Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas

October 5, 2017 | Autor: Clara Araujo | Categoria: Dados
Share Embed


Descrição do Produto

Dados - Revista de Ciências Sociais ISSN: 0011-5258 [email protected] Universidade do Estado do Rio de Janeiro Brasil

Araújo, Clara; Diniz Alves, José Eustáquio Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral sobre as Chances das Mulheres nas Eleições e suas Interações com as Cotas Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 50, núm. 3, 2007, pp. 535-577 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil

Available in: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=21850304

How to cite Complete issue More information about this article Journal's homepage in redalyc.org

Scientific Information System Network of Scientific Journals from Latin America, the Caribbean, Spain and Portugal Non-profit academic project, developed under the open access initiative

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral sobre as Chances das Mulheres nas Eleições e suas Interações com as Cotas* Clara Araújo José Eustáquio Diniz Alves

INTRODUÇÃO ais uma vez, os últimos resultados eleitorais no Brasil apontam para a fragilidade das cotas (estabelecidas pela Lei 9.504/97) como caminho de ampliação da participação política das mulheres. E isto nos instiga, ainda mais, a tentar entender sob quais condições políticas e sociais as mulheres tendem a obter melhores ou piores performances eleitorais. De igual modo, suscita inúmeras perguntas acerca dos fatores e variáveis que operam para que as cotas permaneçam em um patamar considerado insatisfatório. Há, sem dúvida, alguns aspectos já identificados pela literatura local que contribuem para esse quadro1. Destacamos, particularmente, a fragilidade da legislação, com a ausência de restrições e/ou punições aos partidos que não cumprem as cotas, tornando-as iníquas no que diz respeito aos percentuais, bem como à ampliação do universo de candidaturas (que se ampliou de 100% para 150% das vagas).

M

Nosso propósito, entretanto, é tentar ir além das constatações dos limites normativos e articular as possibilidades de sucesso das cotas às características e fatores do sistema eleitoral. Tal perspectiva é impulsio-

*Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq o apoio para o desenvolvimento da pesquisa e às bolsistas Camila Pitanga e Karolyne Romero pela ajuda na coleta de dados.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 50, no 3, 2007, pp. 535 a 577.

535

Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves

nada por um cenário latino-americano mencionado em outros trabalhos2, e caracterizado por alguns aspectos. Primeiro, os países que não adotam cotas na legislação eleitoral e possuem históricos democráticos e culturais razoavelmente semelhantes apresentam índices de participação feminina na política bem mais favoráveis do que os do Brasil (casos, por exemplo, da Venezuela, com 18% de participação feminina, do Uruguai, com 12%, e do Chile, país considerado bastante conservador em termos de igualdade de gênero, que na última eleição conseguiu eleger 15% de mulheres no Parlamento3). Segundo, há também dados de países que adotam cotas, possuem legislações punitivas em relação aos partidos e, no entanto, obtêm performances diferentes. Em alguns casos, tais performances são mais favoráveis em países cujo sistema eleitoral é considerado, por parte da literatura (e também por parte de movimentos de mulheres locais4), como menos propenso à eleição de mulheres, por possuírem as chamadas listas abertas (vota-se em candidatos e não em partidos), – as situações do Peru, que recentemente elegeu 29,2% de mulheres para o Parlamento, e do Panamá, que na última eleição elegeu 19%. E, em outros casos, os índices tendem a ser menores nos chamados sistemas de listas fechadas, assumidos como sistemas mais favoráveis à eleição de mulheres5 – como na Bolívia, com 16,7%, e no Equador, com 16%. Por último, a literatura recente tem demonstrado que, embora não sejam decisivos, os fatores e as características dos sistemas eleitorais influenciam nas chances de elegibilidade das mulheres, e isto ocorre mesmo quando as cotas entram como variável interveniente6. Ao mesmo tempo, esses e outros estudos, ao incluírem variáveis sociodemográficas e econômicas, têm contribuído para desestabilizar uma associação, usualmente tomada como pressuposto por parte dos estudos sobre igualdade de gênero: a da correspondência mais ou menos direta entre desenvolvimento socioeconômico e maior participação política de mulheres. Se os dados estatísticos de países considerados desenvolvidos já colocavam tal pressuposto em questionamento, a opção por submeter certas variáveis, como, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH e a escolaridade, a uma análise multivariada vem contribuir ainda mais para a desestabilização de concepções lineares acerca da conquista da igualdade de gênero. O desafio de compreendermos as trajetórias e ganhos das mulheres, não apenas em relação às cotas, mas em relação às formas de acesso e recrutamento eleitoral na política institucional, requer o enfrentamen-

536

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral...

to de análises multicausais, qualitativas e quantitativas. Diante disso, nossas perguntas se apóiam em literatura mais recente que se interroga acerca do peso de aspectos institucionais do sistema político vis-àvis aspectos socioeconômicos e culturais. Acreditamos que as ênfases na “discriminação” ou no “preconceito”, sejam dos partidos ou dos homens, não são suficientes para explicar o que acontece no país. Isto se torna mais evidente quando se compara a situação brasileira à de vários outros países latino-americanos, potencialmente mais conservadores e/ou “machistas”. Ou ainda à de países de outras regiões, potencialmente menos conservadores porque mais desenvolvidos e com tradições cidadãs mais arraigadas. Nessa perspectiva, assumimos aqui, também, a premissa da multicausalidade, e de que a interação entre diferentes ordens de fatores influencia o quadro atual da representação política das mulheres no país. Desse modo, as hipóteses que sustentam este estudo são as de que o aumento da participação parlamentar feminina no Brasil não está diretamente associado ao grau de desenvolvimento socioeconômico das regiões e unidades da federação – UFs; que variáveis institucionais ligadas ao sistema eleitoral influenciam e interferem nas chances de acesso das mulheres aos cargos legislativos; e, finalmente, que o entendimento do resultado da política de cotas no Brasil passa pela compreensão das características da legislação e de sua interação com esses outros fatores multicausais, que possuem impactos indiretos sobre as cotas. Não é nosso propósito aqui cobrir todos estes aspectos. Uma análise mais abrangente exigiria a incorporação de um leque maior de variáveis, o que não é possível devido à ausência de dados em relação a algumas delas, bem como às limitações de espaço. Por isto, optamos por incorporar apenas algumas variáveis do sistema eleitoral e político, que têm sido consideradas importantes pela literatura de referência e que se encontram disponíveis nas fontes estatísticas oficiais. A análise multivariada estará centrada nas eleições de 2002, mas outros dados apresentados abrangem o processo eleitoral de 2006. O foco são as eleições para o cargo de deputado federal, uma vez que, em geral, é este o nível tratado pela literatura aqui utilizada. Acreditamos que a referência teórico-metodológica que nos orientou na presente análise se presta à leitura dos resultados recentes e pode servir como subsídio para o debate que vem se desenvolvendo sobre reforma política.

537

Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves

O artigo estrutura-se da seguinte forma: de início apresentamos um breve panorama do debate envolvendo a relação entre sistema eleitoral, elegibilidade de mulheres e cotas, debate este que fundamenta, também, nossa escolha metodológica. Em seguida, apresentamos os resultados encontrados até o momento em nossa investigação e, por fim, sugerimos alguns desdobramentos de pesquisa.

O SISTEMA ELEITORAL E O IMPACTO SOBRE AS MULHERES A análise institucional sobre gênero e representação política tem enfatizado a origem multicausal da sub-representação feminina. No âmbito dos sistemas de representação política, estudos comparados sugerem que algumas características institucionais podem ser mais favoráveis às mulheres. Enquanto alguns aspectos destacados pela literatura são mais consensuais, em outros as evidências não são consistentes ou não permitem identificar um vetor de associação. É praticamente um consenso que os sistemas proporcionais tendem a facilitar mais as eleições femininas, seguidos dos sistemas mistos e, por último, dos sistemas majoritários (Rule e Zimmerman, 1994; Rule, 1997; Norris, 2004; Norris e Inglehart, 2003; Matland, 2002). Embora não exista consenso acerca de como a natureza do sistema partidário afetaria a eleição de mulheres, há certa tendência a se considerar que os sistemas pluripartidários que não contam apenas com dois ou três grandes partidos e com maior estabilidade institucional tendem a apresentar proporção mais elevada de eleitas (Rule e Zimmerman, 1994; IPU, 1997; Mateo-Diaz, 2002). No interior do sistema partidário, a magnitude dos partidos (número de cadeiras conquistadas pelo partido em relação ao total de cadeiras do estado/país) e o perfil ideológico são destacados pela literatura (IPU, 1997; Mateo-Diaz, 2002; Schmidt e Araújo, 2004; Araújo, 2006; Matland, 2002). Dimensões internas ao contexto partidário também teriam papel importante no processo de recrutamento eleitoral e nas chances de eleição de mulheres, sobretudo a ideologia e a organização partidária. Partidos de esquerda tendem a estimular mais a participação e a ampliar as chances de eleição de mulheres (Lovenduski, 1993; Norris, 1993; Norris e Inglehart, 2003; IPU, 2000; Matland, 2002; Katz e Mair, 1992). No âmbito organizacional, tende a haver certo consenso que a institucionalização dos procedimentos internos, com regras claras e formalizadas, e uma vida partidária mais constante são fatores importantes que facilitam a participação de mulheres e outros grupos e influenciam seu recrutamento eleitoral (Araújo, 2005).

538

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral...

No interior do sistema proporcional, alguns aspectos são igualmente destacados, sem que exista, porém, consenso maior acerca dos vetores de correlações. A associação entre distritos de alta magnitude e maiores chances de eleição de mulheres é considerada importante pela literatura. Distritos grandes, portanto com maior número de candidatos e maior proporcionalidade, tenderiam a maior diversificação e inclusão de candidatos outsiders. Mas alguns autores (Htun e Jones, 2002) sugeriram que tal correlação dependeria da interação com outros fatores, uma vez que distritos grandes poderiam implicar, também, maior competição, necessidade de mais recursos financeiros e estratégias de campanhas mais bem articuladas. Sobre o tipo de lista, também não há consenso, embora, nos últimos anos, o sistema eleitoral de lista fechada venha sendo assumido como mais favorável à eleição de mulheres do que o sistema de lista aberta (Matland, 2002; Htun e Jones, 2002). Contudo, estudo recente de Schmidt (2006), envolvendo 64 países de listas abertas e fechadas e comparando as vantagens para as eleições de deputadas, mostrou que em países de lista fechada a média de participação de mulheres nas câmaras é de 17,6%, ao passo que, entre os países que têm lista aberta, essa média é de 19,7%. Schmidt alerta que os dados não permitem sustentar a prevalência da lista aberta, mas servem para mostrar a inconsistência da tese de que existiria uma nítida relação entre lista fechada e maior elegibilidade feminina. Vale ressaltar que muito da associação entre lista fechada e sucesso das mulheres tem sido feita com base em estudos sobre países com cotas. No entanto, também neste caso, as evidências empíricas não permitem consensos. O sistema de lista por si não é o decisivo. Como têm mostrado várias análises, como a de Mateo-Diaz (2002) sobre o caso da Bélgica, a de Baldez (2004) sobre o México, a de Marx, Borner e Caminotti (2006) sobre a Argentina e inclusive a de Htun e Jones (2002) sobre vários países da América Latina, as cotas implantadas em sistemas de lista fechada dependem, sobretudo, da garantia de alternância por sexo no seu ordenamento, de acordo com os percentuais mínimos exigidos. E ainda, para tanto, necessitaram de medidas normativas que obrigavam tal alternância. Mas a literatura mostra, por sua vez, que isto depende da força das mulheres no interior dos partidos políticos. Ainda em relação às cotas, cabe registrar que o estudo de Htun e Jones (idem) se tornou a referência mais constante para estudos subseqüentes, e indicou que alguns fatores seriam relevantes para a sua efetividade: a existência de sanções obrigatórias e/ou punitivas em relação ao seu cumprimento, movimentos de mulheres organizados e fortes e, no âm-

539

Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves

bito do sistema eleitoral, a existência de lista fechada com alternância e de distritos de alta magnitude. Diversos autores acrescentam, também, outros fatores, tais como a cultura política e determinadas características socioeconômicas, como tão relevantes quanto certas características dos sistemas eleitorais (Norris e Inglehart, 2003; Mateo-Diaz, 2002). Algumas características socioeconômicas serão testadas mais adiante. A cultura política exigiria um estudo mais qualitativo, o que não é o caso neste artigo.

IMPACTOS DO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO SOBRE A ELEIÇÃO DE MULHERES Em se tratando da relação entre a eleição de mulheres e as “grandes famílias” do sistema eleitoral, o Brasil se encontra no grupo da família mais favorável, ou seja, a dos sistemas de representação proporcional. Contudo, como destacado: “um dado sistema eleitoral não necessariamente irá funcionar da mesma forma em diferentes países”(Reynolds e Reilly et alii, 1997:8, apud Mateo-Diaz, 2002, tradução dos autores). Já o tipo de lista em vigência – aberta – tem sido considerado como aspecto desfavorável em vários debates sobre mulheres e eleições e em alguns artigos publicados recentemente7. No caso do Brasil, já há algum tempo estão em tramitação algumas propostas de reforma eleitoral, e uma das mais debatidas e, ao mesmo tempo polêmicas, é a de mudança do atual sistema de lista aberta para lista fechada, conforme mostra a literatura (Nicolau, 2006). A análise de que o atual sistema de lista aberta prejudica mais as mulheres se apóia, sobretudo, na característica individualizada da campanha, nos seus custos e no preconceito ainda existente. Contudo, algumas ponderações em favor da lista aberta também merecem destaque, chamando atenção para outras variáveis que interfeririam, e não a lista em si. Neste sentido, destacam-se, por exemplo: a preservação de certa autonomia do eleitor para escolher seus candidatos, o menor poder dos dirigentes na indicação dos nomes e o contra-argumento em relação à ausência de financiamento público, para cuja viabilidade a lista fechada tem sido associada. Neste caso, argumenta-se que há países com lista aberta e financiamento – caso da Finlândia –, assim, haveria mecanismos de garantia do financiamento independentemente do tipo de lista; certas regras relativas à competição eleitoral8, e, sobretudo, a excessiva mercantilização das estratégias de propaganda,

540

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral...

que propiciariam um cenário mais adverso do que o tipo de lista isoladamente. Haveria, ainda, a fraca organização feminina no interior da maior parte dos partidos brasileiros. E há exemplos de países com listas fechadas, mesmo aqueles com cotas, mas sem regras de alternância na ordem de prioridades, nos quais as mulheres têm dificuldades de obter lugares elegíveis (Schmidt, 2006). O fato é que há a necessidade de mais evidências que permitam análises mais conclusivas. Mas além do citado estudo de Schmidt (idem), pode-se tomar, como exemplo da variação intralista, os casos do Brasil, Peru e Panamá. Todos estes adotam cotas e são regidos pela lista aberta (no caso do Panamá, na parte proporcional do sistema misto), e têm, respectivamente, 8,8%, 29,2% e 19,0% de mulheres nas câmaras dos deputados. Comparando-se resultados antes das cotas entre alguns poucos países que possuem lista aberta na região, notam-se variações no interior de cada tipo de lista mesmo antes das cotas. Em 1995, enquanto o Brasil contava com 6,2% de mulheres na Câmara de Deputados, o Peru registrava 10,8% e o Panamá, 8,3%. Essas variações ocorriam também entre países de listas fechadas, tais como Costa Rica (16,0%), Paraguai (3,0% ) e Honduras (7,0%), por exemplo. Mas a variação que ocorre entre os distritos eleitorais brasileiros, seja no quantitativo de candidaturas lançadas ou nos percentuais de eleitas, constitui também indicativo de que a interação com outros fatores pode ser tão ou mais relevante do que o tipo de lista. Este é um dos aspectos que pretendemos testar neste estudo. No Brasil, no ano de 2002, enquanto alguns distritos não elegeram sequer uma deputada, outros elegeram mais de 20%. Nas eleições de 2006, para a Câmara Federal, esta variação foi ainda maior, pois enquanto Alagoas, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná e Sergipe não elegeram sequer uma deputada federal, as mulheres do Amapá e do Espírito Santo conquistaram 50% e 40% da bancada federal de seus respectivos estados. Importa assinalar que Sergipe e Mato Grosso do Sul foram os estados com percentuais de mulheres candidatas mais elevados em 2006. Esses dados nos remetem a outro aspecto tratado pela literatura: a magnitude dos distritos. Aqui, o comportamento dos distritos eleitorais brasileiros destoa do que vem sendo consagrado em estudos sobre o tema, ou seja, a relação positiva entre distritos de elevada magnitude e maior elegibilidade das mulheres. A fraca associação positiva entre eleição de mulheres e distritos de alta magnitude foi constatada inicialmente

541

Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves

em estudo comparativo entre Brasil e Peru (ver Schmidt e Araújo, 2004), e a ausência de associação foi mais forte no caso do Brasil do que no caso do Peru9. Neste artigo, a análise de outros dados empíricos conduziu à mesma conclusão, conforme será visto. Aqui, convém registrar que, em estudo anterior, foram sugeridas possíveis dificuldades para as mulheres competirem em distritos maiores, tais como a ausência de financiamento público de campanha, já que estes distritos tendem a ser mais populosos e a possuir maior número de partidos disputando, derivando daí um mercado eleitoral mais fragmentado e competitivo (idem). Contudo, há de considerar a existência no sistema eleitoral brasileiro de uma sub-representação do eleitorado das UFs com maior população e uma sobre-representação das UFs menores (Bohn, 2006). Com efeito, esses fatores podem adquirir maior relevância, diante do que seria uma distorção na atual distribuição da representação: distritos menores são sobre-representados em relação à população e ao eleitorado e distritos maiores sub-representados, o que tende a tornar a disputa mais acirrada nestes últimos. Ainda que chegando a conclusões diferentes quanto ao peso da magnitude do distrito, tanto Matland (2002) quanto Schmidt (2003; 2006) apontam para a importância de uma outra variável, ou seja, o tamanho do partido. Isto é, o peso eleitoral de um partido, determinado pela quantidade de cadeiras que ele consegue eleger, em relação ao restante dos partidos que disputaram o mesmo pleito em uma determinada circunscrição. Neste caso, saber onde as mulheres estão e por quais partidos elas concorrem torna-se importante para determinar quais as chances que terão de serem eleitas. Tais estudos, em geral, comparam diferentes países. No presente caso, um caminho para avaliarmos se tais fatores são de fato importantes consiste em compararmos tais variáveis entre os estados da federação. Constatada a interação com esses fatores, um passo seguinte, mas que não será objeto de análise deste artigo, consiste em observar o peso dos partidos no Estado no âmbito da competição para o Executivo, já que nossas eleições ocorrem concomitantes às eleições para governo do Estado e Presidência da República. A engenharia política que conforma as alianças eleitorais e as chances partidárias nas disputas para o Executivo provavelmente influenciam as chances na disputa legislativa.

542

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral...

Considerando a interação entre sistema eleitoral e sistema partidário, o que vem sendo identificado pela literatura é que sistemas pluripartidários, com razoável número de partidos e considerável variação nos seus tamanhos, sobretudo com partidos médios e pequenos que querem se legitimar diante dos eleitores, possibilitam que as mulheres sejam mais absorvidas como candidatas. Ademais, no espectro ideológico, seriam os partidos com perfil de esquerda ou centro-esquerda aqueles mais abertos ao ingresso de mulheres. De antemão, podemos dizer que o padrão brasileiro se aproxima de algumas dessas tendências: multipartidarismo10, um número razoável de partidos médios e pequenos, e certa tendência à maior absorção de mulheres entre partidos médios e pequenos e/ou de esquerda. No caso em foco, constatamos que as cotas parecem contribuir para ampliar o ingresso de mulheres como candidatas, também, nos partidos grandes e mais conservadores. Mas a pergunta é: até que ponto isto tem peso sobre suas chances de eleição no sistema brasileiro e em que medida tal ampliação é mediada por outras variáveis? Ao lado da análise e da identificação dos pesos dessas variáveis, nos interessa relacioná-las, particularmente, com as possibilidades de influência sobre as cotas e vice-versa, ou seja, as possibilidades de que, uma vez que essa medida tenha sido introduzida, tais fatores venham a ser alterados pelo peso das candidaturas. Neste caso, trabalhamos com um dos pressupostos que sustentam a adoção das cotas: o de que a ampliação de candidaturas implicaria uma tendência à ampliação de eleitas. Em outras palavras, mais mulheres em um dado universo da competição implicaria significativo impacto nas chances de eleição. Cabe considerar de antemão que, no Brasil, quando a política de cotas foi negociada no Congresso, houve um aumento do universo de candidaturas em geral (de 100% para 150% das vagas em disputa). Isto pode ter influenciado o quadro subseqüente, de baixos percentuais de candidaturas femininas, pois permitiu, também, um aumento das candidaturas masculinas. Por fim, decidimos considerar também outro aspecto discutido na literatura, mas ainda pouco testado estatisticamente, ou seja, o da relação entre os outsiders e os insiders. Em outras palavras, o do peso da representação ou do mandato nas chances de eleição. Em trabalho sobre a Costa Rica, Matland e Taylor (1997) já levantavam a hipótese de que a existência ou não da reeleição poderia ser decisiva para o ingresso e a

543

Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves

ampliação do acesso das mulheres. Por sua vez, Chapman (1993) também analisou esta dimensão como extremamente relevante para pensar o ingresso das mulheres nos espaços políticos, já que se tratava de deslocar quem já se encontrava neles. E, em geral, quem já está incluído nos espaços tende a possuir, pelo próprio fato de lá estar, certos capitais importantes para assegurar a permanência dessa condição. Norris e Inglehart (2003) chamaram atenção para a tendência inercial do processo de recrutamento e acesso político, tendência esta mediada por certos requisitos que se tornam garantias de eleição. Tais requisitos ocorreriam em conseqüência da reprodução ou garantia do perfil de quem já foi submetido à “prova das urnas” e se encontra concorrendo. Com base nisto, incluímos como variável para testar as chances de eleição o candidato/candidata estar ou não concorrendo à reeleição.

O IMPACTO DE FATORES SOCIOECONÔMICOS O grau de desenvolvimento socioeconômico e cultural tem sido considerado outro fator relevante para o acesso das mulheres à política institucional (idem). O IDH tem servido como principal indicador de desenvolvimento em estudos comparados, inclusive os estudos de gênero, e serve também para comparações internas às regiões e estados em cada país. No Brasil, pesquisas de Alcântara (2006) e de Alves et alii (2005), procurando verificar o peso de fatores socioeconômicos nas chances de eleição de mulheres para as câmaras de vereadores, constatataram fraca associação entre eleição de mulheres e o IDH dos municípios, quando controladas outras variáveis. Neste estudo, procuramos verificar em que medida o IDH ajuda a explicar as chances de eleição de homens e mulheres ao cargo de deputado federal. Não há muitas informações sociodemográficas sobre candidatos e eleitos que permitam olhar mais detalhadamente as características de quem disputa e se elege no Brasil. Mas um dos dados importantes disponíveis diz respeito à escolaridade. Vários trabalhos mostraram que, assim como em outros países, o perfil dos candidatos e, sobretudo, dos eleitos a cargos proporcionais é marcado pela elevada escolaridade. Quanto mais elevado o cargo, maior a escolaridade dos que conseguem ser eleitos. Entretanto, em que medida esta variável também é recortada pelo gênero? Alguns dados estatísticos já nos apontavam para um diferencial na escolaridade de homens e mulheres que se elegem para cargos legislativos, por isso decidimos incluir esta como uma variável de nosso modelo de análise.

544

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral...

Como tem sido bastante discutido em relação ao acesso das mulheres à política, a interação entre aspectos associados às condições socioeconômicas assim como à cultura de gênero (se mais ou menos igualitária) e fatores políticos torna mais adversa a trajetória que conduz ao nicho restrito da representação parlamentar. A “conjugalidade”, por exemplo, surge em vários estudos como um dado relevante. Já sabemos o que o casamento e os diferentes papéis atribuídos a homens e mulheres na família têm significado historicamente em termos de maior ou menor autonomia. Ser casada, ter filhos e/ou ter a atribuição dos “cuidados familiares” têm impactos sobre a vida das mulheres na esfera pública, inclusive na política. Vários estudos (Araújo, 1999; Avelar, 2001; Pinto, Moritz, Schulz e Moraes, 2000; Alves, 2003) têm chamado atenção para o perfil dos que disputam e, sobretudo, dos que se elegem, seja via dados estatísticos ou análises mais qualitativas. Neste caso, tendem a destacar que o percentual de homens casados, sobretudo entre parlamentares federais, é bem mais elevado do que o de mulheres, ao passo que entre as mulheres os percentuais de divorciadas e/ou solteiras são mais altos do que entre os homens. Neste sentido, procuramos também incorporar o perfil conjugal dos candidatos para identificar se a condição de conjugalidade interfere e se há diferenças de acordo com o sexo. Por fim, nessa perspectiva multicausal, chamamos atenção, também, para o fator idade como elemento presente nas trajetórias de quem pretende disputar um cargo político. Com exceção de alguns perfis particulares, em geral, a construção das trajetórias políticas implica um acúmulo de capital político que requer algum grau de dedicação, disponibilidade de tempo e recursos, que podem ser financeiros, mas também expressos em redes de apoio e difusão ou reconhecimento por segmentos da população. Por isso, também, quanto mais elevado o cargo da disputa, menores são os índices de pessoas mais jovens. Aqui, portanto, trata-se de verificar em que medida essa distribuição também se reflete entre aqueles que obtêm sucesso e é recortada pelo gênero nos dois períodos analisados. Para tanto, incluímos esta variável em nosso modelo estatístico, conforme poderá ser visto a seguir.

ANÁLISE DE MULTIVARIÂNCIA DE FATORES ASSOCIADOS ÀS CHANCES DE ELEIÇÃO EM 2002 Considerando a discussão anterior, procuramos incorporar as variáveis que vêm sendo objeto de debate e avaliação pela literatura. A aná-

545

Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves

lise estatística multivariada apresentada neste artigo foi elaborada utilizando-se as diversas variáveis disponíveis no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral – TSE para todos os candidatos (de ambos os sexos) ao cargo de deputado federal nas eleições gerais de 2002. Para a avaliação do nível de desenvolvimento do Estado foram testadas algumas variáveis como o grau de urbanização, a densidade demográfica e o IDH, fornecidas pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (PNUD, 2004). Ao lado disso, para os fatores relacionados ao sistema eleitoral, foram feitas, também, algumas comparações com resultados descritivos de 2006. A escolha pelo modelo de regressão logística se deve ao tipo binário da variável resposta, isto é, a chance de qualquer candidato (do sexo masculino ou feminino) ser eleito. As covariáveis do modelo são de dois tipos: a) aquelas com base nos “atributos” individuais dos candidatos e candidatas: sexo, educação, idade, situação conjugal, partido pelo qual se candidata e reeleição e b) aquelas características próprias da UF na qual se dá a disputa, envolvendo: aspectos socioeconômicos e variáveis associadas ao sistema eleitoral – grau de urbanização, densidade demográfica e IDH –, e associadas ao sistema eleitoral, envolvendo: a magnitude do “distrito” (número de vagas a deputados federais que cada UF possui)11; e tamanho dos partidos (número de candidatos que um partido elege em relação ao total de vagas disponíveis no Estado). A variável “porcentagem de candidatas” em cada UF foi testada, mas não apresentou significância estatística. Foram testados quatro modelos. Dois com homens e mulheres, sendo um sem a variável reeleição e outro com a reeleição, um outro modelo só com os homens e mais um só com as mulheres. Pode-se perceber pela Tabela 1 os resultados das variáveis que apresentaram significância estatística (no nível de 97%) no primeiro modelo: sexo, educação, idade, situação conjugal, partidos, magnitude do “distrito”, densidade demográfica e IDH. Considerando igual a 1 a chance de os homens serem eleitos, as mulheres têm possibilidades menores, isto é, de 0,67. A maior educação aumenta as chances de eleição tanto de homens, quanto de mulheres, sendo que a probabilidade de vitória cresce ainda mais para os/as candidatos/as com curso superior completo, que possuem mais de três vezes (3,11) chances de eleição em relação àqueles com menor nível educacional. Em estudo recente, Marx, Borner e Caminotti (2006) pesquisaram e compararam a escolaridade de deputadas argentinas e brasileiras e constataram que a

546

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral...

escolaridade de nível superior em ambos os casos predomina. Mas a proporção de brasileiras com ensino superior completo e/ou pós-graduação na legislatura de 2002 alcança 73% e é maior do que entre as argentinas. Isto é relevante porque há maior inversão entre a escolaridade da população e a dos parlamentares no Brasil em comparação com a Argentina. No caso brasileiro, em que apenas 6,9% da população acima de 25 anos de idade possui ensino superior completo, segundo o censo demográfico de 2000 (IBGE, 2002), nota-se que o universo dos potenciais competidores a um cargo de deputado federal surge como muito restrito. Sobre isto, é interesante observar que, no Brasil, entre os candidatos ao cargo de deputado federal no ano de 2006, 52,85% declararam possuir ensino superior completo, mas entre os que se elegeram, 80,5% o possuíam12. Ou seja, a rota que leva à candidatura e depois à eleição mostra que o acesso à elite política é ainda mais restrito. Embora esse dado não destoe do esperado, importa atentar para o que foi dito anteriormente, ou seja, considerando o pequeno percentual de pessoas com ensino superior completo no país, o peso da escolaridade tende a revelar, também, que a denominada “elite política” no país é ainda mais digna deste nome – e no caso das mulheres essa proporção é ainda menor. No mesmo sentido, os/as candidatos/as com idade superior a 35 anos possuem maiores chances de vitória, o que provavelmente se explica, como já discutido, pela necessidade de construção de uma carreira política que requer certa trajetória ou acúmulo de capitais e recursos políticos. Algumas exceções são aqueles considerados “famosos” por alguma razão, ou os que herdam um capital familiar e, por esse motivo, não necessitam de um percurso muito longo, o que também não é incomum na política brasileira13. Alguns dados disponíveis para 2006 também reforçam essa tendência. A influência estatística da situação conjugal – os/as candidatos/as casados/as possuem razão de chances de 1,38 vezes maior do que os/as não-casados/as (solteiros, separados, viúvos etc.) – se deve, provavelmente, à relação com a variável anterior. Nas faixas etárias mais altas, tende a ser mais comum as pessoas estarem casadas (considerando ainda que o dado indica o estado civil, e não a situação conjugal de fato). Quanto aos fatores institucionais, a variável “partido” possui grande poder de explicação neste modelo, sendo que os partidos que mostraram resultados mais expressivos foram os quatro grandes, ou seja, exatamente aqueles que elegeram as maiores bancadas na Câmara dos De-

547

Clara Araújo e José Eustáquio Diniz Alves

putados em 2002. Tomando-se como referência todos os outros partidos, PFL* (atual Democratas, cuja sigla é DEM), PSDB, PMDB e PT apresentaram maiores razões de chances de eleger homens e mulheres. Já a variável explicativa Magnitude do Distrito mostra que, quando se consideram homens e mulheres no modelo, as maiores UFs apresentam maiores razões de chances, exatamente por possuírem maior quantidade de vagas. A variável Densidade Demográfica não apresentou grande influência nos resultados, embora tenha significância estatística no modelo. Controlada todas estas variáveis, o IDH apresentou coeficiente com sinal negativo e razão de chance de 0,07, mostrando que a probabilidade de um/a candidato/a se eleger diminui na medida em que cresce o IDH da Unidade da Federação. O teste de Wald14 na Tabela 1 nos permite ver que as variáveis Partido e Educação são as que mais explicam a variância dos dados e que, portanto, possuem maior efeito sobre as chances de vitória de homens e mulheres. Acrescentando ao modelo anterior a covariável Reeleição, os resultados mudam bastante, como pode ser comprovado na Tabela 2. As variáveis sociodemográficas – Densidade Demográfica e IDH – perdem poder explicativo. Neste novo ajuste do modelo, apenas as variáveis Educação, Tamanho dos Partidos e Reeleição apresentaram significância estatística (no nível de 97%), sendo que Reeleição é a variável que assume o maior peso explicativo (ver o valor do teste de Wald). Isto quer dizer que existe uma inércia eleitoral, ou seja, aqueles que fazem parte do corpo legislativo possuem maiores chances de continuar pertencendo ao Parlamento. Evidentemente, o peso do fator reeleição beneficia os homens que são maioria na Câmara dos Deputados e desfavorece as mulheres que buscam reverter a hegemonia masculina no Poder Legislativo. Desta forma, os dados indicam que, entre os diversos fatores causais da sub-representação feminina na política, o alto percentual de candidatos reeleitos tende a manter a atual composição de gênero e dificultar a renovação do Parlamento15. Considerando que a reeleição parece ser uma tendência que vem se fortalecendo nas últimas eleições e os dados desta eleição de 2006 corroboram este peso, é possível dizer que as mulheres, apesar de seu crescente envolvimento político, estão encontrando cenários mais adversos, embora outros fatores possam pesar mais para que, eventualmente, elas possam conseguir se eleger16. * Ver lista de siglas de partidos políticos ao final deste artigo.

548

Impactos de Indicadores Sociais e do Sistema Eleitoral...

Tabela 1 Modelo Logístico da Chance de se Eleger um Deputado Federal Segundo Algumas Covariáveis Selecionadas Brasil, 2002 Variáveis

Coeficientes

Pr > P2

Razão de Chances

Sexo Masculino Feminino

1,00 -0,40

0,0264

0,67

Superior incompleto e médio completo

0,69

0,0005

1,99

Superior completo

1,13

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.