Imagem como cultura visual na pesquisa educacional

May 24, 2017 | Autor: Carmen de Mattos | Categoria: Etnografía, Metodologias de Pesquisa
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Imagem como cultura visual na pesquisa educacional Carmen Lúcia Guimarães de Mattos1 RESUMO Imagem como cultura visual (HALL,1966) é o foco de análise deste trabalho. Estudamos o conceito de imagem teoricamente e destacamos alguns elementos que caracterizam a imagem como objeto de estudo na pesquisa educacional. Apresentamos abordagens utilizadas para estudar imagens. Primeiro, estudamos a imagem e representação, descrevendo as divergências e convergências nos trabalhos de SAUSSURE (1974), BARTHES (1997), DERRIDA (1967) e FOUCAULT (1986) sobre conceitos de representação, estereótipo e imagem. A seguir, analisamos sob ótica de BÉRGSON (1968), imagem e memória, destacando como os conceitos de lembrança e percepção estão relacionados à imagem. Finalmente, baseados em ROGOFF (1998), BRENNEN (1996), MITCHELL & WEBER (1998), e SONTAG (1977) apontamos alguns aspectos do estudo das imagens na pesquisa educacional. O trabalho oportuniza a reflexão sobre o uso de imagens na pesquisa educacional. Palavras-chaves: Imagem, cultura visual, pesquisa educacional A imagem como cultura visual (HALL 1966) é o eixo articulador utilizado para este estudo. Nesse artigo delimitamos alguns dos focos de análises utilizados para o estudo da imagem como objeto epistemológico, definimos seu conceito, assim como o conceito de outras categorias tangenciais ao estudo da imagem e abordamos ainda as implicações para o uso dessas categorias na pesquisa educacional sinalizando sua complexidade. O artigo inclui os seguintes tópicos: 1. Conceito de Imagem; 2. Imagem e Representação 3. Imagem e Memória; 4. Imagens na Pesquisa Educacional. 1. CONCEITO DE IMAGEM O conceito de imagem é de difícil precisão, no livro VI da República, PLATÃO já se debruçava sobre a complexa relação que une imagem e realidade. Primeiramente, a imagem foi definida como sombras, depois como reflexos, mais tarde, como algo que está em lugar de outra coisa − algo que pode ser produzido. Entretanto, qualquer que seja a posição teórica

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A Profª Dra. Carmen Lúcia Guimarães de Mattos é professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPED) da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Possui os títulos de Ph. D. in Education pela University of Pennsylvania (USA) e de Pós-doutorado em Sociologia do Conhecimento pelo Centre de Recherches sur les Liens Sociaux (CERLIS), do Centre National de la Recherche Scientifique, (CNRS) Université René Descartes (Paris V). Contato pelo e-mail [email protected]

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adotada, a imagem é entendida como algo utilizado para representar uma outra coisa, em sua ausência. Dessa relação complexa que une imagem e realidade resulta o seu caráter quase mágico que lhe permite ao mesmo representar um objeto e sua ausência. Esse caráter provoca uma reação ao seu uso. Algumas vezes a imagem é encarada com reticências, especialmente quando o objeto sobre o qual se debruça é a representação humana. Na educação, durante muito tempo, imagem foi alvo de desconfiança, talvez porque, mesmo que, muitas vezes, imprópria à produção de argumentação, a imagem tornou-se um instrumento para desvelar a realidade, denunciando práticas e instigando o debate crítico. Uma das formas para realizarmos a análise de imagens é através da sua classificação, que pode ser feita a partir de perspectivas diversas. A primeira é dicotômica, e distingui imagens naturais − aquelas que são produzidas sem intervenção humana (como os reflexos e sombras de que fala PLATÃO) e imagens artificiais ou produzidas − aquelas que exigem intervenção para que existam. Deixando à margem, por ora, as imagens naturais, tratemos das imagens produzidas. Justo VILLEFANE (1988) elenca cinco distinções próprias às imagens produzidas. São elas: 1) quanto à materialidade, distinguem-se as imagens materiais (quadro, fotografia ou escultura) das não-materiais (imagem mental ou virtual); 2) quanto à espacialidade, existem diferenças entre imagens bidimensionais e imagens tridimensionais; 3) quanto à temporalidade, é necessário distinguir as imagens estáticas das imagens móveis; 4) quanto à intenção sêmica, existe distinção entre imagens representativas e não-representativas; 5) quanto às condições de produção, existem imagens produzidas por meios mecânicos e imagens produzidas por meios humanos. Estudiosos da imagem costumam, de acordo com a escola teórica em que se situam, abordar a imagem a partir de dois pontos de vista distintos: o primeiro parte de uma abordagem textual, que entende a imagem como um texto possuidor das mesmas características da produção lingüística. O segundo é a abordagem semiótica, que considera a imagem enquanto signo, tratando em sua análise de descobrir as suas relações tanto com o objeto que representa, quanto com os outros sistemas de signos, extraindo daí aí as razões da sua significação.

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A forma mais usual de análise na abordagem semiótica consiste em tentar estabelecer um paralelo entre dois planos: 1) o da expressão (o que a imagem mostra) e o do conteúdo (o que ela significa); 2) do significante (a realidade exterior a que a imagem se refere) e do significado (o conteúdo material da imagem), isto é, fazer uma comparação entre o conteúdo físico da imagem e o seu significado e entre esse mesmo conteúdo físico e a sua semelhança, ou diferença, com a realidade exterior para que remete. Independentemente do ponto de vista teórico adotado, a análise de uma imagem pode, segundo JOLY (1994), ser vista sob diversos ângulos distintos entre os quais estão: 1) a materialidade e a dimensionalidade _bi ou tridimensional, natural ou criada, real ou virtual; 2) o processo de elaboração, ferramentas utilizadas para produzir a imagem _humana, mecânica, informática; 3) a matéria da expressão _a organização interna da imagem (contrastes, semelhanças, cores, linhas, efeitos de escala); 4) as funções icônicas as relações entre a imagem e o seu objeto de representação, onde se distinguem três tipos básicos de relação - a) a representativa (quando a imagem pretende ser uma cópia da realidade que representa); b) a simbólica (quando existe uma transferência de uma imagem para um significado abstrato); c) a convencional (quando a relação entre a imagem e aquilo que ela representa ganha existência numa convenção social). De acordo com VILLEFANE (1988) numa imagem podem estar presentes mais de uma categoria. Os elementos que caracterizam a imagem, assim como as possibilidades analíticas propostas não devem nos servir apenas enquanto decodificadores de imagens, devem, antes, servir de base à reflexão. Para pesquisar imagens precisamos nos debruçar sobre elas de modo a produzir e selecionar as que são significativas e que atendam aos objetivos, especialmente quando essas imagens têm finalidade acadêmica definida e um público particular e quando utilizamos uma abordagem etnográfica de pesquisa. 2. IMAGEM E REPRESENTAÇÃO Trataremos neste tópico dos conceitos de representação, estereótipo e imagem sob a ótica dos estudos culturais. Entendemos que, por serem esses conceitos, muitas vezes, tomados como similares para o estudo das imagens, faz-se necessário dar algumas explicações.

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No início do século vinte, SAUSSURE (1974) descrevia o signo a partir de sua constituição. O signo – ou unidade – lingüístico é uma unidade dupla, constitui-se de um significante (imagem acústica) e um significado (conceito). É uma entidade psíquica de duas faces, de combinação indissolúvel, no interior do cérebro humano, do significado e do significante, sendo o significante o suporte material do signo. SAUSSURE (1974) também faz uma diferença importante entre língua e fala. Para ele língua é o conjunto de todas as regras que determinam o emprego de sons e relações sintáticas necessárias para a produção de significados, isto é, fato social, geral e visual, em contrapartida a fala é a execução da língua pelo indivíduo falante, ela depende do indivíduo e não da sistemática. Na visão de SAUSSURE, não existe uma relação natural entre significante e significado, essa relação não se dá por convenção social. O trabalho de BARTHES (1997) nos anos 60 e 70 foi um marco para a nova teoria da lingüística e comunicação. O autor cunha a expressão textos escrevíveis em oposição a textos legíveis, para demonstrar as diferenças na significação como produtividade. BARTHES (1997) rompe com as idéias de SAUSSURE (1974) e analisa o texto como legível quando não permite mais do que uma leitura, quando não pode ser re-escrito, ficando limitado ao domínio da representação (reprodução, imitação, reflexo). O princípio dos textos a que BARTHES (1997) se refere é o da não-realidade. Os textos escrevíveis, entretanto, abrem espaço para sua re-significação, para a re-leitura. A posição de BARTHES (1997) foi radical: não existe separação entre significado e significante, o significado não é uma entidade mental separada, independente de sua expressão material, visível, audível, é incerteza e indeterminação. A indeterminação é o que caracteriza tanto a significação quanto a representação. A representação só adquire sentido em seu pertencimento a uma cadeia de significantes, é a representação de alguma coisa não por sua identidade, consciência ou correspondência com essa coisa, mas por representá-la através de um significante como diferente de outras coisas (DERRIDA 1967/1973). Os universais da cultura expressam o humano e o social em sua totalidade, são sistemas de significação utilizados por diferentes grupos sociais que constroem a política de identidade através das representações e das relações de poder.

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Nesse contexto, a representação aparece associada ao discurso e é na formulação de Michel FOUCAULT (1970) que esse conceito ganha uma dimensão importante para a análise da cultura. Para ele, o discurso não deve ser visto como o registro ou o reflexo de objetos, mas "como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam" (FOUCAULT 1986, p. 56). O discurso nesse sentido não se limita a nomear coisas, ele cria essas coisas. Para o autor, o signo tem um papel mais abrangente que a designação de algo. As representações culturais criam sentidos, esses sentidos são outros objetos que, embora de natureza diferente, não são menos reais em seus efeitos, e por isso têm efeito de verdade. Nessa dimensão do discurso, a representação expressa um campo estratégico de poder (FOUCAULT 1986) . No contexto dos estudos culturais, o estereótipo é uma das maneiras como conhecemos o outro, conhecimento compreendido como dispositivo de economia semiótica. Ao construirmos rótulos ou estereótipos, diminuímos o custo afetivo e epistemológico, tornamos o outro um objeto imóvel de conhecimento. Assim compreendido, o estereótipo é uma forma de representação, embora seja uma representação compactada, uma representação do real, ou uma imagem, que designa ou reflete de maneira imprecisa ou distorcida a realidade. A representação tem como foco a análise cultural. Da perspectiva da análise cultural, visão e representação, em conexão com o poder, combinam-se para produzir a alteridade e a identidade. O conceito de estereótipo esbarra no de representação, primeiro porque no de estereótipo existe um deslocamento do foco da análise do nível discursivo, textual, para o nível individual e psicológico. Seu foco é a representação mental. Na análise cultural é central a reciprocidade entre representação e poder. Essa dimensão do conceito de estereótipo desloca a centralidade da ação e da política para uma psicologia corretiva. A estratégia cognitiva e intelectual, que corresponde à compreensão do estereótipo de que falamos, consiste em contrapor ao estereótipo uma descrição "verdadeira" daquilo que o estereótipo distorce, restabelecendo assim, a fidelidade entre o original e sua reprodução na representação. A estratégia política correspondente é exemplificada pelo esforço dos grupos que são vítimas do estereótipo em contrapor às imagens negativas,

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falsas, que são próprias do estereótipo, imagens positivas, mais verdadeiras. Nas análises sobre a imagem baseadas na noção de representação, talvez não possamos restabelecer a verdade que esta representa, mas podemos tornar mais transparentes as relações de poder envolvidas no processo de representação dessas imagens. A mesma dificuldade encontramos com a imagem. Assim como a noção de estereótipo pressupõe um confronto com uma realidade da qual o estereótipo seria a reprodução distorcida, a noção de imagem pressupõe a existência de uma realidade que a imagem reproduz. O estereótipo, nesse entendimento, é um elemento particular de imagem. A noção de imagem partilha com a noção de representação um mesmo foco na forma, na visibilidade e no registro. Podemos ver a representação, podemos apontá-la. O mesmo ocorre com a imagem. As duas noções começam a se separar na medida em que a noção de imagem contribui para uma epistemologia realista. O conceito de imagem está ligado aos de imitação, reprodução, reflexo, analogia, ícone, todos eles expressando alguma forma de conexão, uma correspondência, entre a imagem e a realidade que ela supostamente reflete, reproduz, imita. A noção de representação, pelo contrário, está centrada nos aspectos de construção e produção das práticas de significação. A imagem reflete a realidade; a representação é a realidade. Tal como o reflexo, a imagem mantém uma relação de passividade com a realidade. Ela se limita a reproduzi-la. A noção de imagem expressa uma visão estática do processo de significação. A imagem é apenas registro. Nesse sentido, a fotografia, tal como comumente entendida, é a imagem por excelência. A representação, por outro lado, é ativa e produtiva em mais de um sentido. Como estratégia discursiva, ela produz os objetos de que fala. Além disso, ela não pode ser produzida sem a ativa mobilização de um repertório de recursos semióticos, retóricos, estilísticos. Finalmente, a representação, além de objetos, produz sujeitos. Imagem é representação, ao mesmo tempo em que se diferencia da representação pela sua característica realística. Estereótipo é imagem, mas enquanto imagem distorce a realidade e a representação do qual deriva. Numa análise cultural do contexto escolar esses três conceitos misturam-se e mitificam a realidade, tornando-se uma névoa incompreensível de verdades e falsidades. A imagem aí é apenas um elemento da realidade enquanto vida no

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social, e cumpre uma tarefa de desvelamento desse intrincado processo de descoberta do outro e de si mesmo. 3. IMAGEM E MEMÓRIA Na visão de BERGSON (1968), a realidade é um conjunto de imagens. O homem não pode apreender do mundo mais do que as suas imagens, percepções e impressões permitem. O corpo, a imagem fundamental, organiza as percepções e impressões possibilitando a ação do indivíduo no real. Deste modo, a conduta humana oscila entre matéria e memória, lembrança e percepção. A percepção está ordenada pela necessidade. Perceber é uma etapa anterior ao agir. Podemos assim destacar o caráter pragmático da percepção. O real será sempre descortinado com o intuito de fornecer informações que dêem conta de uma prática. Só uma educação dos sentidos pode resolver o problema da incompletude e da descontinuidade da apreensão da matéria. As necessidades humanas fragmentam o real. Cada fragmento corresponde a uma possibilidade de conduta. O corpo, lugar da percepção, é também lugar de impressão. Ele indica, através de percepções e impressões, a medida de interferência das demais imagens sobre o corpo. Ou seja, a imagem-corpo se desloca entre obstáculos que lhe exigem esforços perceptivos e de consciência. A produção de um ato reflexivo nasce nesse ponto, tendo como eixo central que a percepção do exterior é dotada de um caminho pautado por absorções de elementos das imagens como da modificação destas pelo corpo. A capacidade de operar transformações nas coisas caracteriza a ação e essa, para ocorrer, exige que as aptidões do corpo e consciência estejam articuladas. Neste caso, é fundamental trazer à tona um outro elemento: a memória. Para BERGSON (1968), a memória consiste na preservação de imagens passadas com a função de preencher as incompletudes da experiência presente. Há uma constante contaminação ou mesmo substituição das imagens presentes pelas imagens passadas, numa combinação de percepção e memória. O autor rompe com a concepção tradicional de temporalidade já que presente e passado se associam constantemente para dar conta da trajetória dos indivíduos. Não existe uma hierarquização em termos de passado e presente, mas, sim, uma diferença qualitativa

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entre ambos. O fenômeno da memória não deve ser tomado como algo em si. O cérebro, como diz BERGSON (1968) , não é o lugar da produção de imagens, ele as veicula apenas. O movimento que deve ser salientado é o de uma contração realizada pela percepção que intercala o agora e o depois. A temporalidade não deve ser circunscrita como algo pautado por linearidades. O movimento aciona de forma concomitante o passado e o presente. Tal movimento não se dá pela composição de uma totalidade. Todavia, se dá fora do sujeito, de forma lacunar. O tempo não é resgatado, mas sua sensação internalizada, oferecendo através dos sentidos a percepção sensível, porém incompleta, de sua natureza. A memória enquanto locus da temporalidade e do movimento da “cultura visual” de um indivíduo, seja através da representação (sensações, sonhos, imaginações) ou através de fotografia (cheiros, sons, retratos, lugares), ocupa uma dimensão de prestígio nas análises da imagem nas pesquisas educacionais. 4. IMAGENS NA PESQUISA EDUCACIONAL No período entre 1990 e 2000, apareceram inúmeros trabalhos, no campo da pesquisa em educação, que questionaram criticamente alguns aspectos do uso de imagens, como as análises de filmes, televisão, propaganda, e a cultura popular, surgiram, dentre outros, os trabalhos de: Karen ANIJAR (2000), Mary DALTON (1999), Elizabeth ELLSWORTH (1997), Henry GIROUX (1994, 2000), bell hooks (1995), Gene MAEROFF (1998), Antônio NÓVOA (2000) e Joseph TOBIN (2000). Os trabalhos criticados por esses autores tiveram como objetivo despertar a atenção para o impacto do uso da imagem nas escolas, nos alunos e nos professores.

Seus

pesquisadores delinearam como objeto de estudo a cultura visual. Por exemplo: Eric MARGOLIS (2000) explorou o uso de fotografias na pesquisa educacional;

Ian

GROSVENOR et al. (2000) utilizou a fotografia como evidência em pesquisa histórica; Robert COLES &

Nicholas NIXON (1998) produziram fotografias colaborativas

investigando a vida na escola; Sandra WEBER e Claudia MITCHELL (1998) analisaram desenhos de alunos e professores para revelar a ação da cultura popular na formação da identidade dos professores. Em nossas pesquisas, também utilizamos imagem de vídeo, animação experimental e desenhos como evidência da exclusão educacional.

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Embora essas pesquisas tenham sido incorporadas à produção acadêmica, a área de pesquisa educacional esquiva-se do exame da cultura visual, evitando o debate necessário sobre o valor epistemológico da imagem na pesquisa em educação (BOGDAN e BIKLEN 1998; PAULSTON 1996 e 1999). Verificamos a tendência ao equilíbrio entre palavras e números nas publicações nacionais e internacionais, ainda que reconhecendo o valor da imagem para a divulgação e apresentação desses trabalhos. O momento atual parece favorecer a superação dessa desatenção. Como nos lembra o filósofo espanhol Jorge LARROSA (1998), é sempre interessante saber por que um campo (do conhecimento) ignora algo. Omissões e proibições são as melhores maneiras de se saber sobre a estrutura de uma área, de saber as regras que a estruturam em sua mais profunda gramática (LARROSA 1998, p.213). O crescimento do interesse pela experiência visual e imagem traduz a preocupação sócio-cultural presente na realidade atual – as imagens possuem um significado onipresente e superpoderoso de circulação de signos, símbolos e informações. Muitos dos eventos da vida diária, como assistir a filmes, olhar vitrines do shopping, assistir à televisão, tornaramse o núcleo da experiência cultural nas sociedades urbanas modernas e estão associados à contínua expansão do Capitalismo. Nesse cenário SONTAG (1977) alerta que as minicâmeras subjetivizam a realidade na intenção de objetivá-la. Para a autora, essas imagens definem a realidade de duas maneiras: como espetáculo para as massas, e como vigilância para o sistema. A produção de imagens ratifica a ideologia vigente. Mudanças sociais são substituídas por mudança de imagem. Na atualidade as estruturas de produção, distribuição e consumo demandam do cidadão-consumidor-espectador que ele seja capaz de seguir e entender regras visuais implícitas, desenvolvidas através das rápidas mudanças das imagens. Entretanto, o ato físico de ver indefinidamente a multiplicação de imagem e seus efeitos saturantes é uma das partes de nossas experiências visuais diárias. Na matriz do visual se inscreve o que existe e o que não pode ser visto. Através das lentes do visível e do invisível a realidade torna-se inteligível, seja na dimensão espacial ou temporal. Tudo que inclui o que é possível ver e não ver é parte da cultura visual.

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Incorporar a cultura visual como objeto de estudo, então, vai além do mero uso, como acessório da moda, de fotos, desenhos e outras imagens, além das ilustrações com a função passiva de texto, onipresentes, através da utilização e inclusão de tecnologias visuais para coletar dados, engajados no aspecto do estudo de situações educacionais e culturais, ou usando imagens gráficas (fotos, ensaios, desenhos e filmes) no processo de comunicação de resultados de uma investigação. Embora esse fato não seja privilégio da área de educação, requer atenção a crítica que confunde uso das imagens nesse sentido e a que fazemos neste estudo. Todavia, quanto à centralidade das imagens em relação à cultura visual, o campo de estudo do visual tem uma relação indispensável com o verbal, auditivo, emocional, intelectual, espacial e histórico (ROGOFF 1998). Portanto, para entender o campo de estudos do visual, precisamos nos perguntar sobre percepções, recepção de imagens, assim como sobre as condições sociais, econômicas e culturais que envolvem a produção da cultura visual. Do mesmo modo que a cultura visual, o processo de percepção e recepção de imagens não é um ato passivo ou não é determinado pelas convenções sociais e culturais. Este processo deve ser entendido em seu movimento dialético, não como simples ilustração, desprovida de importância para o ato de pensar, mas com um sentido de totalidade (BRENNEN 1996). Do mesmo modo, é importante reexaminar a tradicional concepção de que texto, palavra e imagem suportam um ao outro através de relações fixas ou transparentes. Alguns estudiosos (BERGER 1972 e 1998; SONTAG 1977; TAGG 1993; CHAPLIN 1994) desafiam essa noção propondo que as relações entre palavra, texto e imagem constituem interações dinâmicas, e que esse dinamismo reside na ausência de um significado fixo (MITCHELL 1992). Uma das questões que se coloca quando da análise de elementos visuais na pesquisa educacional é – O que vemos numa determinada imagem? Uma fotografia por si só é uma evidência de parte de um processo e cria subjetividades para todos os atores sociais envolvidos. A fotografia como evidência oferece sentido nela mesma e naquilo que mostra. Uma foto pode ser um material para interpretação − uma evidência (WEILLER 1997, p. 8), a imagem não pode se reduzir àquilo que ela mostra ou representa, a um artefato neutro.

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Compreendendo-a nesse sentido estamos limitando-a a um objeto “material”, quando de fato a imagem é socialmente construída dentro de um específico “regime de verdades”, oferecendo indicações sobre relações de poder (FOUCAULT, 1986). FOUCAULT descreve regime de verdades como um conjunto de regras de acordo com as quais o verdadeiro e o falso são distintos e possuem efeitos específicos do poder atrelados à verdade (1986, p.132). De acordo com FOUCAULT, Thomas POPKEWITZ (1999) sugere que a pesquisa educacional necessita passar pela compreensão de que o olho não vê somente, mas é socialmente disciplinado para ordenar, dividir e realizar as possibilidades do mundo e daquilo que vê. Perguntando como os olhos vêem, é possível refletir sobre como o sistema de idéias torna possível àquilo que é visto o pensamento, o sentimento e a ação sobre o que é visto. Estas questões sobre as razões mesmas – que são construções sociais da razão incluem as relações de poder. São princípios pelos quais os agentes vêem e agem para realizarem mudanças. A utilização da cultura visual como objeto de estudo requer que a pesquisa educacional incorpore também a prática de questionar e refletir sobre o que vemos e como essas imagens são construídas e reconstruídas pelos participantes de qualquer projeto de pesquisa. Incorporar a cultura visual e imagética na pesquisa educacional acarreta problemas epistemológicos e metodológicos (NÓVOA 2000). Um desses problemas é desafiar o que GIROUX (1994 e 2000) chamou de blind spot. Isto é, romper com as maneiras e tradições de se ver e fazer pesquisa em educação. Acreditamos que esse é um risco que devemos correr, podemos utilizar novos recursos num processo mais dinâmico de olhar o campo de pesquisa. Através de ferramentas e formas de questionar áreas inexploradas e traiçoeiras, podemos estar entrando em território inseguro, onde se encerram categorias e significados que, de outra forma, não encontraríamos. REFERÊNCIAS ANIJAR, K. Teaching toward the 24th century: Star Trek as social curriculum. New York: Falmer Press. 2000. BARTHES, Roland. Aula São Paulo: Cultrix. 1997 BARTHES, R. Image, music, text. London: Fontana. 1973. BERGER, J. Ways of seeing London: Penguin Books. 1972. BERGER, J. About looking New York: Vintage Books. 1980. BERGSON, H. Matière et Memoire Paris: P.U.F. 1968

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