Impactos da Internet na origem, no processo de engajamento e ativismo de grupos jovens LGBT - 2013

July 15, 2017 | Autor: Marcelo Daniliauskas | Categoria: organizações de jovens LGBT, Sociologia Do Engajamento, Netativismo
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Impactos da Internet na origem, no processo de engajamento e ativismo de grupos jovens LGBT1 Marcelo Daniliauskas2

Palavras-chave: organizações de jovens LGBT; sociologia do engajamento; netativismo.

Resumo: O presente artigo é um exercício de aplicação das perspectivas da sociologia do engajamento (SAWICKI e SIMÉANT, 2011) e do netativismo (DI FELICE, 2012a e 2012b) à história de organizações de jovens LGBT com atuação na cidade de São Paulo. Abstract: This article is a practical exercise on applying the sociology of engagement (SAWICKI and SIMÉANT, 2011) as well as net activism (DI FELICE, 2012a e 2012b) at the history of youth LGBT organizations acting at São Paulo City.

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Artigo revisado após apresentação no I Congresso Internacional de Net-ativismo (ECA-USP) em 07/11/2013. 2

Doutorando em Sociologia da Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Orientação: Profª Drª Kimi Tomizaki. Bolsista CAPES. Contato: [email protected].

Introdução: motivações e recorte da pesquisa Meu interesse na participação de jovens LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) se deu a partir de minha pesquisa de mestrado (DANILIAUSKAS, 2011), cujo foco foi o desenvolvimento de políticas LGBT pelo governo federal, construídas em diálogo com movimentos sociais. Pontualmente, alguns gestores e determinados segmentos religiosos buscavam impedir a participação direta dos jovens, incluindo os LGBT, na execução de tais políticas, sendo que elas tinham por objetivo justamente evitar a discriminação e violência que afetam os mesmos. Por conta dessas barreiras na participação 3, passei a me interessar em como os próprios jovens LGBT buscam soluções para seus problemas. Somado a isso, de acordo com o estado da arte sobre juventude, foi identificada uma lacuna na produção acadêmica sobre expressões coletivas de jovens LGBT (SPOSITO, 2009, p. 162) 4. Neste artigo compartilho alguns resultados preliminares de minha atual pesquisa de doutorado por meio do exercício de aplicação das perspectivas da sociologia do engajamento (SAWICKI e SIMÉANT, 2011) e do netativismo (DI FELICE, 2012a e 2012b) à história das organizações de jovens LGBT com atuação em São Paulo. Sucintamente, a sociologia do engajamento é entendida como “toda forma de participação duradoura em uma ação coletiva que vise à defesa ou à promoção de uma causa” (SAWICKI e SIMÉANT, 2011, p. 201). Apesar do detalhamento de elementos de análise do processo de engajamento, a perspectiva acima não engloba o uso de tecnologias de comunicação. Nesse sentido é frutífero e necessário para compreender a organização de jovens LGBT, as contribuições fornecidas pelo netavismo, da qual extraio as seguintes considerações: pensar a comunicação para além do repasse de informações e da mídia como mero veículo; explorar a função social da mídia e seus impactos: nos processos de transformação dos significados e das práticas de participação; e na emergência de novos sujeitos, formas de interação e dinâmicas sociais.

A seleção das organizações de jovens LGBT e os sujeitos entrevistados 3

CARRANO (2012, p. 85): “O sentido forte [da noção de participação juvenil] diz respeito às formas e processos que levam ao engajamento ou envolvimento militante e que podem impactar decisões que afetam a vida de indivíduos, grupos e instituições.” 4

O trabalho leva em conta a produção acadêmica dos cursos de pós-graduação em educação, sociologia, antropologia, ciência política e assistência social no período de 1999-2006.

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A juventude LGBT atua em diferentes espaços: entidades e movimentos mais tradicionais como partidos políticos, movimento estudantil, movimento LGBT, mas também em grupos universitários ou grupos específicos de e para jovens LGBT. Ainda foram criados espaços de sociabilidade em locais públicos ou privados como parques, praças, shoppings, bares e boates. Para eleger o recorte final de meu objeto foram utilizados os seguintes critérios: constituir uma organização5; participação irrestrita6; o grupo ser de e para jovens LGBT; e finalmente, ser entidades com ações na cidade de São Paulo. A metodologia foi baseada em pesquisas na Internet e em entrevistas semiestruturadas junto aos fundadores, coordenadores ou participantes responsáveis pela manutenção das organizações. Segue abaixo a lista de grupos pesquisados e seus entrevistados: 

Pagla – Projeto de Apoio a Gays e Lésbicas Adolescentes (1997 - 2001) 7. Entrevistado: Lico, webdesigner e moderador da lista de discussão.



E-jovem (desde 2001). Entrevistado: Deco, fundador e presidente (2013).



XTeens (2002 - 2009). Entrevistado: Nicky, fundador.



JAH – Jovens e Adolescentes Homossexuais (2002 - 2007). Entrevistados: Felipe Moreira, fundador e Murilo Sarno, ex-coordenador8.



Projeto Purpurina (desde 2006). Entrevistada: Edith Modesto, fundadora e coordenadora geral (2013). Uma observação é que Lico, Deco e Nicky não são nomes reais, mas apelidos

utilizados na época para manter o anonimato na Internet. Atualmente, nenhuma dessas pessoas teria problema em publicizar seus nomes, mas simbolicamente os mantive por conta de assim se autodenominarem em relação ao seu passado, assim como se autodesignam no momento da entrevista. Todos os entrevistados se autodeclararam homens gays e Edith Modesto se autodeclarou mulher heterossexual, que resolveu criar o grupo após passar pelo processo de aceitação da homossexualidade de um de seus filhos. 5

Nos termos de SAWICKI e SIMÉANT (2011, p. 236): “por organização, não se entende apenas uma entidade formalizada e inscrita legalmente, mas todas as formas de ação instituídas e as imposições que pesam sobre seus membros, assim como a seleção que esses modos de agir operam sobre os novos ingressantes.” 6

Basta ser jovem LGBT, sem a necessidade de previamente pertencer a um partido ou uma instituição de ensino superior, por exemplo. 7

Datas aproximadas fornecidas pelos entrevistados.

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Entrevista complementar.

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Internet: rompendo o isolamento e abrindo o armário De acordo com Nussbaumer (2008) o mundo on line (virtual) permite o anonimato, o desabafo, a busca de encontros entre iguais e de vivencias difíceis de serem realizadas no mundo off line (presencial), bem como a exposição de dúvidas, curiosidades e possibilidades, sobretudo no caso da homossexualidade, a qual apresenta uma série de restrições e desigualdades em relação à vivência heterossexual off line. Ela ainda aponta a insustentabilidade da dicotomia entre virtual e real: Essas comunidades virtuais gays apresentam-se como ambientes complementares aos da vida off line, potencializando e atualizando intenções sociais nela já existentes atenuam os estimas e o isolamento experimentados por seus membros na vida off line; caracterizam-se por alguma forma de contestação ao sistema heteronormativo; possibilitam uma escrita de si que contribui para o desenvolvimento do processo de subjetivação da experiência homossexual dos seus membros. (NUSSBAUMER, 2008, p. 226)

É interessante notar que sem exceção, os entrevistados gays, expressaram o mais profundo sentimento de angústia e de isolamento social vivenciados durante o processo de aceitação da atração por pessoas do mesmo sexo: “me sentia o único gay do universo”, “por mais que eu olhasse não enxergava pessoas como eu”. O estigma em relação à homossexualidade dificultava a emergência no espaço público de modelos e referências aos quais esses jovens pudessem se inspirar. A Internet passou a ser comercializada para usuários em geral por volta de 1995, mas por um tempo esteve disponível para uma pequena parcela da população por conta dos custos dos equipamentos e serviços necessários, quase não existia acesso em órgãos públicos nem mesmo lanhouses, realidade bastante distinta da atual9. Privilegiados jovens LGBT dispersos pelo país ou mesmo isolados em seus cotidianos, seja nas grandes ou pequenas cidades por conta do estigma social, tiveram acesso a informações nacionais e internacionais sobre sexualidade e ainda por meio dos canais de bate-papo passaram a encontrar seus pares e formar comunidades virtuais. Se por um lado o estigma à diversidade sexual afeta a todos, adultos e jovens, estes possuem algumas especificidades: intensas inquietações intrínsecas da forma como socialmente vivenciamos o desejo e as primeiras experiências afetivo-sexuais; um contexto de autonomia restrita, parcialmente tutelada pela sociedade (vigilância mais intensa), pelo marco legal (minoridade legal que impacta na possibilidade e capacidade 9

Artigo Veja a evolução da internet brasileira nos últimos dez anos. Disponível em: http://tecnologia.ig.com.br/2012-09-20/veja-a-evolucao-da-internet-brasileira-nos-ultimos-dez-anos.html. Acessado em 27/10/2013.

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de deslocamentos e de acesso aos espaços e a determinadas atividades) e pela família (maior dependência afetiva e financeira). As primeiras comunidades virtuais de jovens LGBT, de acordo com os entrevistados, estavam bastante atreladas ao apoio mútuo, muitos participantes apresentavam grande sofrimento, variando da depressão às tentativas de suicídio. Por outro lado, nessas mesmas comunidades jovens já assumidos ou em um estágio avançado de autoaceitação passaram a ajudar aqueles que estavam em processo. Os entrevistados atuantes no apoio mútuo relataram que tinham a motivação de: “ajudar os outros para que não passem pelo o que passei”, “mostrar que apesar de difícil, o mundo não é tão feio assim”, “quero passar uma visão positiva de ser gay”, “não desejo para nenhum jovem gay passar pelos anos que passei pensando em suicídio”. Outro dado interessante é que a totalidade dos entrevistados gays ao contar sobre seu processo de aceitação, expressam de modo ressentido que se assumiram ou iniciaram a vida afetivo-sexual tardiamente, se comparado aos seus amigos heterossexuais, ou seja, só puderam vivenciar os relacionamentos e uma sexualidade satisfatória em idade mais avançada, que para além dessa esfera, teve grande impacto em sua autoimagem, autoestima e no relacionamento com os outros durante a adolescência e juventude. Surgimento dos grupos organizados de jovens LGBT Ao final dos anos de 1990 surge a Pagla e em seguida nos anos 2000 surgem o E-jovem, Xteens e o JAH. Na segunda metade de 2000 surge o Projeto Purpurina. Dentre eles a Pagla, o E-jovem e o XTeens utilizavam inicialmente as mesmas ferramentas de Internet: basicamente a construção de websites e criação de listas de discussão, mas com usos diversos e contaram com um distinto desenvolvimento de ações. De acordo com minha pesquisa em andamento, o grupo precursor de jovens LGBT é a Pagla com a qual os fundadores do E-jovem e do XTeens tiveram algum contato. As fontes de informação sobre a Pagla são escassas na Internet, então encontrei Lico, que por um período foi webdesigner do site e um dos moderadores das listas de

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discussão do grupo. O entrevistado ainda forneceu alguns arquivos do site, que foi desativado por volta de 2001, juntamente com as listas. A Pagla foi idealizada por Yuzuru Izawa, um jovem de 23 anos na época, após passar anos lidando com seus conflitos em relação à sexualidade e com pensamentos suicidas, resolveu ajudar outros jovens na mesma situação e buscar meios de promover uma reintegração dos mesmos com suas famílias, escolas e comunidades. Yuzuru quando narra no site suas inspirações, cita exemplos de um grupo e de jovens homossexuais dos Estados Unidos. O foco em referências internacionais, ao meu ver, indicam a escassez de exemplos em âmbito local/nacional sobre juventude e diversidade sexual, as quais ele buscava criar com a Pagla, divulgando informações que saiam na mídia em geral como artigos, documentários, filmes etc que tratassem da temática homossexualidade. Essa falta de referências é outra questão recorrente entre os entrevistados. Dessa forma a Pagla, E-jovem, XTeens tentam construir modelos positivos viáveis em seus sites, assim como o JAH e o Purpurina o farão com exemplos concretos em suas reuniões presenciais. Um dado importante, tanto Lico da Pagla quanto Deco do E-jovem explicitam que o medo de se encontrar off line era tão aterrorizante, que a criação dos sites e a moderação e manutenção das listas de discussões eram realizadas predominantemente no âmbito virtual, mesmo Lico e Yuzuru, assim como Deco e seu webdesigner anônimo estavam na mesma cidade, respectivamente São Paulo e Campinas, mas o trabalho colaborativo foi propiciado e realizado somente por meio da Internet. Yuzuru ainda logrou em formar parcerias com colaboradores profissionais e voluntários: um sociólogo para tentar viabilizar o grupo enquanto ONG; um webdesigner para a o site; moderadores para as listas de discussões; jovens colunistas para constar suas histórias de superação em relação à aceitação pessoal e familiar, assim como para fornecer exemplos de histórias de amores possíveis; e ainda um médico e uma psicóloga que respondiam por e-mail ou publicavam artigos sobre dúvidas de saúde e de comportamento. O ideal de Yuzuru era oferecer apoio tanto no ambiente virtual quanto presencial nas áreas de assistência social, psicologia, saúde, educação e intervenção no tratamento de jovens LGBT em reformatórios e orfanatos, mas esses objetivos não foram alcançados antes que o grupo se desfizesse. 6

Lico, quando questionado sobre as motivações de se engajar na manutenção da Pagla, relatou que além da vontade de ajudar outros jovens LGBT, se sentiu muito bem acolhido e criou fortes laços de amizade e ainda que fazer parte da condução do grupo dava visibilidade ao seu trabalho e a si perante os outros participantes. Sobre o que os jovens buscavam, Lico apontou que eles queriam sobretudo entender melhor a sua sexualidade e se sentir parte de um grupo, em decorrência disso buscavam laços de amizade e eventualmente um namoro. Em relação aos objetivos da Pagla, inicialmente era ajudar aqueles jovens que estavam desesperados, mas ao longo do tempo, o caráter do grupo foi mudando, apesar de seguir com o apoio para esses casos, os membros tiveram uma forte interação nas listas e a vontade de se conhecerem pessoalmente foi surgindo e logo relatos de reuniões começavam a ser divulgados. A mudança do enfoque do suporte e apoio mútuo para um grupo de amizades foi um dos pontos de discórdia que colaborou para que Yuzuru deixasse o projeto, mas Lico por um tempo manteve o site e as listas de discussão. O entrevistado conta que ainda começaram haver brigas internas nas listas, ocasionando um desgaste e esvaziamento e que também crescentes ameaças físicas e judiciais de pais dos participantes da Pagla, que não aceitavam a homossexualidade de seus filhos, acusavam a organização de estimular um comportamento desviante. Lico, completa que diferentemente de hoje, não havia legislação que amparasse esse tipo de grupo, bem como seus responsáveis, o que gerava temor entre estes, também jovens e muitas vezes não completamente assumidos em suas famílias. O E-jovem foi criado em 2001, em princípio um site e uma lista de discussão. A ideia do projeto começou quando Deco utilizava o mIRC, uma ferramenta de bate-papo, em meados de 1998. Disse que era possível encontrar canais com a temática gay: Gay Brasil, Gay SP, Gay Rio, etc, mas que frequentava principalmente o Gay Jovem. O entrevistado conta que apesar de seus 28 anos, se identificava com os mais jovens, pois ainda estava em processo de aceitação, nunca havia namorado, saído para lugares gays. Nota-se que a Internet e a formação de comunidades virtuais LGBT ao romper com o isolamento, juntava jovens de diferentes lugares e faixas etárias, mas que se identificavam por estarem passando exatamente pelo mesmo processo de conhecimento da própria sexualidade, que era socialmente estigmatizada. Com o passar do tempo, Deco e outros participantes mais constantes do canal perceberam que os novos usuários sempre apresentavam as mesmas questões: será que 7

sou gay? Como contar para a família e para os amigos? Qual a melhor forma de se assumir? Então, decidiram criar um site de referência para deixar essas perguntas respondidas. O nome E-jovem, remete ao E de e-mail, que junto ao termo jovem fazia uma alusão aos jovens gays conectados, buscando seu lugar no ciberespaço e no mundo. Em 2002, após um ano de criação do site e da lista do E-jovem, assim como na Pagla, as pessoas começaram a querer se encontrar pessoalmente. Quando o virtual e o presencial se encontram: a vontade de estar junto e ocupando o espaço público Os primeiros grupos se consolidaram com base no apoio mútuo a distância, mas com o passar do tempo, rompido o isolamento presencial por meio da sociabilidade virtual, cresce a vontade de estar junto, do se encontrar no mundo off line, processo também descrito por Nussbaumer (2008). Com o encerramento da Pagla, Nicky com o apoio de outros ex-integrantes do grupo, incluindo Lico, decide em 2002 criar ao XTeens. O nome da organização é uma menção ao X-Men, quadrinhos e filme sobre mutantes que enfrentam estigma e segregação por serem diferentes e buscam superá-los. O grande foco do XTeens é a sociabilidade de jovens LGBT. Além de promover referências, apoio mútuo, busca investir na difusão de possibilidades de entretenimento, aliado à intensificação da sociabilidade on line e off line. Lico, Deco e Nicky apontam que o apoio mútuo virtual apesar de não se extinguir, dá lugar ao viver junto presencial, à superação dos medos e angústias por meio do convívio e da materialização de uma nova possibilidade de si e de uma vida afetivo-sexual mais satisfatória. O XTeens e o E-jovem, além de promover os encontros, dão maior visibilidade aos jovens LGBT por realizar tais reuniões em espaços públicos como praças e parques. Assim como as comunidades eram moderadas e protegidas no virtual, nos encontros off line os jovens em comunidade buscavam um lugar público relativamente receptivo às pessoas LGBT e em grupo demarcavam o espaço e se protegiam mutuamente no ambiente presencial. Por exemplo, realizar piqueniques no Parque do Ibirapuera e hastear ou colocar no chão uma grande bandeira do arco-íris, símbolo da diversidade sexual. 8

Nicky quando indagado se havia tido algum tipo de discriminação por parte do público geral, disse que não, no máximo vinham conversar e outros passaram a ingressar no grupo por conta dessa ação. Ele ainda acredita que como haviam muitos participantes, as pessoas ao redor ficavam intimidadas em manifestar seu preconceito e discriminação. E sublinha que apesar da lista de discussão ser nacional, os encontros presenciais aconteciam sobretudo na cidade de São Paulo. A extensão e materialização dos grupos, do virtual ao presencial, além de fortalecer os laços de amizade e acolhimento na organização pelo investimento na sociabilidade off line, também passou a promover a visibilidade pública dos grupos e da questão da juventude LGBT, os jovens puderam ser eles mesmos nos espaços públicos, no cotidiano, e a ação presencial atraiu novos membros para o grupo. Deco soube utilizar o desejo de estar junto nas diversas cidades e Estados do país para incentivar a organização de núcleos do E-jovem, assim nasce o E-jovem enquanto uma rede nacional. Outro fator que o influenciou nessa estratégia foi o fato de a Internet naquela época ser restrita a uma reduzida parcela da população, os encontros, para além da sociabilidade, seriam um meio de divulgação e de agregação de novos membros. Os encontros off line reverberam em outras questões como a intensificação dos relacionamentos afetivos entre os participantes das listas e a redução da necessidade do anonimato e do uso de apelidos. Sobre os apelidos, dado seu uso nas comunidades virtuais, os jovens passaram a se referir uns aos outros, mesmo presencialmente, pelos nomes conhecidos na Internet. Alguns adotaram seus apelidos para se identificar nos espaços LGBT e outros até mesmo para se identificar em todas as esferas da vida, como se fosse o seu novo nome. Tendo a analisar o reforço do uso do apelido de forma generalizada como uma afirmação daquele que entrou isolado, cheio de dúvidas na Internet, avançou no processo de conhecimento da sua sexualidade e agora impõe ou anuncia à sociedade o seu “novo eu”, uma construção ora coletiva, ora uma nova construção identitária de si. Em 2002 foi criado o JAH por Felipe Moreira, na época um jovem de 17 anos, vindo do interior do Estado para São Paulo. Ele conta que recebeu um panfleto sobre um debate promovido pela Associação da Parada do Orgulho LGBT (Apoglbt)10 e decidiu participar. Durante o evento, ele pediu a palavra e fez um desabafo, de que não 10

Entidade responsável por organizar a Parada do Orgulho LGBT na cidade de São Paulo, fundada em 1999.

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havia nada para dar suporte aos jovens, que eles não tinham referência de como ser, de onde frequentar etc, então a Apoglbt o convidou para criar e coordenar um grupo de jovens LGBT. Felipe ainda conta que não tinha muito contato com a Internet e a partir do desafio de coordenar o JAH, passou a organizar reuniões presenciais semanais e que panfletava convites em locais de frequência juvenil LGBT no centro da cidade. Eram promovidas reuniões temáticas com um calendário estabelecido, os próprios jovens elencavam os assuntos a serem tratados e também haviam os encontros em locais públicos, como os realizados pelo XTeens. O JAH buscava dar conta das mesmas inquietações dos jovens LGBT daquele momento, mas diferente dos outros grupos, não surge de uma comunidade virtual prévia nem tem a Internet como meio fundamental de interação e lida sobretudo com jovens que não estavam conectados. O JAH ainda buscava encaminhamentos para casos mais concretos de violência contra jovens LGBT ou expulsões de casa pelas famílias. Ações coletivas: quando os grupos se encontram e participação junto aos órgãos públicos Em 2003, o E-jovem se converte em uma ONG e foram criados formalmente os núcleos, entre eles o E-Campinas e o E-Sampa11, que por sua vez passaram a participar da organização das Paradas do Orgulho LGBT em suas respectivas cidades. Felipe Moreira conta que pela Apoglbt ter um local fixo, acabou se tornado um lugar de referência para outras organizações, membros do E-jovem e do XTeens participavam eventualmente tanto dos encontros temáticos, como de reuniões para a promoção de ações e atividades. Por exemplo, em discussões com Nicky do XTeens, o JAH resolveu criar uma festa que ficou conhecida como Sábado Teen, uma matinê destinada aos jovens, sobretudo menores de idade que não podiam frequentar festas privadas por conta da minoridade legal, pois havia uma carência de espaços de lazer seguros para esse público. O evento que durou de 2003 a 2004 também servia para arrecadar fundos para custear a impressão de convites e outros materiais necessários para as atividades. Em 2004, Felipe Moreira deixa a coordenação do grupo por razões pessoais, que segue funcionando, apesar de certa rotatividade de seus coordenadores, seja por 11

O nome dos grupos locais levam o prefixo E-, como em E-jovem, mas com o nome da cidade, Estado ou região: E-Sampa (São Paulo), E-Pira (Piracicaba), E-POA (Porto Alegre) etc.

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questões pessoais, seja por influência da conjuntura da rotatividade da diretoria da Apoglbt. Em relação ao tema rotatividade de participantes e seus coordenadores, Deco do E-jovem explica que o movimento de juventude é muito dinâmico, um jovem que chega na entidade com 15 anos e fica até seus 17/18 anos passa por grandes mudanças em relação à situação de moradia, trabalho, faculdade, assim as próprias questões da “vida”, as novas prioridades, acabam o distanciando. Outro ponto é que a passagem dos jovens nesses grupos é necessariamente transitória, dado que em algum momento a pessoa atinge a idade limite, que varia entre 24 a 29 anos dependendo da organização, e então tem que deixar o grupo e seguir novos caminhos. Murilo Sarno, ex-coordenador do JAH, aponta que deram continuidade às reuniões semanais e aos encontros em locais públicos, mas que também intensificaram a divulgação do grupo em locais com concentrações de jovens LGBT como o Largo do Arouche ou a praça de alimentação do Shopping Tatuapé, junto ao qual inclusive tiveram que realizar uma intervenção envolvendo o Ministério Público, dado que a administração do estabelecimento passou a expulsar os jovens. Murilo ainda relata que o grupo produziu fanzines para informar e dialogar com os jovens LGBT e que uma grande experiência foi desenvolvida: a partir da demanda do E-Sampa: a Apoglbt realizou uma formação piloto voltada para jovens ativistas, a ideia era montar um curso com especialistas, apostilado, mas em linguagem simples, para prover jovens multiplicadores, que podiam tanto disseminar informações como também colaborar na formação de novos ativistas. Esse piloto se transformou no projeto Tenho Orgulho e Me Cuido (TOMC), que teve mais duas ou três edições abertas a qualquer jovem LGBT interessado. Os temas abordados eram: gênero e sexualidade; história da homossexualidade; história do Movimento LGBT; cidadania e direitos LGBT; cidadania e direitos da criança e do adolescente; comunicação e mídia; sustentabilidade de grupos; Prevenção em DST, Aids e Hepatites Virais. A existência do JAH colaborou para o encontro e certa articulação das organizações de jovens LGBT em São Paulo, e também para uma melhor interação com outras entidades LGBT não específicas de e para jovens. Em meados de 2007 o grupo foi desativado e por volta de 2011 até o presente momento (2013) há tentativas de sua reativação. 11

Por sua vez, o XTeens encerra seu site e suas listas por volta de 2009, também por conta de brigas nas lista e ao longo da existência do grupo, muitos deixaram de ser teens, o contexto social e a tecnologia foram mudando, as listas foram se esvaziando e o grupo não foi se refazendo. Em relação ao E-jovem, a partir de 2003 o grupo passa por dois processos: um de difusão, ampliação e estabelecimento de novos núcleos, virtuais e presenciais, nas cidades e Estados; e ainda articulação com outros grupos do Movimento LGBT tradicional. O E-jovem em 2004, realiza o primeiro encontro nacional de seus núcleos. Esse processo de estruturação e articulação segue até meados de 200812 quando é realizado um segundo encontro nacional. Na ocasião Deco havia alugado um imóvel que servia tanto para sua moradia como um espaço de encontro da organização. Deco disse que foi percebendo que haviam dois “momentos” para os jovens LGBT que chegavam até à organização: um receber suporte e outro de dar suporte, mas que depois disso saiam do grupo. Então resolveu apostar em uma nova vertente, incentivar que estes jovens LGBT mais experientes entrassem em partidos políticos e ocupassem espaços de participação e controle social junto aos poderes públicos, no sentido de buscarem promover transformações sociais em mais ampla escala. Nessa linha, o E-jovem se torna pluripartidário e passa a participar de conselhos de diversas ordens em âmbito municipal, estadual e federal, por exemplo: Conselho Nacional de Juventude e Conselho Nacional LGBT, nas conferências de consultas sobre elaboração de políticas públicas e assim por diante. Em 2008, outra inovação do E-jovem foi criar uma rede social digital própria, específica para jovens LGBT, o E-kut, que claramente aludia a rede social Orkut da Google. No E-kut os jovens estavam protegidos de se expor junto a seus amigos e familiares que não sabiam de sua sexualidade. A rede oferecia a possibilidade de elaboração de um perfil pessoal, criação de comunidades virtuais e ainda contava com uma ferramenta de bate-papo. O E-kut durou de aproximadamente 2008 a 2012 e contava com certa de 3 ou 4 mil usuários no ano de seu encerramento. Uma interessante estratégia do E-jovem foi criar a primeira Escola Jovem LGBT em 201013. Deco conta que os jovens LGBT ao longo dos anos ganharam visibilidade, 12

Em 2013, a rede E-jovem possuía em torno de 22 núcleos em 11 Estados.

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A escola sediada em Campinas e 3 novas mini-escolas estão sendo implantadas em Piracicaba, São Paulo e Litoral (2013).

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mas que ainda não têm voz socialmente reconhecida, então resolveu montar uma escola que ofereça oficinas profissionalizantes de difusão da cultura jovem LGBT como: expressão gráfica (fanzine, revista e literatura); expressão artística (dança, música e drag-queen) e expressão cênica (webtv, teatro e cinema). Além disso, busca oferecer um ambiente no qual o jovem pode ser quem ele quiser, inclusive na relação com os colegas de curso. Deco ainda conta que apesar de investir no alongamento da permanência e do engajamento dos jovens, não abandonou o projeto inicial de apoio mútuo, inclusive o ampliou estabelecendo parcerias com equipamentos públicos para resolver problemas com os jovens na área de saúde, assistência social, psicológica e jurídica. Por fim, o entrevistado comenta sobre o impacto das mudanças da tecnologia para a organização: a ideia inicialmente era ser só o site e uma lista, mas que acabaram avançando para estruturação por meio da Internet e uma expansão para fora, presencial, e um diálogo maior com a sociedade, outras entidades e com o poder público. Ao passar do tempo, os jovens praticamente pararam de utilizar e-mail e a lista de discussão e foram migrando para a comunidade no Orkut, depois para o E-kut e atualmente para o grupo no Facebook, meio de comunicação mais utilizado atualmente. Apesar das facilidades oferecidas por esta ferramenta, ela não está promovendo uma intensificação da interação e do debate, pelo contrário tem trazido uma dispersão no âmbito virtual e que necessita ser repensada, segundo Deco. O Projeto Purpurina foi fundado em 2006 por Edith Modesto. Dentre as organizações analisadas, há uma distinção em sua gênese, o grupo foi criado por uma mãe que tem um filho gay. Ela relata ter passado, duplamente, pelas angústias iniciais parecidas às dos jovens LGBT: teve dificuldade em aceitar a homossexualidade do filho e passou a pesquisar sobre o tema na Internet, por conta do estigma e preconceito em um primeiro momento não tinha coragem de conversar abertamente com outras pessoas, então buscou informações sobre os conflitos e o processo de aceitação de pais e criou uma lista de discussão de apoio mútuo exclusiva para pais que passavam pela mesma dificuldade. Edith expressa que as suas motivações para a criação dos grupos dizendo: não querer que os pais passem pelo mesmo que ela passou, assim como também não quer que os jovens LGBT passem pelo o que o filho dela passou. Em 1997, ela funda 13

oficialmente o Grupo de Pais de Homossexuais (GPH) com objetivo de reaproximar pais e filhos homossexuais. Os jovens LGBT procuravam Edith com dúvidas sobre sua sexualidade, mas por seu conhecimento no processo de aceitação dos pais, queriam conselhos a esse respeito ou até indicar seus pais para frequentarem o GPH. A entrevistada conta que a demanda dos jovens foi tão grande, sobretudo por meio de e-mails, que ela decidiu criar o Purpurina com o objetivo de ajudar os jovens LGBT e promover a reintegração com as famílias. O nome do grupo é uma referência ao endereço de onde foram realizadas as primeiras reuniões. Quando questionada sobre a razão pela qual os jovens LGBT entram no grupo, Edith Modesto aponta: eles querem se encontrar, buscam uma identidade; querem ajuda para serem aceitos pela família; e buscam estar entre seus iguais, querem se sentir enturmados. Pode-se notar que há uma consonância nas motivações de criação das organizações analisadas, bem como no que buscam os jovens LGBT que as integram. Por sua vez, o Purpurina mescla essas duas estratégias: grupo de abrangência nacional no Facebook e duas reuniões presenciais em São Paulo, um encontro com temas pré-definidos e outro com debate sobre filmes relacionados às questões LGBT. Edith Modesto incentiva a criação do binômio GPH/Purpurina em outras cidades e Estados e projetos estão sendo iniciados em Sorocaba, Curitiba e Florianópolis. Edith conta que usou site e listas de discussão, mas hoje em dia, a dinâmica virtual do grupo se desenvolve basicamente no Facebook. Os encontros e a animação no Facebook são levadas a cabo por jovens coordenadores LGBT14. Edith diz que o grupo funciona com base no protagonismo juvenil monitorado, ela e mais um ou dois adultos acompanham o grupo, mas quem escolhe o tema, desenvolve as atividades, coordena o grupo virtual e o encaminhamento das reuniões são os próprios jovens. Os coordenadores contribuem nesse processo de esclarecer as dúvidas dos jovens em conflito pessoal, tanto na Internet quanto presencialmente. Ainda, Edith aponta que eles são importantes referências, servem de exemplo, modelo, para os outros jovens que estão chegando. O Projeto ainda formalizou parcerias com profissionais na área de saúde, de psicologia, e do direito para ajudar tanto a organização em si, como seus membros. 14

Em 2013, eram por volta de 10 jovens coordenadores.

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Parcerias também são firmadas com órgãos públicos no sentido de encaminhar jovens para serviços e Edith frequentemente convida técnicos e gestores públicos para participar dos encontros com o intuito de que conheçam a realidade e as necessidade desses jovens. Breves considerações O objetivo desse artigo foi realizar um exercício de aplicação da sociologia do engajamento e do netavismo à história das organizações de jovens LGBT com atuação na cidade de São Paulo. Tentei demonstrar que ao invés de pensarmos o virtual e o presencial como realidades distintas, pensa-las de forma articulada, suplementar. Tanto na formação da identidade pessoal e coletiva, mas também na passagem para a formação de comunidades, simultaneamente on line e off line, na organização e desenvolvimento das mesmas, nos processos de engajamento e na forma de articulação e realização de suas ações. Outro ponto é como os grupos se apropriam das tecnologias, mas também como o seu acesso, ou a falta dele, e as suas mudanças também alteram as dinâmicas sociais e militantes. Por exemplo, o desuso dos sites e das listas de discussão e a centralidade que o Facebook vem ganhando, por um lado colabora, mas também apresenta novos desafios. Em suma, esse foi um exercício sobre a “ação social em e na rede” 15 por jovens LGBT e seus grupos. Referências bibliográficas CARRANO, Paulo. A participação social e política de jovens no Brasil: considerações sobre estudos recentes. Revista O Social em Questão - Ano XV - nº 27, p. 83-99, 2012. DANILIAUSKAS, Marcelo. Relações de gênero, diversidade sexual e políticas públicas de educação: uma análise do Programa Brasil Sem Homofobia. Dissertação (Mestrado em Sociologia da Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. 15

DI FELICE, 2012a, p. 35. 15

DI FELICE, Massimo. Redes Sociais Digitais, epistemologias reticulares e a crise do antropomorfismo social. Revista USP, v. 22, p. 06-19, 2012a. DI FELICE, Massimo. Netativismo: novos aspectos da opinião pública em contextos digitais. Revista FAMECOS, v. 19, p. 27-45, 2012b. NUSSBAUMER, Gisele Marchiori. Identidade e sociabilidade em comunidades virtuais gays, in: Bagoas: revista de estudos gays, Brasil, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. – V. 1, n. 1/ Jul./Dez. 2007) – Natal, EDUFRN. SAWICKI, Frédéric; SIMÉANT, Johanna. Inventário da sociologia do engajamento militante: Nota crítica sobre algumas tendências recentes dos trabalhos franceses. Sociologias, v. 13, n. 28, pp. 200-255, 2011. SPOSITO, Marilia Pontes (coord.). Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira : educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006), volume 2. Belo Horizonte, MG : Argvmentvm, 2009.

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