Impactos da Leitura e da Escrita em Contextos Digitais nos Relacionamentos entre Leitor, Autor e Texto

July 23, 2017 | Autor: Luciana Viter | Categoria: Applied Linguistics
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Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015

Impactos da Leitura e da Escrita em Contextos Digitais nos Relacionamentos entre Leitor, Autor e Texto

Luciana Nunes Viter Universidade Federal do Rio de Janeiro

[email protected]

Resumo O presente estudo visa apontar e discutir possíveis impactos das tecnologias digitais na leitura e produção textual contemporâneas e nos relacionamentos entre leitores, autores e textos nesses contextos. Para esse fim, analisei as interações em dez diferentes grupos virtuais cujo principal objetivo comum de seus participantes era dialogar sobre leitura e produção textual.

Os resultados identificaram a

autopublicação, a intertextualidade, a leitura social e a leitura em dispositivos eletrônicos como as principais questões relacionadas à leitura e à escrita em cenários digitais dentre os tópicos abordados pelos membros dos grupos investigados. Palavras-chave: leitura digital, autopublicação, intertextualidade, leitura social.

Impacts of Reading and Writing in Digital Contexts in Relationships between Player, Author and Text Abstract This study aimed to point and discuss possible impacts of digital technologies on contemporary reading and writing and on the relationships between readers, authors 75 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 and texts in these contexts. In order to do this, I analyzed the interactions in ten different virtual groups whose participants main objective in common was talking about reading and writing. The findings identified self-publishing, intertextuality, social reading and digital reading as the main issues related to reading and writing in digital sceneries among the topics addressed by the members of the investigated groups. Keywords: digital reading, self-publishing, intertextuality, social reading.

Introdução O presente trabalho apresenta uma investigação de natureza exploratória na qual foram analisadas as interações entre participantes de comunidades virtuais de leitores e autores que se valem de contextos digitais e de seus instrumentos para suas interações a respeito de leitura e de produção textual. O principal objetivo desta análise foi identificar e discutir os aspectos mais significativos das possíveis mudanças provocadas pelas novas tecnologias na leitura e na escrita de nosso tempo a partir das perspectivas de seus atores. Um número considerável de autores vem se dedicando à pesquisa sobre diversos fenômenos relacionados à leitura e escrita em contextos digitais. No entanto, a acelerada velocidade do advento das tecnologias nessa área, assim como vem ocorrendo em outros campos da atividade humana, justifica a relevância de novas investigação com foco na natureza e nas consequências das transformações nesses processos tão vitais para a construção do conhecimento humano. Tratando-se de uma investigação de inspiração etnográfica, optou-se pela observação e descrição detalhada das perspectivas dos membros dos grupos investigados através da análise de seus discursos, conforme estes se apresentavam em suas respectivas comunidades digitais. A análise dessas interações buscou apresentar insights que pudessem vir a enriquecer a discussão sobre as transformações ocorridas na leitura e produção textual a partir de contextos digitais,

76 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 ainda que sem a preocupação de se obter generalizações necessariamente aplicáveis a outros contextos.

Revisão teórica Embora frequentemente a tecnologia seja representada através de objetos externamente reconhecíveis do mundo material, há tecnologias que não se consubstanciam em estruturas físicas concretas, como a linguagem, concebida e utilizada pelo coletivo da inteligência humana ao longo do tempo, à medida que os idiomas se estruturaram pelo uso e pelas múltiplas interações entre diferentes grupos (KENSKI, 2008). Como desdobramento da concepção da linguagem, a representação escrita se tornou uma das principais ferramentas para transmissão de conhecimentos da civilização humana. Os primeiros registros gráficos para comunicação eram gravados em suportes sólidos disponíveis em estado bruto, como pedras, até que a linguagem humana passasse a ser representada por meio de caracteres específicos, que posteriormente também passaram a ser registrados em superfícies mais flexíveis como papiros e pergaminhos. A utilização desses suportes para leitura e escrita requeria cópias manuais e códigos complexos, o que restringia a difusão de textos para leitura e legitimava o conhecimento valorizado pela escolaridade como mecanismo de poder e ascensão. Surgiu assim uma nova classe de excluídos: os iletrados, aqueles que não dominavam os meios de expressão necessários à leitura e escrita convencionais e que por essa razão encontravam-se alijados do acesso aos conhecimentos veiculados por esses meios (ANDERI; TOSCHI, 2012). A popularização do uso do papel, inventado pelos chineses há cerca de dois mil anos, favoreceu tentativas de criação de sistemas de impressão gráfica que culminaram com a revolucionária disseminação do uso da imprensa, aperfeiçoada por Johannes Gutenberg. Ainda que o acesso a livros “de papel” não tenha sido plenamente democratizado desde então, a adoção dos textos impressos gerou uma 77 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 verdadeira revolução pela facilidade de acesso ao conhecimento que passou a possibilitar. Atualmente, no entanto, ocorre outra revolução nos processos de leitura e escrita, desencadeada pelo desenvolvimento acelerado das tecnologias de informação e comunicação consubstanciadas no advento da internet e no acesso a aparelhos que facilitam a leitura em tela como e-readers e tablets. Essas mudanças ocorrem principalmente pela mobilidade e pela interatividade proporcionadas por esses dispositivos aliados a características específicas que os gêneros textuais assumem

no

meio

digital

(BARBOSA,

2004;

CHARTIER,

1999).

Como

consequência, diferentes práticas e dimensões processuais da escrita e da leitura são modificadas por essas inovações tecnológicas. Ao observarem esse contexto de transformações, Freitas (2005) e Lemos (2012) sugerem que muito mais do que os suportes eventualmente utilizados, é a natureza interativa da escrita e leitura exercitadas no ambiente digital que reforça características específicas como a intertextualidade e dialogismo nos gêneros textuais construídos,

veiculados

ou discutidos no ciberespaço, resultados,

sobretudo, do caráter aberto e descentralizado do hipertexto em ambiente digital. A partir dessas características, observam-se como principais traços da leitura e das expressões escritas no ciberespaço: a criação coletiva, a participação ativa dos autores e leitores, a obra aberta e a ênfase no processo (SOUZA, 2009).

Metodologia A perspectiva qualitativa que orientou a presente pesquisa pressupõe que quando se investiga interações humanas não há como estabelecer causas e efeitos precisos, mas apenas sugerir hipóteses que possam elucidar os fenômenos observados em função da dificuldade para controle de variáveis nesses contextos (DÖRNYEI, 2007).

Assim, os procedimentos investigatórios nessa abordagem

propuseram-se primeiramente a relatar e descrever do modo mais detalhado possível o que estava sendo observado para só então propor possíveis explicações. 78 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Em função dessas características, as etapas de geração e de análise de dados foram circulares e sobrepostas, permitindo ao pesquisador ajustar suas hipóteses iniciais diante de dados novos que eventualmente surgissem durante a realização do projeto. Tendo em vista esses pressupostos, o estudo de caso foi adotado como ferramenta metodológica por ser especialmente adequado para se obter uma descrição consistente de um processo social envolvido em um determinado contexto cultural (DÖRNYEI, 2007; YIN, 2009). O estudo de caso pode restringir-se a um único ou a múltiplos objetos de pesquisa, como ocorreu na presente investigação, onde se buscou analisar as interações ocorridas entre participantes de grupos cujos objetivos se relacionassem à discussão dos temas leitura e produção textual em contextos on-line. Essas interações foram examinadas em dez diferentes comunidades virtuais, relacionadas no quadro abaixo, em que a autora registrou suas percepções a respeito das interações nos contextos investigados em um diário de campo ao longo de doze meses.

Quadro 1: Comunidades digitais investigadas

A B

Número de Membros 1.294 3.728

C

4.069

D

4.711

E F G H I J

14.808 17.497 28.555 51.621 68.920 70.884

Comunidades

Principal(is) objetivo(s) Interações entre leitores. Interações entre leitores. Interações entre autores e leitores de obras publicadas em uma plataforma digital de publicação e leitura. Interações entre leitores de uma plataforma digital de publicação e leitura. Interação entre autores de textos. Interações entre leitores. Interações entre leitores. Interações entre leitores. Interações entre leitores. Interações entre leitores de livros digitais.

79 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Durante o período da investigação, foram destacados focos de discussões, comentários e depoimentos mais recorrentes relacionados às transformações ocorridas nos processos de leitura e escrita em contextos digitais. A pesquisadora teve acesso às interações nessas comunidades na qualidade de usuária regularmente inscrita e optou por omitir os nomes de seus membros e utilizar títulos fictícios paras as comunidades, a fim de preservar suas identidades quando da transcrição e análise de dados. Além dessa medida, foi solicitado consentimento expresso aos moderadores e participantes de todos esses grupos para a divulgação da investigação e para a reprodução dos trechos expressamente citados no trabalho, que são analisados a seguir.

Resultados Os grupos pesquisados se organizavam sob diferentes perspectivas, consoante suas peculiaridades. As condições para participação geralmente eram expostas de forma mais detalhada na apresentação de cada comunidade, com exceção dos grupos C e D, onde não havia regras de funcionamento explicitamente apresentadas. Nessas descrições dos grupos, eram frequentes as ênfases nos objetivos específicos de cada comunidade e nos termos mais elementares da chamada “netiqueta” (BISCALCHIN; DE ALMEIDA, 2011), disposições gerais que regulam e recomendam boas práticas nas interações em contextos digitais. Qualquer publicação não relacionada a livros será excluída automaticamente. (Grupo B) Ofensas, xingamentos ou brigas entre os participantes são proibidas. (Grupo A) Discriminação racial, credo, cor, religião e homofobia NÃO são toleradas de forma alguma no Beco. O descumprimento desta regra implicará no banimento do autor, sem aviso prévio. (Grupo I) 80 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Vocês são livres para postar aqui, contanto que não infrinjam as regras e não desviem o foco do grupo. Não é permitido pornografia, nudez e nem outros conteúdos impróprios. Se tiver alguma dúvida pergunte a um administrador. Evitem posts repetidos, procure sempre antes de postar. Caso existam muitas publicações iguais (flood) todas elas serão apagadas. (Grupo H)

Era relativamente usual que participantes desses grupos digitais buscassem se valer desses espaços para divulgação e suas próprias produções autorais e de suas páginas pessoais, fossem estas diretamente relacionadas aos objetivos do grupo ou não. Alguns dos grupos não faziam maiores restrições a esse tipo de divulgação, no entanto, a maior parte das comunidades limitava seu fluxo restringindo-as a espaços específicos, enquanto outras as proibiam parcial ou completamente:

O QUE PODE: Indicação de livros; Perguntas sobre livros; Críticas sobre livros; Indicação de promoções onlines; Divulgação de expecíficos)

blogs,

resenhas,

páginas,

grupos.(nos

links

O QUE NÃO PODE: Solicitação de e-mail's(conversem por inbox); Divulgação de canais, só no link de divulgação; Divulgação de escritores , só no link de divulgação ; Divulgação de Páginas/Grupos do face na timeline; Postagens ofensivas ou agressivas à um membro; Bullying; Pedidos de whats app( Se adicionem ou mandem por inbox) 81 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Xingamentos; Ofensas; Postagem + 18 anos Desrespeito aos gostos literários de Upar livros em pdf, exceto de sua própria autoria.

cada

um

(Grupo G) Divulgações só serão aceitas nas áreas específicas. Se precisar divulgar algo na timeline do grupo converse antes com algum administrador. (Grupo H) É PROIBIDO divulgar outras páginas ou grupos. É permitido divulgar, skoob, tumblr e blogs, no espaço apropriado. (Grupo I) (grifos originais)

Podem ser feitas divulgações desde que, tenham bom senso, não é necessário divulgar seu grupo/página 24h por dia (não serão aceitos posts repetidos, sendo assim , se você já divulgou, dê um UP na sua postagem e com moderação). Evite fazer propagandas de assuntos não relevantes como propagandas de páginas/eventos/sites fora do contexto do grupo. (Grupo J) Posts de BLOGS, SITES, PAGS E GRUPOS EXTERNOS, mas que estejam relacionados com leitura podem ser feitos, PORÉM em um link exclusivo que encontra-se logo abaixo. (Grupo B) (grifos originais) São permitidos anúncios de lançamentos de livros. Porém, em sequência de abusos relativos a publicações sobre outras páginas e blogs, não serão mais aceitos esses tipos de posts.(...) Fica expressamente PROIBIDO: Publicação de vendas individuais de livros. Links para páginas ou blogs, exceto se houver indicação que contém uma resenha de um determinado livro. Publicações para encontros sobre filmes e outros assuntos alheios a livros. (Grupo F) (grifo original) (grifo original) Não é permitido postar propagandas e nem fazer divulgação de livros, editoras e outras páginas. (Grupo A)

82 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 REGRAS: - Propagandas de livros estão PROIBIDAS! - Pode divulgar serviços de revisão, leitura crítica, etc - Pode divulgar chamadas de antologias, projetos de crowdfunding, etc - Postagem de CAPAS, POESIAS, TEXTOS OU SINOPSES, APENAS se for para tirar uma dúvida MUITO ESPECÍFICA. - Sorteios de livros são permitidos (APENAS UM TÓPICO DE PROMOÇÃO!) (Grupo E) (grifos originais)

É relevante registrar que o crescimento do fenômeno da autopublicação encontra-se diretamente relacionado à questão das postagens recorrentes para divulgação de livros lançados, que eram restritas ou proibidas pelas regras da maior parte dos grupos. Os meios digitais de divulgação e o advento da publicação por demanda de livros impressos tornaram as edições independentes acessíveis a qualquer autor que detenha um nível razoável de letramento eletrônico. Escritores podem publicar textos curtos ou longos através de páginas na internet dos mais diversos perfis: em websites e blogs próprios ou colaborativos, em comunidades digitais

específicas

e

em

redes

sociais.

Plataformas

de

autopublicação

exclusivamente digital como Wattpad e Widbook, e de autopublicação digital e impressa como Lulu, Kindle Amazon’s Direct Publishing, Smashwords, Blurb, Bookess, entre outras novas ferramentas do gênero, possibilitam a publicação de livros impressos e/ou em formato digital praticamente sem custo ou com baixo custo quando comparados a recursos convencionais de impressão.

Usa o wattpad e o widbook, é grátis, além de disponibilizar para leitura VC divulga pois tem muitos olheiros lá, a maioria do escritores que postam lá estão publicando seus livros através de editoras ! ((Participante do Grupo J)

83 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Se eu fosse você partia pra autopublicação. As grandes editoras hoje publicam pouquíssimo e as pequenas manipulam e roubam autores, fazendo vc bancar sua tiragem. (...) Publiquei meu livro pela Amazon e estou muito feliz! (Participante do Grupo I)

Essa autonomia para a divulgação do próprio trabalho é vista de forma positiva pela maior parte dos autores participantes dos grupos investigados. Entretanto, se tal liberdade propicia o exercício criativo da produção textual, por outro lado também apresenta aos leitores um número expressivo de obras que, em sua maioria, não sofreu o crivo de revisões ou críticas externas mais rigorosas.

Cuide do que entra na sua mente. Se for ler por ler, não leia porcarias. Livros, como em tudo nesse mundo, há os bons e os ruins. Quando não existia "autopublicação", qualquer livro tendia a ser um "bom livro", pelo menos em redação, pois havia redatores e revisores de olho no produto. Hoje, me parece, há mais maus do que bons livros. Portanto, escolha com muito cuidado, pois o que você colocar em sua mente, não sai mais. (Participante do Grupo C).

Diante do aumento da oferta dessas publicações, esses autores disputam seus potenciais leitores tentando capturá-los divulgando seus trabalhos de forma por vezes agressiva em espaços virtuais que considerem como seu público-alvo. No entanto, essas estratégias aparentemente não obtinham grande sucesso nas comunidades pesquisadas, visto que parte dos autores e leitores mais experientes nesses

contextos

demonstravam

encarar

com

desconfiança

as

obras

autopublicadas: Sem falar de como isso [a autopublicação] "suja" o nome dos autores nacionais, e acaba criando certo preconceito da parte dos leitores. É cada porcaria que é publicada... (Participante do Grupo E)

84 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Autopublicação é legal se você quer ser o escritor da família e presentear todo mundo, no mundo editorial é o maior queima-filme. (Participante do Grupo I)

O crescimento da autopublicação é uma das facetas das mudanças ocorridas nos modos de produção dos livros e dos textos provocadas pelas tecnologias que também transformam a própria relação entre leitor-leitor e leitorautor (TAVARES, 2012). A experiência de leitura comunitária, por exemplo, que já existia desde os suportes mais tradicionais de leitura através dos círculos de leitores e grupos culturais, é potencializada pelo nível de compartilhamento proporcionado pela web. Em contextos digitais, além de publicar seus próprios comentários sobre um livro, o leitor pode ler os comentários de outros leitores da mesma obra, verificar quais trechos foram destacados e interagir com outros leitores e, eventualmente, com os próprios autores (CORDÓN-GARCÍA; ALONSO-ARÉVALO; GÓMEZ-DÍAZ; LINDER, 2013). Destacam-se como meios on-line onde essas interações entre leitores e autores ocorrem, os blogs, as redes sociais e os grupos de discussão, a exemplo dos que são investigados neste trabalho. Porém, além desses espaços digitais que também se prestam a vários outros tipos de interação, há redes on-line especificamente voltadas para leitura colaborativa como Goodreads e Skoobs, e plataformas para a autopublicação eletrônica com forte ênfase na leitura social como Wattpad e Widbook: Alguém tem uma rede social que seja sobre livros pra me indicar ???? Desde já obrigada !!! (Participante do Grupo G)

Goodreads é muito legal, mas ainda não tem muita coisa em português... Não conheço os outros, mas o Skoob é tudo de bom e supre as minhas necessidades, super organizado. (Participante do Grupo G, em resposta)

Os fluxos hipertextuais de depoimentos nesses cenários permitem que os leitores comentem e teçam críticas não somente aos textos em discussão, mas 85 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 também às próprias resenhas sobre os mesmos em um continuum colaborativo online (FIRMINO JÚNIOR; BEZERRA, 2011). Essas dinâmicas vão ao encontro de perspectivas que concebem o futuro dos livros digitais como itens a serem acessados através de plataformas on-line interativas ao invés de produtos eletrônicos a serem baixados e armazenados pelos usuários em modo local (O’REILLY, 2014). Cada vez vai ser + fácil vc ler livros em qualquer plataforma digital, por isso é bom estar nelas. A internet será o berço do livro, só depois e se atingir certa relevância, é que será editado e impresso, essa parece a grande tendência... (Participante do Grupo D)

Ilustrando esse fenômeno, era muito comum as interações dos membros nos grupos ocorrerem a partir da troca de opiniões sobre obras ou gêneros específicos ou da consulta de um membro aos demais sobre as recomendações negativas ou positivas quanto á leitura de um determinado livro:

Bom, tenho esse livro [Jogos Vorazes de Suzanne Collins] há uns 2 anos e nunca li. O principal motivo foi o fato de vários fãs com quem conversei terem sido mal educados comigo e nunca falarem direito sobre a história, só ficavam no "Ai, que perfeito" ou "Katniss deveria ter ficado com Fulano". Não estou menosprezando a opinião de ninguém, só que gosto de opiniões relevantes. E é por isso q estou aqui. Gostaria de saber opiniões sérias sobre a trilogia para q eu possa dar uma chance. (Participante do Grupo H)

Eu odeio a escrita da Collins, tem momentos em que você simplesmente não faz ideia do que está acontecendo. Primeiro porque ela não consegue formar algo coerente, segundo porque é tudo muito apressado. Existem cenas que deveriam arrancar algum sentimento de você, mas que não despertam absolutamente nada porque você simplesmente não entendeu. (Participante do Grupo H, em resposta)

86 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Sinceramente? Leia esse livro . Pode parecer confuso no início mas vale a pena, a história é bem diferente dos livros que eu costumava ler antigamente. Discordo quando alguém fala que a Suzanne escreve mal, gosto bastante da narrativa, mesmo parecendo confusa em algumas partes (nas que falam sobre o sistema de governo ) pois é uma ficção bem distante da realidade . Eu gostei da personalidade da protagonista, dos relatos da pobreza e luta pela sobrevivência em uma sociedade completamente desigual. (Participante do Grupo H, em resposta)

Os participantes das comunidades investigadas por diversas vezes demonstraram valorizar bastante as referências obtidas de outros leitores, frequentemente considerando-as diferenciais decisivos para suas escolhas de leitura, como evidenciado no depoimento abaixo:

Eu não vou pagar por algo que não sei se vale a pena. Talvez alguém se ofenda mas sério, Joãozinho pode ser um mega escritor mas eu nunca li nada dele, não tenho ninguém de confiança recomendando o sujeito. Você acha que vou gastar meu suado dinheirinho só porque a sinopse é interessante e a capa é bonita? Prefiro guardar meus trocados pra comprar o novo do Stephen King. (Participante do Grupo E) (grifo meu)

Ainda que as descrições dessas comunidades, em sua maioria, se referissem ao termo livro em sua acepção mais genérica como seu principal objeto de discussão, eram as obras de ficção que predominavam como focos das interações entre seus participantes. E no âmbito das interações a respeito desses livros em específico, um tópico se destacava com relativa constância: a questão da intertextualidade em adaptações de obras reconhecidas elaboradas por fãs, as chamadas fan fictions1. Nos depoimentos abaixo, por exemplo, os membros de um 1

Fan fictions: nesse gênero de texto digital, os autores estendem e alteram livremente o enredo da obra original, desenvolvem novos relacionamentos entre personagens existentes ou criam novos personagens, além de frequentemente mesclarem materiais de outras fontes e itens multimidiáticos nos textos produzidos, que são intensamente discutidos pelos seus leitores (BLACK, 2006, p. 173).

87 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 grupo comentam sobre as relações entre uma obra original e outra(s) derivada(s), expondo suas percepções a respeito das estruturas dessas obras, estabelendo interrelações entre ambas ou comentando a ausência dessas interrelações, conforme suas perspectivas:

Acabei de descobrir que 50 Tons de Cinza é/era uma fanfic de Crepúsculo. ok. Alguém pode me dizer o que um tem a ver com o outro? Não consigo enxergar as semelhanças que uma fic costuma ter com a obra original... (Participante do Grupo J)

Algumas cenas são idênticas. (Participante do Grupo J, em resposta)

Sério que vc não consegue enxergar semelhanças?! Quando li 50 tons não gostei nem um pouco aí descobri que surgiu de uma fanfic de Crepúsculo e tudo fez sentido pra mim. (Participante do Grupo J, em resposta)

Wallbanger tb eh baseado numa fanfic de Crepúsculo e não tem nada a ver ela soh usou os mesmos personagens e um cretino irresistível tb era uma fanfic soh usando os personagens... (Participante do Grupo J, em resposta)

Então vc não prestou atenção... se vc prestar bastante atenção até as falas são idênticas... tem mtas falas e cenas do Christian idênticas ao Edward. (Participante do Grupo J, em resposta)

A estrutura geral e igual ao Crepúsculo: 1º livro: conhecem-se, é muito bonito - 2º separam-se, há confusões 3º casamento + filhos blá blá blá. No geral tudo que seja fanfic de Crepúsculo segue este tipo de estrutura. (Participante do Grupo J, em resposta)

Ainda quanto aos desdobramentos da intertextualidade em contextos digitais, alguns leitores habituais de livros em plataformas eletrônicas apresentaram seus julgamentos críticos a respeito da proliferação de subgêneros surgidos a partir 88 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 da popularidade de determinadas obras, reivindicando maior criatividade por parte dos autores que publicam nessas plataformas. Essas posturas ressaltam o maior empoderamento percebido pelos próprios leitores a respeito de suas escolhas de leitura: Não quero ofender ninguém é só uma opinião e cada um tem seu estilo, mas até na literatura está com uma modinha de livros que seguem o mesmo estilo de 50 tons de cinza... São muitos mesmo e falo no wattpad. Não é só porque ele fez sucesso que escrevendo o mesmo gênero automaticamente vai fazer também. Vamos ser mais originais, quero ler coisas novas. Grato att. (Participante do Grupo C)

Então o que ele quis dizer é que está enjoado em entrar no Wattpad e ver sempre as mesmas histórias sem graça. Sempre a mesma coisa. (Participante do Grupo C, em resposta)

Acredito que cedo ou tarde isso acaba, afinal a "moda" passa e quando esse tipo de leitura se tornar cansativa ou repetitiva, ficarão os que tem capacidade de criar e escrever algo que vá além ... Lembramos que os leitores é quem são os responsáveis pela "fama" de uma história, enquanto houver quem lê e curte esses clichês, vai haver quem se foque nisso. Eu apelo aos livros físicos quando o acervo Wattpad não satisfaz o meu gosto. Felizmente há sempre uma alternativa. (Participante do Grupo C, em resposta) (grifo meu)

Outros tópicos de discussão frequentes relacionavam-se às experiências com novos suportes para leitura. Usuários trocavam impressões sobre o uso de diferentes dispositivos de leitura e/ou comentavam sua preferências quando se tratava de escolher entre livros impressos e livros eletrônicos. Quando o assunto foi colocado em pauta em uma comunidade voltada especificamente para a leitura em suportes digitais, previsivelmente predominou a preferência por esses tipos de dispositivo para leitura durante a discussão:

89 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Existe muita diferença entre o Kindle e um livro impresso? Digo assim, vocês que estão acostumado ao aparelho, já o olham como um "papel" ou ainda olham como um "dispositivo de leitura para ler"? A leitura é tão fácil e habitual como num livro impresso, ou o fato de ser um dispositivo eletrônico ainda "impede" disso? (Participante do Grupo D)

Carlos, eu adorava livros fisicos, relutei um pco p comprar o kindle e hoje gosto mais de ler pelo kindle do que pelo papel, me adaptei mt bem alem da diversidade de livros que encontramos em ebook. (Participante do Grupo D, em resposta)

Pra mim as funcionalidades que sempre tive se mantiveram, como marcar, rabiscar, etc (uso acadêmico) , como facilitou a consulta a dicionários e facilidade de não ter que carregar um ou dois quilos de papel. Claro que eu não deixei de comprar e ler o impresso. Mesmo pq ainda não temos tantos títulos. (Participante do Grupo D, em resposta)

Pra mim, depois que conheci o Kindle até hoje, já tem 03 anos, nunca mais parei de ler. Antes só lia de vez em quando. O negócio é tão bom que vicia se não tiver cuidado. Só compro em papel o que não é vendido digital. (Participante do Grupo D, em resposta)

É melhor que papel. Não vejo como "um dispositivo", para mim agora é a melhor maneira de ler. Acho até estranho ler em papel de novo. (Participante do Grupo D, em resposta)

Características como portabilidade, facilidades

para armazenamento,

acessibilidade, recursos adicionais, modernidade, custo reduzido e versatilidade de uso foram valorizadas como vantagens pelos usuários de suportes digitais de leitura:

Assim como muita gente prefere o livro físico, outros preferem os ebooks pela praticidade e leveza (sim, estou falando do peso e da questão de ter ou não espaço físico em casa para guardar tanto livro). (Participante Grupo I) 90 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015

Levo aonde quiser, tenho 32 gb de memória e várias coisas além da leitura. (Participante do Grupo H).

Pense nas pessoas que se mudam com frequência e naquelas que moram em locais bem pequenos. Ter vários livros físicos é uma dor de cabeça! O ebook vem para auxiliar essas pessoas também, que podem ter vários ocupando apenas o espaço de um tablet, ou kindle ou seja lá o que for que aquela pessoa usa. (Participante do Grupo D)

Minha opinião: eu não gosto de ler livros físicos. Sério mesmo. Prefiro mil vezes o digital, leio no meu tablet em qualquer lugar e ele volta no ponto onde parei. EU só compro e-books. (Participante Grupo G)

Prefiro e-readers... Moro em apartamento, não possuo espaço para organizar/expor livros... Gosto de manipular os tipos e tamanho das fontes, assim como a praticidade de segurar o ereader com apenas uma das mãos... amo ler no escuro... Também gosto dos dicionários embutidos, o acesso a internet em trillers históricos e me agrada a ausência de ácaros... carrego todos os meus livros comigo além do acesso aos mesmo pela "nuvem"... livros digitais são mais baratos... and, that's the future.. (Participante do Grupo J)

As pessoas se esquecem que no escuro os livros não servem pra nada... Já os e-readers.... Tb sou da opinião que o que importa é a obra. Não tenho paciência pra gente que não olha pra frente. (Participante do Grupo H)

Como sempre gostei de livros físicos pensei que nunca me acostumaria [a ler em um e-reader]. E eu não poderia estar mais errado, a tela é perfeita para ler! Consegui manter a leitura interrupta por mais tempo que geralmente consigo. Enfim, para quem gosta de ler e não de colecionar livros, recomendo muitíssimo o aparelho. Foi uma doce surpresa! (Participante do Grupo E)

91 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Paradoxalmente, usuários frequentes de suportes digitais para leitura manifestavam expressa preferência pelas características de um livro convencional mesmo ao lerem um livro em formato eletrônico, encarando essas possíveis similaridades como uma vantagem de uma determinada plataforma ou formato.

O que mais me chamou a atenção [na plataforma Widbook], foi como leitora ter a sensação no computador de estar lendo um livro físico, uma vez que abre a estória selecionada, você vira as páginas e isso é fenomenal! (Participante do Grupo I) (grifo meu)

Olha, vc pode até comprar um tablet mas com o tempo ficará com as "vistas cansadas". Melhor comprar um e-reader, vc terá uma semelhança gritante com relação a um livro de verdade. (Participante do Grupo J)

Outros participantes, todavia, se queixam de questões técnicas que eventualmente dificultavam o acesso à leitura nesses suportes, como formatações inadequadas e perda de arquivos armazenados, e/ou apresentam depoimentos que revelavam pouca experiência com esses dispositivos de leitura e com a leitura de livros especificamente editados para leitura digital (os ebooks):

Tenho que confessar uma coisa. Nada me deixa mais desconfortável que um livro mal formatado no Kindle. Isso tira minha tranquilidade. Na última sexta tive que ler um livro que foi convertido de PDF para mobi: sem capítulos, quebras de linhas em lugares errados, os títulos dos capítulos muitas vezes sem formatação. Vocês sentem o mesmo? (Participante do Grupo D)

Oi grupo. ... Estou muito triste perdi minha biblioteca de pdf. .. Não todos pois ainda tenho alguns no meu celular. .. mais os q ficaram no meu tablet, q foi cerca de uns 130 livros perdi todos.... (Participante do Grupo B)

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Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 Pessoal, Alguém aqui tem o kobo?? eu tenho faz um tempo e coloquei alguns arquivos em pdf, mas quando eu abro as letras fica, muito pequenas, ilegíveis... Alguém sabe o que eu tenho que fazer, alguma conversão diferente??? não entendo nadaaaa!!! help me please kkkkkk (participante do Grupo G)

Completando esse quadro de diversidade quando o tema era a preferência por suportes de leitura, alguns participantes manifestaram de modo absoluto sua preferência pela experiência de leitura em livros impressos em detrimento da leitura em suportes eletrônicos, ainda quando se tratavam de indivíduos bastante letrados digitalmente: Eu prefiro ler sempre o livro físico, adoro folhear e ler mesmo quando assisto TV. Gosto do cheiro do livro ou revista. (Participante do Grupo D).

Desculpa os viciados por download e livros digitais, mas adoro o cheirinho de livro novo...rsrs (Participante do Grupo J)

Eu leio PDF no celular mas não é a mesma coisa que o livro físico... (Participante do Grupo D)

Nada contra a tecnologia... eu prefiro o livro de papel, poder virar a página e sentir o cheiro do papel enquanto lê não tem ebook que satisfaça isso... mas quando a gente não tem como encontrar o livro impresso até dá para encarar um ebook de vez em quando... (Participante do Grupo J)

Nao tem como comparar nao... o livro mesmo de papel é muito melhor ^^ a emoção de ver o volume de paginas q vc já leu e que ainda falta para ler... ^^ mas os e-books sao bons da sua maneira, a praticidade e portabilidade maior no caso de volumes maiores... e talz.. eu gosto muito de reler livros... entao acabo lendo no formato eletronico para conhecer novos titulos e quando gosto trato logo de

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Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 comprar pois sei que vou revisitar aquele pequeno grande mundo mais e mais vezes ^^ (Participante do Grupo J)

No futuro não sei, mas acho, pelo menos para mim, sentir o papel em suas mãos, passando cada página sentindo o cheiro de livro novo, é simplesmente insubstituível. (Participante do Grupo F)

Nossa eu sou meio maluca quando compro um livro, eu olho cada detalhe, agarro, cheiro, beijo, é um caso de amor rsrsrs... O e-book é muito bom, mas deixa esse vazio. (Participante do Grupo B)

Tinha uma paixão avassaladora desde pequena por livros... sempre comendo páginas...agora fui apresentada a algo novo e bem divertido..! Mas fiko na dúvida quando digo o que prefiro. Afinal,obter conteudo é o que interessa,não? Mas se fosse um jogo rápido diria que amo o cheiro dos livros, amo passar as páginas, amo sentir as páginas principalmente dos livros de sebo, que sei que já foram lidos ...então a resposta seriia Livro! (Participante do grupo J)

É interessante observar que esses participantes justificam suas preferências representando os livros impressos como objetos de experiências sensoriais, tanto de caráter tátil (tocar as páginas) como de caráter olfativo (sentir o cheiro dos livros). A experiência da leitura em si mesma nesses diferentes dispositivos não era discutida com frequência, salvo exceções como a apontada neste excerto em que a diferença de experiências de leitura é relativizada:

Pra mim o e-book ou o livro físico dá no mesmo, porque eu não tô nem aí pra capa, pra cor da capa, pra cor do papel, pro cheiro do papel, etc. Isso é tudo frescura. O que me importa na literatura é o texto, o conteúdo e as características que me fazem não desgrudar da leitura. (Participante do Grupo E)

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Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015

Considerações finais O principal objetivo desta pesquisa exploratória foi identificar e debater as repercussões das alterações em curso na leitura e na produção escrita em função dos adventos das tecnologias nesses processos, a partir das perspectivas de seus participantes. Para tanto, foram investigadas as interações entre os membros de dez comunidade virtuais organizadas com foco na discussão de temas referentes à leitura e à produção textual. Ao longo de doze meses, a autora, que também era participante desses grupos, manteve um diário de campo onde registrava as interações mais significativas para os temas em investigação e que serviram de base ao presente trabalho. Após o término do período da pesquisa, foram identificados os seguintes tópicos como principais objetos de discussão relacionados aos temas leitura e produção textual em contextos digitais: a autopublicação, a intertextualidade, a leitura social e a leitura em dispositivos eletrônicos. As ênfases verificadas em tais temas e nos conteúdos registrados nas interações de modo geral permitem sugerir que os seguintes traços se mostram mais característicos dos processos de leitura e produção textual em contextos digitais, a partir das perspectivas apresentadas:

a) A participação direta de leitores (e de autores) nos processos de leitura (e de escrita) por meio de interações em espaços como as redes sociais e redes de interações específicas de leitores. b) O surgimento e evolução de plataformas de autopublicação que respondem às demandas de quem deseja publicar seus textos com mais facilidade, ainda que sem a perspectiva de com essa atividade obter vantagens

financeiras

ou

de

outra

natureza

que

sejam

mais

significativas do que simplesmente serem lidos por um número maior de pessoas.

95 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 c) As interações e avaliações sociais on-line de leitores tendo peso crescente na valoração positiva ou negativa de uma obra diante de sua potencial nova audiência. d) A intensificação do dialogismo entre textos representado pelas múltiplas citações,

adaptações

e

superposições

de

produções

textuais,

especialmente as que são veiculadas na web, inclusive os diálogos com transposições para outras mídias que são discutidas de forma central ou periférica quando os livros que as originaram são mencionados. e) O uso crescente de dispositivos eletrônicos para leitura, como e-readers e tablets, principalmente em razão de mobilidade e facilidade de armazenamento de conteúdos que oferecem. Todavia, um número expressivo de leitores não constata alterações positivas de suas experiências de leitura nesses suportes de leitura digital nem manifesta preferência pela leitura em tela.

O fato de que as telas eletrônicas estejam se tornando interfaces privilegiadas da cultura em nosso tempo afeta o ecossistema de criação e consumo de conteúdos culturais por se basearem em novos paradigmas como a mobilidade e a intensificação das interações sociais on-line (CORDÓN GARCÍA ET AL, 2013). Nesse cenário, seria possível considerar que os livros se transformariam gradativamente em relíquias. Entretanto, mais pessoas estão escrevendo e lendo e mais autores publicando, especialmente em contextos digitais (ANDERI; TOSHI, 2012; O’REILLY, 2014). Desse modo, constata-se que o suporte livro assim como os próprios papéis de autores e leitores se renovam e transformam a partir das mudanças geradas pelas novas tecnologias. Diante de tais fatos, espera-se que a presente investigação possa ter contribuído para a melhor compreensão dos fenômenos relacionados à leitura e à escrita em contextos digitais que abordou, ainda que os limites do presente estudo tenham permitido apenas uma análise de caráter exploratório das interações 96 Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Comunicação Laboratório de Pesquisa em Tecnologias da Informação e da Comunicação – LATEC/UFRJ

Volume 5 - No 1 – Janeiro/Junho de 2015 investigadas. Assim sendo, recomenda-se que tópicos ora focalizados, como a emergência das redes de leitura e das plataformas de autopublicação, possam vir a ser objetos de pesquisas ulteriores, incluindo a investigação das possibilidades que o uso essas ferramentas possam oferecer para contextos educacionais.

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Sobre a autora

Luciana Nunes Viter Graduada em Letras Português-Inglês (FERLAGOS), especialista em Informática na Educação pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) e em Tradução Inglês-Português pela Universidade Gama Filho (UGF). Mestra e doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde participa do Núcleo de Pesquisas Linguagem, Educação e Tecnologia (LingNet/UFRJ). Professora de Língua Inglesa no Centro de Vocação Tecnológico (CVT) da FAETEC. Seus tópicos de interesse em pesquisa, centrados no relacionamento entre cibercultura e aprendizagem, compreendem o engajamento discente no uso das tecnologias para o aprendizado de línguas, a elaboração e compartilhamento de recursos didáticos em ambientes on-line e a produção de textos e a formação de leitores em contextos digitais.

Revista Hipertexto, Volume 5, No 1, Janeiro/Junho de 2015. ISSN: 2236-515X. Este artigo foi submetido para avaliação em 29/11/2014 e aprovado para publicação em 12/1/2015.

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