Imigração cearense em Santarém: algumas considerações sobre dialética dos usos e formas do rótulo \" arigó \"

May 26, 2017 | Autor: Ramirez Mendes | Categoria: Etnicidade, Migração
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Imigração cearense em Santarém: algumas considerações sobre dialética dos usos e formas do rótulo “arigó”

José Ramirez de Paulo Mendes1

RESUMO Pretende aqui analisar a imigração cearense na região de Santarém pela dialética das atribuições categoriais. Essa discussão será engendrada pelo jogo de denominações e de significados acerca da palavra “arigó” entre aqueles imigrantes e os membros da sociedade receptora. Tem como objetivo analisar e compreender tais questões acima, num contexto de imigração, sob a ótica de alguns aportes metodológicos dos estudos de etnicidade. Utiliza-se como método a pesquisa de campo com apoio de dados de entrevistas e conversas informais, bem como pesquisas na internet.

Palavras-chave: Cearenses, Imigração, Etnicidade.

INTRODUÇÃO Os diferentes sentidos e o uso frequente por parte dos Santarenos do termo “arigó2” para se referir aos imigrantes cearenses e as formas com que esses últimos reformulam tal predicado são pertinentes para entender a dialética de atribuição categorial à luz das proposições teóricas de Poutgnat; Streiff-Fenart, (1998) dentro do campo de estudo da etnicidade. Tem como objetivo analisar como os imigrantes lidam com o rótulo “arigó”, bem como compreender os mecanismos de ressignificação dos atributos do grupo social.

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Discente do curso de Antropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) Palavra usada pela maioria dos Santarenos para designar pessoas que emigraram do Ceará. Geralmente, ela é direcionada àqueles que trabalham no ramo de comércios, ponto de vendas, feiras, etc. O uso da palavra não se restringe apenas a população santarena, pode-se encontrar casos nas cidades vizinhas que compõe a região metropolitana de Santarém. 2

A metodologia adotada foram algumas ferramentas analíticas dos estudos do campo da etnicidade, pois permite situar uma relação social: “numa forma de organização social, baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas em função de sua origem suposta que se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores.” (POUTGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p.141)

Utilizou-se como método a pesquisa de campo, valendo-se de algumas entrevistas e conversas informais com interlocutores que trabalham em comércios. Estes dados são considerados de natureza endógena. Por outro lado, para compreender a natureza exógena dos significados dada a “arigó”, obtive alguns dados que sugerem alguns aspectos externalizados. A polissemia da palavra “arigó” e os meandros do contexto de imigração cearense podem revelar o desencadeamento de vários aspectos heterogéneos de um processo de construção de uma identidade étnica. Pois, conforme assegura Seyferth (2011, p. 56) “a etnicidade é um fenômeno empiricamente muito variado.” Para Sayad “está no estatuto do imigrante (estatuto ao mesmo tempo social, jurídico, político e, também, científico) e, por conseguinte, na própria natureza da imigração, só poderem ser nomeados, só poderem ser captados e tratados através dos diferentes problemas a que se encontram associados – problemas que se devem entender aqui no sentido de dificuldades, distúrbios, danos, etc.,” (SAYAD, 1998, p.15). “A atribuição de uma categoria” segundo Barth (2000, p. 32), “é uma atribuição étnica quando classifica uma pessoa em termos de sua identidade básica, mais geral, determinada presumivelmente por sua origem e circunstâncias de conformação. Nesse sentido organizacional, quando o atores, tendo como finalidade a interação, usam identidades étnicas para se categorizar e categorizar os outros, passam a formar grupos étnicos” Embora a incipiente pesquisa de campo ainda não tenha coletado dados suficientes em que poderia explicitar quais os “problemas” de que fala Sayad (1998) cujos imigrantes cearenses são os causadores, mas, com o auxílio de pesquisas na internet, verifiquei uma matéria de um blog intitulada de

“Arigó: santareno também discrimina”3 em que o comentário de um post evidencia algumas características exógenas da figura do imigrante cearense. O “oportuno comentário” (como se refere o dono do blog) foi para uma publicação4 intitulada de “Desagravo ao povo paraense” tratando do desrespeito do Prefeito de Manaus para com uma senhora que não queria abandonar sua casa que estava situada em lugar de risco de desmoronamento. Enfim, neste comentário, Antônio fala da situação em Santarém. Não pretendese aqui falar em termos de preconceitos, mas quais os sentidos exógenos de um atributo. Lê-se no post: Dói, né? Discirminação dói, não tem jeito. Agora, e a discriminação que os paraenses, particularmente os mocorongos (ou santarenos), fazem com os cearenses não conta, não? Com que conotação o termo arigó é usado em Santarém? Vejo que o povo de Santarém está chocado com o que foi protagonizado pelo prefeito de Manaus. Mas será que esse mesmo povo já parou para pensar que todo dia discrimina pessoas em decorrência de sua origem? Triste, né? Como diz o “arigó” Belchior em uma de suas músicas, “amar e mudar as coisas me interessam mais”. Portanto, nada de ódio com os amazonenses que discriminam os paraenses. Na verdade, devemos respeitá-los e amá-los tal como aos “arigós”. Afinal, ninguém é melhor do que ninguém. (“Arigo: santareno também discrimina, em: http://www.jesocarneiro.com.br/comentarios/arigosantareno-tambem-discrimina.html )

Dessa forma, segundo Poutignat et ali (1998, p. 142) “A definição exógena recobre todos os processos de etiquetagem e de rotulação pelos quais um grupo se vê atribuir, do exterior, uma identidade étnica. Logo, veremos a diante, como alguns casos empíricos, de natureza endógena, elucidam essa acepção acima.

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http://www.jesocarneiro.com.br/comentarios/arigo-santareno-tambem-discrimina.html http://www.jesocarneiro.com.br/artigos/desagravo-ao-povo-paraense.html

As ressignificações endógenas Seu Antônio, um comerciante da Feira da Candilha5, que vende artigos variados como: lampião, chapéus de couro (típico nordestino), peixeira, chicotes, alimentos, calçados, etc., e segundo minhas primeiras impressões, é um senhor simpático, sorridente e conversador. Está sempre atento aos clientes, informando preços a quem passa e dar uma olhadinha nos produtos que ficam fora do estabelecimento. Assim que entrei na loja um tanto apertada, vasculhei o lugar com um “olhar disciplinado” e “devidamente sensibilizado pela teoria” (OLIVEIRA, 1999, p.19) - cheia daquelas coisas citadas acima para vender, coisas no teto, na parede e no chão -, enquando seu Antônio se deleitava numa conversa com um cliente (que me parecia uma boa e velha freguesia); davam risadas, falavam de comidas “típicas” improvisadas do nordeste como o mingau de mandioca puba, por exemplo, que “quando não tinha açucar, adoçava com rapadura mesmo”6. O ambiente o qual eu estava - cercado de artigos que podem ser caracterizados como “índices” (POUTGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p.150) que informam uma pertença a um grupo nordestino (cearenses) demonstrando fortes laços com a terra de origem. No entanto, é importante salientar que essas características acima citadas devem ser analisadas como “uma consequencia ou resultado ao invés de tomá-la como um aspecto primário ou definidor da organização dos grupos étnicos” (BARTH, 2000, p. 29). Pois, ainda segundo Barth (2000), estudar as relações dos grupos étnicos a partir da morfologia dos mesmos, enquanto portadores de cultura, não é suficiente para entender empiricamente como estes grupos se organizam e interagem, socialmente falando. Fiquei um bom tempo (cerca de aproximadamente 10 (dez) minutos, tímido) esperando a boa conversa acabar para que eu pudesse iniciar uma conversa informal com seu Antônio. Enquanto esperava, observava como uma “observação de pássaros” (MANN, 1970, p. 91) valendo-se de uma “participação mínima e controle mínimo como “observação pura” (idem, p. 91), 5 6

Fica localizada na avenida Rui barbosa com a rua Silvino Pinto. Notas de campo.

espiando o momento e registrando os aspectos mais relevantes para a pesquisa, pois antes de falar para seu Antônio o que eu estava fazendo alí, acredito que ele me via meramente como um consumidor. Assim que a conversa terminou, me aproximei, apertamos as mãos e comecei a falar de minha pesquisa e quem eu sou enquanto acadêmico. Seu Antônio esperava eu retirar algum papel da minha mochila contendo perguntas sobre a pesquisa, uma entrevista ou um questionário, algo do tipo, (pois quando fui embora ele me disse “quando você vir de novo, traga o texto”), mas preferi, de ínicio, uma conversa informal. Depois de ter feito algumas perguntas genéricas como “por que razão migrou?”, “Há quanto tempo mora aqui?”, seu Antônio me falou, apontando para um de seus filhos: “aquele alí é outro arigó velho”. Rapidamente, aproveitando o ensejo, toquei no assunto perguntando se eles mesmo se denominavam dessa forma, a resposta foi negativa e complementada pela frase: “o paraense que chamam a gente assim”. Dessa maneira, como salientam Poutignat et ali (1998, p. 142), uma atribuição étnica nunca se constrói de forma puramente endógena [ou exógena], mas ela é sempre produzida a partir de atos de outros grupos. Além disso, seu Antônio não se incomodava quando alguém o chamava de arigó. Relacionei esse não-incomodo com a sua interessante ressignificação da palavra, já que seu Antônio não descreveu para mim nenhum aspecto pejorativo. Para ele, o significado de “arigó” (ou o cearense “nascido”7 em Santarém) vem do mesmo sentido comparado à um pássaro (com o mesmo nome) que não tem destino premeditado, e qualquer que seja o seu paradeiro, ele cria seu meio de sobrevivência porque é dotado de uma qualidade de quem é capaz de resolver certo assunto, fazer determinada coisa. E onde não há possibilidade de sobrevivência, ele migra para um outro lugar mais propício para tal.

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O imigrante só passa a existir enquanto tal na sociedade que assim o denomina, assim o imigrante “nasce” para a sociedade a qual o recebe. (SAYAD, 1998, p. 16)

A situação de imigração da familía de Dona Maria do Socorro ilustra o sentido do “arigó” dado por seu Antônio acima discutido no que concerne ao percurso migratório e suas causas: [...] E a gente não deu mais certo onde a gente tava né (Brasília)...motivo de emprego né...e aqui a gente resolveu vir pra cá (Santarém)...pra caçar uma melhora porque quando a pessoa diz que quando não dar num lugar a gente procura caçar melhora noutro 8

lugar. (Dona Maria do Socorro, 45 anos)

A familía de Dona Maria é oriunda da cidade de Frecheirinha que fica localizada na região na mesorregião do noroeste Cearense Ceará9. Sua filha Regina administra um mercantil “Pague Menos” (onde realizei as entrevistas) que fica localizado na rua Boa vista, uma rua um tanto descuidada, com bastante buracos e regos abertos pela chuva que cortam as ruas não asfaltadas, situado no bairro Aeroporto Velho. Dona Regina me acolheu muito bem, embora eu tenha percebido o seu receio em me dar informações para o meu trabalho. A preocupação dela era se as respostas da entrevista iam servir ou não para minha pesquisa. Ela retrucou em algum momento no sentido de que as suas informações talvez não serviriam muito pra mim porque ela não morou muito tempo no Ceará; morou bastante tempo em Brasília e depois veio para Santarém. No entanto, ela viaja de “2 em 2 anos”, para ver familiares e amigos. É casada com primo e me informa “você sabe né que a gente se casa com primos”.10 Dona Regina me relatou outro sentido para “arigó”, e ainda ponderou o grau de tratamento de um não-membro quando o chamam pelo termo. Em suas palavras:

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Entrevista realizada no dia 26/04/2015 Fonte: Wikipedia (endereço: www.pt.m.wikipedia.org/wiki/Frecheirinha.com.br.) 10 Embora essa discussão de casamento entre primos não seja discutido a fundo aqui, mas o interessante aqui é que ele pode ser visto como “índice” (POUTGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p.150) daquele grupo, mesmo que tal casamento não seja uma estratégia de delineamento do grupo como a “endogamia de exclusão” (Idem, 1998, p.160) 9

“pessoal fala muito que cearense é arigó, não sei se eles querem dizer que cearense é burro...sei lá. Pessoal as vezes me chama só na palhaçada mesmo, mas não xingando ”

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(Regina Cunha Silva, 26 anos)

Quando entrevistei dona Maria, uma senhora de 45 anos de idade, com um sorriso fácil e alegre e tinha a mesma preocupação de sua filha com as informações que me daria quando a sua utilidade. Dona Maria, não sabendo muito que eu estava fazendo alí - antes de eu me explicar a ela sobre minha pesquisa - ela chegou a até me confundir, perguntando a sua filha Regina, se eu não seria alguém como um recenseador do IBGE. Dona Maria, de certa forma, se incomoda quando lhe chamam de “arigó”. Por essa razão, ela depreende que ”arigó” é uma espécie de cognome depreciativo: Eu penso assim que é um nome né...um palavrão. Porque chamar arigó...penso que seja um “apelide” assim que a pessoa bota na gente né. Eu penso que a pessoa tá botando “apelide” em mim... chamando nome assim... Eu não acho certo”

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Neste sentido, o termo “arigó” é importante para ilustrar a discussão de que quem tem poder de nomear quem. A esse assunto, Poutignat et ali (1998, p. 143) exemplificam que as teorias primordialistas não davam outra existência aos grupos senão as suas autodefinições... Como pôde ser observado, ainda segundo Poutignat et ali (1998, 142) os grupos étnicos não podem ser observados de maneira puramente endógena pela transmissão da essência e das qualidades étnicas por meio do membership, mas que a identidade étnica é sempre um produto criado na relação com outros grupos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreender os fatores que regem esse processo dialógico de atribuição categorial, é estar atento a sua heterogeneidade, dada a relação de oposição dialética entre as exodefinicoes e endodefinições que “raramente são congruentes mas necessariamente ligadas entre si: um grupo não pode ignorar o modo pelo qual os não-membros o categorizam e, na maioria dos casos, o

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Entrevista realizada no dia 26/04/2015 Entrevista realizada no dia 26/04/2015

modo como ele próprio se define só tem sentido em referencia com essa exodefinição” (POUTIGNAT- STREIFF-FENART, 1998, p. 143). Além disso, portanto, segundo Seyferth (2011, p. 47) “o fenômeno migratório também produz etnicidade”, no sentido de que os grupos não são isolados culturalmente, mas vivem em plena interação social, justamente pelo fato de que “etnicidade, identidade e cultura são coisas distintas, não havendo necessariamente uma relação de causa-efeito entre elas” (idem, p. 47).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Arigó:

santareno

também

discrimina,

em:



BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000.

MANN, Peter H. Métodos de investigação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1970

Frecheirinha



Wikipédia



OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo. São Paulo: editora UNESP. 1999

POUTIGNAT- STREIFF-FENART. Teorias da etnicidade. Seguido de Grupos étnicos e suas fronteiras de Frederik Barth. São Paulo: Fundação editora da UNESP, 1998.

SAYAD, Abdelmalek. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998.

SEYFERTH, Giralda. A dimensão cultural da imigração. RBSC vol. 26, nº 77, outubro/2011.

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