Imigrantes brasileiras em Portugal e o mercado de trabalho: a porta de entrada é pelos fundos

May 30, 2017 | Autor: Camila Craveiro | Categoria: Labor Migration, Migration Studies, Estudios de Género
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Imigrantes brasileiras em Portugal e o mercado de trabalho: a porta de entrada é pelos fundos Camila Craveiro Considere este texto uma reflexão pessoal, não pretendo redigi-lo com um caráter acadêmico, portanto não ficarei usando de citações e apontando fontes, mas nas referências, disponibilizadas ao final do texto, podem ser consultados os trabalhos, pesquisas e organizações que me serviram de embasamento. Os dados do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e do IBGE apontam que Portugal é um dos destinos mais procurados por brasileiros e brasileiras, enquanto que o SEF (Serviço de Estrangeiro e Fronteiras Português) traz a comunidade brasileira como sendo a mais numerosa em território lusitano. Complementam estas informações o fato (relevante) de que a feminização da migração é um fenômeno visível nesta mesma comunidade: há aproximadamente 60% de brasileiras. Não é tarefa simples definir um perfil médio para estas mulheres e tal tentativa pode se mostrar injusta, sob pena de categorizá-las de forma estática em grupos pré-determinados, que servem mais a uma redução e generalização do que à possibilidade de conhecê-las. Assim, vamos considerar que há imigrantes brasileiras de diferentes classes sociais, tom de pele, nível de instrução e idade. Mas ainda que pese esta diversidade, há um ponto que podemos colocar como sendo comum a estas mulheres: a maioria que chega a Portugal precisa encontrar um trabalho para se sustentar e/ou ajudar a manter uma casa. A opção pelo país-irmão como destino corresponde, em grande parte das vezes, a um imaginário social que nos coloca, brasileiros/as e portugueses/as, como sendo próximos, afinal compartilhamos a mesma língua e um dia, lá atrás, experimentamos uma relação colonial. Para além disso, no Brasil a culinária portuguesa é muito apreciada, bem como o fato de Portugal possuir um bom clima e ser uma porta de entrada para a União Europeia. Claro que somente estes fatores não justificam as trocas migratórias que, neste caso específico, se dão principalmente por causa das redes e laços sociais (ou seja, muitas mulheres vem para cá por terem família e amigos a viverem aqui). Ocorre que a necessidade laboral faz com que as brasileiras se deparem com situações que contrariam, muitas vezes, a imagem de irmandade difundida. Ao buscarem uma vaga no mercado português, o que as brasileiras percebem é que, primeiro, suas qualificações prévias não significam grande coisa e, portanto, elas terão que se submeter a funções que não correspondem às que costumavam desempenhar no Brasil. E há, então, duas situações: - a da brasileira que dispõe de menor qualificação e que vai ter que aceitar trabalhar em uma carga horária pesada, com remuneração baixa, pouca ou nenhuma estabilidade e, algumas vezes, sem contrato assinado (o que inviabiliza sua legalização), frequentemente em serviços de limpeza,

atendimento em restaurantes, domésticas ou cuidadoras. Outro ponto que ela entende desde à chegada é que vai cotidianamente se defrontar com o estereótipo da prostituição quando em interações sociais nos mais diversos ambientes (inclusive nos órgãos públicos). Para algumas imigrantes, por escolha ou pela falta dela, o trabalho será encontrado mesmo em casas de alterne. - A segunda situação é a da brasileira com maior qualificação, que vem a Portugal continuar seus estudos ou buscar trabalho em sua área profissional e que vai igualmente ter que se inserir inicialmente (e não se sabe por quanto tempo) no mercado em postos de trabalho cujas exigências (e remunerações) estão aquém da sua formação. Por essa razão, é frequente nos depararmos com estudantes de mestrado e doutorado, advogadas, professoras, dentre outras profissões, a servir mesa ou trabalhar em call center. E, vejam, antes que me acusem de ser preconceituosa, esclareço: não vejo demérito algum em servir mesa ou trabalhar em call center! Mas minha perspectiva é de que é preciso ter escolha. Assim, eu posso optar por trabalhar em uma cafeteria e não me sentir forçada a aceitar o trabalho porque simplesmente não vão me oferecer nada que esteja próximo à minha instrução e é preciso pagar as contas! Alguns vão nominar a situação como sendo reserva de mercado ou proteção aos cidadãos nacionais. De minha parte, e da vivência que estou tendo como investigadora em Portugal, digo que se trata de uma exclusão racista e com forte ranço colonial. Racista porque, sob o pretexto da “raça”*, coloca todas as brasileiras em uma mesma categoria e as contrapõem à “raça” europeia. É nesta estruturação hierarquizante que se disseminam os discursos responsáveis por propagar estereótipos de brasilidade e que de nada servem além de aprisionar as brasileiras às características de alegria – simpatia – submissão sexualização. Reside, aqui, uma estratégia de permanência da relação colonial: a de usar o corpo desta imigrante, sua mão de obra, significando-o como disponível, um objeto de subordinação e para fins de exploração. Infelizmente, a grande maioria das imigrantes acaba por desenvolver certa resiliência, seja em nome dos filhos a sustentar, do marido português, de um recomeço em terra estranha ou de tantas outras motivações que as impelem a ficar. Mas há, intrínseco a este processo, um desgaste emocional intenso que gere as re-significações advindas da percepção de que o país-irmão lhes oferece apenas a entrada dos fundos.

*ainda que não haja nenhum sentido em fazer uso do conceito, uma vez que a ciência já provou a inexistência do mesmo.

Referências: Costa, W. S. da. (2011). Na procura do país irmão, o encontro com o primo distante. Significados atribuídos à experiência de imigração por mulheres brasileiras no Distrito do Porto. Universidade do Minho. Retrieved from

http://hdl.handle.net/1822/14218 Machado, I. J. de R. (2004). Afetividade e poder entre os imigrantes brasileiros no Porto. Cadernos Pagu, (23), 257–278. http://doi.org/10.1590/S010483332004000200009 MRE (Ministério das Relações Exteriores). (2016). ‘Brasileiros no mundo. Censo IBGE estima brasileiros no exterior em cerca de 500 mil.’ Acedido em http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/noticias/censo-ibgeestima-brasileiros-no-exterior-em-cerca-de-500-mil/impressao Peixoto, J., Padilla, B., Marques, J. C., & Góis, P. (2015). Vagas Atlânticas. Migrações entre Brasil e Portugal no Início do Século XXI. SESFTAT. (2014). Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Relatório Estatístico Anual 2014. Acedido em www.sefstat.sef.pt/relatorios.aspx

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