IMPACTOS DAS DECISÕES ADMINISTRATIVAS DO JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE POLÍTICA DE VINCULAÇÃO DO GASTO À REALIZAÇÃO DA FINALIDADE INSTITUCIONAL

June 6, 2017 | Autor: Haniel Sóstenis | Categoria: Direito Administrativo, Teoria Da Decisão Judicial
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1 IMPACTOS

DAS

DECISÕES

ADMINISTRATIVAS

DO

JUDICIÁRIO.

NECESSIDADE DE POLÍTICA DE VINCULAÇÃO DO GASTO À REALIZAÇÃO DA FINALIDADE INSTITUCIONAL. Haniel Sóstenis Rodrigues da Silva1

RESUMO: O texto, ao reconhecer a importância da necessária adoção de critérios para a tomada da decisão judicial, chama à atenção para que as decisões administrativas dos tribunais também devam seguir criteriologia. Essa criteriologia deve, a princípio, ter como centro gravitacional a chamada “finalidade institucional”. As decisões administrativas que possuem natureza de gestão do tribunal devem estar compatíveis com o comando constitucional da necessária motivação (art. 93, X, CR), atender ao princípio da legalidade e, não menos importante, ter relação direta com o desenvolvimento das finalidades institucionais do órgão. Tem-se observado, entretanto, que apesar da finalidade institucional do poder judiciário ser de resolver conflitos – diria o articulista que a finalidade primária está adstrita a julgar os processos, mas esse tema não é objeto do artigo –, rotineiramente decisões administrativas são tomadas totalmente ao largo dessas finalidades, refletindo inevitavelmente em desvirtuamento da decisão administrativa, com consequente prejuízo da realização da atividade primária, diante da limitação dos recursos. Palavras-chave: Fundamentação. Decisão administrativa. Finalidades institucionais. 1. INTRODUÇÃO Não há dúvida de que a adoção de critérios objetivos que racionalizem a tomada das decisões judiciais de natureza jurisdicional é premente, daí o surgimento de vozes alertando sobre o tema e o desenvolvimento de ciência sobre a matéria, que paulatinamente está tomando corpo na comunidade jurídica do país. São tímidas as vozes que pronunciam inquietação com relação às decisões tomadas em matéria administrativa pelos tribunais quando estamos diante de realização de despesas e gastos, rotina dedicada à gestão, a despeito de regra constitucional estar sendo diariamente infringida com relação a essa temática. Observar-se-á que não é raro – e é até comum – os órgãos judiciários tomarem decisões administrativas sem fundamentação, desprezando-se comando constitucional, grande parte das vezes onerando financeiramente o Estado.

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Pós-Graduado em Direito Constitucional. Universidade Anhanguera UNIDERP. Pós-Graduando em Teoria da Decisão Judicial. Escola Superior da Magistratura do Estado do Tocantins. E-mail: [email protected].

2 O Poder Judiciário parece ter se desvirtuado com relação à tomada das suas decisões administrativas de natureza interna corporis. O resultado disso é um órgão encarregado de censurar práticas ilegais do poder público, mas que por dentro pratica as mesmas irregularidades. Exemplos sobre essa conduta são apontados no desenvolvimento do trabalho e se verá que ainda são poucas as iniciativas que intencionam mudar esse quadro. 2. DESENVOLVIMENTO O artigo 93, inciso X, da Constituição do Brasil, determina a necessidade da motivação de todas as decisões administrativas dos Tribunais. Essa obrigação é reforçada pela Lei do Processo Administrativo Federal (art. 50, da Lei n. 9784/99). Entretanto, o comando constitucional nem sempre é observado. Não raro, os atos administrativos que carregam algo de fundamentação possui um caráter apenas pro forma; ou está desviado da ratio essendi justificadora do comportamento tomado. Para Alexandre MAZZA (2014, p. 112), a necessidade de motivação se deve pelo dever de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinaram a prática do ato (art. 2º, parágrafo único, VII, da Lei n. 9.784/99), pois a validade do ato administrativo está condicionada à apresentação por escrito dos fundamentos fáticos e jurídicos justificadores da decisão adotada. José dos Santos Carvalho Filho (2011, p. 132) ao estabelecer, com propriedade, que o ato administrativo deve preceder de motivo idôneo, sugere que se algum ato tivesse dispensada a motivação seria apenas o ato vinculado, pois a norma vinculadora já seria, por si só, o motivo da realização do ato. O impacto das decisões administrativas dos Tribunais tem passado despercebido. Chama a atenção principalmente as decisões que ordenam gastos e autorizam despesas, acessíveis apenas mediante a iniciativa do interessado em acompanhar as publicações do diário oficial. Os tribunais do nosso país, acompanhando o comportamento difundido pelo poder público, têm sofrido de um fenômeno que bem acolheria a antonomásia de consumismo supérfluo, até então só acometível a seres humanos – como são pessoas que gerem os gastos públicos, talvez não fosse de se esperar diferente.

3 Por consumismo supérfluo, quando se trata de pessoas, entende-se o gasto com bens ou serviços desnecessários, obsoletos quanto à utilidade prática. Pois essa mesma síndrome tem invadido os nossos tribunais, onde se gasta com bens e serviços desnecessários, quando fóruns estão precisando de reforma, não há material de expediente, existe deficiência de pessoal, dentre outras anomalias. As prioridades são prescindidas de atenção em benefício de outras situações totalmente irrelevantes e dissociadas das finalidades institucionais. Como exemplo, verifique-se o conteúdo de matéria jornalística de autoria de Mateus Coutinho, disponibilizada no portal de notícias Estadão na web no final do ano de 2015, dando conta de que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais estaria licitando salmão e filé para servir lanches a magistrados, decisão administrativa que geraria um ônus financeiro (débito social) de quase dois milhões de reais: 96 kg de filé mignon Friboi, 50 kg de filé de salmão e 96 kg de carne de sol. Isso e mais 600 kg de arroz e 32 kg de feijão carioca são alguns dos ingredientes que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG]) vai adquirir com dinheiro público para o “lanche” dos juízes e desembargadores da Corte no próximo ano. Os números dos alimentos “de primeira” constam do edital do TJMG publicado nesta segunda-feira, 26, que prevê a contratação, por 12 meses, de seis lotes de alimentos, incluindo bolos, frutas, pães de queijo e refrigerantes, para “a confecção de lanches para os desembargadores, juízes, tribunais do júri e eventos institucionais”, segundo a licitação 121/2015 do TJMG. O edital ainda prevê as marcas dos alimentos, sendo que o filé mignon e a carne seca devem ser Friboi e o filé de salmão, sem espinhas e escamas, deve ser da marca Atlântico. Infelizmente não se trata de comportamento isolado. É rotineira a prática dos tribunais com gastos supérfluos, tais como alimentos, coquetéis, veículos luxuosos, locação de ônibus e vans para tours durante “eventos jurídicos” (ou turísticos?), reserva de resorts para seminários e “encontros temáticos”, aquisição de aparelhos televisores de última geração, micro-ondas, sofás, fogões e cadeiras sofisticados (e demais eletros eminentemente residenciais), flores, jarros e decoração ornamental (incluindo natalinos), confecções de placas e medalhas para agraciar afetos, embelezar cerimônias e alimentar o capital da vaidade (salvo raríssimas exceções), apenas para exemplificar o que pode ser encontrado nos diários da justiça que correm todos os dias nos estados da Federação. Nada disso está afim à razão de existir do Poder Judiciário. A esses exemplos acrescenta-se um enigmático do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Criou e mantém, com dinheiro público, uma escola restrita à educação dos filhos e netos de servidores e magistrados – e que, por isso, não tem natureza pública (Decreto

4 Judiciário n. 255/2012, que circulou no Diário da Justiça Tocantinense de 31 de Agosto de 2012) – a despeito de (reitere-se) ser custeado pela sociedade. A motivação para gastos como os apontados está absurdamente dissociada das finalidades institucionais do Poder Judiciário, servindo para atender apenas ao capricho daqueles que se ocupam de gerir o gasto público, pois, infelizmente, estão mal preparados e mal conscientizados, além de não instruídos acerca da finalidade dos recursos financeiros disponíveis a um órgão público. Gerem a coisa pública da mesma forma como mal gerem a vida privada. Por mais que haja disponibilidade orçamentária, não pode(ria) o gestor destinar recursos para despesas desvinculadas das finalidades institucionais do órgão, daí a necessidade de ampla cobrança da doutrina, das entidades de classe e, mais ainda, da sociedade, para que as decisões administrativas sejam motivadas; não só publicadas, mas publicizadas; e realizadas levando em conta prioridades estabelecidas mediante plano de gestão, com necessária audiência pública e aprovação pela população diretamente atingida; além de, não menos importante, ter em conta a estrita observância do princípio da legalidade e do atendimento à finalidade institucional. Esse quadro está longe de mudança. Sobre o problema, Emerson Gomes (2015, p. 4) assim arrematou a situação: Infelizmente, a legislação atinente aos gastos públicos é escassa e assistemática. A doutrina, por sua vez, trata de aspectos parciais da matéria sem a preocupação com o conjunto. Por um lado, as dúvidas sobre a possibilidade de realizar ou não uma determinada despesa estão presentes no dia-a-dia do gestor de boa-fé. Por outro, a ausência de regras claras, ou de critérios para a sua determinação, facilita os desvios mencionados e dificulta a impugnação da despesa do controle financeiro. Para o gestor de má-fé, esta ausência é um convite à arbitrariedade na gestão dos recursos públicos. No final, quem paga a conta é o cidadão! Decisões para a ordenação de despesas como as apontadas não atendem às finalidades do orçamento público e geram descontrole dos gastos e das prioridades. Enquanto educação, saúde, segurança pública, cultura e direitos sociais não têm o necessário atendimento pelo Estado, Tribunais gastam seu dinheiro descontroladamente com bens e serviços de duvidosa necessidade – e legalidade. Deve ser revista essa mentalidade.

5 3. CONCLUSÃO As decisões judiciais de natureza interna e administrativa necessitam, com urgência, como já se verificou com as de ordem jurisdicional, de uma teoria que possibilite controle e adoção de técnica, pois se a decisão jurisdicional exige atenção porque redunda reação na vida da sociedade atingida, não menos importante é a decisão administrativa que sobrevive dos parcos recursos gerados pela sociedade, onerando o Estado que, de consequência, busca no contribuinte a realização dos seus gastos. Nos tempos em que crise mundial requer a adoção de medidas drásticas de redução e controle de despesas, geração de receitas com utilização de menos recursos e conscientização dos gestores para a criação de planos estratégicos de baixo impacto, nada mais oportuno que a abertura dos olhos à sonolenta regra contida no art. artigo 93, inciso X, da Constituição do Brasil, e a vinculação dos gastos à finalidade institucional do Poder Judiciário. Na ausência de norma sobre a matéria, já não é sem tempo a intervenção do órgão de controle.

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REFERÊNCIAS FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. COUTINHO, Mateus. Tribunal de Minas quer comprar salmão e filé mignon para ‘lanches’ de desembargadores. Estadão. 28 out. 2015. Disponível em http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/tribunal-de-mg-quer-comprar-salmao-efile-mignon-para-lanches-de-juizes-e-desembargadores/. Acesso em 15 jan. 2016.

GOMES, Emerson Cesar da Silva. Direito dos gastos públicos no Brasil. São Paulo: Almedina, 2015. MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS (Brasil). Decreto Judiciário n. 255/2012. Diário da Justiça, Tocantins, 31 ago. 2012, Seção I, p. 1 – 5. Disponível em http://wwa.tjto.jus.br/diario/diariopublicado/1735.pdf. Acesso em 15 jan. 2016.

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