Ilhas desconhecidas ou: Do diálogo retomado. Geração Pós-Saramago desembarca no Brasil

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ILHAS DESCONHECIDAS OU: DO DIÁLOGO RETOMADO. GERAÇÃO PÓS-SARAMAGO DESEMBARCA NO BRASIL.1 Sandro Ornellas2 Gabriela Fernandes3 A leitura anunciada [...] pode ser uma tentativa de pôr a velha questão da língua portuguesa, a dividir irmãos transatlânticos, em novos termos de discussão, quer dizer, de pôr noutros termos o diálogo interrompido. Jorge Fernandes da Silveira, O Tejo é um rio controverso (p. 66).

1. “E que ilha desconhecida é essa que queres ir à procura? Se eu to pudesse dizer, então não seria desconhecida”4. E assim, na tentativa de navegar por mares desconhecidos, portugueses desembarcam novamente no Brasil. O percurso, no entanto, não passa mais por caravelas, naus e o mar-oceano. Agora, a porta de entrada se dá através da mídia e de edições. Para os novos escritores portugueses, o Novo Mundo de hoje é o mercado editorial brasileiro. Mas o que traz esses autores para nossos mares é uma intenção direta de encontrar novas terras ou é, mais uma vez, um dito pretexto para chegar às Índias? Em outras palavras: os novos escritores portugueses publicados no Brasil representam um fortalecimento das relações lusófonas ou são a mera consequência das tendências de uma literatura e um mercado editorial cada vez mais globalizados? Quais são os mecanismos que fazem com que as recentes relações literárias Brasil-Portugal se estreitem? Qual o espaço da literatura portuguesa no mercado editorial brasileiro? Se existe um elo que aproxima as culturas portuguesa e brasileira, sem dúvida que passa pela língua. Ela permite dentre outras coisas a socialização das respectivas literaturas. Se por afinidade cultural ou por mera comodidade editorial (levando-se em conta que sempre existe alguma economia ao pensarmos em custos com tradução, por 1

Publicado em Encontro. Revista de Lusofonia e Cultura do Gabinete Português de Leitura. Recife, Ano 29, Número 24, 2013, pp. 14-19. 2 Professor de Literatura na Graduação e Pós-Graduação no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA). 3 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Cultura (PPGLitC) no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB). 4 Todos os subtítulos foram retirados do livro O conto da ilha desconhecida, de José Saramago (1998).

exemplo), a interlocução entre autores desses dois países vem acontecendo de formas variadas desde o século XIX. Em diferentes momentos, um país influenciou o outro com sua arte. Desde o século XVII, compartilhamos do afeto de/por Antônio Vieira, que foi de certa forma filho dos dois solos; Garrett, Eça de Queiróz, Florbela Espanca, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, cada um em sua época, assim como tantos outros, passaram pelos leitores brasileiros deixando admiradores e desafetos, passeando por leituras obrigatórias escolares e meros deleites, como acontece com qualquer grande autor. Assim também, os romancistas e poetas do alto modernismo brasileiro – de Jorge Amado e Clarice Lispector a Carlos Drummond e João Cabral – ainda são muitíssimo lidos e admirados em terras lusitanas. Jorge Amado, inclusive, ajudou com a publicação no Brasil, entre as décadas de 50 e 70, de vários romancistas do neorrealismo português influenciados por ele, Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, dentre outros. Isso sem falar da Bossa Nova, que fez a cabeça dos portugueses, assim como Caetano Veloso, Chico Buarque e Maria Bethânia, ainda popularíssimos por lá. No entanto, um ponto faz com que pensemos que essa relação – principalmente no que tange ao caminho de vinda, que se encontrava esmaecido há algumas décadas – tenha se repotencializado no século XXI. E esse ponto justamente se inicia após as publicações de José Saramago, especialmente nos anos que sucederam 1998, ano do Nobel de Literatura para o português. É daqui que partiremos, não pretendendo responder todas as demandas que certamente aparecerão, mas propondo mapear a ponta do iceberg do cenário editorial brasileiro no que tange aos escritores portugueses contemporâneos. De alguma forma, os brasileiros estão “descobrindo” e sendo “(re)descobertos” pelos recém-chegados autores portugueses. Discutiremos um pouco como esses escritores ganham prateleiras e leitores no Brasil e quais alguns dos signos que nos fazem afirmar que esse “desembarque literário” tende a aumentar a cada dia. 2. “Gostar é provavelmente a melhor forma de ter, Ter deve ser a pior maneira de gostar”. Em quais outros contornos brasileiros encontramos vestígios portugueses? O maior ensaísta português, Eduardo Lourenço, no artigo “Portugal-Brasil: um sonho falso e um único sonhador”, expõe seu ponto de vista a respeito da relação Portugal-

Brasil, chegando a afirmar que Portugal desapareceu do imaginário brasileiro há quase um século: “No Brasil, Portugal está em todo lado e em lado nenhum” (2001, p. 158). Se política e economicamente os dois países travam relações que no fundo são mutuamente indiferentes e desimportantes, nas artes nutrem uma ambígua admiração mútua em função da história de diálogos anteriormente esboçada. Recentemente, também, existiu a sensação geral de que as manifestações artísticas brasileiras eram mais facilmente recebidas nas terras lusitanas. Essa assertiva, no entanto, vem sendo questionada no novo século. Numa matéria publicada na revista Época, em 2011, intitulada “Os donos do português” e assinada por Luís Antônio Giron e Danilo Venticinque, os autores contemporâneos portugueses são comparados aos brasileiros e a superioridade estética dos primeiros é exaltada. Os jornalistas afirmam: “a literatura brasileira derrapa, enquanto uma nova geração de autores portugueses ocupa as prateleiras, seduz a crítica internacional, arrebanha leitores e deixa os ficcionistas brasileiros a ver navios” (2011). Nessa mesma matéria os dois jornalistas ainda asseguram que a maior qualidade dos portugueses se dá, dentre outras coisas, porque o cenário literário luso é mais “tenso” e “ácido”, ao contrário da camaradagem que reinaria no Brasil. Apesar de gastar linhas numa comparação cujo real sentido é menos o de elogiar autores portugueses contemporâneos e mais o de criticar os autores brasileiros, essa mesma matéria apresenta alguns dos novos nomes da literatura portuguesa e tenta delinear as tendências e/ou características dessa geração. Tentativa sem êxito, já que a conclusão é muito simples: entre eles há muito pouco em comum. E esse sim é um traço típico da escrita literária na contemporaneidade. Por outro lado, esse tipo de comparação crítica já vinha sendo muito comum também do lado português. A partir da década de 1990, os portugueses se depararam com dois fenômenos: a grande imigração de brasileiros fugidos da crise econômica para suas terras5 e a crescente influência de uma certa política-cultural brasileira6. No primeiro caso, indicamos o livro organizado por Igor José de Renó Machado, Um mar

5

Isso é exemplarmente representado no filme Terra estrangeira (1995), de Walter Salles e Daniela Thomas. 6 Por “uma certa política-cultural brasileira”, referimo-nos à exportação pela indústria cultural de entretenimento brasileira das telenovelas da Rede Globo e de alguns cantores nacionais, particularmente os da nova música baiana, como Netinho, Daniela Mercury e Ivete Sangalo, que conseguiram fazer muito sucesso, tanto entre imigrantes brasileiros quanto entre portugueses.

de identidades: a imigração brasileira em Portugal (2006), que desenha um amplo painel das tensões no mercado de trabalho7 e dos estereótipos construídos nas últimas décadas com a imigração. No segundo caso, remetemos para uma declaração do escritor e jornalista português Miguel Sousa Tavares em um texto por volta das Comemorações dos 500 Anos do “Descobrimento” do Brasil. O texto, intitulado “Desculpem lá o Cabral”, não se ocupa só de maldizer a postura dos brasileiros em relação ao seu excolonizador, mas aproveita para criticar a nostalgia e o mito do grande império que ainda é cultivada por alguns portugueses. Dentre muitas alfinetadas, declarou: Tal como vejo as coisas, há duas atitudes habituais do lado de cá, e ambas são causa de ilusões: uma, é a tal nostalgia imperial, que talvez seja uma fatalidade de quem algum dia foi império, e que, na prática se traduz em alguns desejos tidos como verdades de todos os tempos, tais como a ficção do “país irmão” ou na presunção de que os brasileiros, só porque falam a mesma língua, hão de gostar tanto de nós quanto nós gostamos deles; outra é uma subserviência

institucional

perante

o

Brasil,

da

parte

de

alguns

“abrasileirados” oficiosos. (TAVARES, 2000)

Completa Tavares, confirmando de alguma forma a tese de Eduardo Lourenço: “não senti que naquela fantástica civilização de cidades e praias houvesse, fosse a que nível fosse, o mais leve vestígio da nossa marca” (TAVARES, 2000), ressalvando as influências portuguesas na arquitetura do nordeste brasileiro. 3. “Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco”. Em meio às mais ou menos fugazes querelas dos artigos de opinião, aquele que se mostrou mais sintomático do que pretendemos apresentar neste texto foi o intitulado “Brasil recolonizado”, do escritor paranaense Miguel Sanches Neto. O texto sofreu severas críticas na época em que foi publicado, em 2005, e nele o escritor se posiciona avesso ao que chama de “enchente de escritores” portugueses que começaram a aportar por aqui. No texto, Sanches Neto lista nomes importantes dessa “invasão lusa”. Isentamos-nos do tom ácido adotado pelo escritor, mas nos valemos da seleção feita por ele para apresentar os portugueses que dão corpo ao desembarcar literário sugerido por esse trabalho. A começar por António Lobo Antunes, contemporâneo e “rival” direto de 7

Talvez a mais famosa tensão tenha sido a relativa aos dentistas brasileiros em Portugal, por volta de 1991, onde não há formação superior específica em odontologia, dando-se como uma especialização de médicos. A portuguesa APMD, a Associação Profissional de Médicos Dentistas, reclamou da imigração em massa desses profissionais.

Saramago na predileção dos leitores, Herberto Helder, com sua poesia hermética e obscura, Sophia de Mello Breyner Andresen e sua coletânea de poemas editados por aqui, dentre outros de grande peso. No entanto, são os novíssimos nomes que nos interessam nesse momento: Inês Pedrosa, o próprio Miguel Sousa Tavares, Gonçalo M. Tavares, valter hugo mãe, João Tordo e José Luís Peixoto. Os quatro últimos, mais jovens, porém não menos maduros, são conhecidos como “consagrados de fresco” e são grandes responsáveis pela nova estética literária portuguesa. Todos são publicados no Brasil, alguns reeditados, sucesso de crítica e de vendas. Autores que escrevem nos mais diversos gêneros e que ganham admiradores por fazerem parte de um “grupo” de escritores que versam sobre os mais diversos temas e que possuem, cada qual à sua maneira, uma qualidade estética singular. No “Poema raro”, de Gonçalo M. Tavares, encontramos um traço dessa geração e que podemos traduzir por um distanciamento irônico com relação ao modo excessivamente intelectualizado pelo qual outras gerações lidaram com o que há de humano na arte: Se o poema raro, não publicado, se encontrasse escrito nos lençóis da maca, debaixo das costas do moribundo, o intelectual, informado de tal facto, não hesitaria um segundo. empurraria o moribundo, se possível ligeiramente para o lado, se necessário para o chão, e com uma caneta entre os dedos, copiaria para o seu caderno preto a preciosidade finalmente descoberta. (TAVARES, 2005, 147)

Aí talvez se revele um pouco do modo como esses escritores articulam sua relação com a escrita literária no “boom” editorial vivido por eles. Sua postura se parece mais próxima do público em sua humanidade do que com a de Mallarmé ao se referir à banalização da escrita como um “bibelô de inanidade sonora”. Numa entrevista ao site Saraiva conteúdo em junho de 2010, Gonçalo M. Tavares diz que a “escrita não é sinônimo de publicação”. Mas ele possui mais de 20 livros lançados em 10 anos (ele começou a publicar só em 2002) e, aos 35 anos, – dentre contos, poesias e romances – causou grande rebuliço no cenário literário português. O que nos leva a crer o quanto essa sua declaração ao site tem algo de fortemente (auto-)irônica. Vemos muitos dos

seus livros com lugar garantido nas prateleiras das livrarias, não apenas nas brasileiras. Seguindo os passos de Saramago – que afirmou que Gonçalo “não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!” – o jovem ganhou diversos prêmios e foi muito bem recebido e admirado entre leitores de todo o mundo (recentemente foi traduzido para o coreano!), inclusive brasileiros nas suas muitas passagens por aqui para divulgar seus livros e participar de encontros literários. Em suma, diferentemente do intelectual cultor da raridade poética do seu poema, Gonçalo sabe que, se “escrita não é sinônimo de publicação”, ela o é também, sobretudo em tempos tão fortemente determinados pela indústria editorial e cultural. E faz disso seu maior charme. Outro nome que é preciso retomar é o do já citado Miguel Sousa Tavares, que é colunista de jornal, comentarista esportivo e publicou textos entre romances e relatos de viagem. Ficou conhecido – aqui no Brasil e também em outros lugares – após a publicação do romance Equador (2003), livro que virou best-seller e chegou a ser indicado como leitura obrigatória no vestibular de algumas universidades brasileiras. Depois do grande sucesso de vendas em terras brasileiras, viagens para divulgação e entrevistas, o autor escreve Rio das Flores (2008), romance ambientado em grande parte justamente no Brasil. Nesse livro, Miguel Sousa Tavares tenta aproximar as realidades políticas de Portugal e do Brasil em períodos ditatoriais de Salazar e Vargas. A narrativa conta a saga de uma típica família de latifundiários do Alentejo que entre os anos de 1915 e 1945 tenta escapar dos problemas políticos, econômicos e do subsequente regime totalitário que se instalou em Portugal. Sempre dando a seus livros o ar sintomático de romance histórico, Sousa Tavares parece ter conseguido um lugar relativamente sólido no circuito brasileiro. Além dos dois romances, o autor também teve publicado no Brasil seu livro de crônicas, intitulado Não te deixarei morrer David Crocket (2005). Todos por editoras de porte nacional. Talvez resida aí um ponto que tenda a estreitar nossas relações literárias. A aproximação entre os dois países sendo feita de formas tanto históricas quanto geográficas, já que alguns autores portugueses adotam como cenário para suas histórias o solo brasileiro. Além de Miguel Sousa Tavares, outro livro que possui tais características é A eternidade e o desejo (2008), de Inês Pedrosa. Nesse romance, a aproximação se dá por conta da afeição literária que Clara – personagem principal do

livro – tem pelo padre Antônio Vieira. Partindo dessa ligação e contando a história de uma mulher cega, A eternidade e o desejo passeia as ruas de Salvador logo nas primeiras páginas. A edição do livro traz na capa a imagem de uma igreja decorada com as fitas do Senhor do Bonfim, símbolo da cultura e da indústria do turismo baiana. Em passagem do livro, a personagem afirma: “Conheço muito mais do Brasil do que a felicidade” (2008, p.17). O livro também discorre sobre a cultura local, a religião e a música baiana. Em determinado momento, a viagem pelo Brasil de Vieira chega também ao Maranhão. Não por acaso, esses são dois dos estados em que a presença portuguesa ainda é marcante na paisagem urbana dos centros históricos. Clara, personagem do livro cita diversas vezes artistas brasileiros como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Millôr Fernandes, dentre outros, mostrando que a autora portuguesa está bastante familiarizada com as produções brasileiras. Assim, por que não dizer que esse livro tem um “quê” de encomenda, um “quê” de “feito sob medida para leitores brasileiros”? Essa sensação pode ficar ainda mais forte se compararmos esse livro com o primeiro da autora publicado aqui, Fazes-me falta (2002). O título já anuncia uma sintaxe pouco utilizada coloquialmente no Brasil e, de alguma forma, o tom usado pela escritora ao longo do livro também; tom esse que muda na narrativa de A eternidade e o desejo para algo “muito mais do Brasil”, como dito acima. 4. “A ilha desconhecida é coisa que não existe, não passa de uma ideia da tua cabeça”. Os exemplos de Gonçalo M. Tavares, Miguel Sousa Tavares e Inês Pedrosa apontam para uma geração de escritores que se mostra extremamente desenvolta quando o assunto é um mercado literário de alcance global. Inês Pedrosa, por exemplo, pertence hoje ao catálogo da editora espanhola Alfaguara, que vem firmando sua presença em solo brasileiro com uma série de publicações. Sendo um dos selos da companhia Prisa – também espanhola – chegou ao Brasil para suprir o espaço da companhia na publicação de livros de ficção. A Prisa por sua vez chegou ao Brasil em 2005 e através da Santillana, outro selo da companhia, comprou 75% da Editora Objetiva, que já atuava no mercado editorial brasileiro desde a década de 1990. A Prisa está presente em 22 países com diversas produções e conta com mais de 52 milhões de usuários. Segundo o

site, a empresa se descreve como “a companhia líder em criação e distribuição de conteúdos culturais, educativos, de informação e entretenimento nos mercados de fala espanhola e portuguesa, graças a sua oferta multicanal de produtos de máxima qualidade” (2013). A estratégia é simples: por um lado, a Alfaguara ganha espaço no circuito brasileiro não só lançando os portugueses, mas também autores latinoamericanos como Mário Vargas Llosa, por outro lado, lança literatura em língua portuguesa nos países falantes da língua espanhola, como António Lobo Antunes e José Saramago, que teve há pouco toda sua obra lançada numa nova coleção, inclusive sua esposa Pilar assina a tradução de alguns dos livros. Além da Alfaguara, a brasileira Cosac Naify alcançou sucesso de vendas com a publicação de A máquina de Fazer espanhóis (2011) do português valter hugo mãe, que foi o grande destaque da Festa Literária Internacional de Parati – a FLIP – em 2011, tornando-se o autor queridinho no Brasil por algum tempo, especialmente após a leitura de uma carta feita especialmente para a Festa contando a relação afetiva que cultivava pelo nosso país. O autor encerra a carta dizendo: “Sonhei sempre em vir ao Brasil e vim várias vezes, faltava vir como escritor, publicado e recebido. Pois aqui estou, a Flip fez isso, não esquecerei nunca, sinto que fazem de mim um homem de ouro, agradeço a todos muito por isso.” (2012). Aplaudido de pé, ganhou centenas de leitores (ou fãs?) brasileiros e, com sucesso garantido, teve logo em seguida, em 2012, seu mais novo livro, O filho de mil homens, lançado pela mesma editora, assim como a Editora 34, também publicou outros dois romances seus no país. Nota-se, portanto, que além das editoras fortemente atuantes no mercado português trazendo autores portugueses para o Brasil – Alfaguara, Leya e Tinta da China – as nacionais também têm mirado nos “novos”. Gonçalo M. Tavares (2005), Lobo Antunes (2009), valter hugo mãe (2011), José Luís Peixoto e Dulce Cardoso (2012) estão entre os últimos convidados da Flip. José Luís inclusive acabara de lançar seu novo romance, Livro, pela Companhia das Letras. Tal editora, além de também editar alguns livros de Gonçalo, é a responsável pela coleção Saramago aqui no Brasil e uma das principais investidoras da Festa. O que se quer, portanto, é detectar sintomas de que a recente literatura portuguesa contemporânea vem conquistando o mercado literário brasileiro, mas que essa aproximação, que nos sugere um estreitamento das relações lusófonas, pode

também ser reflexo de um mercado literário e editorial em vias de globalização. Mesmo com a crise pós-2008 assolando inapelavelmente a Europa, afirmamos que pelo menos uma parte do seu polo editorial vai bem, pois enxergou no Brasil um grande mercado em ascensão8. Gonçalo M. Tavares, com Portugal afundado em fortíssima crise, lançou pela Leya, em 2010, seu último livro, Uma viagem à Índia, simultaneamente em Portugal e no Brasil. O livro é um ambicioso poema épico em evidente diálogo com Os Lusíadas, mas com o reconhecido tom de Gonçalo. Tudo isso, no entanto, menos nos impede e mais nos força a concordar com Eduardo Lourenço, que em outro ensaio, “Portugal como destino: dramaturgia cultural portuguesa”, a propósito da euforia lusitana há mais de 10 anos atrás, no momento da entrada na União Europeia, afirma: O paradoxo é que este Portugal de fim de século nunca foi tão culturizado como hoje. Não por terem acedido a um saber mais diversificado e compartilhado novas gerações de adolescentes – e nesse capítulo a Democracia trouxe ou está sofrendo uma autêntica mutação –, mas porque sob esta subida de conhecimentos pragmáticos, a filosofia que os subdetermina não comporta, ou escassamente, o conhecimento crítico da realidade nacional ou do mundo onde vivemos. [...] O comércio desta autointoxicação da humanidade por si mesma é hoje o mais rendoso do planeta. (LOURENÇO, 1999, 150-1)

Nossa intenção aqui neste texto foi levantar algumas possibilidades de olhar com olhos brasileiros para essa literatura portuguesa recém-saída da prensa gráfica. Mesmo que saibamos que muito mais questionamentos podem ser feitos, ficamos com um trecho retirado do livro A eternidade e o desejo, de Inês Pedrosa, que acreditamos representar bem o espírito com que encerramos nossas linhas: “Lembras-me que prometi contar-te tudo, esta noite. Tudo, Sebastião, não sei se alguém consegue contar.” (2008, p.33).

Referências bibliográficas GIRON, Luís Antônio; VENTICINQUE, Danilo. Os donos do português. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI242480-15220,00.html Acesso em: 08 de abr. de 2012. 8

Isso não diz respeito apenas às editoras ibéricas. Lembramos que em 2009 a importante editora britânica Penguin Books se associou à Companhia das Letras para publicar edições da Penguin Classics no Brasil, sendo que essa associação virou em 2011 a compra de 45% da editora brasileira pela britânica.

LEYA. Quem somos. Disponível em: http://geral.leya.com.br/gca/index.php?id=148. Acesso em: 08 de abr de 2012. LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. MACHADO, Igor José de Renó (org.). Um mar de identidades: a imigração brasileira em Portugal. São Carlos-SP: EdUFSCAR, 2006. MÃE.

valter

hugo.

A

carta

de

valter

hugo

mãe.

Disponível

em:

http://blogs.estadao.com.br/flip/2011/07/08/a-carta-de-valter-hugo-mae/. Acesso em: 08 de abr. de 2012. PEDROSA, Inês. A eternidade e o desejo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. PRISA. Quem somos. Disponível em: http://www.prisa.com/pt/pagina/prisa-un-grupoglobal/. Acesso em 15 de fev. de 2013. SANCHES

NETO,

Miguel.

Brasil

recolonizado.

Disponível

em:

http://textosdagavea.blogspot.com.br/2005/11/brasil-recolonizado-miguel-sanches.html. Acesso em: 08 de abr. de 2012. SARAIVA

CONTEÚDO.

Disponível

em:

http://www.youtube.com/watch?v=41m3TF9BDmI. Acesso em: 08 de abr. 2012. SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. SILVEIRA, Jorge Fernandes da. O Tejo é um rio controverso. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. TAVARES, Gonçalo M. Um. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. TAVARES, Miguel Sousa. Equador. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. TAVARES,

Miguel

Sousa.

Desculpem



o

Cabral.

Disponível

http://www.pedromundim.net/Cabral.htm. Acesso em: 08 de abr. de 2012.

em:

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