Immanuel Kant: O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar.

July 19, 2017 | Autor: Daniella Bianchi | Categoria: Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura
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KANT, I. Crítica da Razão Pura. Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição. Lisboa, 1985. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Mourão. ,B76/A52 . Doravante CRP e a referência de acordo com a edição de 1781 [A], ou 1787 [B].

KANT, I. Prolegômenos a toda metafísica futura que queira se apresentar como ciência. Coleção Textos filosóficos; Edições 70. Lisboa, Portugal. Tradução de Artur Morão. p.35. Doravante Proleg.
A matemática, a lógica e a física, no tempo de Kant, já tinham se firmado como ciência, e eram fundamentadas por juízos necessários e universais. Já a filosofia, via-se repleta de contradições e obscuridades, permanecendo em uma instabilidade que se opõe à segurança do que se firma como ciência.
KANT, I. Proleg. p.12.

KANT, I. Crítica da Razão Pura. [BXIX].

DELEUZE, G. Op.cit. p.64.
HÖFFE, O. Immanuel Kant. Trad. de Christian Vixtor Hamm e Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2005. pp. 47-48.

KANT, I. Proleg. p.29.
DELEUZE, G. Op. cit, p.12.
KANT, I. CRP [B4].
ALLISON, H. El Idealismo Transcendental de Kant: una interpretación y defensa. Barcelona: Anthropos, 1992. p.137 (tradução livre).
KANT, I. Proleg. p.35.
ALLISON, H. Op. cit.. pp. 118 – 119.
HÖFFE, O., Op. cit. p.67.

KANT, I. CRP. [A68/B93].

ALLISON, H. Op. cit. p.118-119 (tradução livre).
KANT, I. CRP. [B76/A52].
Idem, ibidem, Loc. Cit.
KANT, I. Os Progressos da Metafísica. Textos Filosóficos, edições 70. Tradução: Artur Morão. Lisboa, Portugal. p.25.
KANT, I. CRP. [A31/B35].
KANT, I. CRP. [B34].
KANT, I. Os Progressos da Metafísica. p.27.
ALLISON, H. Op. cit. p.151, (tradução livre).

KANT, I. Proleg. pp.51-52.
HÖFFE, O., Op. cit.,p.50.

ALLISON, H. Op. cit. p.137 (tradução livre).

ALLISON, H. Op. cit. p.137.
KANT, I. Os Progressos da Metafísica. In: ALLISON, H. El Idealismo Transcendental de Kant: una interpretación y defensa. Barcelona: Anthropos, 1992. [tradução livre] p.138.

E tendo visto a necessidade da elaboração de juízos sintéticos a priori que não contradizem a anterioridade à experiência pela intuição sensível se referir às formas da intuição, que são efetivamente anteriores à sensibilidade.
BUROKER, J.V. Kant's 'Critique of Pure Reason': An Introduction. Cambridge Introductions to Key Philosophical Texts. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p.78 (tradução livre).
HÖFFE, O, Op. cit, p.67
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. Editora Ática. São Paulo, 2000. p.97.
BUROKER, J.V. Op. cit, Loc. Cit.

ALLISON, H. Op. cit. p.125 (tradução livre).
BUROKER, J.V. Op. cit. p.39.
ALLISON, H. Op. cit. p.125
DELEUZE, G., Op. cit., p. 33.
ALLISON, H. Op. cit. p.121.
KANT, I. CRP. [B146].
KANT, I. CRP. [B34].
"Sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas. Pelo que é tão necessário tornar sensíveis os conceitos (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) como tornar compreensíveis as intuições (isto é, submetê-las aos conceitos). Estas duas capacidades ou faculdades não podem permutar as suas funções. O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar. Só pela sua reunião se obtém conhecimento." KANT, I. Crítica da Razão Pura.

Este trabalho se propõe a fazer uma análise do seguinte trecho presente na Lógica Transcendental, da Crítica da Razão Pura, de Immanuel Kant:

Sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas. Pelo que é tão necessário tornar sensíveis os conceitos (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) como tornar compreensíveis as intuições (isto é, submetê-las aos conceitos). Estas duas capacidades ou faculdades não podem permutar as suas funções. O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar. Só pela sua reunião se obtém conhecimento


Para tanto, ao longo do trabalho se faz necessária a apresentação e explicação de alguns termos e conceitos da obra kantiana somente na medida em que esclareça o conteúdo do excerto proposto, de modo que se tem em vista que a explicação dos presentes elementos do trecho sejam reforçadas e elucidadas não só por conceitos mencionados ao longo da argumentação, como também pelo contexto geral pelo qual Kant guia sua investigação. Assim, a partir do excerto específico proposto presente na Lógica Transcendental, será desenvolvida a temática do indispensável vínculo entre intuições sensíveis e conceitos do entendimento; assim, buscando apoio não só em outras partes da Crítica como em outras obras de Kant, tais como também na interpretação de comentadores, será possível explicitar a validade da necessidade da sensibilidade ao entendimento, ao mesmo tempo que da necessidade do entendimento à sensibilidade, tendo a Crítica, nesse ponto, um papel de extrema importância no âmbito da história da filosofia, e neste aspecto, a menção concernente aos juízos elaborados pela filosofia vigente terá seu sentido à medida que a partir de tal trecho da Crítica, Kant não dispensará nem o entendimento em detrimento da sensibilidade, e nem validará o contrário, considerando como condições imprescindíveis a presença tanto das intuições quanto dos conceitos, ao mesmo tempo que condiciona o conhecimento não pelas combinações de juízos que serão aqui brevemente tratados, mas pelos juízos sintéticos a priori, sendo este o tipo de juízo que representaria o único modo de conhecimento capaz de promover o progresso da metafísica enquanto ciência, de forma que, segundo o próprio Kant, e nos aproximando da questão proposta pelo trabalho no excerto, "a produção do conhecimento a priori, tanto segundo a intuição como segundo os conceitos, e por fim também a de proposições sintéticas a priori, justamente no conhecimento filosófico, é que formam o conteúdo essencial da metafísica".
Kant, em sua Crítica, superou a dicotomia vigente na filosofia entre racionalismo dogmático e empirismo cético, correntes estas que não fundamentavam a filosofia como ciência, visto as próprias contradições que firmavam a crise do saber e a dúvida da possibilidade da metafísica como ciência, ou ainda antes, da possibilidade da própria metafísica, e de como ela é possível.

A minha intenção é convencer todos os que crêem na utilidade de se ocuparem de metafísica de que lhes é absolutamente necessário interromper o seu trabalho, considerar como inexistente tudo o que se fez até agora e levantar antes de tudo a questão: "de se uma coisa como a metafísica é simplesmente possível.


Assim, na introdução da Crítica da Razão Pura, Kant critica o racionalismo e o empirismo e seus respectivos juízos feitos sobre as coisas, justamente para esclarecer significativamente o problema da metafísica, qual seja, ela não ter pensado em como são possíveis os juízos sintéticos a priori:

Ora o verdadeiro problema da razão pura está contido na seguinte pergunta: como são possíveis os juízos sintéticos a priori? O fato da metafísica até hoje se ter mantido em estado tão vacilante entre incertezas e contradições é simplesmente devido a não se ter pensado mais cedo neste problema, nem talvez mesmo na distinção entre juízos analíticos e juízos sintéticos. A salvação ou a ruína da metafísica assenta na solução deste problema ou numa demonstração satisfatória de que não há realmente possibilidade de resolver o que ela pretende ver esclarecido.

É nessa medida que Deleuze alega que "Kant foi o primeiro a saber colocar o problema do juízo ao nível do seu tecnicismo ou da sua originalidade própria" ; de forma que, tendo identificado que o problema da metafísica foi não ter tratado do assunto, veremos como Kant propõe um tipo de juízo que seja capaz de fundamentar a ciência através da validade universal e necessária de sua verdade, e investigue a possibilidade da metafísica como ciência. A título de melhor compreensão referente aos juízos, isto é, não "os processos psicológicos do ato de julgar, mas – de modo lógico – enunciados ou afirmações, a saber, aquela ligação (síntese) de representações que pretende validade objetiva" , passa-se ao tratamento referente às definições de quais são os juízos elaborados pela filosofia vigente, a título de melhor compreensão da argumentação concernente aos elementos do excerto proposto. Assim, é em vista da análise do trecho proposto neste trabalho, que se faz necessária uma breve diferenciação entre os juízos a partir dos quais Kant irá elaborar os juízos sintéticos a priori, pois estes que são importantes para a questão do conhecimento na Crítica, sendo a questão metafísica que exige tal distinção:

Esta divisão é indispensável em relação à crítica do
entendimento humano, e nela merece, portanto, ser
clássica; de outro modo, eu não saberia que ela tinha
noutro lado uma utilidade considerável.

Assim, temos que a busca pelo conhecimento se dava a priori, isto é, anterior e sem recorrer a qualquer experiência sensível e a partir de juízos analíticos, ou seja, aqueles no qual a determinação do valor de verdade de um juízo se dá através da análise do conceito, de forma que, assim, o predicado já está contido no sujeito, como no juízo "o corpo é extenso", não sendo, portanto, nada acrescentado ao conhecimento, uma vez que o conceito de extensão, por exemplo, já está subentendido implicitamente no conceito de corpo; ou a busca pelo conhecimento se baseava em juízos sintéticos, ou seja, a verdade não sendo determinada pela simples análise do conceito - de forma que o juízo não explica o sujeito através do predicado, mas ele aumenta o conhecimento sobre o sujeito - e a posteriori, pois o conhecimento apela para a experiência sensível, e tem sua origem fundamentada e conteúdo tirado a partir dela; dessa maneira, o juízo sintético (a posteriori), por necessitar da experiência – afinal o predicado não está contido no sujeito – não tem caráter universal e necessário.
Observando ambos os juízos, a saber, o juízo analítico a priori e o juízo sintético a posteriori, Kant nota que existem, de fato, juízos que são sintéticos, ampliando o conhecimento, mas não baseados na experiência sensível, mas anteriores a ela, ou seja, também a priori, isto é, são necessários e universais, uma vez que embora a experiência permita que se saiba sobre a organização das coisas, ela não assegura a possibilidade de que não seja senão tal como é, além do juízo a priori também assegurar a universalidade, já que ele não parte de conclusões arbitrárias, fazendo suposições a partir da maioria, ou, segundo Deleuze, "por definição, não há experiência que corresponda às palavras "todos", "sempre", "necessariamente"; o juízo parte, então, de "uma fonte particular do conhecimento, a saber, de uma faculdade de conhecimento a priori, e são estes juízos que importam para Kant, em termos de conhecimento, pois o predicado não estaria contido no sujeito, sendo portanto extensivos ou ampliativos e ainda independeriam da experiência sensível. Nesse sentido, segundo Allison, "Kant parte do suposto básico segundo o qual os juízos que pretendem ser universais e necessários não podem fundamentar empiricamente seu valor de verdade". Kant, assim, estabelece que os juízos sintéticos a priori, então, são o fundamento do conhecimento, e o único modo de conhecimento real e que seria capaz de promover o progresso da metafísica enquanto ciência, de forma que, segundo o próprio Kant, "a produção do conhecimento a priori, tanto segundo a intuição como segundo os conceitos, e por fim também a de proposições sintéticas a priori, justamente no conhecimento filosófico, é que formam o conteúdo essencial da metafísica."
Uma vez explanado o "juízo sintético a priori", pode-se finalmente aproximar-se da questão do tema deste trabalho, a saber, o trecho que alega a necessidade tanto da intuição na sensibilidade quanto do conceito no entendimento para o conhecimento de algo, mas logo uma dificuldade surge quando ao mesmo tempo em que se fala da necessidade de intuição sensível, se fala da necessidade de juízo a priori, sendo que no que se refere ao juízo a priori, Kant definiu os juízos necessários e universais, que tinham de ser verdadeiros antes de qualquer experiência e que são constituídos somente pelo uso da razão. Explico: segundo o que diz Henry E. Allison a respeito dos empiristas, estes consideram a intuição sensível humana suficiente em si mesma, capaz de proporcionar uma representação determinada de objetos, sem a presença de conceitos, e Kant considera esse um equívoco dos empiristas, pois, como veremos, é necessário tanto a intuição quanto o conceito; e de acordo com Höffe, o homem não dispõe de um "intelecto formador", e os objetos da sensibilidade são indeterminados e, portanto impossíveis de serem conhecidos somente pelo intelecto, isto é, somente pelos conceitos puros do entendimento:

Fora da intuição, não há outro modo de conhecer senão por conceitos. Assim, o conhecimento de todo o entendimento, pelo menos do entendimento humano, é um conhecimento por conceitos, que não é intuitivo, mas discursivo.


Por conseguinte se conclui que não é possível conhecer nada sem os sentidos, de modo que é preciso que eles sejam percebidos na sensibilidade de alguma maneira. Sobre essa mesma questão e sob outros termos, Allison discorre sobre a discordância de Kant em relação à concepção de uma "intuição intelectual", esta que, auto-suficiente, dispensaria qualquer tipo de conceitualização, bastando a apreensão imediata dos dados sensíveis para fundamentar o conhecimento:

(...) quando o empirista considera a apreensão imediata dos dados sensíveis, sem nenhuma conceitualização, como a forma mais fundamental de conhecimento, pode-se dizer que trata a intuição sensível humana como se esta fosse intelectual, i.e., suficiente em si mesma para proporcionar uma representação determinada de objetos.


Visto os argumentos apresentados que se posicionam contra o ponto de vista que concebe somente a conceitualização dos objetos, sem qualquer tipo de vínculo com a experiência sensível através de um "intelecto formador", ou tão somente a intuição como modo de apreender os objetos sensíveis, dispensando os conceitos e considerando a intuição como intelectual, é possível a partir disso o começo do delineamento da ratificação de que "pelo que é tão necessário tornar sensíveis os conceitos (isto é, acrescentar-lhes o objeto na intuição) como tornar compreensíveis as intuições (isto é, submetê-las aos conceitos)", e, conseqüentemente que "só pela sua reunião se obtém conhecimento".
Antes que se prossiga, é importante que se note uma possível problemática de interpretação entre a necessidade dos sentidos para o conhecimento de algo, ao mesmo tempo do estabelecimento do juízo a priori, ou seja, anterior à experiência sensível como condição para o conhecimento. Embora seja possível pensar sobre uma aparente contradição proveniente dos termos "a priori" e intuição "sensível", a questão é logo resolvida quando Kant inverte a perspectiva de representação do objeto através da chamada Revolução Copernicana, pois de fato, se o conhecimento dos objetos dependesse dos próprios objetos, não seria possível seu conhecimento a priori, mas só poderia ser conhecido a partir de seu contato na experiência, caso contrário, seria impossível conhecê-lo; mas através da Revolução Copernicana, a representação se dá pela regulação do objeto pelo sujeito, pela intuição, e não a intuição se regulando pelo objeto dos sentidos, afinal, uma vez que o homem não possui um intelecto formador, seria preciso sempre estabelecer uma relação a posteriori com o objeto. O que interessa para resolver a problemática proposta entre os termos "intuição sensível" e "a priori" é deixar claro que, com intuição sensível, Kant de fato não quer dizer nada que seja posterior à experiência, mas que os objetos sensíveis são dados de acordo com uma representação que tem uma forma a priori, uma representação no espaço e no tempo, formas puras da intuição que não são aquisições da experiência, mas atributos do próprio sujeito, este que deve, por conseguinte, pressupor o objeto dado no espaço e no tempo, a priori, antes que ele seja de fato dado, isto é, anterior à experiência:

A forma do objeto (Objekt), tal como se pode representar apenas numa intuição a priori, não se funda, pois, na natureza (Beschaffenheit) do objeto (Objekt) em si, mas na constituição natural do sujeito, que é capaz de instituir uma representação intuitiva do objeto; e este [elemento] subjetivo na natureza formal do sentido, enquanto receptividade (Empfãnglichkeit) para a intuição de um objeto, é aquilo que unicamente torna possível a priori, isto é, anteriormente a toda a percepção, a intuição a priori.


Assim, é importante que se firme neste contexto a intuição pura em detrimento da intuição empírica, que são definidas por Kant na Estética Transcendental, i.e., "uma ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori" através da definição por Kant de alguns termos essenciais para uma melhor compreensão do que se segue, tal como a distinção entre a intuição empírica e a que nos interessa, a pura:

O efeito de um objeto sobre a capacidade representativa, na medida em que por ele somos afetados, é a sensação. A intuição que se relaciona com o objeto, por meio de sensação, chama-se empírica. O objeto indeterminado de uma intuição empírica chama-se fenômeno. Dou o nome de matéria ao que no fenômeno corresponde à sensação; ao que, porém, possibilita que o diverso do fenômeno possa ser ordenado segundo determinadas relações dou o nome de forma do fenômeno.
Ademais, Kant ainda afirma que as formas da intuição pura, ou seja, o espaço e o tempo "nada mais são do que formas subjetivas da nossa intuição sensível e de modo algum determinações próprias dos objetos (Objekte) em si", sendo então o espaço e o tempo - i.e., as formas puras da intuição sensível e condições de sensibilidade - válidos, portanto, somente aos fenômenos e não para as coisas em si mesmas, de modo que só nos é proporcionado, portanto, o conhecimento de objetos como fenômenos. E não obstante, são formas da intuição anteriores à experiência, e o caráter a priori do espaço e do tempo é construído por alguns argumentos de Kant, que não serão tratados neste trabalho, no entanto o caráter a priori pode ser entendido segundo a interpretação de Allison, que fundamenta a possibilidade de representação tanto do espaço quanto do tempo independentemente dos fenômenos, não sendo o contrário válido e ratificando o caráter a priori das formas da intuição pura:

é necessário mostrar que não podemos pensar os fenômenos eliminando o espaço e o tempo e podemos representar o espaço e o tempo independentemente desses fenômenos. Conjuntamente, prova-se que as representações do espaço e do tempo são condições dos fenômenos, e, assim, a priori.


Em uma palavra, para resolver o problema, será preciso admitir, portanto, a intuição pura, na qual os objetos dados não provenham da experiência.

(...) intuição empírica se funda numa intuição pura (do espaço e do tempo) e, certamente, a priori, e pode fundar-se porque esta intuição pura não é mais do que a simples forma da sensibilidade, que precede a real aparição dos objetos, ao torná-la primeiramente possível na realidade.


Desse modo, fica claro que a intuição sensível não contradiz a necessidade do juízo anterior à experiência, uma vez que a intuição concerne não à matéria do fenômeno, pois esta provém da sensação, mas apenas à sua forma, isto é, o espaço e o tempo, que são a priori, e sem os quais os objetos não podem ser dados. Logo, não se refere a nenhuma constituição de elemento empírico na matéria do fenômeno, resolvendo o aparente problema. No entanto há ainda assim, a questão de como intuir um objeto a priori, ou seja, como é possível intuir um objeto anteriormente à experiência sensível? Talvez ao levar-se em conta que o termo original que Kant utiliza é Anschauung (visão) traduzido por "intuição", se possa compreender melhor. Explico: A intuição de um objeto - uma vez entendendo intuição como "visão" - refere-se imediatamente ao objeto; então como seria possível que a intuição (visão) seja anterior ao objeto? Justamente porque essa anterioridade se dá na medida em que é condição de possibilidade para que o objeto seja dado, ou seja, condição de possibilidade de aparecimento (Erscheinuung) do objeto, anterior à experiência sensível. Desse modo, o espaço e o tempo são formas pelas quais os objetos são dados a priori, ou seja, anteriormente à experiência sensível.
Mas a questão sine qua non da Crítica é investigar como são possíveis então os juízos sintéticos que sejam também a priori, uma vez confirmada sua existência presente na matemática, e dado que se tem sempre em mente a questão da possibilidade destes em relação à possibilidade da metafísica como ciência:

a questão se essa possibilidade conceitual pode realizar-se, isto é, se há de fato juízos sintéticos a priori, e, portanto, a ampliação do conhecimento anterior a toda a experiência, esta questão decide sobre a possibilidade da metafísica como ciência. Pois, à diferença da lógica, a metafísica deve ampliar o conhecimento humano; seus enunciados são sintéticos.


Allison coloca o a problemática de como são possíveis os juízos sintéticos a priori nos seguintes termos:

O problema do sintético a priori consiste em explicar como é possível que a fundamentação extra-conceitual e extra-lógica de um juízo seja não-empírica. Uma forma equivalente de colocar o problema é perguntar como é possível que se amplie o conhecimento (...) mas além de um conceito dado independentemente de toda experiência do objeto pensado através desse conceito..


A resposta, segundo Allison, concentra-se num trecho de "Os Progressos da Metafísica", cujo ponto chave é a declaração que interessa ao excerto deste trabalho, a saber, de que os juízos sintéticos a priori requerem tanto intuições a priori como também conceitos a priori:

Conhecimento é um juízo no qual se origina um conceito que possui validez objetiva, i.e., ao que pode ser dado na experiência um objeto correspondente. No entanto, toda experiência consiste na intuição de um objeto, i.e., em uma representação imediata e singular através da qual o objeto é dado ao conhecimento, e em um conceito, i.e., em uma representação mediata através da uma nota que é comum a vários objetos por meio da qual o objeto é pensado. Nenhum destes dois tipos de representações constituem, por si só, conhecimento, e se existe conhecimento sintético a priori também [grifo meu] deverão existir intuições e conceitos a priori.

Próximo ao tema deste trabalho - referente à indissociabilidade necessária entre intuição sensível e conceito do entendimento como condições do conhecimento - nota-se que esta intuição ainda não é suficiente para a garantia do conhecimento do objeto, pois este, somente representado pela intuição, é apenas um fenômeno indeterminado, e é devido a isso que Jill Vance Buroker interpreta que no trecho "intuição sem conceitos são cegas", até que os dados da intuição sejam pensados, a intuição é cega, ou seja, a multiplicidade sensorial recebida é uma ostentação indiferenciada. É então nesse momento que se faz necessário o conceito para pensar e determinar o objeto:

A mera recepção de algo dado ainda não produz nenhum conhecimento. Em um conhecimento as sensações não são simplesmente reproduzidas, mas elaboradas. Para isso precisa-se de conceitos, que se devem ao entendimento em sentido estrito e com cuja ajuda as sensações são "pensadas", isto é, reunidas e ordenadas segundo as regras.


Temos, portanto, ao lado da sensibilidade, que nos dá a intuição, também o entendimento, que organiza os conteúdos enviados pela sensibilidade e nos fornece o conceito do que foi intuído a priori pelo sujeito cognoscente. Sem o conceito, portanto, o objeto intuído como fenômeno seria apenas um "isto", um "algo", sem nome, e, portanto, indeterminado. Para tanto, é necessário que o objeto seja, além de dado na intuição a priori pelo sujeito cognoscente, também pensado a priori, de modo que

o entendimento possui a priori (isto é, antes da experiência e independente dela) um conjunto de elementos que organizam os conteúdos empíricos. Esses elementos são chamados de categorias e sem elas não pode haver conhecimento intelectual, pois são as condições para tal conhecimento. Com as categorias a priori, o sujeito do conhecimento formula os conceitos.

Como visto, o conceito é então imprescindível para pensar e determinar o objeto, mas, da mesma forma, "pensamentos sem conteúdo são vazios", e Jill Buroker interpreta a necessidade do conteúdo do conceito quando alega que um mero conceito, sem conteúdo, não fornece informação sobre o que existe, sendo "vazio" por não fazer referência ao mundo, uma vez que não pode haver julgamento de se algo é verdadeiro ou falso se não se sabe o que é esse algo. Ao mesmo tempo em que a intuição dos objetos refere-se imediatamente a ele, o conceito, por outro lado, refere-se ao objeto de modo mediato, referindo-se diretamente somente à intuição, tendo esta um papel indispensável para que os conceitos não sejam "vazios":

(...) o conceito de sujeito (...) refere-se diretamente à intuição e só mediatamente ao objeto. Em termos gerais, a intuição proporciona o conteúdo sensível do juízo, enquanto que o conceito proporciona a regra de acordo com a qual o conteúdo é determinado. É precisamente a determinação deste conteúdo que põe o conceito em relação com o objeto.


Em outras palavras, Buroker, em vista de diferenciar as representações mediatas e imediatas dos objetos, afirma que as intuições diferem dos conceitos por serem representações de particulares ou representações singulares, enquanto os conceitos, de representações gerais. Exemplificando, a percepção de um gato é uma representação singular, enquanto o conceito de gato é composto por características gerais comuns aos gatos. Nesse sentido, a sensibilidade fornece dados sobre os particulares, enquanto é mediante os conceitos do entendimento que se pensa sobre suas características gerais.
Sendo a questão primordial da Crítica, investigar como são possíveis os juízos sintéticos a priori, estes (os juízos sintéticos ou ampliativos), só podem aumentar o conhecimento se seus conceitos se estiverem relacionados com a intuição, pois como visto, os conceitos nunca podem referir-se imediatamente aos objetos, mas somente a outras representações, sendo por essa razão que a ligação entre conceitos do sujeito e do predicado pensada em um juízo sintético pode ter base ou ser objetivamente válida somente se ambos os conceitos referirem à intuição do objeto.
É possível observar, portanto, a necessidade de tornar sensíveis os conceitos assim como tornar compreensíveis as intuições, esclarecendo, enfim, de que modo os pensamentos sem conteúdo são vazios e as intuições sem conceitos são cegas, sendo porque um necessita do outro, não podendo os conceitos pensarem os objetos se eles não tiverem sido oferecidos pela intuição, assim como, da mesma forma, somente a intuição não basta para o conhecimento, pois retém o objeto como meramente dado e indeterminado, sem o conceito, e por conseguinte, sem o conhecimento. É imprescindível, sendo assim, que a sensibilidade forneça a matéria – a saber, os conteúdos -, assim como o entendimento forneça a forma. Assim, Allison constata que é a intuição que proporciona o conteúdo sensível, enquanto, por sua vez, o conceito proporciona a regra que determina esse conteúdo.
E não obstante, é na medida em que a sensibilidade é a faculdade que possibilita que os objetos nos sejam dados, e o entendimento é a faculdade que possibilita que os objetos sejam pensados, que "sem a sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria pensado." Assim, segundo Deleuze, é possível notar a necessidade de tanto submeter as intuições aos conceitos quanto, reciprocamente, de acrescentar o objeto na intuição:

O nosso entendimento tem, sem dúvida, como correlato a forma do objeto qualquer ou o objeto em geral; mas, precisamente, este só é objeto de conhecimento na medida em que é qualificado por uma diversidade que se lhe refere sob as condições da sensibilidade. Um conhecimento de objeto em geral, que não fosse restringido às condições da nossa sensibilidade, é simplesmente um "conhecimento sem objeto".


Nesse mesmo sentido, pode-se concluir – parafraseando Allison – que embora a intuição sensível de fato proporcione à mente os dados para a conceitualização, ela não proporciona o conhecimento determinado dos objetos, sendo que este conhecimento requer não apenas que os dados sejam dados na intuição, mas também que esta seja reconhecida em um conceito ou que seja considerada sob alguma descrição geral. Assim, por conseguinte, se dá a representação de um objeto..
Tendo em vista os argumentos apresentados, foi visto que o conhecimento envolve tanto o conceito quanto a intuição, vinculando-os de modo a condicionarem, somente reunidos, o conhecimento. Assim, tentou-se provar que enquanto os conceitos puros do entendimento, se não aplicados a nenhuma intuição, ou seja, desprovido de objeto, são pensamentos apenas enquanto à forma, logo se pode concluir que conceitos sem intuição são vazios:

se ao conceito não pudesse ser dada uma intuição correspondente, seria um pensamento, quanto à forma, mas sem qualquer objeto e, por seu intermédio, não seria possível o conhecimento de qualquer coisa


Já as intuições, quando desprovidas de conceitos, embora proporcionem o conteúdo sensível, permanecem carentes da regra que tem como função determinar o conteúdo, e, conseqüentemente, relacionar o conceito com o objeto. Sendo que intuição significa visão (Anschauung), pode-se enfim compreender a metáfora de Kant ao determinar que intuições sem conceitos são cegas, pois a intuição – ou visão – sem o conceito, i.e., a regra pela qual o objeto deve ser pensado – nada pode "ver", impossibilitando que se alcance o conhecimento. Assim, é também na medida em que a sensbilidade é a capacidade de receber representações (receptividade), graças à maneira como somos afetados pelos objetos e em que o entendimento é que pensa esses objetos e é dele que provêm os conceitos, que se pode reafirmar a importância da sensibilidade para que o objeto seja dado, e a do entendimento para que o objeto seja pensado, afinal para que se alcance o conhecimento, como apresentado, é necessária tanto a sensibilidade, capacidade mediante a qual os objetos são dados na intuição, quanto o entendimento, mediante o qual os objetos são pensados nos conceitos.

Referência Bibliográfica:

KANT, I. Prolegômenos a toda metafísica futura que queira se apresentar como ciência. Coleção Textos filosóficos; Edições 70. Lisboa, Portugal. Tradução de Artur Morão.
. ______. Crítica da Razão Pura. Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª edição. Lisboa, 1985. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Mourão.
. ______. Da Utilidade de Uma Nova Crítica da Razão Pura (Resposta a Eberhard). Tradução de Márcio Pugliesi e Edson Bini. São Paulo: Hemus, 1975.
. ______. Os Progressos da Metafísica. Textos Filosóficos, edições 70. Tradução: Artur Morão. Lisboa, Portugal.
ALLISON, H. El Idealismo Transcendental de Kant: una interpretación y defensa. Barcelona: Anthropos, 1992
DELEUZE, G. A filosofia crítica de Kant. Tradução de G. Franco. Lisboa: Edições 70, 1987.
TORRES FILHO, R. R. Ensaios de filosofia ilustrada. São Paulo: Iluminuras, 2007.
HÖFFE, O. Immanuel Kant. Trad. de Christian Vixtor Hamm e Valerio Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
GARDNER, S. Routledge Philosophy Guidebook to Kant and The Critique of Pure Reason. London ; New York : Routledge, 1999.
BUROKER, J.V. Kant's 'Critique of Pure Reason': An Introduction. Cambridge Introductions to Key Philosophical Texts. Cambridge: Cambridge University Press, 2006.
CHÂTELET, F. A Filosofia e a História. Vol. 5, Segunda Edição, Trad de Guido de Almeida. 1973.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. Editora Ática. São Paulo, 2000.




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