANLANDEWIJCK, CHAPPEL, 1996). Segundo os mesmos autores, durante Jogos Paralimpicos de Barcelona, em 1992, o sistema de classificação foi adotado e hou-



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ve a integração dos sistemas nas seguintes modalidades: tiro com arco, BCR, ECR, tiro, natação, tênis de mesa e vôlei. No atletismo houve a integração da ISMWSF e ISOD e no halterofilismo, ISOD e CP-ISRA. Para Tweedy e Vanlandewijck (2011) os Jogos Paralimpicos de Barcelona, em 1992, aceleraram a transição do sistema médico (a classe baseada em diagnóstico médico para competir em todos os esportes) para o sistema funcional (classe baseada na função específica do esporte). O Comitê Paralimpico Internacional (IPC) reconhece hoje três tipos de deficiências, a deficiência física (Oito tipos: Deficiência na Força Muscular, Deficiência na amplitude de movimento passiva, Perda ou deficiência do membro, diferença no comprimento das pernas, baixa estatura, hipertonia, ataxia e atetose), deficiência visual e a deficiência intelectual. Sendo que a classificação para a deficiência física é funcional, para a deficiência visual a classificação é médica- oftalmológica e só pode ser realizada por médicos oftalmologistas e para a classificação dos deficientes intelectuais o diagnóstico deve ser feito inicialmente por meio de laudo de profissionais da área de Psicologia e Psiquiatria é realizada avaliação psicológica através de testes de Q.I ( Quociente de Inteligência) por exemplo. Em 2003, o Conselho Administrativo do IPC, aprovou e recomendou o desenvolvimento universal de um código de classificação com o objetivo de coordenar e dar suporte no desenvolvimento e implantação de sistemas de classificação preciso, confiável, consistente e focado no esporte (IPC, 2007). Abaixo resumo dos principais eventos relacionados a Classificação no Esporte Paralimpico.

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Em 2004, Tweedy relacionou pela primeira vez a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da Organização Mundial de Saúde (OMS) com a classificação paralimpica propondo a aplicação da mesma linguagem e estrutura da CIF no contexto da classificação paralimpica (Figura 1) (TWEEDY, VANLANDEWIJCK, 2011). O mesmo autor identificou inúmeras vantagens como: os termos chave são claros, não são ambiguos e internacionalmente aceitáveis; os conceitos de funcionalidade e incapacidade que são descritos pela CIF são contemporaneos e internacionalmente aceitaveis, incluindo a inter relação entre deficiência e atividade que é o centro da classificação paralimpica.E os termos chave e conceitos da CIF são descritos em seis linguas. Por causa destas vantagens o Código de Classificação do IPC utiliza a mesma linguagem, definições e estrutura da CIF, portanto padronizando e normatizando a nomenclatura.



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O Código de Classificação do IPC e Padrões Internacionais detalha políticas e procedimentos que devem ser comum para todos os esportes e define princípios para serem aplicados por todos os esportes dentro do movimento paralimpico. (IPC, 2007). Cada Federação Internacional deve ter suas próprias Regras de Classificação que precisam estar em conformidade com o Código do IPC. Este tem como propósito ser especifico o suficiente para alcançar a harmonia nas questões de classificação onde a padronização é requisitada, ainda assim, generalizando o suficiente em outras áreas para permitir flexibilidade na maneira como os princípios são implementados (IPC, 2007). O Código do IPC estabelece política consistente na Classificação, especificamente no que se refere à: assegurar a responsabilidade e princípios de um jogo justo; proteção de todos os direitos dos atletas e classificadores; avaliação dos atletas; atribuição das classes esportivas e status de classe esportiva; protestos e recursos. Segundo o Código do IPC, a classificação fornece a estrutura para a competição e é realizada para garantir que a deficiência do atleta seja relevante no desempenho esportivo e garantir igualdade para competir com outros atletas. Possui duas funções importantes: determinar a elegibilidade para competir e agrupar os atletas para a competição (IPC, 2007) Para a avaliação do atleta com deficiência física, o Código de classificação do IPC recomenda uma avaliação física, avaliação técnica e avaliação por observação. Cada Federação Internacional possui suas próprias regras de classificação, números de classes esportivas, critérios de elegibilidade e critérios mínimos de elegibilidade. Portanto, quando o atleta é submetido a uma avaliação , o atleta só é classificado para aquele esporte. Se o atleta não é elegível para competir em uma determinada modalidade, isso não significa que não tenha uma deficiência. Isso significa que o atleta não tem uma deficiência que faz com que seja elegível para competir naquela

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modalidade em particular, ou que a gravidade da deficiência não tem impacto significativo sobre as atividades necessárias especificas daquele esporte (IPC, 2009). Atualmente os Jogos Paralimpicos de verão contemplam 22 modalidades, sendo que nas Paralimpiadas de Londres-2012 participaram 20 modalidades e nos Jogos Paralimpicos do Rio de Janeiro de 2016 haverá a participação de mais duas modalidades que são a para canoagem e o paratriatlo, totalizando 22 modalidades (Tabela 1). As modalidades, atletismo e natação abrangem os três tipos de deficiência (física, visual e intelectual). Lembrando que a classe para deficientes intelectuais no atletismo voltou a fazer parte do programa paralimpico no campeonato mundial de 2011 após reformulação da classificação, que foi questionada nos Jogos paralimpicos de Sydney-2000, retornando aos Jogos paralimpicos em Londres 2012. As modalidades, Futebol de 5, Goalball e Judô são exclusivas de atletas com deficiência visual. Com exceção do Futebol de 5 que permite apenas uma classe (cego total) as demais modalidades apresentam três classes. As modalidades, Ciclismo, Tiro Esportivo e Vela são oferecidas aos deficientes físicos e visuais e apenas na vela são utilizadas as três classes para os deficientes visuais. O Basquete em Cadeira de Rodas, Bocha, Esgrima em Cadeira de Rodas, Futebol de 7, Halterofilismo, Hipismo, Remo, Rugby em Cadeira de Rodas, Tênis em Cadeira de Rodas e Vôlei Sentado são exclusivos para os deficientes físicos. No Tênis de Mesa há a participação de deficientes físicos e intelectuais. Com exceção do Tênis em Cadeira de Rodas e Halterofilismo as demais modalidades possuem classes esportivas. Estas duas modalidades apresentam apenas critérios de elegibilidade e critérios de elegibilidade mínima. As modalidades Paracanoagem e Paratriatlo irão estrear nos Jogos Paralimpicos do Rio de Janeiro em 2016. A classificação da

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paracanoagem é funcional dividida em três fases: avaliação médica, funcional e técnica; é composta por três classes esportivas e destinada aos atletas com deficiências físicas (ICF, 2014). No paratriatlo, os atletas competem em distâncias menores que as olímpicas: são 750 metros de natação, seguidos de 20 quilômetros de ciclismo e 5 quilômetros de corrida. Possui 5 classes funcionais para deficientes físicos e uma classe para os deficientes visuais (cegos ou com baixa visão) (ITU,2014). Tabela 1- Modalidades, tipos de deficiências e o número de classes esportivas apresentadas nos Jogos Paralimpicos de Londres - 2012. Modalidade

Atletismo Basquete em Cadeira de Rodas Bocha Ciclismo Esgrima em Cadeira de Rodas Futebol de 5 Futebol de 7 Goalball Halterofilismo Hipismo Judô Natação Paracanoagem Paratriatlo Remo Rugby em Cadeira de Rodas Tênis de Mesa Tênis em Cadeira de Rodas Tiro com Arco Tiro Esportivo Vela Vôlei Sentado

Número de Classes DF DV 61 3 8 4 11 1 5* 1 4 3 4 3 29 3 3 5 1 3 7 10 3 2 1 7 3 9 -

DI 1 1 1 -

Total

65 8 4 12 5 1 4 3 4 3 33 3 6 3 7 11 3 3 10 9

DF: Deficiência Física; DV: Deficiência Visual, D.I: Deficiência Intelectual Fonte: IPC (2014) *Na Esgrima em Cadeira de Rodas são 5 classes distribuídas em 2 categorias, mas nos Jogos Paralimpicos são apenas 3 classes e mantém duas categorias.

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Os Jogos Paralimpicos de inverno contemplam 5 modalidades: Esqui Alpino que inclui o Snowboard, Hóquei no gelo, Curling em Cadeira de Rodas e o Esqui Nórdico subdividido em Biatlo e Cross Country (Tabela 2). As modalidades Hóquei no gelo e Curling em cadeira de rodas não possuem classes esportivas e adotaram os critérios de elegibilidade e critérios mínimos de elegibilidade para competir. O Esqui Alpino é oferecido aos deficientes físicos e visuais, sendo que para os deficientes físicos existem duas categorias: em pé e sentado. Na categoria em pé são 7 classes sendo três classes subdivididas . Na categoria sentado são 3 classes, sendo que duas classes são subdivididas em 2. Para deficientes visuais são três classes. O Snowboard paralímpico tem atualmente duas classes esportivas, uma para atletas com deficiência nos membros inferiores e uma para atletas com deficiência de membros superiores. O esporte está em desenvolvimento e com o crescimento do sistema de classificação está sendo redefinido gradualmente. No entanto, nos Jogos Paralimpicos de inverno de Soshi-2014 foi realizado apenas para os atletas com deficiência nos membros inferiores. O Esqui Nórdico que compreende o biatlo e cross- country, também é oferecido aos deficientes físicos e visuais e para os deficientes físicos são duas categorias: em pé e sentado. Na categoria em pé são 7 classes sendo uma classe subdividida em 3.Na categoria sentado são três classes sendo que duas classes são subdivididas em 2. Para os deficientes visuais são três classes: B(Blind): B1, B2e B3.

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Tabela 2-Modalidades, tipos de deficiências e número de classes esportivas em Jogos Paralimpicos Inverno. Modalidade

Esqui Alpino * Snowboard * Biatlo * Cross Country Hóquei no Gelo Curling em Cadeira de Rodas

Fonte: IPC (2014)

Número de Classes DF 16 2 14 14 -

DV 3 3 3 -

Total

18 2 17 17 -

Com relação à pesquisa em classificação nos esportes paralimpicos, Depauw (1995) apontou que havia pouca investigação sistemática para fornecer uma base cientifica para a classificação. O número limitado de estudos relacionados a classificação abordam tanto as relações entre o perfil físico do atleta (por exemplo: potência anaeróbia, capacidade aeróbica e anaeróbica, força, habilidade) e classificação, ou as relações entre desempenho esportivo e classificação. Para Sherril (1999), a classificação no esporte é a essência do esporte para pessoas com deficiências e é a área onde a pesquisa é mais necessária. Pode ser conceituada como sistema de avaliação e programação em constante evolução que se esforça em tornar a competição justa e igual. Tweedy e Vanlandewijck (2011) propoem para o esporte paralímpico, um sistema baseado em evidências de classificação , ou seja ,um sistema que apresente um propósito claro e uma evidência empírica que indique os métodos utilizados para a atribuição de classe esportiva e que irão atingir o objetivo proposto. Com relação às pesquisas, os mesmos autores, afirmam que para desenvolver pesquisas em sistemas baseados em evidências de classificação, dois pré-requisitos são fundamentais: que o sistema tenha objetivo de classificar de acordo com as deficiências elegi-

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veis e com a limitação da extensão da atividade. Fornecendo direção clara para os pesquisadores, desenvolvendo métodos de avaliação de acordo com o esporte, confiáveis e objetivos para a mensuração da deficiência e limitação da atividad. REFERÊNCIAS

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