Imagens Religiosas nos Desfiles de Escolas de Samba no Rio de Janeiro: Entre Interdições e Tolerâncias

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Imagens Religiosas nos Desfiles de Escolas de Samba no Rio de Janeiro: Entre Interdições e Tolerâncias. André Luiz Porfiro [email protected] (Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro – ISERJ e Grupo de Estudos Ilè Obà Òyó – ProPEd – UERJ)

RESUMO

O artigo pretende analisar as táticas das Escolas de Samba para enfrentar as interdições e as tolerâncias da Igreja Católica, no que se refere a apresentação de imagens religiosas nos desfiles carnavalescos no Rio de Janeiro. No foco da análise estará a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, pela sua explícita ligação com as religiões de matriz africana e afro-brasileira. Serão analisados os desfiles do ano de 1989, com o enredo “Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia”, do ano de 2002, com o enredo "O Brasil dá o Ar de sua Graça. De Ícaro a Ruben Berta: O Ímpeto de Voar" e, por fim, o desfile do ano de 2011, com o enredo “Roberto Carlos, A Simplicidade de um Rei”, onde com o cantor popular Roberto Carlos, Cristo é liberado para participar do desfile, sendo ovacionado pelo público com gritos de “já ganhou” nas mágicas luzes do Sambódromo.

Palavras-chave: Interdição - Escolas de Samba - Intolerância Religiosa - Liberdade de Expressão - Cultura Popular.

No ano de 1989, na grande festa de cultura popular de massas, o desfile das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro1, a Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, através de uma liminar impetrada no Poder Judiciário, interditou uma alegoria, o carro abre-alas, da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis. A alegoria carnavalesca em questão, que representava uma das imagens símbolo da cidade do Rio de Janeiro, o Cristo Redentor, foi proibida de ser apresentada. O carro alegórico, em conformidade com a concepção do enredo “Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia”, pretendia apresentar a imagem de um Cristo Redentor maltrapilho, em farrapos, como um mendigo, tal qual os atores e desfilantes da Escola de Samba que estariam a sua volta. Com a interdição, ocorrida as vésperas do desfile carnavalesco, a Escola de Samba de Nilópolis, pequeno município da Baixada Fluminense, região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, ficou entre “a cruz e a espada” e o regulamento. Havia a obrigatoriedade, imposta pelo regulamento do concurso, da apresentação da alegoria2. A Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis cercada por um lado, pelo regulamento do desfile que exigia a alegoria, por fazer parte da proposta do enredo, e por outro, pela liminar da justiça, que acatou a solicitação de interdição feita pela Cúria Metropolitana, foi obrigada a criar uma estratégia de apresentação da alegoria. A tática consistiu em cobrir a escultura do Cristo esfarrapado com sacos plástico de lixo na cor preta, deixando transparecer a forma básica da escultura do Cristo Mendigo, transversalmente, de um braço a outro, colocou uma enorme faixa com a frase "Mesmo Proibido Olhai por Nós".

Em 2011, novamente a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, volta com a imagem de um Cristo numa alegoria apresentada nas mágicas luzes do Sambódromo. Dessa vez não houve interdições. A alegoria que finalizou o desfile, do enredo “Roberto 1

Os desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro estão divididos em Grupo Especial, com 12 Escolas de Samba – concurso organizado pela LIESA – Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro-. Série A, com 19 Escolas de Samba – concurso organizado pela LIERJ – Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro-. Os dois primeiros grupos fazem seus desfiles no Sambódromo, Av. Marques de Sapucaí, centro do Rio de Janeiro. Grupo B, com 13 Escolas de Samba, Grupos C e D, com 12 Escolas de Samba – concurso organizado pela AESCRJ – Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro-. As Escolas de Samba afiliadas a AESCRJ desfilam na Av. Intendente Magalhães, no bairro de Campinho, subúrbio do Rio de Janeiro. Dados dos desfiles de 2013. Fonte: sites da LIESA, LIERJ e AESCRJ. 2 As Escolas de Samba apresentam aos organizadores do concurso um libreto com o detalhamento das partes do desfile. Os jurados são orientados a observarem os detalhes para avaliarem a exibição das Escolas, podendo retirar pontos nos quesitos não apresentados.

Carlos, a Simplicidade de um Rei”, apresentava o cantor popular Roberto Carlos, cercado de crianças com vestes assemelhadas de Nossa Senhora da Aparecida, entre os braços estendidos de um Cristo com as cores azul e branco, cores da Escola de Samba e da predileção do artista popular homenageado. Um olhar mais detalhado nas imagens da alegoria percebe-se que o duplo ali estava presente. Retomando a influência das religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras nos desfiles das Escolas de Samba, o público presente na Passarela do Samba, saudou no final do desfile a Beija-Flor de Nilópolis, o artista popular e o Cristo/Oxalá ovacionando-os com gritos de “é campeã!!!”.

Passados mais de duas décadas do episódio inicial, o Cristo oculto, ao aplauso na apresentação do Cristo presente, interdições e várias formas veladas de censura a liberdade de expressão artística aconteceram a diversas Escolas de Samba, antes de virarem o cotovelo e pisarem no asfalto sagrado do samba, da Avenida Marquês de Sapucaí, para iniciarem seus desfiles. Pretendo neste artigo descrever as táticas das Escolas de Samba para enfrentar as interdições da Igreja Católica e dos demais poderes instituídos, no que se refere a apresentação de imagens religiosas nos desfiles carnavalescos. Utilizarei a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis como foco da análise, pela sua ligação explícita com as religiões de matriz africana e afro-brasileira, sendo também, nesta Escola, onde as interdições e proibições foram mais constantes e as táticas para a apresentação das suas criações conseguiram subverter a ordem que se queria estabelecer.

OS GREMIOS RECREATIVOS ESCOLAS DE SAMBA Quando é que a gente podia imaginar que aquelas brincadeiras iam dar nisso? Uma coisa de esquina encher avenida? Hoje isso não é mais escola. É universidade, é academia, é faculdade, sei lá! E amanhã é a formatura do pessoal que estudou o ano inteiro. Colação de grau, desfile em passarela, festa maior do mundo. Que coisa!...3

Das primeiras manifestações espontâneas até as grandes Escolas de Samba foi grande o percurso traçado. Passando pelos Blocos, Ranchos, Cordões, Grandes 3

Depoimento de Ismael Silva ao MIS -Museu da Imagem e do Som- , bamba do Estácio, que inicialmente cunhou o termo 'Escola de Samba' in: ESPILOTRO, Sandra (Org.). História do Samba. Rio de Janeiro, Globo, 1997, pág 84.

Sociedades, Clubes Carnavalescos. Juntando a influência dos afrodescendentes, com os portugueses e seus descendentes e também com os brasileiros mestiços, chegou-se a grande festa de cultura popular de massa que mostra a face criativa, alegre e de superação do Brasil, o Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. No início do século XX, a barreira social dividia a festa. De um lado os mais abastados, a elite do país, brancos da classe média alta, aristocratas, ricos fazendeiros, grandes banqueiros, prósperos comerciantes, fazia o que se denominava "O Grande Carnaval". Uma passeata que o povo só tinha espaço como espectador. Os Clubes Carnavalescos e as Grandes Sociedades eram as organizações que desempenhavam o desfile. Tinham como características, que depois foram incorporadas as Escolas de Samba, a beleza dos carros alegóricos, os carros de ideias e os de crítica, o luxo das fantasias, os fogos de artifício. Do outro lado havia o "Pequeno Carnaval", termo cunhado na época, com participação popular. Era realizado pelos Cordões, Ranchos e Blocos. Essas agremiações legaram o lado afrodescendente ao surgimento das Escolas de Samba. Os Cordões se originaram na Festa de Nossa Senhora do Rosário, realizada nos tempos coloniais e com grande participação dos negros escravizados. Foi lá que surgiram os Cordões dos Velhos e o dos Cucumbis, considerados os mais importantes na formação das Escolas de Samba, pela contribuição integral da cultura afrodescendente. Donga e João da Bahiana, sambistas tradicionais participaram de muitos carnavais nos Velhos e Cucumbis. O Rancho era uma espécie de Cordão mais organizado. Era possível a presença feminina. Na disposição do desfile havia um coro para entoar a marcha e coreografias. O porta-estandarte era obrigatório. Haviam mestres de harmonia, um para o canto, um para a orquestra e outro para a coreografia. Esses elementos foram incorporados as Escolas de Samba. Da união dos Blocos surgiram várias Escolas de Samba do Rio de Janeiro. A Deixa Falar, considerada a primeira agremiação a utilizar o título de Escola, originou-se do Bloco Vai Como Pode. O mesmo Vai Como Pode em junção com o Quem Fala de Nós Come Mosca e ao Baianinhas de Osvaldo Cruz, transformou-se na Portela. Para se diferenciar dos blocos, que na ocasião eram perseguidos pela polícia e não obtinham autorização para fazerem seus desfiles, Ismael Silva, líder dos sambistas do Estácio, criou o termo Escola de Samba. Foi uma estratégia para melhorar as

relações com a polícia. A partir daí, obteve autorização para as rodas de samba no bairro e o desfile das nova agremiação, agora intituladas de Escola de Samba Deixa Falar. Posteriormente, a Escola de Samba incorporou na sua estrutura de apresentação tanto o "Grande Carnaval" das elites quanto o "Pequeno Carnaval" das classes menos favorecidas. Dentro da procissão carnavalesca se estabeleceu o samba como elemento principal unindo a dança, a música de percussão - o batuque- e o canto. Criando a estrutura essencial para o seu desenvolvimento. "O batuque-dança-canto, essa tríade poderosa, irradia e contagia a todos, entre dançarinos e espectadores que brincam, todos em atitude indistinta, como se fossem parte de um todo."·4 Com o declínio das Grandes Sociedades, as Escolas de Samba incorporam do "Grande Carnaval" os luxuosos carros alegóricos ocupados por fantasias grandiosas e lindas mulheres. Em 1959, inicialmente no Salgueiro, forja-se a união entre o morro, reduto de afrodescendentes, e o asfalto, através de artistas visuais da Escola Nacional de Belas Artes. A inovação coube ao casal Marie Louise e Dirceu Nery. No ano seguinte juntam-se ao casal Fernando Pamplona, o figurinista Arlindo Rodrigues e o aderecista Nilton de Sá, completando o quinteto do Salgueiro. Posteriormente esse grupo foi complementado por Maria Augusta Rodrigues, Rosa Magalhães e Joãozinho Trinta, ícones contemporâneos dos desfiles das Escolas de Samba.

EM CENA: A DEUSA DA PASSARELA - A ESCOLA DE SAMBA BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS “É ela, a deusa da passarela, razão do meu cantar feliz .Beija-Flor minha escola, minha vida, meu amor.”5

Criada em 25 de dezembro de 1948 como Associação Carnavalesca Beija-Flor, surgiu para ocupar o espaço deixado com a extinção dos blocos Irineu Perna de Pau e dos Teixeiras. Participou pela primeira vez do desfile oficial das Escolas de Samba em 1954 com o enredo "O Caçador de Esmeraldas" obtendo o primeiro lugar do grupo II, o que lhe deu o direito de ano seguinte desfilar entre as grandes escolas. Nesse período já se 4

denominava

Grêmio

Recreativo

Escola

de

Samba

Beija-Flor.

LIGIÉRO, Zeca. Performances Processionais Afro-brasileiras. Texto inédito utilizado no Curso Inventando o Brasil da Universidade do Rio de Janeiro - Uni-Rio, 2001. 5 Trecho da música “A Deusa da Passarela” de Neguinho da Beija-Flor,intérprete principal da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis nos desfiles de carnaval no Sambódromo. Esta música é cantada antes do início da apresentação da Escola de Nilópolis, servindo para estabelecer um elo de união e pertencimento entre os desfilantes e a Escola de Samba.

Nos seus 65 anos de existência, a Beija-Flor marcou a história dos desfiles carnavalescos do Rio de Janeiro. Inicialmente criticada por fazer apologia ao Regime Militar, após a vinda de Joãosinho Trinta começaram as críticas de intelectuais e acadêmicos em virtude da exuberância e luxo de suas alegorias, como também a explicitação da representação do negro e das religiões de matriz africana e afrobrasileira em seus desfiles.

Sua [da Beija-Flor] representação intimamente colada à pesquisa das culturas e das linguagens africanas tem sido, por sua vez, criticada pelo uso de palavras estrangeiras que tornam difícil a compreensão do samba pela comunidade nilopolitana. Pergunto: não seria este um protesto de quem se esquece de que o próprio termo ―samba‖ possui origens africanas? Se uma comunidade como a de Nilópolis não entende o que canta, o uso de termos africanos pode aproximá-la de seu próprio modo de compreensão não ―racional‖. Cantar em ioruba ou qualquer outra língua africana é um modo de dizer que, embora a África esteja distante do horizonte de vida dos foliões da Beija-Flor, o que ressurge a cada ano, num canto como o do refrão ―Leba laro ô ô ô ô / Ebó lebará‖ - uma evocação ao orixá das ruas -, é a questão: o que pode ser considerado estrangeiro num enredo nacional? Baseada na experiência deste desfile, a conclusão é fácil: a África é aqui.6

Nos anos de 1976, 1977, 1978 quebrou a hegemonia de vitórias das grandes escolas ganhando um tricampeonato. Iniciando daí a sua primeira grande virada nos desfiles. Com o carnavalesco Joãosinho Trinta realizou uma verdadeira revolução nos padrões estéticos do desfile. Como afirma Araújo:

Com as arquibancadas cada vez mais altas, as escolas eram vistas muito do alto, o que obrigou o espetáculo a crescer para cima. Esse crescimento vertical é o que chamamos de estilo barroco clássico, que foi lançado em 1976 pela Beija-Flor com o trabalho desenvolvido por Joãozinho Trinta7 .

Num processo de adaptação ao novo estilo as outras agremiações passaram a investir em grandes e luxuosos carros alegóricos destacando o caráter visual do desfile. 6

Lima, Fátima Costa de. Alegoria Benjaminiana e Alegorias Proibidas no Sambódromo Carioca: O Cristo Mendigo e a Carnavalíssima Trindade. Tese de Doutorado, UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, 2011, pág. 252 7 ARAÚJO, Hiram. Revista Beija-Flor, Uma Escola de Vida. Rio de Janeiro, Beija-Flor, 2002.

Em 1989, novamente a Beija-Flor quebra o paradigma de luxo e exuberância, põe na avenida o enredo "Ratos e Urubus Larguem a Minha Fantasia". A ascensão do luxo de treze anos atrás foi substituído pela teatralidade. Grupo de teatro popular como o Tá na Rua e estudantes da Escola de Teatro da Universidade do Rio de Janeiro UniRio- foram escalados como mendigos em performances permanentes durante todo o desfile. A diretoria vestida com uniforme de trabalhadores da limpeza pública e num carro alegórico um Cristo, em meio a mendigos, coberto com plástico preto, com uma faixa onde se lia "Mesmo Proibido Olhai por Nós", fazia cair por terra os anos de luxo e apontava para outro aspecto inovador trazido para os desfiles das Escolas de Samba pela Beija-Flor de Nilópolis, a incorporação de elementos teatrais. A terceira grande inovação ocorre em 1998: a criação da Comissão de Carnaval. Com a quebra da hegemonia de vitórias das quatro grandes Escolas de Samba, Mangueira, Portela, Salgueiro e Império Serrano, em 1976, a escola de Nilópolis forjou a figura do carnavalesco como o grande criador do desfile das Escolas de Samba. A Beija-Flor tinha em seu barracão João Jorge Trinta, que até hoje é considerado um ícone dos desfiles carnavalescos. A criação da comissão de carnaval impõe um novo pensar nas relações de autoria na criação do desfile. Segundo Cabral:

coube a Beija-Flor a mais importante novidade dos últimos anos, que foi entregar a uma equipe e não a apenas uma pessoa, a responsabilidade de elaboração do enredo. A impressão que eu tenho é que, com tal decisão, ocorreu uma redução de vedetismo em favor do aumento de eficiência.8

Uma equipe dá a sua tradução estética ao espetáculo, o coletivo passa a ser considerado o criador do enredo. A escola passa a ser vista como um todo a revalorização da comunidade passa a ser a tônica. A Ala das Baianas ganha mais notoriedade. A bateria volta a ter em seus quadros a maioria de componentes de Nilópolis e cidades vizinhas. As alas de comunidade e alas de afrodescendentes passam a representar a maioria da escola. Os ensaios de rua voltam com bastante força e acontecem a cada semana em um bairro da cidade, a quadra de ensaios retoma seu lugar de ponto de encontro da comunidade, abrigando em seu interior variados eventos, religando a escola a gente de sua cidade.

8

CABRAL, Sérgio. Revista Beija-Flor, Uma Escola de Vida. Rio de Janeiro, Beija-Flor, 2002.

OS LAÇOS ENTRE O SAGRADO E O PROFANO NAS ESCOLAS DE SAMBA

Desde o sequestro de africanos para terras sul-americanas, em fins do século XVI e início do século XVII, suas manifestações são reprimidas pelo colonizador. Os negros em sua criatividade forjaram meios para a manutenção de sua cultura e religiosidade conseguindo legar ao Brasil e ao mundo toda a riqueza de seus hábitos. Dessa mistura sincrética, intersecionando hábitos trazidos da África com os costumes adquiridos na nova terra surgiram às manifestações que dão ao mundo a face do Brasil. O samba desde a sua origem percorre caminhos tortuosos para manter-se vivo. No início do século XX era proibido pelas autoridades policiais de ser tocado na sala da casa das tias Baianas da Praça XI. Os sambistas se reuniam no quintal, no fundo da residência, enquanto na sala, como estratégia para afugentar a determinação policial, tocava-se chorinho, ritmo originado do samba, mas que era permitido. Os sambistas do início do século passado utilizaram estratégias parecidas com a dos africanos sequestrados de sua terra em séculos anteriores. Aceitando nomes cristãos para deuses africanos mantiveram sua tradição. Contemporaneamente, o Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro é considerado uma das manifestações de cultura popular de massas de maior importância para a visibilidade do Brasil. A união dos diferentes elementos formadores do povo brasileiro é ressaltada, sendo a predominância do elemento afrodescendente salientada. Para Machado:

o desfile é uma procissão afro-brasileira em andamento, mais profana para uns, mais sagrada para outros. As Baianas, duzentas, trezentas, noventa por cento, são rezaderias, mães de santo, caxambuzeiras, jongueiras, uma respeitável tradição afro-brasileira. O mestre sala dança, canta, corteja e protege a porta bandeira com a dança de Ogum....e com qualquer enredo essas peças não faltam é aí que se estreitam os laços entre a religiosidade e a festa popular.9

A união entre o sagrado e o profano se dá nas atividades cotidianas da criação carnavalesca, sendo por vezes explícita, por vezes oculta, relata Júlio Machado, que durante o carnaval se transforma em Xangô do Salgueiro:

9

MACHADO, Julio. Depoimento ao autor (04/04/2003).

Dentro do próprio Barracão acontece de peças não serem desmontadas, que as Escolas tem uma crença sobre elas. Em todas as superstições, chamegos, crenças há uma postura religiosa. Só essa atitude que reverencia o sobrenatural mostra uma estreita relação entre o folião e a sua escola com a religiosidade. O próprio Barracão, onde nasce o espetáculo, é uma evidência de como se une o profano com o sagrado. Das encomendas que são feitas para a Escola fazer um desfile melhor, aos banhos é uma relação intima entre o profano e o sagrado... só que essas coisas não devem ser explicitadas. Eu guardo os meus princípios eu guardo os meus preceitos. 10

DO CRISTO MENDIGO AO CRISTO COM ROBERTO CARLOS PROIBIÇÕES

E

TÁTICAS

PARA

APRESENTAÇÃO

DE

-

IMAGENS

RELIGIOSAS NO DESFILE CARNAVALESCO A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz. 11

Apesar de toda importância e respeito adquiridos pelas Escolas de Samba, contemporaneamente ainda se faz necessária à solicitação de permissões para a apresentação de imagens religiosas nos seus desfiles. Em se tratando de um espetáculo artístico popular, em dias de alteração do cotidiano, ideia básica dos dias carnavalescos, a censura, a intolerância e a necessidade de permissões atentam claramente contra a liberdade de expressão. As Escolas de Samba travam uma peleja incessante e desigual com a Igreja Católica e outros poderes instituídos na sociedade, para exercer a liberdade de expressar em seus desfiles, criações em que utilizem imagens religiosas. O momento de maior tensionamento entre as Escolas de Samba e a Igreja Católica ocorreu no desfile do ano de 1989. Nesse ano, a Escola de Samba Beija-Flor de

10

MACHADO, Julio. Depoimento ao autor (04/04/2003). Declaração de Princípios sobre a Tolerância Artigo http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131524porb.pdf, pág 11. 11



-

1.1,

in:

Nilópolis apresentou o enredo "Ratos e Urubus Larguem Minha Fantasia", de criação do carnavalesco Joãozinho Trinta. O centro da celeuma criada pela Igreja Católica foi o carro abre-alas da Escola de Samba. A alegoria carnavalesca em questão, em conformidade com a concepção do enredo, pretendia apresentar a imagem de um Cristo Redentor maltrapilho, em farrapos, como um mendigo, tal qual os atores e desfilantes da Escola de Samba que estariam a sua volta. O carro alegórico foi interditado e proibido de ser apresentada através de uma liminar ao Poder Judiciário, impetrado pela Cúria Metropolitana. Quando a Igreja interveio no processo de criação da alegoria, ela fez reviver o terror da Inquisição barroca no contexto carnavalesco atual. Ela pode, então, ser considerada - além de uma espécie de co-artista na criação do Cristo Mendigo -, co-autora de uma obra que ela não desejava. 12

Subvertendo a ordem de proibição do instituído - a Cúria Metropolitana e o Poder Judiciário – e em cumprimento ao regulamento, a equipe de criação da Beija-Flor optou por uma tática que remete o desfile das Escolas de Samba aos seus primórdios como construção de linguagem artística. Trazendo o oculto a cena, influência das tradições das religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras, a equipe de criação da Beija-Flor, liderada pela Trindade Profana: Joãosinho Trinta, Laíla e Anísio, opta por cobrir as chagas mendicantes do símbolo da cidade com sacos pretos, cuja finalidade é acondicionar os dejetos criados pela cidade para serem carregados pela empresa de limpeza pública, e transversalmente, entre os braços desse oculto Cristo mendigo, penduraram uma faixa com a frase “Mesmo Proibido, Olhai por Nós”.

12

GOMES, Fábio. O Brasil é um luxo: trinta carnavais de Joãosinho Trinta. CBPC / Axis, 2008, 256 p., p. 244., apud Lima, Fátima Costa de. Alegoria Benjaminiana e Alegorias Proibidas no Sambódromo Carioca: O Cristo Mendigo e a Carnavalíssima Trindade. Tese de Doutorado, UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, 2011, pág. 350

Imagem 1 – Cristo Mendigo, 198913 Naquele momento a figura oculta, tornara-se, ao canto do refrão14 do sambaenredo, Exú: movimentando os pilares dos desfiles de Escola de Samba realizados até então. A alegoria coberta, cercada de desfilantes mendigos, mostrou uma visualidade diferente do que os acostumados olhos espectadores esperavam. O impacto visual da escolha de cobrir o Cristo Mendigo foi considerado maior do que possivelmente seria a sua apresentação em descoberto. Segundo Lima:

O Cristo Mendigo [oculto] é obra coletiva. A questão da autoria do Cristo Mendigo solicita um pensamento dialético. O Cristo de Joãosinho Trinta mal consegue ser de Joãosinho Trinta: se, por um lado, o Cristo Mendigo foi fruto de uma mãe amorosa, o carnavalesco; por outro, Dom Eugênio Salles, arcebispo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, pode ser assumido como seu pai que, numa crise de depressão pré-parto, tentou eliminar o feto ainda na barriga da mãe. Contudo, se o pai o rejeitou antes do nascimento, teve muitos motivos para rejeitá-lo ainda mais, depois. A mãe, ao contrário, assim como todo o público do sambódromo, abraçou os braços abertos da alegoria. Se o pré-natal foi tranqüilo, o parto foi de risco. O paradoxal natimorto ressuscitado que saiu do

13

Disponível em www.sambariocarnaval.com/rixxa16.htm. O refrão do samba enredo da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis no desfile de 1989 era parte de um ponto para o Orixá Exú―”Leba-larô ôôôô / Ebo-lebará laiá laia ô” 14

barracão da Beija-Flor não foi o duplo do Cristo Redentor, o monumento inspirador da alegoria cuja cópia deveria desfilar, se não fosse proibida, coberta de trapos brancos: o Cristo Mendigo foi gestado branco, mas nasceu preto.15

Simbolicamente o oculto tornou-se presente e disseminou a imaginação da plateia estupefata com a performance beijaflorina. Com um misto de surpresa, descoberta e êxtase, o Cristo proibido extrapolou seu momento de efemeridade na Passarela do Samba e estabeleceu interfaces com variadas linguagens artísticas, artigos e teses em universidades nacionais, com significados plurais, tornando-se um dos símbolos do Desfile das Escolas de Samba. No início do século XXI, no desfile do ano de 2002, no enredo, "O Brasil dá o Ar de sua Graça. De Ícaro a Ruben Berta: O Ímpeto de Voar" a relação entre a Igreja Católica e a Beija-Flor foi pautada por situações contraditórias. Existiam, pela sinopse do enredo, dois carros alegóricos com imagens religiosas. O primeiro teria uma escultura representando São Jorge, que pelo sincretismo religioso, na umbanda, é Ogum. O outro denominado Carro da Paz, que fecharia o desfile, traria uma enorme escultura de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira do Brasil. Buscando o diálogo com a Igreja Católica, principalmente em decorrência dos fatos ocorridos com o Cristo Mendigo e com alegorias interditadas de outras Escolas de Samba, numa tática de não enfrentamento, a Beija-Flor de Nilópolis convidou membros da Cúria carioca para visitar o Barracão da Escola e avalizar a apresentação das imagens religiosas no desfile. A proibição da alegoria do Cristo Mendigo foi a primeira de outras que provocaram uma série de censuras impetradas por representantes da Igreja Católica, das quais a escola de samba de Nilópolis e o carnavalesco Joãozinho Trinta parecem ter sido alvos preferenciais. A Beija-Flor, por conta desses problemas, toma hoje como procedimento regular consultar os representantes da Cúria carioca a cada vez que uma de suas criações artísticas envolve a inclusão de símbolos católicos em seus desfiles, um procedimento que encontra seu fundamento e justificativa no evento Cristo Mendigo.16

15

Lima, Fátima Costa de. Alegoria Benjaminiana e Alegorias Proibidas no Sambódromo Carioca: O Cristo Mendigo e a Carnavalíssima Trindade. Tese de Doutorado, UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, 2011, pág. 349 16 Ibidem, pág. 265

Houve, em relação ao carro alegórico com a imagem do Santo Guerreiro, um entendimento entre a Igreja e Escola de Samba. Segundo Cid Carvalho, na época um dos integrantes da comissão de carnaval da Beija-Flor, "a própria Igreja sugeriu que colocássemos o dragão mais abaixo do cavalo, meio escondido, assim ficava descaracterizado como imagem de São Jorge"

17

. As mudanças sugeridas foram

realizadas antes da finalização do acabamento da alegoria, criando a possibilidade de modificação sem a alteração do sentido definido pelo enredo. Para a plateia de credo católico era a representação de São Jorge, para a Cúria carioca era uma alegoria carnavalesca, para os umbandistas era Ogum.

Imagem 2- São Jorge / Ogum18 No Carro da Paz, a beligerância da Cúria Metropolitana carioca foi presente e a intolerância solidificada. A Igreja Católica manteve-se inflexível, interditando mais uma vez a liberdade de criação artística no carnaval, proibindo a apresentação da imagem de 17

CARVALHO, Cid. Depoimento ao autor (02/05/2003) Acervo do autor. Depois da desmontagem do carro alegórica e escultura de São Jorge/Ogum foi colocada em lugar de destaque na quadra de ensaios da Beija-Flor em Nilópolis. 18

Nossa Senhora da Aparecida, a padroeira do Brasil. Com a interdição, a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis foi obrigada a modificar o projeto inicial da alegoria. De acordo com Laíla, diretor geral de carnaval e coordenador da Comissão de Carnaval da Beija-Flor, o significado da alegoria no enredo era "fazer um pedido de paz no final do desfile com a imagem de Nossa Senhora, só que a Igreja proibiu”19. Em virtude da necessidade de alterar o carro alegórico, mais uma vez a criatividade da equipe de criação do desfile carnavalesco fez-se presente. É ainda Laíla que explica de forma sarcástica, a tática para subverter a interdição feita pela Igreja Católica: “Foi um pandemônio terrível, aí resolvemos colocar figura viva. Figura viva não é imagem"20. Nossa Senhora da Aparecida foi representada por mulheres negras da comunidade de Nilópolis. As mulheres ficavam numa posição estática, contrastando com os movimentos efusivos característico de um desfile de Escola de Samba, e em momentos predeterminados trocavam de posição, dando significações diferenciadas as suas formas. A proibição da imagem da santa católica pela Igreja levou o protagonismo da sagração da paz para as mulheres negras da periferia do Rio de Janeiro, mulheres que lutam cotidianamente para modificar as condições precárias existentes das relações em nossa sociedade. No ano de 2003, a interdição de imagens religiosas nos desfiles carnavalescos entra na esfera do poder público municipal. A partir de imagens de um ensaio da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis mostrando a performance de um ator representando Cristo, armado com um revólver, assaltando e exterminando uma criança moradora de rua, veiculados por uma emissora de televisão, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro tomou para si a responsabilidade de zelar pela “moral e bons costumes”. Atentando contra a liberdade de expressão em arte, publicou um decreto proibindo a utilização de imagens religiosas no desfile das Escolas de Samba.

Em 2011, novamente a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, volta com a imagem de um Cristo numa alegoria apresentada nas mágicas luzes do Sambódromo. Dessa vez não houve interdições. A alegoria que finalizou o desfile, do enredo “Roberto Carlos, a Simplicidade de um Rei”, apresentava o cantor popular Roberto Carlos, cercado de crianças com vestes assemelhadas de Nossa Senhora da Aparecida, 19 20

LAÍLA. Depoimento ao autor (02/05/2003) Ibidem

entre os braços estendidos de um Cristo com as cores azul e branco, cores da Escola de Samba e da predileção do artista popular homenageado. Um olhar mais detalhado nas imagens da alegoria percebe-se que o duplo ali estava presente. Retomando a influência das religiões de matrizes africanas e afro-brasileiras nos desfiles das Escolas de Samba, o público presente na Passarela do Samba, saudou no final do desfile a Beija-Flor de Nilópolis, o artista popular e o Cristo/Oxalá ovacionando-os com gritos de “é campeã!!!”.

Imagem 3 – O Cristo com Roberto Carlos, 201121

CHEGANDO A APOTEOSE22

No festivo e imagético desfile das Escolas de Samba, linguagem artística criada e desenvolvida no Rio de Janeiro, há uma linha tênue entre o sagrado e profano. Entendo que num Estado Laico e democrático, como se aventa ser em nosso país, inibir a apresentação de imagens religiosas investe contra a liberdade de expressão artística, 21

Disponível em http://tribunadonorte.com.br/noticia/roberto-carlos-foi-a-grande-atracao-do-segundodia-de-desfiles-das-escolas-no-rio/174847 22 A Praça da Apoteose é o local em que termina a apresentação das Escolas de Samba, no Sambódromo do Rio de Janeiro.

contra a liberdade religiosa e caracteriza-se como apropriação do público pelo privado. As imagens apresentadas pertencem ao imaginário de religiões diversas e não apenas a Igreja Católica. A opressão do instituído contra o manifestar do diferente permanece. As interdições que ocorrem nos desfiles de Escola de Samba do Rio de Janeiro há muito deixaram a esfera religiosa e passaram para a esfera pública. Igualmente como ocorria no início do século passado, agentes dos poderes públicos municipal, estadual e federal, e do judiciário, com ajuda de policiais percorreram, não mais as casas das tias Baianas da Praça XI, mas os Barracões das Escolas de Samba para confiscarem imagens religiosas. Em concordância com Lima:

Entendo que qualquer interdição de expressão e manifestação artística constitui censura. Se a arte possui uma função política, essa é a de questionar e transgredir o instituído, o que muitas vezes causa indigestão sociológica num pensamento que se pretende politicamente correto. 23

As imagens pertencem ao imaginário popular e sua função no desfile é a sagração da união das diferenças, característica primeira do samba e tradução do espírito do carioca.

23

Lima, Fátima Costa de. Alegoria Benjaminiana e Alegorias Proibidas no Sambódromo Carioca: O Cristo Mendigo e a Carnavalíssima Trindade. Tese de Doutorado, UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, 2011, Pág 288

REFERÊNCIAS: Bibliografia: ARAÚJO, Hiram. Revista Beija-Flor, Uma Escola de Vida. Rio de Janeiro, BeijaFlor, 2002. CABRAL, Sérgio. Revista Beija-Flor, Uma Escola de Vida. Rio de Janeiro, BeijaFlor, 2002. ESPILOTRO, Sandra (Org.). História do Samba. Rio de Janeiro, Globo, 1997. FARIAS, Edson. O Desfile e a Cidade – o carnaval espetáculo carioca. Rio de Janeiro, E-Papers, 2006. LIGIÉRO, Zeca. Performances Processionais Afro-brasileiras. Texto inédito, utilizado no Curso Inventando o Brasil da Universidade do Rio de Janeiro - Uni-Rio, 2001. LIMA, Fátima Costa de. Alegoria Benjaminiana e Alegorias Proibidas no Sambódromo Carioca: O Cristo Mendigo e a Carnavalíssima Trindade. Tese de Doutorado, UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, 2011. MUNIZ JÚNIOR, José. Do Batuque à Escola de Samba. São Paulo, Símbolo, 1976. RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: estética e política. Tradução: Monica Costa Netto. São Paulo, Ed. 34, 2005. SANTOS, Nilton. A arte do efêmero – carnavalescos e mediação cultural no Rio de Janeiro. Apicuri, Rio de Janeiro, 2009. SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. Mauad, Rio de Janeiro, 1998. Páginas eletrônicas: UNESCO, Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura. Declaração

de

Princípios

sobre

Tolerância.

Disponível

em

http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001315/131524porb.pdf

Depoimentos: CARVALHO, Cid. Depoimento ao autor. (02/05/2003) LAÍLA. Depoimento ao autor (02/05/2003) MACHADO, Julio. Depoimento ao autor (04/04/2003) Imagens: Imagem 1 – Cristo Mendigo, 1989 - Disponível em ww.sambariocarnaval.com/rixxa16.htm. Imagem 2 – São Jorge / Ogum – Acervo do autor.

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3



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Disponível

http://tribunadonorte.com.br/noticia/roberto-carlos-foi-a-grande-atracao-do-segundo-dia-dedesfiles-das-escolas-no-rio/174847

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