Imagens da periferia: narrativas de um itinerário

June 1, 2017 | Autor: Enunciar Cotidianos | Categoria: Narrativas, Cotidiano, Identidades, Periferias Urbanas
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Descrição do Produto

imagens da periferia: narrativas de um itinerário

Leandro R. Pinheiro (Coord.)

Imagens da periferia: narrativas de um itinerário

Porto Alegre 2014

Imagens da periferia: narrativas de um itinerário Coordenador:

Um itinerário para se imaginar

Leandro R. Pinheiro

Leandro R. Pinheiro

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Autores: Leandro R. Pinheiro Murilo Quevedo Lilian Schmitt

http://enunciarcotidianos.weebly.com Enunciar Cotidianos Produzindo Narrativas

Elaboração:

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Oberti Ruschel

Ilustração: Cristiano Rangel

Editoração: Marta E. Zimmermann

Revisão: Marcel M. Velho Eduardo C. de Moraes

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Murilo Quevedo

Projeto Gráfico:

Marta E. Zimmermann

Memórias e pertencimentos imaginados Fotografando e lembrando: reflexões sobre memória e identidades

Núcleo de Criação e Editoração Gráfica da UFRGS

Capa:

Sumário

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) I31

Imagens da periferia: narrativas de um itinerário / Leandro R. Pinheiro (Coord.). – Porto Alegre: Gráfica UFRGS, 2014. 100 p. ; il. ISBN 978-85-917373-0-7 1. Fotografia 2. Narrativas 3. Periferia I. Pinheiro, Leandro R. CDD 770.981 Ficha catalográfica elaborada por Clarissa Jesinska Selbach CRB10/2051

Realidades: imagens alteradas

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Intervenções criativas: sobre o que se fez e o que fica Lilian Alves Schmitt

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Entre formas de imaginar, provocações para uma prática educativa Leandro R. Pinheiro

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Um itinerário para se imaginar... Leandro R. Pinheiro*

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ste livro é, antes de tudo, um convite. Gostaríamos que ele se configurasse como uma possibilidade de encontro e diálogo, para refletirmos sobre experiências de um lugar que, na tentativa de dar um nome, poderíamos chamar de o entorno da escola. E não de qualquer escola, mas daquelas situadas e atuantes em comunidades de periferia. Quando da realização do projeto que narraremos aqui, perguntávamo-nos: como a utilização de fotografias poderia contribuir para a compreensão das realidades com as quais interagem e em relação às quais as pessoas se situam? Então, estivemos envolvidos na produção de imagens com

colegas moradores do bairro Bom Jesus, a conhecer seus cotidianos e afazeres, e as fotografias foram mediação para compreendermos as experiências que constituíam seus dias e para concretizarmos dinâmicas reflexivas. O bairro Bom Jesus é conhecido como uma localidade empobrecida, cujas condições de vida são bastante vulnerabilizadas1. Muitas vezes, chegam-nos notícias de situações de violência e precariedade que contribuem para a formação de nossas impressões e opiniões sobre aqueles que lá estão. A despeito da diversidade que constitui aquela comunidade e das exclusões e negligências históricas que produzimos

Leandro R. Pinheiro

em relação às populações que habitam a periferia de cidades como Porto Alegre2, as informações que recebemos acabam por compor um quadro de estigmatização que generaliza e desconsidera a vida que se constitui no bairro, em sua multiplicidade de pertencimentos, práticas, desejos e indignações. A “Bonja” não é um território homogêneo. Lá, podemos encontrar diversas composições no acesso a bens materiais e artefatos culturais e nos jeitos como os moradores passam seus cotidianos e imaginam seus itinerários. Quando adentrávamos as ruas estreitas do bairro e observávamos as casas pequenas e semiacabadas, sentimentos e perplexidades nos invadiam e faziam com que nossas sensibilidades encontrassem a indignação com a desigualdade estampada aos olhos. E agora, depois de nossos diálogos, ela segue conosco ainda, mas acompanhada do que nos ensinaram nossos companheiros de caminhada, jovens e mulheres que ali residem e fazem daquele espaço um lugar para estarem, entre anseios e alegrias.

Íamos ao bairro Bom Jesus normalmente às tardes. Lá, tínhamos encontros com colegas de uma pequena associação de costureiras vinculada à Economia Solidária (Ecosol) e, também, com jovens envolvidos em atividades da cultura Hip Hop. Começamos nossos diálogos e nossas incursões naquela comunidade em função de projetos de pesquisa e de extensão que coordenava à época3. Cada grupo se localizava em uma parte do bairro e nossos encontros foram nos mostrando, semana a semana, parte da diversidade que compunha aquele lugar. A associação de costureiras, a Copearte, tem sede nas proximidades do Jardim Carvalho, mais próxima da Avenida Protásio Alves e, também, da região mais antiga na Bom Jesus. Já para conversarmos com os jovens, íamos ao Mato Sampaio, na divisa com o bairro Jardim do Salso, e os encontrávamos na sede da Creche Três Corações ou nas casas de alguns deles. Na Copearte, trabalhamos com quatro costureiras e artesãs: Antonia, Helena, Luci e Zelândia.

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Um itinerário para se imaginar...

Com elas, seguimos em diálogo por dois anos, e, além disso, trabalha na construção civil5. O uso conhecendo o que faziam, dos artigos de confecção de fotografias e a apropriação de imagens ao coà grande variedade de articulações de trabalho, tidiano, neste caso, eram mais frequentes do que pelas quais apoiavam outros grupos de geração entre as trabalhadoras da Copearte. de renda dentro e fora da comunidade. As ativiEm que pese à situação comum de moradia e dades da associação representavam um espaço pertencimento ao mesmo bairro, dialogávamos de sociabilidade e, também, um complemento com grupos bastante distintos. E com eles busca4 de renda para aquelas trabalhadoras . A exceção mos construir narrativas significativas sobre o que vivenciavam; no contexto de circulação intensa de Antonia, que fizera um curso de fotografia no passado, elas não tinham o hábito de manusear de apelos visuais que vivemos, procuramos fazer máquinas fotográficas. da imagem um mote para estarmos juntos e um Já em nossas incursões ao Mato Sampaio, dia- artifício para contemplar, contar e questionar o logamos com Luan e Thiago inicialmente e, depois, experienciado. com Px e Duplo M. Os dois primeiros integravam Roland Barthes (2004, p. 440) nos diz que um grupo iniciante de b-boys, que ensaiava nas “[...] a imagem é aquilo que eu entendo que o dependências da Creche Três Corações, no contra outro pensa sobre mim”. Assim, lembra-nos que turno de suas atividades escolares. Px vem atuando ao criarmos uma interpretação sobre nós mesmos como MC do grupo Revolução RS e é liderança o fazemos na interação com outras pessoas. Além reconhecida na cena Hip Hop de Porto Alegre. disso, assinala-nos que a produção de imagens pode Duplo M é também MC, no grupo Terminal 470, ser concebida como expressão de identidades, a

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nos sinalizar prioridades, pertencimentos, projetos, historicidade e, então, a nos lançar em um palco de interlocuções possíveis. Produzir artefatos visuais para mostrar/comunicar implica modelos imaginados e reconhecidos como “normais”. A imagem fotográfica não é, portanto, só um objeto ou uma forma de registro, mas sim o resultado de uma capacidade cognitivo-estética e de uma produção identitária e cultural. O ato de produzir e narrar imagens carrega consigo o contrastar das formas de imaginar. Eis, pois, o propósito que nos anima aqui. Aportar instrumentos que oportunizem a construção de narrativas diversas como possibilidade de elaborar memórias e pertencimentos desde os quais as pessoas desejam se fazer conhecer, e, a partir daí, construir alternativas ao diálogo educativo que se constituam, ademais, como provocações à compreensão do que sucede no entorno escolar.

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Sobre o caminho trilhado Nosso trabalho foi iniciado com a realização de ensaios fotográficos seguidos de rodas de conversa sobre as preferências e renúncias do processo, quando os autores traziam memórias, anseios, frustações e encantamentos singulares de um espaço de vida que, em geral, não vem sendo visibilizado da forma como nossos interlocutores enunciavam6. Desde o início, tínhamos a combinação de que, a cada rodada, seriam selecionadas imagens para organização de exposições fotográficas, o que realçava a condição de visibilização das imagens produzidas e por produzir. Eis que as experiências relatadas revelavam uma profunda identificação de mulheres e jovens com o espaço social onde vivem e com as relações familiares e de amizade que estabelecem, reconhecendo o lugar que se denomina usualmente ‘periferia’ como o locus de construção de suas vidas.

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Após a produção dos ensaios, tivemos a ideia de produzir álbuns em scrapbook. Desejávamos proporcionar uma recordação afetiva do processo e, além disso, criar uma etapa de síntese narrativa para nossos interlocutores, mediante a seleção de imagens e composição de uma sequência imagética7. As singularidades se fizeram presentes uma vez mais, ao mesmo tempo em que se reiteravam alguns aspectos identitários8. E então, encaminhando-nos ao final do processo, inventamos mais uma atividade. As imagens que já haviam sido escolhidas para a exposição sofreram a intervenção criativa das próprias autoras ou de colegas grafiteiros. Inspirados, pois, na prática urbana do grafite, desejávamos provocar nossos interlocutores a comunicar impressões e desejos, desde os cenários que se indiciavam nas fotos. Percepções atribuídas aos contextos fotografados, muitas vezes narradas oralmente nas rodas de conversa, passaram a constituir as imagens e redimensionar

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o que era expresso, dando visibilidade às opções estéticas que fluíam no comunicar de “realidades” por complementar, enfeitar, modificar, estranhar. O processo culminou na realização de exposições em diferentes espaços. Acessamos o público acadêmico participando de uma mostra interativa de projetos de extensão, nas dependências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); apresentamos as imagens à comunidade da Bom Jesus ao expor as fotos e intervenções em centro comunitário local e, por fim, levamos os resultados do trabalho de nossos interlocutores para a Casa de Cultura Mário Quintana, no centro de Porto Alegre. Desejávamos visibilizar as imagens e as opções estéticas e políticas que condensavam. E este foi o caminho desenhado para a produção de narrativas significativas e artefatos que instigassem momentos de diálogo e reflexividade, para os moradores da periferia, mas também para o público que interagiu

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com as exposições e permitiu que as imagens expostas compusessem parte de sua experiência estética. *** As narrativas que seguem procuram resumir o trabalho realizado, apresentando imagens produzidas pelas mulheres e pelos jovens que aceitaram participar do projeto e, também, problematizações que nós, organizadores da proposta, elaboramos a partir de nossos encontros. Nesse ínterim, o capítulo Memórias e pertencimentos imaginados traz sequências de imagens fotográficas agrupadas por autor. Ali, tentamos singularizar os participantes e visibilizar as escolhas narrativas de nossos interlocutores quando da partilha de suas vivências no cotidiano do bairro Bom Jesus. Na sequência, em Fotografando e lembrando: reflexões sobre memória e identidades, nosso colega Murilo Quevedo nos conta o processo de realização de ensaios e rodas de conversa, traçando inferências acerca das memórias e das identidades

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expressas na articulação entre a produção imagética e as narrativas orais que evocavam. Depois, em nova sequência de imagens, intitulada Realidades: imagens alteradas, as fotografias são reapresentadas, mas acompanhadas das intervenções criativas de nossos interlocutores. O nosso intento neste capítulo é expor a potência interpretativa dos trabalhos realizados, ao denotarem opções estéticas e políticas de pessoas que nem sempre estavam habituadas a este tipo de desafio reflexivo. A contribuição de Lilian Schmitt, então, Inter‑ venções criativas: sobre o que se fez e o que fica, narra o processo construído nas intervenções sobre as imagens fotográficas, discutindo as opções dos diferentes autores na composição de suas obras e, também, os anseios e as alegrias que comunicam. No texto final, Entre formas de imaginar, provocações para uma prática educativa, exponho problematizações sobre as dimensões estéticas e políticas do conjunto do trabalho realizado e sobre as potencialidades reflexivas que percebo neste.

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Trata-se de um esforço reflexivo para narrar impressões de um itinerário, cujo conjunto de encontros e diálogos seguem a ecoar em minhas práticas como educador. Eis a proposta e o trabalho realizado. Eis o convite para se integrar um diálogo em curso.

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Para trazer mais referências ao leitor, podemos salientar que, a exceção de Zelândia, com mais de 70 anos de idade, nossas interlocutoras tinham aproximadamente 50 anos de idade. A escolaridade era variável, sendo que Helena e Luci tinham ensino médio concluído depois de adultas, e Antonia concluíra ensino superior. Esta não residia na Bom Jesus, morava no bairro Santana, e passou a integrar o grupo devido a proximidades geradas pelo pertencimento à etnia negra e pela participação em feiras de economia solidária.

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No período de realização de nosso projeto, Luan e Thiago tinham 17 anos de idade e frequentavam a escola. O primeiro cursava o ensino médio e o segundo o ensino fundamental. Px atuava exclusivamente como músico e possuía ensino fundamental incompleto. Duplo M concluirá o ensino médio e trabalhava como instalador hidráulico na construção civil, uma vez que suas atividades artísticas não lhe oportunizavam ganhos suficientes para subsistência.

Notas *

Sociólogo e doutor em educação. Professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/ UFRGS).

1

Se nos detivermos aos dados sociodemográficos aportados pelo IBGE, observaremos que o bairro Bom Jesus está entre aqueles com índices de escolarização e renda mais reduzidos e, além disso, com os mais elevados níveis de violência na cidade de Porto Alegre. Ver mais informações em: . Acesso em: 25 maio de 2014.

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Os projetos a que me refiro, realizados entre os anos 2011 e 2013, destinavam-se a compreender as identidades produzidas no âmbito de ação de movimentos sociais, tomando especialmente a participação de integrantes residentes e atuantes em bairros de periferia. Ademais, procurava criar dinâmicas educativas que oportunizassem momentos de reflexividade sobre as identidades e os cotidianos naquelas comunidades. Mais informações sobre os projetos que desenvolvemos podem ser encontradas em: ; e .

Mais informações podem ser encontradas na série ‘Memórias dos bairros’, publicada pelo Centro de Pesquisa Histórica/Secretaria Municipal de Cultura (NUNES, 1998).

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A produção de fotografias se deu em complementaridade a um período prévio de imersão etnográfica entre as atividades de nossos interlocutores e à realização de entrevistas sobre suas trajetórias de vida. Assim, a produção de sentidos em torno das imagens foi associada à leitura dos pertencimentos e das práticas daquelas pessoas, desde uma gama maior de referências empíricas. Técnica de produção artesanal de álbuns, livros de registros e murais. Do conjunto de aproximadamente 80 fotos produzidas

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individualmente, cada uma das participantes escolheu 15 imagens para compor seu álbum. 8

A partir desta etapa, não contamos mais com a participação dos jovens vinculados ao Hip Hop. Tivemos dificuldade de conciliar agendas, dadas as diferentes atividades que desenvolviam. Na etapa de intervenções sobre as imagens fotográficas, convidamos grafiteiros reconhecidos em Porto Alegre para representarem a filiação ao Hip Hop.

Memórias e pertencimentos imaginados

Memórias e pertencimentos imaginados

Antonia “Foi em uma feira que eu conheci Helena [...] Aonde tinha negro fazendo alguma coisa eu ia lá conversar, ver o que estava fazendo, o que fazia. Nessas histórias eu conheci Helena; em várias feiras encontrei com ela e, aí, como ela necessitava de alguém aqui, ela me conversou, como eu digo, né?! [...] Antes disso, assim, eu já tinha pensado em alguma cooperativa mais pra aprender”.

Tranquilidade • Identidade • Ajuda mútua

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Memórias e pertencimentos imaginados

Helena “Aí, aqui na Copearte eu cheguei através da Luci. É que eu já fazia parte do Haja Luz, e a gente começou a fazer a contação de história, né, e com personagens negros, né. Então, eu pensei assim: ‘Bom, tem que ter alguém que faça bonecas negras para gente levar pras crianças interagirem’. Eu disse: ‘Bah, Luci, eu precisava aprender a pelo menos dar uns primeiros recortes de costura’. Aí, que ela falou daqui [...] E como eu tinha assim, conhecimento de administração, essas coisas para mim era mais fácil. Daí a melhor forma de eu ajudar, de tanta coisa que eu aprendi e recebi aqui, né [...]”

Minha Segunda Família • Gosto de Infância • Conquista I

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Memórias e pertencimentos imaginados

Luci “E daí tinha uma parreira, uma parreira bem assim do lado, né? E daí essa parreira, tu sabe que todos os domingos, todo mundo se unia. E nós temos foto de todo mundo, toda família numa mesa enorme, todos os meus tios, sabe? Nós, todas as gurias, todas as crianças. E aquela parreira cheia de uvas [...] Agora, faz tempo isso, né, mas eu contei pra minha mãe como eu sonhava com aquele tempo...”

Passado de Luci • Casas na calçada • Meu porto seguro III

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Memórias e pertencimentos imaginados

Zelândia “Eu tinha uns quatro anos quando eu fui pra lá. Já fui trabalhar. Então é por isso que eu não aprendi a ler. Fazenda, né, fazia limpeza, arrumava a casa. A mulher fazia assim oh, pra ver se tinha pó. Se tivesse pó, já ia me aprontar pra eu apanhar. [...] eu trabalhava e só tinha roupa e comida. E tinha uma guria, uma amiga minha que morava lá perto da minha casa, e ela trabalhava em Alegrete e disse pra mim: ‘Ah, eu tenho a mãe da minha patroa que quer uma guria pra morar com ela. Quer?’ Então, fugi e fui para lá...”

Onde trabalhei • Lar da minha filha • Costurando arte II

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Memórias e pertencimentos imaginados

luan “Sim, aqui na Bom Jesus eu consegui me enturmar com eles. Foi onde eu consegui uma família... uma família de amigos aqui.”

Meus jogos • Minha cidade • Paz e guerra

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Memórias e pertencimentos imaginados

Thiago “Quando eu era pequeno, eu via clipe do Michael Jackson, né, do Chris Brown. São caras americanos, né, daí dava clipe na TV, daí eu olhava, né. Eu via eles fazendo aquelas coisa assim e assado, né, daí tem um pai de um dos meus amigos que sabia [...] Dança, pra mim, é mais do que dançar, porque, tipo, se tu fores fazer uma apresentação de Hip Hop, daí as pessoas vão olhar: ‘Bah legal, ele dança’. Agora se tu dançar com corpo e alma, tipo, tu interpretar a tua dança, eles vão olhar e vão dizer: ‘Bah, aquele guri tem uma coisa especial nele; ele sabe o que está fazendo.’”

Abusado eternamente • Posando • Tá com sono?

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Memórias e pertencimentos imaginados

Duplo M “Hoje eu trabalho na construção civil, eu tenho uma carteira, tenho uma profissão, sabe? Eu gosto da música... é uma coisa que já está dentro de mim, é uma coisa que... não vou parar. Já tenho 31 anos, né, não tem mais porque dizer: ‘Ah, tenho sonho de virar...’. Eu acho legal quando alguém escuta o meu som: ‘Bah, teu som é da hora’. Mas ficar rico, ficar famoso, eu não penso isso aí [...] Uma vez um cara falou pra mim: ‘Bah esse som... essa rima é a minha vida”

Grafite do Amarelo • Resultado da oficina de arte • Painel

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Memórias e pertencimentos imaginados

PX “... E aí, rap unida no faceebroklys. Tô só de passada, pois estamos em obra no cenário rap, já com alguns sons gravado; loko pra soltar no mundo. É nóis.”

Px e o Hip Hop • Px e Amarelo • Jovens do Hip Hop

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Fotografando e lembrando: reflexões sobre memória e identidades Murilo Quevedo*

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uando se fala de memória, pensa-se quase que instantaneamente nas lembranças das pessoas a quem ela pertence, tais como eventos cotidianos, datas especiais ou situações específicas. No entanto, quando penso em memória, o que me vem à mente, além de histórias a serem contadas, são perguntas sobre o processo de ‘memorização’ destas: o que faz um sujeito evocar uma recordação, ou não esquecê-la, ao invés de outra? De acordo com Bosi, (1994, p. 65) “[...] a matéria estaria condicionada basicamente pelo interesse social que o fato lembrado tem para o sujeito”. A ‘matéria’ da recordação, ou aquilo que é lembrado

está relacionada ao grupo em que se situa, às emoções positivas ou negativas a ela associadas e a outros fatores externos que servem como ‘gatilho’ que ‘ative’ essas memórias. É bastante frequente a vontade de tirar uma foto da festa com os amigos, do lugar visitado, de um evento importante, para documentar um evento “extraordinário” ou considerado importante. Construímos socialmente certa necessidade de “registrar”, de deixar a quem chega algo de um itinerário que, esperamos, não seja esquecido na vida que segue. Enquanto alguns têm fotos, outros escrevem diários, com colagens e

Murilo Quevedo

desenhos, e existem até casos onde foi feita uma linha do tempo... Dessa maneira, em todas essas formas de registro, há um legado suposto (ainda que intuitivamente). Memória e legado estão interligados de uma maneira sutil e nem sempre percebemos. Mas está lá. As fotografias tiradas em um casamento servem como recordações, sim, e também serão mostradas para os filhos, netos, bisnetos... Eis que, de acordo com Bosi (1994, p. 90), “[...] entre o ouvinte e o narrador nasce uma relação baseada no interesse comum em conservar o narrado que deve poder ser reproduzido”. Tudo isso vem a minha mente quando sou questionado sobre memória. Não foi sempre assim, contudo. Minhas reflexões sobre tal assunto iniciaram nos diálogos com as trabalhadoras da Copearte, a

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associação vinculada de economia solidária atuante no bairro Bom Jesus. Lá, enquanto trabalhava com o grupo de pesquisa e extensão da universidade, fui desafiado a ajudá-las no processo de montagem de um histórico que narrasse a trajetória do grupo desde sua fundação. Ao mesmo tempo, começávamos um projeto no qual os educandos, usando máquinas fotográficas descartáveis, narrariam seu cotidiano e suas ligações com o bairro, com a Ecosol e com a educação por intermédio da produção de imagens fotográficas. Em congruência, realizávamos o mesmo projeto com dois jovens b-boys e dois MCs, que narrariam suas experiências sob o viés do Hip Hop. Para tanto, precisávamos começar uma longa e prazerosa caminhada, repleta de entrevistas, ensaios e conversas a serem narrados a seguir.

Fotografando e lembrando...

Ensaios da Copearte: em cada foto, um aprendizado Ao conversarmos com as mulheres da Copearte pela primeira vez para trabalharmos com as fotografias, mostramos algumas imagens previamente selecionadas e pedimos que escolhessem algumas e dissessem o porquê. Aí, inesperadamente, algumas imagens serviram como o gatilho anteriormente mencionado. Uma das mulheres, Zelândia, pousou seu olhar numa das imagens e a segurou, quase que não permitindo que as demais a olhassem e a escolhessem. Depois se justificou: “Essa praça lembra uma lá de Alegrete e é de lá que eu vim” – apontando a primeira foto escolhida com nota saudosa na voz. Contou-nos depois, em entrevista, que morou em Alegrete há mais de 30 anos e mudou pra cá quando o bairro Bom Jesus recém estava se configurando. Nesse momento, eu, que já vinha

selecionando fotos para o que viria a ser o banner da Copearte9, fui ao encontro do tema ‘memória’ e comecei a prestar atenção no que mais era evocado na fala dessas mulheres. Uma das fotos escolhidas por Luci também teve por motivação a lembrança do lugar onde morava na infância – o bairro Glória, em Porto Alegre – mas as outras não dispararam nenhuma lembrança, aparentemente. Helena e Antonia usaram de outras motivações para escolher as imagens, mesmo que Antonia tenha escolhido suas gravuras com base no conhe‑ cimento que ela já tinha sobre fotografias e na sua vontade de viajar – seu passatempo favorito. Em geral, optaram por temas relativos a discursos correntes, como o futuro dos jovens ou a importância da educação. Depois dessa conversa, entregamos máquinas fotográficas descartáveis a cada uma das mulheres e as convidamos para “registrar” um pouco do seu

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cotidiano, em tema livre. Demos um prazo de uma semana para buscarmos as máquinas fotográficas a fim de enviar as fotos para revelação e, após esse processo, retornaríamos até a Copearte para conversarmos sobre as fotografias. Repetiríamos esse processo mais duas vezes, de forma que o tema do ensaio seria escolhido por elas na segunda rodada e, depois, por nós. É importante salientar que, mesmo que tentássemos, não conseguíamos realizar os diálogos sobre cada um dos ensaios em um único dia, então tínhamos de voltar em outra data a ser combinada a fim de finalizarmos as conversas do ensaio anterior antes de combinarmos o próximo.

Zelândia Em seu primeiro ensaio, Dona Zelândia começou a explicar algumas fotos que tirara no espaço de reciclagem. Contou-nos que trabalhara lá durante oito anos e que fizera muitos amigos.

Percebi a afetividade e um resgate dessa memória na narrativa de Zelândia. Ainda no mesmo ensaio, a autora tirou uma foto de um quadro que a mostrava trabalhando no espaço de reciclagem. A importância que esse lugar tem na vida de Zelândia foi bastante evidenciada pela quantidade de fotografias que ela tirou do local, foram cinco ao todo, mais a foto do quadro, a qual Zelândia deu o nome de “Meu passado”. Outras fotos da autora mostram familiares, e com carinho ela contou que, ao tirar as fotos, buscou registrar o que para ela era importante – foto das filhas, dos amigos, da casa dos filhos e do cachorro Alemão – com uma mescla de orgulho por sua trajetória de superação, e do quanto seus filhos puderam crescer e progredir ante as dificuldades. O tema do segundo ensaio, escolhido pelas mulheres,­foi ‘meio ambiente e lazer’ e Zelândia tirou todas suas fotos no aniversário da filha, na Zona Sul. Mais uma vez, os vínculos afetivos estiveram presentes, uma vez que ela pôde fotografar seus entes queridos.

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O fato de seus familiares estarem presentes novamente em suas fotos salienta a importância que ela dá a eles, como no ensaio anterior. O Meio Ambiente foi retratado pela arborização local. Dona Zê, como era chamada carinhosamente, disse apreciar a paisagem local, lembrando o local onde morava, em Alegrete. Além disso, várias imagens de galinhas e animais da chácara da filha, e também outros pássaros foram registrados, para representar a “natureza”, como dizia ela. O lazer foi pouco explorado na sua fala, mas mostrado na festa de aniversário da filha. No terceiro ensaio, com o tema de ‘economia solidária e escola’, Zelândia saiu para fotografar com Luci na EMEF Mariano Beck e na creche comu‑ nitária próxima. Além disso, tirou mais uma foto dela no espaço de reciclagem, e duas do espaço de casa, para recordação.

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Luci Quando começamos a conversa com Luci ela começou a explicar o porquê de cada foto tirada de forma bastante detalhada, chamando a atenção para detalhes que passariam despercebidos a um olhar “estrangeiro”, de um educador de fora do bairro. Em muitas fotos ela falou que, na sua época de criança, o bairro era completamente diferente e citou o crescimento do mercadinho da esquina que virou um mercado maior dentro da comunidade, ou a igreja que antes era uma lojinha. Além dessas mudanças, mostrou a transformação que as casas do bairro sofreram, passando de “pequenas maloquinhas a casas de alvenaria”. Depois, começou a articular memórias da infância, de quando brincava com Helena no terreno que, na época, era uma chácara e sobre a qual dizia-se

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ser mal assombrada. Das memórias de infância que as fotos sobre esses pontos “dispararam”, surgiram memórias de festas que ela frequentara com Helena na juventude, bem como outras atividades que faziam no período. Percebi que Luci animou-se ao contar sobre sua infância e trajetória na comunidade, tornando-se muitas vezes repetitiva. Mas foi interessante perceber a ênfase, a animação e a saudade presentes na sua narrativa. No segundo ensaio, Luci fotografou o entorno do bairro, dando destaque a uma área do morro onde estava sendo construído um condomínio. A essa altura, indignou-se com a expulsão de famílias que moram na região por causa da necessidade de expansão urbana.Recordou também da infância quando ia colher macela no morro em questão. Falou de algumas fotos tiradas também no SESC, que foi um espaço frequentado por ela e sua família. Novamente, citou memórias de infância de maneira saudosa, como no ensaio anterior.

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No ensaio final, as fotos de escola “ativaram” as memórias do seu tempo de estudante da Escola Antão de Farias. Também comentou com orgulho que, depois de ter parado de frequentar a escola, voltou anos depois para concluir o segundo grau. Das fotos de Ecosol, sobressaiu uma do grupo da Copearte, a qual ela comentou ser sua segunda família.

Helena Em nossa conversa, ela mostrou suas fotografias de maneira metódica no inicio, organizando-as por temas sobre a mesa, até “se soltar” mais ao final, quando ela se lembrou da infância e da juventude com Luci, especialmente das brincadeiras na chácara. Rememorou também a família de maneira bastante afetiva, ao mostrar fotos do filho e ao comentar, orgulhosa, seu vínculo com a ONG Haja Luz e sua identificação com o movimento negro. Contou-nos que sua avó tinha sido griot10, o que

me fez pensar na memória dos antepassados e a relação disso com o conceito de legado. Quando conversamos com ela na segunda vez, falou-nos a respeito das fotos tiradas no SESC e no Mercado Público, caracterizando os locais como alternativas de lazer frequentadas por ela no passado. Citou também o BANERJ como o lugar de lazer do filho, que joga futebol lá. Quanto ao meio ambiente, mostrou-nos as fotos de árvores tiradas no SESC também acompanhadas de uma árvore que ela plantou no pátio de casa. Tanto no primeiro como no segundo ensaio, a relação passado-futuro permeou sua fala. Ao falar do filho e da árvore que plantou, sugeriu que eles são traços que serão deixados por ela na vida quando ela se for. No último ensaio fotográfico, Helena tirou muitas fotos da Feira Estadual de Economia Solidária e do coletivo Utopia e Luta, para retratar Ecosol, enquanto poucas retratavam a escola. Comentou

de suas lembranças escolares considerando a escola como um espaço de sociabilidade. Já quando comentou sobre economia solidária, sua fala mostrou certo engajamento, caracterizado pela valorização das propostas de mudança e pela identificação com o movimento.

Antonia

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Antonia já havia comentado seu gosto pela fotografia e as experiências com essa prática. Para suas fotos, dizia buscar o melhor enquadramento, o melhor efeito e a busca pelo “belo”, muitas vezes retratado por elementos da natureza. Tanto no primeiro como no segundo ensaio, os locais predo‑ minantes das fotos foram o Parque Farroupilha ou o Cais do Porto. O ‘lazer’, tema do segundo ensaio, foi enfatizado nas fotos da Redenção e do Cais como alter‑ nativas de entretenimento de outras pessoas. Ela

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limitou-se a comentar que também gosta de ir, mas que não o faz com frequência. Além disso, explorou outra face do meio ambiente ao retratar o Arroio Dilúvio e alguns muros cheios de cartazes, numa crítica à poluição. No seu terceiro ensaio surgiram fotos de feiras de artesanato e de escolas no entorno do bairro Santana, para as quais buscou um contraste entre as mais e menos elitizadas. Sobre a feira, comentou que fotografou os produtos que achou bonitos. Destoando dos ensaios das outras mulheres, ela expressou sua singularidade e acabou por contribuir significativamente para compreendermos as memórias desde o contraste de pertencimentos. Embora houvesse vínculos comuns compartilhados com a reciclagem, o artesanato e o movimento negro pelas três de nossas interlocutoras, a expressão das individualidades também se fez

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presente, incitando reflexões sobre memórias indi‑ viduais e coletivas.

Fotografias dos b-boys: entre “brincadeiras” e amizades Em articulação ao trabalho realizado com as mulheres da Copearte, na Vila Pinto, realizamos ensaios fotográficos junto dos dois jovens b-boys, à época vinculados ao Protejo11, e a dois MCs12, com quem dialogávamos no Mato Sampaio. Realizamos a mesma dinâmica de convidá-los a escolher e falar sobre imagens que dispúnhamos, em uma sensibilização inicial, como fizemos na Copearte. Thiago escolheu duas imagens relativas ao Hip Hop rapidamente, alegando ser a cultura dele, enquanto Luan escolheu uma imagem do Hip Hop e outra da natureza, que ele disse gostar de observar.

Fotografando e lembrando...

Ao final do primeiro encontro, demos a eles má- Deu-nos a entender que a família tem uma parcela quinas descartáveis, convidando-os a fotografarem de influência no viés mais politizado do jovem. com temática livre. Já no segundo ensaio por eles realizado, o tema Voltamos para a discussão sobre as fotos. Dife‑ definido foi ‘Hip Hop e escola’. Thiago confundiurentemente das trabalhadoras da Copearte, os -se e falou sobre ‘higiene’. Contou-nos que tirou jovens foram muito sucintos em suas explanações. fotos da bagunça. Interessante foi que ele mesmo Explicaram-nos que o tema fora ‘amizade’. produziu a bagunça fotografada, ao invés de “reThiago, por estar se recuperando de uma fratura gistrar” alguma desordem já posta. Segundo ele, na perna, ficou em casa e fotografou os amigos que “ficaria feio” mostrar a desorganização da casa. No foram visitá-lo. Percebemos que os títulos dados às ensaio, contrastou a bagunça da mesa, da cama e suas fotos foram, na maioria das vezes, quase como da casa do cachorro com um quarto limpo e uma piadas ou “brincadeiras” com amigos. Exemplos cozinha arrumada. como “Tá acordado?” (referindo-se a aparência de Quanto ao Hip Hop, Thiago também procusono do amigo) indiciavam experiências jocosas e rou atuar como “diretor” das cenas. Se antes ele demonstravam confiança e carinho construídos no “criou” uma bagunça, agora ele “coordenou” os âmbito de suas amizades. movimentos que os amigos e a namorada faziam Luan, por outro lado, deu-nos um panorama da para representar o Hip Hop. comunidade e de seu cotidiano. Fotos que mostraQuanto ao segundo ensaio, Luan tinha deixado vam principalmente a família, alguns de seus jogos de frequentar o Protejo e a escola, mas tirou fotos de videogame e um pouco do trajeto que fazia ao com o tema amizade no entorno escolar. Afirmou ir pra escola, falando da estigmatização do bairro. que as amizades que ele tem são muito importantes,

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por serem “do bem” e que foi através da escola, das brincadeiras na rua e do Hip Hop que ele conheceu bons amigos. Foi interessante constatar que, enquanto narrava, Thiago intervia complementando a fala do amigo e vice-versa. As brincadeiras, as piadas e esse jogo de colaborações na fala um do outro evidenciaram a intimidade e o vínculo entre eles. Demonstraram também que, mesmo jovens, eles têm certo “conhecimento de mundo”, em que pese à expressão menos evidente de memórias. Aos 17 anos, não evocavam lembranças antigas, mas, mesmo assim, não deixaram de se enunciar como sujeitos com trajetória, como se observassem personagens em uma trama. Os garotos ainda estão começando sua trajetória de vida, com percalços, alegrias e mudanças. Thiago era do Hip Hop e “migrou” para o funk. Luan deixou o grupo e hoje serve ao exército. O que eles farão daqui por diante ainda é difícil dizer.

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O que fica Memórias constituem a formação identitária, contextualizando as narrativas. Assim, alguém que cresceu ouvindo determinado tipo de música pode se identificar com esse estilo, ou, pelo contrário, negar tal possibilidade. Quem passou a ouvir histórias pode se encantar com a possibilidade de seguir narrando. Alguém que cresceu num cotidiano de periferia, vivenciando as dificuldades e alegrias presentes nesse contexto, tem experiências e afeições a nos contar, que não poderemos repetir e que merecem uma escuta sensível de seus jeitos de compreender. Nas narrativas que presenciamos, a memória nos foi apresentada como uma rede. Ao primeiro olhar, podíamos perceber um conjunto de lembranças individuais que apresentavam eventos sucedidos, numa sequência de fatos e informações interligados: quem estava com ele, como era o local etc.

Fotografando e lembrando...

Podemos visualizá-lo ao observar, por exemplo, um trecho da transcrição da entrevista que fizemos com Luci: Minha família veio de Júlio de Castilhos, meus pais, minha mãe, minha mãe é de lá. Meu pai é de Passo Fundo. Santa Maria. Ele morou em Passo Fundo, mas ele nasceu mesmo foi em Santa Maria. E daí meus pais, os pais da minha mãe quiseram vir pra cá. Vieram pra cá. Muitos anos já, não tinha nada aqui como é hoje.

Lendo o trecho, podemos conhecer um pouco da história da família de Luci e sobre motivos que a levaram a estar no lugar onde mora. Contudo, depois de todo o tempo imersos em diálogos naquela comunidade, percebemos que a narrativa pronunciada por ela se compunha na associação com a memória dos familiares, que, em outros momentos, contaram-lhe vivências em comum. Assim, seu depoimento se fazia das versões dos

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que partilhavam o cotidiano com ela, assumido como seu (sem que pudesse perceber). Ademais, com todas as conversas que fizemos, inferi que a memória não é necessariamente linear. Quando um fato é contado, ele é suscetível a alterações, pois as lacunas presentes nessas lembranças podem ser preenchidas com diferentes datas e diferentes fatos, inclusive, conforme vivenciamos e nos organizamos no presente; conforme nos é feita a pergunta. Com isso, não quero dizer que as alterações operadas são pensadas para a modificação da história. Falo de um esforço com o intento de preenchê-la, visando uma suposta versão completa dos fatos. No entanto, tal exercício está sujeito à participação das afeições que desenvolvemos e aos esquecimentos que estas engendram. Bosi (1994, p. 54) afirma que “[...] a memória do indivíduo depende de seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com

Murilo Quevedo

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a Igreja, com a profissão”. Ao passo que Melucci (2004, p. 50) diz que é possível “[...] falar de muitas identidades que nos pertencem: a pessoal, a familiar, a social e assim por diante”. Seria difícil separarmos identidade e memória. À memória evocamos desde o presente, em um jogo recursivo de atualização de lembranças e redefinição de identidades. A memória está sujeita a reinvenções e preenchimentos que,

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ainda que alterem a suposta veracidade dos fatos, não deixam de endossar o valor afetivo do que é pronunciado pelo narrador. E, neste ínterim, ela está a nos contar sobre as identidades que se enunciam desde os diálogos que os encontros instigam. Eis que, perguntar, mais que nos levar a conhecer, oportuniza-nos a participar na construção de jeitos de olhar para si, para o outro e para o mundo.

Notas

O Projeto de Proteção dos Jovens em Território Vulnerável (Protejo) tinha como foco a formação da cidadania desses jovens por meio de atividades culturais, esportivas e educacionais, visando disseminar uma cultura de paz em suas comunidades. Era promovido por iniciativa do Ministério da Justiça, mediante destinação de recursos às gestões públicas locais, que contratavam parcerias nos bairros. No caso citado aqui, o projeto era desenvolvido nas dependências da Creche Três Corações. Conforme informações disponíveis em: . Acesso em: 22 maio de 2014.

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Licenciando em Letras Português/Inglês - UFRGS. Bolsista Iniciação Científica PROBIC/FAPERGS.

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Ao mesmo tempo em que realizávamos os ensaios, as trabalhadoras solicitaram ajuda na construção de um histórico da cooperativa, em forma de banner. Tal empreitada me auxiliou nas minhas reflexões sobre memória, embora, nesse caso, trate-se de memória coletiva, que será citada no presente texto, mas não abordada detalhadamente.

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Na cultura africana, o griot é o contador de histórias. A ONG Haja Luz desenvolve a contação de histórias para crianças em espaços educativos formais e não-formais.

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É importante ressaltar que, por conta da dificuldade de conciliarmos as agendas com as inúmeras atividades dos MCs, fizemos com eles apenas um ensaio fotográfico, no tema ‘Hip Hop e escola’. Também por este motivo, não foi possível consolidarmos diálogos detidos sobre as imagens que produziram. Neste sentido, focarei a análise nas conversações construídas com os b-boys.

Realidades: imagens alteradas

Realidades: imagens alteradas

Antonia

• Intervenções de Antonia •

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Helena

• Intervenções de Helena •

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Luci

• Intervenções de Luci •

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Zelândia

• Intervenções de Zelândia •

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Duplo M

• Intervenções de Marcelo Duplo M •

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Vanessa

• Intervenções de Vanessa •

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Trampo

• Intervenções de Trampo •

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Intervenções criativas: sobre o que se fez e o que fica Lilian Alves Schmitt*

A proposta de intervenção

A

o longo do projeto, nossos interlocutores foram convidados a fazer intervenções criativas sobre as fotos dos ensaios que haviam produzido até então. Nosso grupo levou as fotos produzidas pelos participantes do projeto impressas em tamanho A4, e apresentou a proposta de intervenção para cada grupo que conseguiu contatar. Por estarmos trabalhando em outras frentes junto às trabalhadoras da Copearte, como era o caso da elaboração de um histórico da associação, nosso contato com o grupo era mais frequente e, por consequência, o desenvolvimento da

proposta de intervenção criativa sobre as fotos foi facilitado. Num de nossos encontros na Copearte, montamos um projetor multimídia entre as máquinas de costura e projetamos uma sequência de imagens que havíamos preparado alguns dias antes para o que chamamos de “sensibilização à proposta”. A sequência continha fotografias de obras de artistas contemporâneos e clássicos, conhecidos e anônimos; continha também imagens que elas mesmas haviam produzido durante os ensaios. As imagens exibidas, em sua maioria, traziam em comum um aspecto: eram formas de expressão e interpretação singulares de realidades cotidianas.

Lilian Alves Schmitt

Ao mostrar a sequência de fotos, ouvíamos excla‑ – era o que Luci nos declarava, sorrindo com uma mações de surpresa e encantamento. O silêncio de suas fotos nas mãos. se desfazia e as mulheres encontravam espaços Propusemos que cada uma delas levasse suas para dizer que tipo de experiência as imagens lhes fotos para casa e combinamos que nos próximos proporcionavam e lembravam. Nosso intuito com encontros nos falariam sobre como se deu o processo esta apresentação de maneira alguma era dar a de criação e apresentariam aquilo que produziram. elas “um exemplo” daquilo que pensávamos como Inicialmente, apresentariam apenas uma foto, o que proposta, mas, sim, garantir uma experiência fru- chamamos de “ensaio”; na sequência, seguiriam com o trabalho no restante das fotos. tífera, que as mobilizasse e que contribuísse para De modo diferente do grupo de economia seu processo de criação. Depois desse momento de sensibilização, senta- solidária, a apresentação da proposta das intermos todos ao redor da mesa que usavam ora para venções sobre as fotos se deu de maneira individualizada no grupo ligado ao Hip Hop. Buscamos, costura, ora para reuniões, e espalhamos algumas fotos de seus ensaios, impressas em tamanho A4. primeiramente, entrar em contato com os autores Mais uma vez as exclamações de surpresa irrom- das fotos para falar das intervenções. Não obtenperam o momento: as mulheres daquele grupo do sucesso, procuramos grafiteiros reconhecidos nunca tinham produzido fotos naquele tamanho em Porto Alegre para efetivarmos a proposta. As e as falas nos sugeriam que elas não se sentiam fotografias feitas por Luan, Thiago e Px contaautorizadas a modificá-las. Estavam admiradas ram com a intervenção de Vanessa e Trampo, em com o que produziram: “Como ficou bonito, né?!” virtude da dificuldade em contatar os primeiros.

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Duplo M foi o único dentre os vinculados à cultura Hip Hop a fazer intervenções sobre fotos de sua autoria. Dessa forma, os encontros se deram de maneira individual com cada um dos sujeitos, não possibilitando uma prática de sensibilização como a que ocorreu com o grupo de mulheres. Nos encontros, mostrávamos as fotos produzidas pelos jovens e explicávamos a proposta, deixando que escolhessem as que quisessem intervir. A grafiteira Vanessa escolheu fotos que representavam aspectos ligados ao dia a dia da comunidade, já o grafiteiro Trampo foi motivado pela presença de elementos ligados ao Hip Hop: um b-boy dançando e a presença de amigos ligados ao movimento. Assim, pela diferença no acompanhamento no desenvolvimento da proposta, serão enfatizados na sequência, aspectos sobre o processo de feitura das intervenções pelas mulheres da Copearte. Depois, considerarei o trabalho dos grafiteiros.

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As “dores e delícias” no processo de experimentação Quando voltamos à Copearte, as mulheres nos apresentaram suas intervenções de “ensaio”. Neste primeiro momento, apenas Helena e Luci apresentaram seus resultados. Foi preciso retomar algumas vezes o intuito da proposta, pois o grupo demonstrava insegurança e parecia agir como se quisesse cumprir exatamente “o tema de casa”, algo que foi sendo desconstruído gradualmente. No encontro seguinte, retomamos as narrativas sobre o processo, agora com as intervenções feitas em fotos que iriam para exposição. Como exemplo, destaco a participação de Luci neste encontro, que nos impressionava com sua sensibilidade durante os relatos. Como era costume, ela se mostrou envolvida e falou de forma intensa a partir das imagens, a começar pelas do ensaio. Mostrou uma foto de um

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mercadinho do bairro, na qual havia feito colagens de imagens de revista. Dispôs um casal saindo do mercado e um carro ao lado, enfeitando a imagem com adornos no prédio e elementos naturais, tais como um sol e algumas nuvens. Então, Leandro a pediu que mostrasse a intervenção feita na foto da rua de sua casa, e ela assim o fez. Havia ali, naquela fala, uma mistura de lembranças dos “tempos de Luci” (como ela mesma dizia), com uma descrição detalhista e, ao mesmo tempo, muito pessoal do lugar e das modificações feitas na imagem. Luci emocionava-se ao falar da rua onde morava. Posteriormente passou a nos contar sobre o seu processo de criação, narrando que primeiro idealizou água correndo onde figurava a rua na foto. Depois explicou-nos o que compunha ao final: um caminho que ia da rua até o morro onde se via o horizonte; no caminho sobre o morro, a imagem de um menino. E o que era muro anteriormente,

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envolvendo uma casa, acabou virando outra casa com janelas. Narrando o processo de suas intervenções, Luci ia impressionando pelo tanto que desprendera sua imaginação. Era estimulante vê-la falando com tanto gosto de sua criação. Uma de suas intervenções chamou muito a nossa atenção - a fotografia retratava o interior do galpão de triagem de resíduos existente no bairro, lugar onde muitos amigos e vizinhos trabalham. Por intermédio da intervenção de Luci, o local foi transformado em uma loja de roupas (“baratas”, como ela fez questão de salientar). Ela inseriu outros personagens encontrados em revistas, fez alguns desenhos, utilizou-se do colorido dos resíduos da foto e também da posição das mulheres, e dessa forma transformou o lugar e também o trabalho das pessoas que a foto anteriormente retratava. Outra intervenção que igualmente nos chamou a atenção foi aquela em que Luci inseriu colagens

com um homem “bem arrumado” e dois meninos criativas, uma característica peculiar: uma forte numa foto onde, anteriormente, havia uma viela do racionalização a anteceder e compor suas criações bairro com carroças de catação. Segundo a narrativa perante nossa equipe. de nossa companheira, “era um pai levando os seus Dona Zelândia, utilizando-se de artesanato e filhos para brincar e jogar bola”. Aquelas colagens colagens sobre as fotos de seus ensaios, também também modificaram a realidade indiciada na foto, fez tentativas de modificação da “realidade”, asatribuindo-lhe outro sentido. sim como Luci. Mostrava-se bastante afetiva nos relatos, utilizando-se de tecido e “fuxico” e outros De modo geral, as intervenções feitas por Luci não comportam técnicas artisticamente apuradas, saberes relacionados à sua prática com a costura. Fato que nos chamava a atenção na escolha se quisermos nos ater a saberes socialmente legitidas fotos efetuada por Dona Zê, como carinhomados. No entanto, o exercício interpretativo que ela materializou na modificação das “realidades” samente a chamávamos, é a estreita ligação com indiciadas foi bastante significativo. o âmbito familiar. Parentes e espaços da sua casa As intervenções de Helena, que utilizou como foram representados e posteriormente modificados técnicas colagens e artesanato sobre as fotos de e enfeitados nas fotos. Numa de suas intervenções, seus ensaios, apresentavam mensagens textuais sua filha ganha um adorno nos cabelos e a porta explícitas, valorizando, por exemplo, a educação no da peça onde está, uma cortina de tecido florido. âmbito escolar e mensagens de paz, denotando a Nas intervenções feitas por Antonia, havia expressão de certa normatividade. Helena demons- uma preocupação em realçar o que definia como trava nas falas e também através das intervenções “belo” quando realizava os ensaios fotográficos.

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A realidade foi modificada com acréscimos e enfeites Outro aspecto que nos despertou a atenção em tais como aves, borboletas e aviões no céu. As cenas algumas intervenções foi o discurso envolvendo recriadas por Antonia parecem contemplativas e são uma melhoria da condição da vida retratada, o que realçadas por molduras. Há imagens enfeitadas, mas poderíamos chamar de uma “realidade melhorada”. não fica evidente uma interpretação significativa Quando o centro de reciclagem vira uma loja e as acerca das “realidades” indiciadas. catadoras viram vendedoras, ou quando o catador Ao longo dos encontros e da sequência de diá- vira rei, torna-se explícito este apelo. Percebemos que algumas intervenções realçalogos com o grupo de mulheres, depois que todas elas apresentarem suas fotografias com as inter- vam o contexto através de mensagens relativas ao venções, alguns pontos comuns ficaram evidentes. valor da educação e, também, sobre a temática As criações se diferenciavam, indicando modos ambiental, enquanto outras complementavam a distintos de intervenção. realidade através da inserção e da junção de paisaAo enfeitar as fotos, com elementos diversos gens e de elementos ligados à contemplação destas. (flores, borboletas, pássaros etc.), as mulheres modi‑ Ao passo que percebíamos limites nas técnicas ficavam a “realidade que ali estava”, interpondo utilizadas, era evidente, por outro lado, a criativicores e avivando as cenas. Em outras intervenções dade com a qual elas agiram sobre as fotos, imaa realidade presente na foto parecia “corrigida”: a ginando “novas realidades”, valorizando aquele inserção de um elemento sobre a paisagem, tal como momento que partilhamos e que, em suas palavras, um pássaro, parecia completar a paisagem imaginada. “puxava pela cabeça”.

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As mensagens do Hip Hop Ao analisarmos as intervenções produzidas pelos participantes ligados ao Hip Hop, podemos descrever algumas impressões e apontamentos gerais sobre o processo de cada um dos membros. Nas intervenções feitas por Vanessa, percebe-se um estilo definido a priori, com destaque à tomada de posição feminina evidenciada nas cores e nos traços. Fica evidente uma conexão entre as três fotos que interviu, expressa na frase: “Os manos,... as minas... e a rua”. Além disso, há uma predominância de expressões e siglas, como se preferisse manter o que retratavam as fotos. De maneira geral, suas intervenções parecem grafites em muro e tentam destacar o cotidiano e personagens na periferia. A intervenção feita por Duplo M transformou consideravelmente a imagem. Se anteriormente parecia “mal enquadrada”, mostrando desenhos

em um cartaz de papel pardo, com a intervenção, a foto parece um pôster, repleta de vivacidade, lembrando um espaço urbano produzido para ser visto. Nas fotos escolhidas por Trampo, feitas por Thiago, Luan e Px, a modificação foi quase total, destacando as pessoas e suas ações. De forma bastante simbolista, conectou as fotos através de um cenário cósmico, sendo PX uma figura de destaque, embora a mensagem do conjunto não seja explicitamente codificada. Sobre aspectos gerais evidentes nas intervenções feitas pelos integrantes do Hip Hop, destacamos a valorização de elementos ligados a este movimento, tais como a inserção do grafite, o destaque da dança break ou a visibilização de personagens da cena em Porto Alegre. Também é evidente uma discursividade que exalta a condição das juventudes no contexto de periferia.

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O que fica Acreditamos ter construído algumas aprendizagens neste processo. Podemos afirmá-las quando as trabalhadoras da Copearte nos contaram que sua participação lhes levou a caminhar pelo bairro e o conhecer melhor; ou quando relataram a possibilidade de comunicarem suas realidades de maneira não habitual e, para isso, precisarem “sair para olhar com um olhar diferente”. Contaram-nos, também, que passaram a enxergar as fotografias como algo em que se pode intervir. Ao narrarem “agora, olhamos para as fotos e pensamos no que podemos fazer com elas”, sinalizavam-nos para uma nova maneira de se apropriarem de suas fotografias. As intervenções criativas feitas por nossos colegas apontavam traços singulares e identitários, falando do jeito de fazer de cada um. Como educadores, fomos todos seduzidos pela peculiaridade daquelas maneiras de compor, repletas de diferentes

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saberes e intuições, crivados de elementos que nos desacomodavam. As intervenções feitas por ambos os grupos, mulheres e jovens, permitiam que nos aproximássemos mais da realidade vivida na periferia. Através da vivência do processo, fomos convocados também a considerar o que Farina (2004) chama de “estética de nossa formação”, por meio de uma revalidação de imagens e discursos, o que oportunizou aos participantes e também a nós, como educadores, o contraste com diferentes maneiras de sentir e imaginar. A experiência vivida no processo de intervenções criativas causava surpresa e estremecimento pelos movimentos e deslocamentos gerados em todos os envolvidos a partir da dinâmica do trabalho. Então, encontramos os argumentos de Farina (2004), quando nos indica que a experiência estética movimenta as maneiras como tocamos e somos tocados, o que gera uma “perda de eixo”, denotando certa permeabilidade em nossa sensibilidade e nos levando a pensar sobre o experienciado.

Intervenções criativas... A visibilidade de determinados problemas da condição humana só se torna possível pela abertura do jogo da aparência que a experiência estética proporciona, naquilo que é percebido no acontecimento do mundo, num momento único de seu acontecer. Nessa perspectiva, a experiência estética se dá no relacionamento entre o sujeito e o objeto estético, e isso implica compreender que o sujeito se transforma nessa experiência (HERMANN, 2010, p. 34).

Foi ao longo do processo que percebemos o quanto nossas propostas “puxavam pela cabeça”. O processo mostrava que estávamos instigando reflexidade, mobilizando afeições e ampliando a experiência estética de nossos colegas e a nossa própria. E aquelas imagens seguem a convocar uma atitude aberta, disponível ao estranhamento e à compreensão.

estética, ou seja, assumir uma posição, uma postura que constitua e configure a nossa percepção. (...) A atitude estética é uma atitude desinteres‑ sada, é uma abertura, uma disponibilidade não tanto para a coisa ou o acontecimento “em si”, naquilo que ele tem de consistência, mas para os efeitos que ele produz em mim, na minha percepção, no meu sentimento (PEREIRA, 2012, p. 186).

Deste modo, percebemos que o processo teve um caráter formativo para todos que dele participaram. Formativo no sentido de habilitar a construção de novas representações de mundo, novos jeitos de sentir, gerando, a partir disto, novos saberes e, principalmente, a experiência que nos confronta com a nossa incompletude.

Notas *

Para que se possa viver uma experiência estética, antes de tudo, é preciso assumir uma atitude

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação-PUCRS. Bacharela em Ciências Biológicas pela PUCRS e licencianda em Ciências Biológicas na UFRGS.

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Entre formas de imaginar, provocações para uma prática educativa Leandro R. Pinheiro*

Que pena tenho dele! Ele era um camponês Que andava preso em liberdade pela cidade. Mas o modo como olhava para as casas, E o modo como reparava nas ruas, E a maneira como dava pelas pessoas, É o de quem olha para árvores, E quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando E anda a reparar nas flores que há pelos campos... Fernando Pessoa

Após construir um percurso com os colegas do bairro Bom Jesus, carregamos conosco uma série de inquietações, a nos chamarem para outros jeitos de ver os espaços e os tempos que partilhávamos.

Tentarei dar forma a elas neste texto, elaborando uma leitura do trabalho que fizemos e problematizando potencialidades reflexivas que gostaria de partilhar.

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Vou começar destacando aspectos das memórias pronunciadas no processo, à medida que as imagens fotográficas eram comentadas em nossas rodas de conversa. Penso que uma breve retomada de alguns dos aspectos identitários é necessária para trazermos à discussão, caracterizações estéticas e políticas do trabalho feito pelos moradores da Bonja. Não raro, as narrativas realçavam pessoas e relações, afirmando, de um lado, os laços de sociabilidade, incluindo familiares e amigos, e, de outro, as vivências críticas, cuja superação merecia destaque, não só como passagens da trajetória, mas como demonstração de capacidade e êxito frente às adversidades. E, neste entretanto, era em articulação a tais elementos que a visibilização de lugares do bairro ganhava sentido e o pertencimento comuni‑ tário se erigia, especialmente quando conversávamos com as trabalhadoras da Copearte. Os pertencimentos e militâncias expressos (em relação à comunidade, à etnia negra, à Ecosol ou ao Hip Hop) nos pareciam entremeados pela

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configuração de laços de ajuda mútua e reciprocidade, conforme nos inspira Fonseca (2005), e pela alusão a perplexidades e indignações com as condições de vida de outros moradores do bairro. No caso do primeiro, devemos destacar, aqui, a relevância atribuída às relações familiares primeiramente e, para os jovens sobretudo, dos laços de amizade na vizinhança e, algumas vezes, na cidade. Se observamos mais detidamente, então, as perplexidades e indignações expostas nos relatos evocados pelas fotografias, podemos reconhecer as prioridades que desejaram visibilizar por ocasião da integração ao projeto que propomos e, ao mesmo tempo, podemos destacar parâmetros classificatórios que perpassavam suas narrativas e constituíam seus cotidianos. Referimo-nos à distinção explici‑ tada quando mencionavam diferentes territórios no interior do bairro, por exemplo. Com frequentes menções às expressões “em cima” e “embaixo”, indiciava-se mais que uma divisão topográfica, distin‑ guiam-se níveis socioeconômicos na comunidade.

Entre formas de imaginar...

Entendemos que tal construção assinalava, neste ínterim, o constituir de distinções e referências de hierarquização que, mesmo na empatia e na solidariedade, salientavam a interposição de diferenciações entre as pessoas residentes no bairro. Depois, quando trabalhamos na produção de álbuns em scrapbook na Copearte, as sínteses narrativas, enunciadas nas escolhas e renúncias e, também, nos adereços de cada composição, realçaram a condição de gênero das trabalhadoras13. Os álbuns explicitavam singularidades, mas traziam em comum temas afetivos na apropriação de enfeites e de imagens de filhos e netos. Estavam lá elementos como fuxico e frufru, não só recorrentes no artesanato confeccionado por mulheres na Ecosol, mas também produtos que rememoram o início das atividades produtivas da associação. Aos materiais que aportamos, usuais à produção de scrapbook, elas agregaram itens com os quais estavam acostumadas a trabalhar e que, podemos afirmar, faziam parte de suas preferências

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estéticas, denotando uma peculiar apropriação do que compartilhávamos.

O estético... Ao dar vida a uma forma, o artista torna-se acessível às infinitas interpretações possíveis. Possíveis, frisamos bem, porque a ‘obra vive apenas nas interpretações que dela se fazem’; e infinitas não só pela característica de fecundidade própria da forma, mas porque perante ela se coloca a infinidade das personalidades interpretantes... (ECO, 2008, p. 31).

Tarefa difícil essa de interpretar e explicitar a interpretação de uma obra. Fazê-la de maneira respeitosa, sem “impor” demasiadamente ao autor juízos que nos constituem e que a obra instiga, vem sendo um esforço de revisão, ou mesmo de reconfiguração de nossas sensibilidades e perspectivas. Ousarei realizá-la aqui, mas orientando-me especificamente ao propósito das discussões deste

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pequeno livro, atento às potencialidades reflexivas do trabalho que realizamos. No mais, espero que as imagens e as intervenções sigam provocando sentimentos diversos e divergentes... A experiência e a sensibilidade estéticas de nossos interlocutores ganharam expressão mais incisiva quando da produção dos álbuns e, especialmente, a partir do momento em que se lançaram ao desafio de realizar intervenções sobre as imagens fotográficas. Em nossos diálogos, chamavam-nos a atenção as intencionalidades em jogo, dispondo realidades sendo enfeitadas, corrigidas, melhoradas ou realçadas em mensagens. Ora combinações cujos sentidos não eram explicitados; ora intervenções que se apoiavam nas narrativas orais acerca das fotos. As composições em álbuns e intervenções indiciavam a precariedade e a falta de recursos e técnicas muitas vezes, mas esboçavam também algo de um jeito peculiar na bricolagem dos elementos, desde combinações que, às vezes, podiam parecer

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estranhas aos nossos olhos, mas que guardavam algum sentido. No caso dos álbuns especificamente, apesar do material fornecido e a técnica serem mais usuais para públicos de classe média, as trabalhadoras lograram uma expressão estética bastante característica. A apropriação e o uso de materiais, incluindo aí elementos comuns às suas práticas artesanais e de costura, trouxeram combinações de cores e adereços que chegavam a remeter à escassez e, simultaneamente, expunham coloridos diversos e exuberantes. Havia ali uma mistura de sobras (de retalhos, por exemplo) junto à demonstração do muito, como se comunicassem a expressão do supostamente abundante onde se vivencia o pouco. Subjetividades que não deixavam de sensibilizar, admirar e, inclusive, tentavam imitar o mais abastado, mas que, quando se colocavam em ação, coloriam, realçavam, combinavam diferente.

Entre formas de imaginar...

No caso dos grafiteiros então, o domínio de uma técnica tornava as mensagens ainda mais explícitas, se tomarmos a produção de Vanessa, por exemplo. Neste caso, o pertencimento ao Hip Hop e sua luta pela representação feminina no movimento se indiciava. Mas, se olhamos a obra de Trampo, suas simbologias nos levam a uma viagem por um universo que, ao integrar sujeitos reais da cena Hip Hop, transforma-os em personagens que parecem interligados em suas vivências por elementos que cabe à criatividade do interpretador definir. Para o conjunto das intervenções, poderia afirmar a existência de uma experiência estética que se constitui na mistura de cores e adereços, lembrando as fragmentações operadas pela paisagem urbana que experienciavam. Contudo, a prática interpretativa e o “aproveitamento” das realidades que se indiciavam nas fotos eram extremamente significativos. Percebemos um exercício de contemplação e de projeção de desejos e normatividades sobre

cenas urbanas de que suas fotos eram signos. Havia uma tentativa de restituir às imagens, a graça e os sentimentos experienciados por autoras e autores, como a interposição de um “pássaro que estava lá”, mas que a foto desafortunadamente não registrara. Tratava-se de realçar a “beleza” contida ou que deveria estar nas realidades representadas: uma sensibilidade para o detalhe na cotidianidade; uma sensibilidade a mostrar potência e beleza atribuídas ao cotidiano. Um jeito nem sempre tão original, mas por certo, peculiar e significativo ao vivenciado por jovens e mulheres em contextos de periferia.

...o político

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Penso que podemos, agora, associar às experiências estéticas condensadas nas imagens que produziram nossos colegas a dimensão política de suas escolhas. Para isso, gostaria de considerar as condições culturais de produção e apropriação das

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fotografias nas relações que construímos cotidianamente. A interlocução com as contribuições de alguns autores interessados no tema podem nos ajudar neste propósito. A produção de imagens fotográficas tem sido culturalmente orientada ao registro do que soci‑ almente elaboramos como importante, belo ou destacável, o que significa assinalar a propensão a “fixar” o supostamente digno de ser visibilizado e/ ou apropriado como memória (MARTINS, 2009). Segundo Delory-Momberger (2010), o mesmo podemos afirmar a respeito dos hábitos instaurados pela sociedade burguesa na geração de álbuns de família, a sintetizarem recordações de distinção e êxito social para os herdeiros. Seria difícil afirmar que o considerado extraordinário esteja representado nas imagens cuja produção acompanhamos, conforme afirma Martins (2009) sobre as fotografias feitas por integrantes das classes populares. Seria mais adequado observar que está representado o que entendiam ser especial no

cotidiano e nas trajetórias, de tal maneira que, ainda assim, a construção imagética guardava a preocupação com o que se poderia comunicar/visibilizar. A produção fotográfica era compreendida como geração de registros e remetia a certa autoria na busca de enquadramentos singulares. Em certa ocasião, por exemplo, Zelândia mencionou ter dividido o fotografável com Luci quando saíram juntas para realizarem seus ensaios. Assim, ao decidirem que objetos cabiam a cada uma, reconheciam autoria a partir das escolhas de cenários a serem “espelhados”, e não na compreensão da imagem como produtora de realidade desde uma intencionalidade subjetiva. Os depoimentos enunciavam o quanto a foto‑ grafia (como artefato concreto entre as mãos) era ignorada em nome do referente e o que ele trazia à tona, como nos lembra Barthes (2004) a respeito do efeito da verossimilhança de artefatos visuais. Logo que solicitamos as intervenções, aliás, percebemos restrições da maioria de nossos

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interlocutores a intervirem sobre os “registros foto‑ gráficos”. Muitos dos comentários iniciais que fizeram sobre as ideias para intervenção tendiam a preservar as fotografias14. Eis que a posição culturalmente ocupada pelas imagens foi a base desde a qual trabalhamos. Embora as fotografias fossem o objeto da intervenção, era a realidade indiciada pelo efeito de verossimilhança que inspirava a obra e a alteração da imagem. Além disso, ao tomarem as fotos como registros do real e do que pode/deve ser visibilizado, nossos colegas estabeleceram prioridades comunicativas, engendrando opções ético-políticas, a exemplo do que nos conta Carminati (2009) sobre as fotografias produzidas por moradores de favelas do Rio de Janeiro. As prioridades narrativas enunciavam as relações de sociabilidade, afeto e reciprocidade de suas experiências na comunidade ou nos movimentos sociais que integravam. Ganhavam notoriedade os lugares importantes da infância e do presente,

as ruas onde viviam, os locais que poderiam ser modificados pela especulação imobiliária, as perplexidades, os familiares, os amigos e os desejos. Se, como nos afirma Sontag (2008), ‘’[...] a câmera define para nós o que permitimos que seja ‘real’ - e empurra continuamente para adiante as fronteiras do real‘’ (p. 138), as escolhas e renúncias dos fotógrafos podem ser observadas, para além e em articulação com as contingências que experienciavam, como opções políticas sobre o que vizibilizariam. Condição patente quando observávamos as fotografias na ambiência de cada exposição, como um conjunto imagético-narrativo que acessava espaços de reconhecimento simbólico, dispondo suas escolhas na disputa pela produção de realidades relativas à sua própria comunidade15.

...e a reflexividade que segue Mesmo agora, contemplando o itinerário percorrido, é extremamente difícil descrevê-lo em tudo

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o que nos mobilizou. Talvez, precisemos de mais tempo para compreender o tanto que nos sentimos instigados como educadores. Mas a partilha desta escrita é necessária! O esforço de narrar é uma maneira de problematizarmos nossas elaborações e de seguirmos em diálogos. Lembro da fruição lúdica que passou a compor nossas práticas e, então, aqueles momentos para estar e aprender juntos. Na partilha de instantes de descontração, passamos a conhecer lugares, pessoas, lidas do cotidiano e das identidades que nos dávamos a compreender. Em consonância, nossos interlocutores saíam à rua para olhar seus espaços de vida através de lentes e perspectivas outras. Detalhes que passavam despercebidos no trânsito apressado e corriqueiro do dia a dia ganhavam luz nas percepções provocadas pela escolha do que mostrar ao outro. Pensamos que narrar desde a construção de imagens configurou-se como um falar de si (presente e passado), que dispôs nossos colegas a

reforçar/questionar algumas de suas escolhas, de seus investimentos e de suas superações, além de expressar o que não deu certo e, quem sabe, tranquilizar-se a respeito. Experiências viabilizadas pelas perguntas de alguém que quis saber sobre eles, sobre suas trajetórias, seus lugares de vida, que escutou e deu certa legitimidade para seus argumentos biográficos e interacionais, a possibilitar o enunciar de identidades, desde as perguntas que elas se fizeram e aquelas que propomos. Prática adensada, depois, nas discussões sobre as “realidades” modificadas nas intervenções, que, ancorando-se no efeito cultural de verossimilhança das fotografias, possibilitou que os fotógrafos (re)inter‑ pretassem as próprias imagens e os contextos que ali se indiciavam. Uma estratégia para conhecer e ampliar a experiência estética, lançando-os ao desafio de tentar expressar as sensações evocadas sem o uso inicial da palavra, ou oportunizar a manifestação do que, por motivos diversos, era impronunciável.

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Um intuito de demarcar e diversificar suas expressividades e, também, instigá-los a outras formas de sentir e perceber os contextos em que vivem (Pereira, 2012). Nesse sentido, lembro-me de passagem do livro ‘O jogo do eu’, quando Melucci (2004) comentava a importância assumida pelo ato de narrar na atualidade, dada à quantidade de apelos e estímulos informacionais sob os quais estamos submetidos hoje. Dizia ele que, se a realidade apresenta-nos tão cheia de possibilidades virtuais, contrastantes em relação ao que podemos efetivar concretamente, escolhas e renúncias se intensificam e a narrativa se torna uma estratégia provável na (re)delimitação do que imaginamos ser. Queríamos nos aproximar de tal processo e o fizemos convidando nossos interlocutores a narrarem de jeitos diferentes, desde questões incomuns para eles. Tentamos, por isso, multiplicar meios para que as narrativas fluíssem e para que jovens e mulheres refletissem sobre suas contingências e seus

projetos, lançando-os à condição de protagonistas no enunciar de seus cotidianos. Contudo, há muito a qualificar em nossa metodologia de trabalho. O projeto nos proporcionou conhecimentos sobre trajetórias na comunidade, que poderíamos articular a diálogos sobre a história do bairro e, quem sabe, com historiografias sobre a cidade. Por intermédio das imagens, adentramos praças, vielas e ruas e conhecemos gentes que fazem aquele espaço geográfico. Sem o compromisso estrito de fazer arte, oportunizamos experiências estéticas e reflexivas que aproximaram nossos interlocutores de discussões sobre o que fazem os artistas. E ainda, conforme evocavam as fotografias, produzimos narrativas orais que poderiam se tornar relatos escritos e alimentar a imersão em códigos por dominar. São vários os caminhos possíveis para a reflexividade que segue. O diálogo em curso é um convite para caminharmos juntos!

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Notas

da Copearte. Entretanto, isso não as impediu de atuarem e, posso afirmar, sua participação no projeto foi potencializada pelos saberes desenvolvidos em seus ofícios. Acredito mesmo que a criatividade exercida deve parte de seu êxito à sua condição de artesãs e costureiras.

* Sociólogo e doutor em educação. Professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FACED/UFRGS). 13

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Não será possível aprofundar, aqui, as análises acerca da condição de gênero nas produções das trabalhadoras com as quais dialogamos. Gostaria de enfatizar, ainda assim, que estou me referindo à naturalização de atribuições relativas ao feminino, com destaque às práticas culturalmente reconhecidas, como são exemplos as profissões orientadas ao ‘cuidado’ e/ou a destinação da mulher aos espaços da vida privada e à assistência à família. As referências centrais neste sentido têm sido as reflexões de Fonseca (2000).

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De forma geral, é preciso diferenciar as restrições à intervenção quando tratávamos com grafiteiros. De antemão, pareciam imbuídos de um propósito artístico e a disponibilidade para intervir sobre as imagens fotográficas era maior que entre as trabalhadoras

Vale lembrar que, na última exposição, procuramos promover uma ambiência que nos remetesse ao contexto de periferia. Assim, além da ocupação do espaço pelas imagens, a abertura do evento na Casa de Cultura Mario Quintana contou com apresentações de dança e rodas de conversa com b-boys e, neste sentido, a apropriação de música concernente colaborou significativamente. A formação de um espaço de fruição desde elementos diversos, que não só o estímulo visual das fotografias, foi uma tentativa de oportunizar ao público experiências estéticas aproximadas e coerentes ao que expressavam as imagens expostas e, assim, dirimir efeitos da alocação da exposição em local central da cidade, cuja organização sócio espacial orienta-se à expressão artística reconhecida como “culta”.

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O corpo do texto deste livro foi composto em Syntax LT Std, fonte desenhada por Hans Eduard Meyer para a Stempel Foundry (1968). Os títulos foram compostos em Museo Slab, fonte desenhada por Jos Buivenga e publicada pela exljbris Font Foundry (2009), e em Original Olinda Style, desenhada por João Paulo Angelim (2009). O papel usado na capa é o Supremo 250g/m² com acabamento plastificado fosco, e o papel usado no miolo é o Couché Fosco 120g/m².

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