Ildefonso de Toledo e o culto mariano na Hispania do século VII.

June 14, 2017 | Autor: Cynthia Valente | Categoria: History of Religion, Late Antiquity, Visigothic Spain
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BAPTISTA,Ana Paola P.Marianismo e iconografia nos primórdios da Igreja Católica:a anunciação à Virgem Maria.PHOÎNIX.Viveiros de Castro.Rio de Janeiro,1998.
FRIGHETTO,Renan.A Antiguidade Tardia:Roma e as monarquias romano-bárbaras numa época de transformações.Juruá.Curitiba,2012.
PAPA,H.A. A contenda entre Basílio de Cesareia e Eunômio de Cízico (séc.IV D.C.) Uma análise político-religiosa Annablume,São Paulo,2013.
Ildefonso de Toledo e o culto mariano na Hispania do século VII.


Cynthia Valente
Mestrado/ NEMED/UFPR
Bolsista CAPES
[email protected]

O objeto do presente trabalho refere-se à analise do uso da teologia mariana na Hispania do século VII pelo Bispo Toledano Ildefonso de Toledo , como instrumento de fortalecimento da ortodoxia niceísta, frente às heresias ainda vigentes e outras dificuldades enfrentadas pela Igreja que estava se construindo.
As primeiras discussões sobre o papel de Maria na vida de Jesus, iniciam-se logo nos primeiros séculos cristãos, nessa época era conhecida pelo termo grego aeiparthénos (Sempre virgem ), já no século IV a doutrina da virgindade aparece ligada ao termo De fide , algo como parte essencial da fé ortodoxa.
Os defensores desse dogma apararam-se , principalmente em duas passagens do Evangelho, em Mateus 1:25 e Lucas 1:34 (transcrever em notas), mas as referências à Virgem Maria são poucas, o que poderiam então ter fomentada a transformação em uma doutrina dogmática complexa e de grande importância?
Remetemo-nos ao dogma da Anunciação, que segundo a autora Anna Paula Baptista marca, em termos teológicos, o início da vida humana de Cristo e a justificativa de sua dupla natureza. Uma virgem concebida em milagre.
Portanto, a virgindade perpétua de Nossa Senhora, estava ligada a outro dogma de bandeira niceísta, que era a dupla natureza de Cristo, ligada também a questão da consubstancialidade, o dogma principal ortodoxo da Santíssima Trindade.
Não esqueçamos que esses primeiros séculos foram profícuos na origem de discussão dogmáticas, que muitas vezes originaram heresias, que fizeram frente à propagação da ortodoxia niceísta. Principalmente as heresias referentes à dupla natureza de Cristo, especificamente o Nestorianismo e o Arianismo, esse último muito influente na corte da Hispania Visigoda, até a conversão ao catolicismo promovida pelo rei Recaredo no ano de 589.
A ortodoxia portanto teria que justificar a concepção sagrada de Jesus não só através de passagens do Novo Testamento, como em Lucas e Mateus, como através do Velho Testamento, comprovando que o nascimento do filho de Deus já estava profetizado. Maria então passa a ter grande importância dentro da ortodoxia já que ela justificaria o milagre através da sua virgindade perpétua. Dogma esse aceito a partir do século III e proporcionando uma teologia mariana.
A exaltação de Maria tornou-se uma bandeira da Igreja Católica contra os heréticos, quanto mais esses a contestassem mais a Igreja se apegava a Maria, promovendo festas e construindo templos. Esse fortalecimento do papel da Virgem Maria deve-se a grandes nomes da Igreja, como São Jerônimo e Santo Ambrósio (século IV), Bispo de Milão, que foi o primeiro a usar a alcunha Mater Dei/Mãe de Deus, no Ocidente. Defensor fervoroso da Virgem, Santo Ambrósio também foi responsável pela difusão do dogma da virgindade perpétua, formalizado em 649 no Concílio Laterano.
A grande preocupação da Igreja estava em construir uma ortodoxia forte que não desse margem a diversas interpretações dos dogmas e por consequência não acabassem estimulando heresias. Portanto esse período foi profícuo em clérigos, que travavam verdadeiras batalhas retóricas contra os inimigos da fé. Homens como Jerônimo de Strídon e Agostinho de Hipona, influenciarão o ocidente cristão.
A propagação ideológica niceísta , obviamente chegou até a Hispania, que mantinham em seus mosteiros a prática da leitura, estimuladas por bibliotecas. Seus monges copistas tratavam de copiar as obras que chegavam até eles, infelizmente esses padres só utilizaram as obras em latim, já que não tinham a compreensão do hebreu e nem do grego.
Mesmo assim, a Hispania , destaca-se muito mais que o resto da Europa Cristã, o empenho dessa Igreja em construção pela erudição dogmática de seus membros foi enorme. Essa preocupação foi levantada nos Concilios Toledanos e expressa em cânones como forma de assegurar a boa formação dos clérigos católicos, pois somente assim seriam bons pastores e evangelizadores. Havia uma grande preocupação em formar bibliotecas e garantir o bom estado dos manuscritos, as cartas trocadas entre membros do clero, nos mostra também o interesse na troca de obras, na leitura e cópia de algumas, para que pudessem alcançar um número maior de paróquias.
Havia um constante empréstimo de obras para a cópia em outras sedes clericais, as fontes nos dão conta do grande número de cartas trocadas entre membros do clero.
Podemos entender então, o porquê da Igreja Visigoda do Reino de Toledo ser tão profícua em produções literárias e ter um grande número de escritores entre seus clérigos. Em especial , a frente desse esforço , esteve o grande Isidoro de Sevilha , considerado um Padre da Igreja, com obras que tiveram influência no decorrer do medievo.
O Bispo sevilhano terá um discípulo que produzirá, alguns anos mais tarde, um tratado intitulado De Virginitate perpetua sanctae Mariae , que se tornará obra de referência durante a Idade Média, com cópias difundidas já em pleno século XIV em grande parte da Europa Cristã. Esse discípulo/escritor chamava-se Ildefonso de Sevilha, de origem aristocrática goda, foi abade do grande Mosteiro de Agali e posteriormente, indicado pelo monarca Recesvinto, assume o cargo de Bispo Metropolitano de Toledo, que exercerá de 657 até 667, o ano de sua morte.
Esse tratado, de cunho totalmente dogmático, tinha como a defesa da Virgem Maria perante os infiéis e os inimigos da Igreja que questionavam seu papel de mãe de Deus e sua pureza perpétua. O tratado da virgindade é produzido dentro do contexto em que o dogma mariano estava em plena difusão. Provavelmente na biblioteca do Mosteiro de Agali , Ildefonso, na qualidade de Abade, deve ter tido acesso às obras daqueles Padres e Doutores que precederam Ildefonso na defesa do dogma. Principalmente São Jerônimo, muito citado no tratado.
Maria torna-se então imagem e semelhança da Igreja a partir do século VII. Essa analogia seria explicada da seguinte forma: tanto a Virgem Maria como a Igreja Católica eram mães, uma de Deus e a outra dos crentes a ele, e ambas escolhidas por Deus, portanto ambas não tinham pecado. Se o papel de Maria , ou sua virgindade fosse contestado, isso daria margem à dúvidas com relação à Igreja de Pedro ser a portadora da verdadeira fé. Escolhida por Deus para transmitir a sua palavra.
A presença de festas marianas e aparições da Virgem, completam o quadro que nos mostra a força de seu culto já no século VII, mesmo que seu ápice tenha acontecido em torno do século XII, notamos um grande trabalho teológico em torno de Maria, ainda durante a época tardo antiga.
Sobre as fontes, é necessário destacar a obra De Virginitate Perpetua Sanctae Mariae , escrita no século VII por Ildefonso de Toledo, não há um consenso de quando foi escrita, se durante seu período de vida no Mosteiro de Agali, ou posteriormente quando já estava exercendo o cargo de Bispo Metropolitano de Toledo (657-667). Essas fontes são primárias de natureza bilíngue, em latim e espanhol.
A edição utilizada constitui-se de 24 manuscritos distribuídos pela Europa, as datas dessas cópias são diversas, do século IX ao XIV. O autor que as estudou, o filólogo Vicente Blanco García, catedrático de Filologia da Universidad de Zaragoza e conselheiro da Instituição Fernando O Católico. Seu trabalho de tradução e compilação dos 24 codex visa a formatação do texto o mais próximo do original, que infelizmente não se tem notícia de sua localização , ou sobrevivência até os dias de hoje.
Outras fontes primárias, também em latim e espanhol, são os Concilios Visigóticos Toledanos, que funcionavam como instrumentos legais da estrutura de poder vigente. Essas assembleias permitem que se conheça as estruturas que permeavam a sociedade toledana tardo-antiga, em especial o poder régio e o poder eclesiástico.
O período histórico de Ildefonso de Toledo, já bem definido acima, é o século VII, a Antiguidade Tardia, um período de transformação e com características únicas, como assim o compreende o historiador brasileiro Renan Frighetto e também o francês Jean-Michel Carrié. Um período de transição e de ruptura política dentro do Império Romano, que ocasionaram transformações de cunho social, político e religioso. Portanto um período dotado de identidade própria. Segundo ainda o autor Renan Frighetto, essas transições ocorreram no Mediterrâneo, cronologicamente, entre os séculos III e VIII.
Um período no qual se formou a monarquia romano-bárbara na Península Ibérica, em que elementos hispano-romanos foram se misturando aos elementos Godos. Um período no qual o Catolicismo, como ocorreu em outros lugares da Europa, vinha ganhando espaço entre pagãos e heréticos.
Para alcançar os objetivos propostos pela pesquisa, foi necessário a compreensão da paidea do período, e para isso também utilizamos o conceito do termo pela historiadora Margarida Maria de Carvalho que a define como um conjunto de práticas pedagógicas, políticas, religiosas e filosóficas que permeia e aperfeiçoa a retórica do discurso proferido por aqueles que estão buscando impor seu poder. Essa compreensão será de grande valia na análise do tratado produzido por Ildefonso, o que realmente podemos perceber dentro da retórica do seu texto dogmático.
Embasamo-nos em autores da historiografia espanhola sobre a Hispania Visigoda, como Rosa Sanz Serrano, Santiago Castellano, José Orlandis e o hispanista inglês Edward Thompson.
Obras de filólogos espanhóis também fazem parte do estudo, autores como Manuel Diaz y Diaz, Vicente Blanco e Rivera Recio, foram lidos e usados para o estudo das fontes e obras de Ildefonso.
A obra aqui citada de Ildefonso nos proporciona um panorama da natureza de sua produção cultural, seu tratado não estavam isento de ideologia e características culturais do momento, como o árduo debate sobre a virgindade de Maria e a preocupação em fortalecer a ortodoxia.

Palavras-chave: Igreja;Ortoxia;Hispania








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