IMPASSE E PARALISIA: As origens da radicalização partidária no Brasil (1955-64)

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Programa de Pós-graduação em Ciência Política Instituto de Estudos Sociais e Políticos

Saulo Maia Said

IMPASSE E PARALISIA: As origens da radicalização partidária no Brasil (1955-64)

Rio de Janeiro 2013

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DEDICATÓRIA

A minha mãe, meu pai e meus irmãos, que compreenderam as minhas escolhas e me apoiarem nos momentos mais difíceis

AGRADECIMENTOS À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelo provimento da bolsa de estudo, sem a qual esse trabalho não seria realizado. À minha família, por ter me apoiado nas decisões mais difíceis, inclusive quando decide morar no planalto central e estudar na Universidade de Brasília. À Universidade de Brasília, por ter me oferecido um ambiente completo para a vivência universitária. Aos professores do IESP-UERJ, em especial Fabiano Santos, cujo curso de Política Brasileira foi determinante para o prosseguimento da pesquisa, ao prof. Nelson do Valle pelo ensino cuidadoso de métodos quantitativos, ao prof. Jairo Nicolau (IFCHS-UFRJ), pelos tópicos em Metodologia da Pesquisa e, especialmente, a Argelina Figueiredo, por ter identificado as ideias sem futuro e as ideias promissoras em meio ao caos de opções de pesquisa que apresentei, pela paciência e dedicação indispensáveis para a conclusão desse trabalho.

RESUMO SAID, Saulo. Impasse e paralisia: as origens da radicalização partidária no Brasil (1955-64). Dissertação (mestrado em Ciência Política) – Centro de Ciências Sociais, Programa de pós-graduação em Ciência Política, Rio de Janeiro, 2012/3.

A dissertação aborda o tema da crise do governo João Goulart e o golpe de 1964. Assumindo o suposto que a principal causa para o golpe de 1964 é de natureza política, investigamos a origem da radicalização ideológica verificada a partir dos anos 60 no sistema partidário brasileiro, a qual é apontada por Wanderley Guilherme dos Santos e por Argelina Figueiredo como determinantes para explicar seja a paralisia decisória, seja o fracasso na aprovação (pela via democrática) das reformas de base. No cap. I, analiso a questão das relações civis-militares no período, argumentando que a ausência de um controle civil objetivo sobre as forças armadas era um elemento desestabilizador do regime. No cap.II, apresento o fundamento histórico para a hipótese da radicalização, apontando que a campanha eleitoral e as políticas implementadas por JK ensejaram um realinhamento do sistema partidário, que afetou tanto a correlação de forças, a disciplina e a orientação ideológica dos principais partidos da época. No capítulo III, apresento os testes empíricos do estudo, com destaque para a análise da produção legislativa, considerando tanto interpretações sistemáticas como estudos de caso. Na conclusão, destaco os principais achados da pesquisa e ensaio uma inferência normativa, usando as pesquisas do IBOPE no período para evidenciar que as elites políticas (a direita e a esquerda) leram errado a transformação (em curso) das preferências dos eleitores, enxergando polarização onde não existia.

ABSTRACT The research addresses the issue of crisis João Goulart government and the coup of 1964. Assuming supposed that the main reason for the 1964 coup is political, we investigate the origin of ideological radicalization checked from the early 60s in the party system, which is pointed to by Wanderley Guilherme dos Santos and

Argelina

Figueiredo as determinants for explain whether decisional paralysis, or the failure to approve (democratically) of structural reforms. In chap. I analyze the issue of civilmilitary relations in the period, arguing that the absence of an objective civilian control over the armed forces was a destabilizing element of the scheme. In cap.II, I present the historical foundation for the hypothesis of radicalization, noting that the campaign and the policies implemented by JK gave rise to a realignment of the party system, which affected both the correlation of forces, discipline and ideological orientation of the main parties. In Chapter III, I show the empirical testing of the study, especially for the analysis of legislative output, considering both systematic interpretations and case studies. In conclusion, I highlight the main findings of the research and testing an inference rules, using the research of the period (IBOPE) to evidence that political elites (left and right) read wrongly the transformation (ongoing) of voters preferences, discerned where polarization did not exist.

Sumário RESUMO..................................................................................................................... 4 ABSTRACT ................................................................................................................. 5 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 7 1. RELAÇÕES CIVIS-MILITARES NA REPÚBLICA DE 1946: ................................. 22 Divisões político-ideológicas no seio das forças armadas ..................................... 24 Crises político-militares na república de 1946 ....................................................... 29 Controle civil e forças armadas no Brasil ............................................................... 42 2. A NARRATIVA HISTÓRICA DO REALINHAMENTO PARTIDÁRIO ..................... 52 Personalismo, faccionismo e partidarização .......................................................... 53 Juscelino Kubitschek e a ideologização da política brasileira ................................ 60 3. Radicalização e disciplina partidária: reinterpretando o comportamento partidário no governo João Goulart ........................................................................................... 73 O legislativo na República 1946 ............................................................................ 74 Desempenho legislativo na república de 1946 ...................................................... 79 CONCLUSÃO............................................................................................................ 87 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 91

INTRODUÇÃO

Prestes a completar cinquenta anos, o golpe militar de abril de 1964 e o regime ditatorial que duraria vinte e um anos ainda desperta grandes polêmicas. Em novembro de 2012, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que previa a criação da Comissão da Verdade, cujo objetivo é investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946-1985. Antes mesmo de iniciar seus trabalhos, a Comissão já despertava enorme polêmica entre aqueles que defendiam uma investigação de todas as violações de direitos humanos (independente de quem as praticou) e aqueles que defendiam a investigação apenas das violações cometidas por agentes do Estado. Considerando tendenciosa a Comissão que decidiu, por fim, investigar apenas os crimes cometidos por agentes do Estado, o Clube Naval do Rio de Janeiro decidiu instituir uma comissão da verdade paralela, com o intuito tanto de se contrapor à comissão oficial como instruir militares convocados a depor. Organizações não governamentais (ONGs) ligadas aos militantes de esquerda mortos, torturados ou desaparecidos também criticaram a Comissão por não ter poderes punitivos. No âmbito acadêmico, o golpe de 1964 desponta como um dos temas mais fecundos na Ciência Política, na Sociologia e na Historiografia. Em uma recente revisão bibliográfica sobre o tema, Lucília Delgado enumera 14 autores, em quatro tipos de explicações, para o golpe de 1964 (DELGADO, 2010). As polêmicas, contudo, não dizem respeito tanto a descrição factual do golpe iniciado em 31 de março e concluído com a aprovação no congresso da vacância do cargo de Presidente da República, no dia 2 de abril. Como bem resume o historiador Rodrigo Motta: Em contraste com essa imagem de parada militar, que pode ser aplicada aos acontecimentos de 1964, a crise que antecedeu e deu origem ao golpe foi bastante grave e complexa. O tema é polêmico, como não poderia deixar de ser, e há interpretações divergentes para as razões que explicam a derrubada do regime. (MOTTA in REIS, 2004: 179).

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Com efeito, nas diversas revisões bibliográficas feitas sobre o tema, cada qual com critério diferente para definir as correntes explicativas para o golpe de 1964, muitos autores e teorias aparecem de forma recorrente, demonstrando que pelo menos existe um certo consenso quanto as teses mais importantes sobre o assunto. Argelina Figueiredo (1993), por exemplo, divide as teses em duas classes — a estruturalista e a intencional. A primeira subdivide-se entre o estruturalismo político e o estruturalismo econômico, enquanto a segunda dá origem as explicações conspiratórias e a explicação do cientista político Alfred Stepan, focadas na qualidade da liderança de João Goulart (cf. FIGUEIREDO, 2003, 22-29). Comparando superficialmente essa classificação com a realizada por Delgado (2010), notamos que das quatro correntes explicativas, duas são idênticas, isto é, convergem tanto no nome dos grupos (estruturalista e conspiratório), quanto em sua descrição e nos autores neles enquadrados. A historiadora enumera ainda a teoria do golpe preventivo (cuja definição e mesmo os autores são ignorados por Figueiredo) e as chamadas teorias conjunturais, assim definidas por se focarem em aspectos de curto prazo. Com efeito, para os historiadores parece razoável opor as teorias estruturais (que afirmam o caráter inevitável do golpe devido a variáveis socioeconômicas de longo prazo) às teorias conjunturais (que afirmam que o golpe se torna viável a partir de transformações e ações ocorridas nos últimos anos do regime). Entretanto, dentro do grupo conjuntural verifica-se uma disparidade muito grande entre as teorias. Já Wanderley Guilherme dos Santos (2003), apresenta uma classificação mais austera. A explicação estrutural presente nas duas autoras é denominada explicação macro histórica, que enfatizam um conjunto de profundas mudanças econômicas, sociais e demográficas como explicações de longo prazo para o golpe. Alfred Stepan aparece novamente como uma importante contribuição e, a exemplo de Figueiredo, Santos também elogia a pesquisa do brasilianista por considerar mais seriamente as variáveis políticas. E, por fim, Santos se debruça com mais cuidado sobre o chamado “Paradigma clássico da análise social brasileira”, o qual difere da explicação estruturalista pura tanto por descrever mais precisamente os fenômenos sociais, econômicos e demográficos e também por apresentar o mecanismo pelo qual esses processos afetam a política federal. Esta teoria tem Celso Furtado como seu grande expoente, o qual não é mencionado nas revisões de Figueiredo e Delgado. 8

A síntese das correntes explicativas apresentados pelos autores aparece no quadro a seguir. Figura 1 — CORRENTES EXPLICATIVAS DO GOLPE DE 1964

WANDERLEI GUILHERME DOS SANTOS (2003)

ESTRUTURALISTA

CONSPIRATÓRIA

GOLPE PREVENTIVO ARGELINA FIGUEIREDO (1993)

CONJUNTURA

ALFRED STEPAN

ESTRUTURAL POLÍTICA – W. G. DOS SANTOS LUCÍLIA DELGADO (2010)

PARADIGMA CLÁSSICO / CELSO FURTADO

Fonte. Santos (2003), Figueiredo (1993) e Delgado (2010). È possível reduzir a um número menor o total de correntes explicativas. A corrente conjuntural, por exemplo, apresentada por Delgado, inclui autores como Wanderley Guilherme dos Santos, Argelina Figueiredo e o historiador Jorge Ferreira. De forma similar, o chamado “Paradigma clássico da análise social brasileira” pode ser considerado como um tipo especial de teorias estruturalistas (por certo, mais sofisticada), que combina variáveis socio-econômicas de longo prazo (como a industrialização substitutiva de exportações, descolamento entre urbanização e industrialização, deseigualdades regionais), com variáveis políticas (como a oposição entre o executivo modernizante, eleito pelas massas urbanas, e o legislativo controlado pelas oligarquias ruais conservadoras). Apesar dessa nuance política, consideramos a teoria de Celso Furtado um aprofundamento das teorias estruturais. 9

Se correto nosso prognóstico, restariam cinco explicações para o golpe de acordo com os três autores elencados, das quais apenas a teoria estruturalista é reconhecida por todos como uma explicação relavante. Como nota o historiador Carlos Fico (2004) a explicação estrutural predominou nos anos 60 e 70, sobretudo devdido a sua forte identificação com o marxismo, que predominou na academia brasileira nesse período. De certo modo, o predomínio do estruturalismo naquele período reflete a características da Ciência Política e dos estudos históricos no Brasil. A consolidação da moderna Ciência Política brasileira, com a formação de pesquisadores mais orientados para estudos empíricos, se deu principalemnte através da criação do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP/USP), ambos fundados em 1969, com forte influência da Ciência Política norte-americana e financiamento do Instituto Ford. Alfred Stepan, cientista político norte-americano, escreveu seu trabalho em intensa colaboração com pesquisadores destes institutos, sobretudo com Santos, como reconhece o próprio autor na notas de agradecimento. Os historiadores contribuiram tardiamente para os estudos do golpe de 1964, já que existe uma antiga aversão destes em estudar temas próximos do tempo de vida do pesquisador. Assim, com a excessão do cuidadoso livro Politics in Brazil de Thomas Skidmore, publicado em 1967, os historiadores só iriam produzir explicações para o golpe de 1964 a partir dos anos 1980. Em resumo, o estruturalismo é nitidamente reconhecido devido ao seu predomínio (ou o predomínio do marxismo) nos anos 1960 e 1970; das sete teorias, apenas a teoria estruturalista e o “paradigma clássico da análise social brasileira” — que, como defendi, é um tipo sofisticado de estruturalismo — existiam antes de 1970. Antes de apresentar as opções de investigação adotadas nessa pesquisa, proponho a seguir uma reclassificação das teorias sobre o golpe de 1964, como sintetizado no quadro II.

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Figura 2 — CORRENTES EXPLICATIVAS PARA O GOLPE DE 1964 – ORGANIZADOS PELO AUTOR

ESTRUTURALISTA

PARADIGMA CLÁSSICO – CELSO FURTADO

POLÍTICA

INTENCIONAL

ALTERNATIVAS DEMOCRÁTICAS GOLPE PREVENTIVO PARALIISIA DECISÓRIA

ESTRUTURALISMO ORTODOXO

ALFRED STEPAN

TEORIA CONSPIRATÓRIA

A classificação do quadro II é bastante aproximada da realizada por Figueredo (1993). Embora a autora não considere a teoria do golpe preventivo, defendida por estudiosos como Florestan Fernandes, Caio Navarro de Toledo, Jacob Gorender e Lucília Delgado, esta se aproxima bastante da teoria conspiratória. Suas ideias convergem quanto ao entendimento de que a principal motivação do golpe que depôs o governo constitucional, empossado em 1961, foi consequente de forte descontentamento de setores conservadores da política brasileira com a crescente e autônoma organização da sociedade civil naquela conjuntura. (DELGADO, 2010, 132)

A teoria Conspiratória, que tem em René Armand Dreiffus o seu grande expoente, também credita a queda do governo Jango ao descontentamento de setores conservadores com os rumos reformistas que Jango tentava dar ao país. A diferença crucial é que enquanto a teoria do golpe preventivo credita o golpe (ou contra-golpe) aos setores conservadores e direitistas em geral (diante da possibilidade de reformas distributivas) no contexto de colapso do populismo, a teoria conspiratória aprofunda no mecanismo pelo qual o descontentamento desses grupos desestabiliza o governo e articula o golpe (através de setores da imprensa, CIA, empresas estrangeiras, IPES, IBAD e ESG). Na essência, porém, ambas as teorias subscrevem o pressuposto de que o golpe se explica apenas pela ação dos conspiradores, motivados pelo descontentamento com as políticas reformistas de Jango.

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Consideramos correta a crítica de Figueiredo a essa corrente expliactiva. Quanto ao descontentamento de setores sociais com as políticas reformistas, a autora mostra que em 1962 nada menos do que Confederação Nacioanal da Industria (CNI) se posicionou a favor da reforma agrária com pagamento através de títulas da dívida pública (cf. FIGUEIREDO: 1993, 79), que se não era uma postura progressista radical, era mais progressista que o status quo. Também não foi ninguém menos que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), quem depositou esperanças o Plano Trienal do governo Jango (Cf. opcit, 101-103). A própria reação das diferentes associações patronais sobre questões importantes como estabilização econômica, demonstra a deficiência de análises que tratam a “burguesia” ou os “capitalistas” como bloco, com posição ideológica coesa. A respeito da conspiração, a deficiência teórica é ainda mais frágil. A autora cita desabafo de fundadores do IPES, no qual se queixa precisamente do fato de os capitalistas terem abandonado a política e a vida pública, motivados (1) pelo medo de perderem o financiamento dos bancos estatais (dos quais dependiam fortemente), (2) por não quererem ser vinculados a grupos hostilizados pela imprensa e pelos intelectuais e outros (3) ainda por discordarem mesmo do fins do instituto. A teoria também falha em fornecer uma explicação convincente para a ação dos militares, tratando-os como instrumentos a serviço da burguesia. Outra deficiências grave tanto da teoria do golpe preventivo como da teoria conspiratória foi considerar os conspiradores onipotentes, que dizer, como se o golpe dependesse apenas da vontade dos conspiradores. Ora, os militares já estiveram presentes em outras crises da República de 1946, como no suicídio de Vargas em 1954, na garantia da posse de JK em 1955, as revoltas Jacareacanga e Aragarças em 1956 e 1959 e no veto a posse de Goulart em 1961. (Cf. FIGUEIREDO, 1993, 171). Em nenhuma dessas oportunidades se observou a derrocada do regime democrático, a despeito da conspiração. Como sintetizou o historiador Jorge Ferreira: “Em outras palavras, não basta conspirar, mesmo que com o apoio de potências estrangeiras. É preciso encontrar uma ampla base social para levar a conspiração adiante” (FERREIRA: 2010, 347). Nossa classificação das teorias estruturalistas, por sua vez, difere da classificação de Figueiredo, pois retiramos de lá a tese da paralisisa decisória 12

(classificada pela autora como estruturalismo político). A teoria da paralisia decisória propõe que o regime incontrava-se vulnerável a intervenções ilegais e violentas devido a inoperância do congresso e do governo, paralisado por atores políticos fragmentados e radicalizados, que só se entendem em coalizões de veto, mas não em apoio a alguma proporsta construtiva (Cf. SANTOS, 2003: 179). Embora Santos defenda que, dada a paralisia, o regime fica mais vulnerável a um golpe, o autor não afirma que a paralisia era inevitável devido a algum fator de longo prazo. Nem a radizalização nem a dispersão de recursos são considerados inevitáveis e, mesmo quando reunidas essas condições, a intervenção militar não é dada como certa pela teoria (o autor fala em propenção, não em condições suficientes). Dentro da família das explicações estruturais, incluímos aquilo que tanto os três autores entenderam como estruturais (que denominamos por estruturalismo ortodoxo) e acrescentamos a teoria de Celso Furtado, apresentada no artigo Political Obstacles to Economic Growth in Brazil (1965). Trata-se de uma das classificações mais difíceis. As teorias estruturalistas ortodoxas defendem que o modelo de desenvolvimento substitutivo de importações alcançou o seu limite dentro das relações de produção e da estrutura política existente e, para que as forças produtivas coninuassem a se desenvolver (ou o processo de acumulação), deveria ser implementada formas autoritárias de resolução do conflito político (Cf. FIGUEIREDO, 1993, 22-4). Em essência, são teorias que deduzem consequências políticas (a deposição de João Goulart e a própria queda do regime) a partir de variáveis econômicas e sociais de longo prazo. Todavia, a crítica apresentada pela cientista política, que é adequada ao estruturalismo ortodoxo, não se aplica a Furtado: Uma crítica metodológica a essa abordagem deve ser também levada em conta, a saber, que essas análises presumem uma coincidência perfeita entre requisitos estruturais e ações individuais e grupais, sem especificar o mecanismo através do qual a “necessidade” se realiza na ação (Ibid, 24).

De fato, mesmo que Furtado empregue fartamente variáveis econômicas, sociais e demográficas ao seu modelo explicativo, todas essas variáveis produzem consequências políticas (como o populismo, o poder das oligarquias no congresso e o conflito entre o executivo amparado pelos primeiros e o legislativo amparado pelos segundos, além de considerar a constituição de 1946). O conflito entre um executivo modernizante que precisava implementar políticas indutoras do desenvolvimento e retirar os seus entraves e uma oligarquia conservadora no congresso levaria o país a 13

um impasse, o que “cria condições favoráveis para o arbitrio militar, tal como ocorreu recentemento no Brasil” (FURTADO: 1965, 265). Por esses motivos, a teoria de Furtado estaria na fronteira entre a explicação estrutural e a política. Optamos por classificá-la como estrutural exatamente porque o economista é bastante preciso na descrição dos fenômenos econômicos, mas apresenta escassas evidências para as suas explicações políticas. A crítica de Santos ao economista cepalino é bastante adequada: o autor não consegue provar o caráter sistematicamente conservador do legislativo, nem o carater sistematicamente progressista do Executivo, nem tampouco que o primeiro constitui obstáculos para o segundo. O Plano de Metas do governo JK, fundamental para a industrialização dos anos 1950,não foi barrada pelo congresso e o mesmo se pode dizer sobre a criação da Petrobrás no governo Vargas. Mesmo no governo Jango, todos os três principais partidos apresentaram propostas para a reforma agrária e todas melhorariam (em magnitudes diferentes) a distribuição de terras no país. Resta analisar, por fim, as teorias classificadas pelo autor como políticas. O critério adotado se justifica pelo fato de que estes autores (sobretudo os trabalhos de Santos e Figueiredo) tratarem a variável política como crucial para o golpe, que não é entendido como inevitável, nem creditado a conspiradores onipotentes. Nenhum dos autores nega a relavância de fatores sociais, econômicos ou demográficos, quer dizer, as chamadas transformações na estrutura do país. Santos, por exemplo, elogia as pesquisas que explicam o trajeto do desenvolvimento brasileiro, ou que examinam “como interagiram no passado para urdir a trama social do Brasil contemporâneo” e afirma ainda que é a ação política só adquire significado dentro dessa estrutura (SANTOS, 2003, 171). A tese das alternativas democráticas, defendida por Argelina Figueiredo — endossada por Jorge Ferreira — propõe que o golpe ocorreu devido a sucessivas perdas de oportunidades para emplacar as reformas de base (sobretudo a reforma agrária, já que foi a única que o Executivo efetivamente patronicou como proposição legislativa). A cada perda de uma oportunidade, estreitavam-se o campo de opções disponíveis ao presidente, até que em março de 1964, só restava a a Jango apostar na mobilização popular da esquerda radical (liderada por Leonel Brizola) para pressionar os partidos a aprovar as reformas, estratégia esta de alto risco. 14

O ponto de Argelina Figueiredo é que em pelo menos dois momentos um acordo mínimo sobre a reforma agrária, apoiado por um coalizão de centro-esquerda, foi efetivamente possível. A primeira delas ocorreu ainda sob o parlamentarismo, quando a radicalização ainda não tinha tomado conta do ambiente político. Embora o PSD, tanto na Declaração de Brasília, como nos esforços do primeiro-ministro Tancredo Neves, tenha mostrado esforço em negociar, o PTB não via motivo para negociar um projeto aquém do seu ponto ideal de preferências. Primeiro porque a prioridade do partido era reestabelecer o presidencialismo e segundo porque a propaganda da reforma radical deveria aumentar o poder do partido nas eleições de outubro (como de fato ocorreu). A segunda oportunidade perdida foi na votação do projeto de reforma agrária patrocinada pelo governo (apresentada pelo lider do PTB, Bocayuva Cunha), em abril de 1963. No princípio dos trabalhos da Comissão que apreciou a proposta de reforma, um apoio da UDN soava possível, já que uma comissão do partido havia aprovado proposta parecida para a reforma, posição esta que foi revertida no fim de abril, quando a Convenção do partido declarou que a constituição era intocável. Dentro do PSD, já havia um acordo para das desapropriações fossem pagas com títulos da dívida pública. O desentendimento residia sobretudo quanto a correção monetária dos títulos. Tanto na votação na Comissão como na votação em plenário em setembro, o PTB mostou-se inflexível na defesa de uma reforma maximalista, desconsiderando a negociação necessária para a aprovação do prejeto. A autora cita ainda a tentativa de San Thiago Dantas de criar a Frente Ampla de Apoio as Reformas, mas considera que naquela autura o ambiente já estava contaminado pelo radicalismo. Também contribuíram para o fracasso do compromisso sobre as reformas a postura ambigua e titubeante de Goulart (também salientada por Stepan). Devido ao péssimo desempenho econômico do país —em todo o regime de 1946, a primeira recessão no PIB per capita se deu em 1963) e a inflação (recorde) batia na casa dos 80% a.a. em 1963. A saída para a crise econômica passava por um plano de estabilização, com o qual Jango não se comprometeu firmemente, para evitar os custos políticos de medidas impopulares. Em essência, as oportunidades de conjugar democracia com reformas foram disperdiçadas devido a radicalização dos atores políticos, sobretudo a postura 15

intransigente do PTB, que adotou uma estratégia maximalista, isto é, ou um projeto ambicioso de reformas ou nada. Nada pode representar melhor a postura maxiamalista do que a crítica dos movimentos sociais ao governo Jango, que só ganharia a confiança da esquerda no momento em que abandonasse a” política conciliatória”. Animados pelo retórica radical de Brizola, o PTB acreditou que a mobilização social faria o congresso ceder as reformas de base, seguindo a experiência da campanha pela posse de Jango (1961) e da campanha pela antencipação do plebiscito (1962). Como argumenta Figueiredo, tratava-se de um erro de avaliação, pois em ambos os casos a adesão de grupos conservadores (incluindo militares) foi fundamental para o êxito das campanhas de mobilização. Por um caminho diferente, Wanderley Guilherme dos Santos também aponta para a radicalização como fator fundamental para a paralisia decisória, considerada o fator principal para a queda a derrubada do regime. Entre 1960 e 1964, o sistema partidário brasileiro abandonou um padrão pluralista moderado e transformou-se em pluralista polarizado, cacacterizado pela fragmentação dos recursos políticos entre partidos que só conseguem se entender em coalizões de veto, mas não em coalizões de apoio a propostas construtivas. Embora o autor faça uma análise sistemática da produção legislativa, o exemplo das coalizões de veto selecionada pelo autor é precisamente o tema da reforma agrária (central na explicação de Figueiedo) , quando os três principais partidos apresentaram projetos, todos rejeitados por coalizões de veto, Santos apresenta evidências satisfatórias da paralisia decisória no Congresso e da Instabilidade do governo Jango. A paralisia decisória no congresso é evidenciada por um crescimento no total de projetos de lei apresentados que ocorre simultâneamente a queda na capacidade de aprová-los, tanto nos totais como na proporção entre aprovados e apresentados (ambos evidenciados em 1963). Considerando a origem desses projetos, observa-se que o executivo sempre teve maior taxa de sucesso que o legislativo, processo que se acentou em 1962 e 1963. Entretanto, o aumento na taxa de sucesso se deu as custas da dominância do executivo: a proporção de leis aprovadas originadas no executivo caiu bruscamente em 1963. O autor conclui que a paralisia no âmbito do legislativo foi provada pela

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queda na capacidade do congresso de aprovar políticas em geral, especialmente aquelas oriundas do poder executivo. No âmbito do poder executivo, observa-se alta instabilidade do jogo político, medida pelo total de substituições de postos ministeriais e diretorias de estatais e agências que o governo é levado a fazer em busca de apoio político para aprovação de suas propostas. Santos argumenta que a intervenção militar de 1964 encontrou um congresso totalmente inoperante e, portanto, incapaz de fazer frente ao golpe. As contribuições de Argelina Figueiredo e Wanderley Guilherme dos Santos são as que consideramos as mais adequadas para explicar o golpe de 1964. Embora por caminhos diferentes, ambas as teorias concordam que o fator principal para a não aprovação das reformas pelas vias democráticas (ou para a paralisia decisória) foi a radicalização dos atores políticos, sobretudo após Jango adquirir plenos poderes presidenciais, em janeiro de 1963. Entretanto, nenhum dos autores se propõe a explicar as causas dessa radicalização partidária. É necessário entender de que forma o entendimento entre os partidos (seja via coalizões partidárias, patronagem ou coalizões ad hoc) propiciaram estabilidade ao regime e por que esse padrão se alterou a partir de 1963. O objetivo desse trabalho é buscar no interior do congresso e no padrão da competição política (arena eleitoral) os fatores que minaram a capacidade de produção legal do congresso e o maior conflito entre os poderes executivo e legislativo. Nossa hipótese de partida é que a campanha eleitoral e as políticas do governo JK alteraram as issues do debate público nacional, forçando os partidos a se posicionarem de forma clara perante o eleitorado sobre a sua visão de desenvolvimento. O mesmo processo viria afetar o próprio comportamento dos parlamentares, desencorajando posturas individualistas e coalizões ad hoc. Esse crescimento da importância do posicionamento dos partidos afetará também a própria corrida presidencial e, por conseguinte, as coalizões de governo. Pretendo testar a hipótese de que o padrão de coalizões de governo formadas no período eram de tipo distintos das coalizões no período pós-88. Talvez o que estivesse em jogo nas coalizões fosse menos o apoio dos partidos, ou apoio de facções dentro dos partidos, mas sim a disputa presidencial, considerada o bem maior para os 17

partidos (já que facilitam o acesso aos recursos da União e aos postos chave da administração pública). Com o crescimento do PTB, o partido não mais se contentava em se comportar como sócio minoritário nas chapas nacionais formadas com o PSD; por sua vez, o partido também não dispunha de nenhuma liderança forte para concorrer ao pleito de 1965, já que perdera as governadorias dos maiores estados em 1962 e, principalmente, Goulart e Brizola estavam inelegíveis para o cargo. As clivagens e as divergências entre PTB e PSD, ou entre PTB e UDN, se acentuaram ainda mais no período 1962-64, devido a emergência de questões distributivas conflitantes (como a reforma agrária). Sem maioria no congresso e sem candidato forte para disputar as eleições de 1965, coube ao PTB abraçar adotar a estratégia maximalista. Se não conseguisse emplacar as reformas com Jango no poder, menores ainda seriam as chances com JK (pré-candidato do PSD), Carlos Lacerda ou Magalhães Pinto (pré-candidatos da UDN) ou Miguel Arraes (pré-candidato do PSB). Após o trabalho pioneiro de Wanderley Guilherme dos Santos na análise das relações entre executivo e legislativo na república de 1946, os trabalhos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi (1999), Fabiano Santos (2003) e Jaqueline Zulini (2011) concluíram importantes trabalhos que ampliaram a compreensão do funcionamento do sistema político na República de 1946 (a análise de Santos se restringe ao período 1959-1964). Entretanto, nenhum desses trabalhos teve como foco específico conciliar esses novos achados com uma teoria sobre o golpe de 1964 (a exemplo da pesquisa de Wanderley Guilherme dos Santos). Sumarizando, consideramos que a variável essencial para compreender o golpe de 1964 é de natureza política, mais precisamente a radicalização que minou as chances de negociação parlamentar durante o governo de João Goulart. Perdidas todas as oportunidades de formar uma coalizão de centro-esquerda para aprovar as reformas de base, Jango embarca na canoa das esquerdas. Daí em diante deflagrase uma intensa radicalização que passa a colocar em suspeita as intenções do presidente, sobretudo a de que ele tentaria buscar um segundo mandato ou de que pretendia instaurar um regime “comunista”. O presidente conseguiria ainda galvanizar a oposição no seio das forças armadas ao menosprezar a disciplina, questão essencial (definidora) das forças armadas. 18

No capítulo I, apresentamos um estudo sobre as relações civis-militares no regime de 1946, com enfoque sobre a questão do controle civil (se existia ou não tal controle e que tipo de controle foi exercido pelos presidentes), a divisão político-ideológica no interior da caserna (de acordo com uma nova classificação que leva em conta a ideologia a postura profissional castrense). Os ingredientes empíricos da análise são as quatro principais crises político militares da república de 1946, analisadas sob a ótica (1) da divisão entre os grupos políticos em relação a intervenção, (2) da cadeia de comando e das medidas estratégicas tomadas para alcançar os objetivos (a exemplo de ultimatos, tropas na rua, mensagens ao congresso e etc). Para analisar a questão do controle civil, construímos um banco de dados com a classificação de todos os 32 ministros militares da república de1946, elaborado a partir do Dicionário Histórico-biográfico Brasileiro, que leva em conta o aspecto ideológico (nacionalista, antinacionalista) e profissional (intervencionista e legalista). Embora consideremos que os principais fatores para o golpe de 1964 sejam de natureza política, esse capítulo justifica-se pelo fato de que tais crises políticas não redundam automaticamente em golpe, como se fossem independentes do tipo de relações civis-militares do país. Dito de outro modo, as mesmas crises não redundariam em golpes se houvesse efetivo controle civil objetivo sobre as forças armadas. Se as conspirações militares não são suficientes para o sucesso do golpe, são, contudo, necessárias. O capítulo busca precisamente responder quais as condições (restritas a caserna) necessárias para o golpe bem-sucedido de 1964 e o regime que se sucedeu, que não estavam presentes nas intervenções anteriores. No capítulo II, apresentaremos os fundamentos históricos da hipótese central desse estudo. Procuramos mostrar, através da seleção de alguns fatos históricos, como a política de JK ensejou a criação primeiro de alas ideológicas e progressistas no interior dos partidos (Ala Moça do PSD, Bossa Nova da UDN e grupo compacto do PTB), bem como a Frente Parlamentar Nacionalista. A criação dessas alas, argumentamos, são uma resposta a introdução de novas issues no debate público (que dava ares mais programáticos e menos personalistas a competição política), sobretudo as opções para desenvolvimento do Brasil. Mais precisamente, argumentamos que esse novo quadro foi ensejado pela campanha eleitoral de JK (sobretudo seu Plano de Metas), pelas políticas implementadas em seu governo (como a intensa participação do 19

capital estrangeiro nos investimentos privados previstos no Plano de Metas) e pelos efeitos políticos não previstos (como o acirramento da questão agrária). Tal realinhamento, argumentamos, se traduz tanto na correlação de forças entre os partidos, mas principalmente na definição das bases sociais (e, portanto, regionais) dos partidos políticos e na atuação das bancadas parlamentares. No capítulo III, testamos a hipótese da transformação na atuação parlamentar dos partidos na república de 1946 (anunciada, mais que provada, no capítulo anterior). Num primeiro momento, mostramos como as novas clivagens provocaram divisões internas nos três principais partidos e a relação dessas novas alas com os setores tradicionais das máquinas partidárias. Argumentamos que, a princípio, as novas alas dos partidos provocam erosão na já combalida coesão partidária. Entretanto, num cenário em que os partidos ganham relevância, as novas alas e as tradicionais entram em confronto e o saldo deste é diferente em cada partido. No PSD, conforme já demonstrara demonstrou Lúcia Hipólito, a ala moça é vencida pelas “raposas” (HIPÓLITO: 1985). No PTB, é o grupo compacto e nacionalista quem vence, do que resulta um aumento (e não redução) da disciplina partidária; o partido se desloca, quase como um bloco, rumo a esquerda. Na UDN, a postura desenvolvimentista da Bossa Nova, provoca uma reação da Banda de Música, a qual acaba por sagrar-se vencedora na disputa; dessa disputa resulta um partido mais dividido no quadro geral e mais coeso nas questões centrais. Em suma, os deslocamentos ideológicos dos partidos e a transformação da disciplina partidária, atuando de forma específica em cada partido, são a principal mudança em relação a legislatura iniciada em 1958 e explicam a radicalização após as eleições de 1962. Um exemplo disso é a maior coesão da UDN nas questões centrais, tendo em vista que a indisciplina do partido era essencial para a aprovação de projetos de governo, a exemplo do que ocorreu nos governos Vargas e JK (SANTOS, 2003). A base empírica dessas análises será o banco de dados sobre votações nominais na república de 1946 (CEBRAP-USP). Na conclusão, apresentamos um balanço dos principais achados empíricos da dissertação, bem como a confirmação ou da refutação das hipóteses centrais. Em paralelo a este balanço, apresentamos também uma breve consideração normativa,

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onde argumentamos que as lideranças partidárias e sociais, leram de forma equivocada a transformação do debate público e as novas clivagens. Confundiram a passagem de uma política personalista para uma política ancorada por projetos de desenvolvimento (que era um processo que, sublinhamos, estava em marcha)1, com um processo de radicalização das preferências do eleitorado. Como demonstram os dados apresentados por Antônio Lavareda (coletados pelo IBOPE), o grosso do eleitorado era centrista, reformista (não radical), anticomunista e que via na liderança de JK a melhor expressão de suas ideias. As lideranças radicais de Lacerda, a direita, e Brizola, a esquerda estavam longe de alcançar maior pertinência entre os eleitores.

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Processo este que não estava concluído, nem era unívoco. A eleição de Jânio Quadros em 1960, o candidato personalista por excelência, cuja campanha era uma espécie de antitese da campanha de JK

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1. RELAÇÕES CIVIS-MILITARES NA REPÚBLICA DE 1946: Politização dos quartéis, comando, profissionalismo e instabilidade política

A intervenção política dos militares foi uma constante em praticamente todo o a república de 1946. Para além do fato de terem sido os militares os responsáveis pela deposição de Vargas em 1945 e os principais articuladores do golpe que pôs fim ao regime democrático em 1964, os militares estiveram presentes em diversos outros episódios da república de 1946. Atuaram como protagonistas da cena política no ultimato dos generais a Vargas em 1954, na conspiração para impedir a posse de JK e no golpe preventivo do general Henrique Lott em 1955, nas revoltas de Jacareacanga e Aragarças durante o governo JK (restritas a Força Aérea Brasileira), no veto dos ministros militares a posse de João Goulart, no pedido de estado de sítio em 1963 e, por fim, no golpe militar de 1964. Mesmo em uma abordagem panorâmica, fica patente o profundo envolvimento dos militares com a política no regime de 1946. Desde a vigência da Constituição de 1988 (que em 2012 completa 24 anos), não se observou nenhuma crise com gravidade semelhante a menos grave das crises ocorridas na República naquele período, regime que vigorou por apenas 18 anos. E não foi por faltas de crises econômicas, políticas ou pelas decisões dos governos em matéria de segurança. Para ficar apenas nas profundas mudanças em matéria de Defesa, a despesa dos ministérios militares no último ano do presidente Figueiredo representava 25% do orçamento do poder Executivo, valor que caiu para 10% no ano de promulgação da nova Constituição e que tem oscilado entre três e cinco por cento durante os governo FHC, Lula e Dilma Rousseff2. Além disso, Fernando Henrique Cardoso deu um passo importante no estabelecimento do controle civil sobre a Política de Segurança, extinguindo os três ministérios militares e criando o Ministério da Defesa, ocupado desde então por civis, além de publicar a Política Nacional de Defesa (1996) (FUCCILLE, 2006) nenhuma reação castrense a essas

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Fonte. Despesa da União por Ministério (1901-2000). Estatísticas do Século – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível no sítio: “http://www.ibge.gov.br/seculoxx/economia/”.

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medidas, que atingiram em cheio seus interesses (profissionais ou políticos), lembram as crises político militares do pós-guerra no Brasil. Partindo desta constatação, o objetivo central desse capítulo é explicar por que, apesar das diversas intervenções políticos dos militares, só ocorreu de fato um golpe de estado e a instauração de um regime militar em 1964 e não nos outros eventos. Preocupamo-nos em mostrar o contexto político em que as ações militares ganham sentido, mas a preocupação central é verificar quais as condições (no seio do alto oficialato) viabilizaram a intervenção militar bem sucedida de 1964 e que não estavam presentes nos outros eventos3. Por condições militares entendemos, por exemplo, a coordenação entre os oficiais para a atuação militar, a meta da intervenção (se afronta ou assegura o funcionamento normal das instituições) e as medidas tomadas para implementar as decisões — tropas na rua, ultimato ou mensagem ao congresso. Para responder a essa pergunta do capítulo anterior precisamos fornecer também uma teoria das relações civis-militares no período estudado, com enfoque sobre o controle civil (ou sua ausência), o ingresso da política nos quartéis e suas consequências sobre a hierarquia, a disciplina e sobre a próprio resultado das intervenções militares. Sabemos que as intervenções decorrem das posições políticas dentro das forças armadas, em que um dos ingredientes principais da discórdia é a divisão políticoideológica entre os altos oficiais. Na primeira sessão, apresentamos de forma sintética as principais divisões, como surgiram e como atuaram em cada uma das crises. Para explicar as condições no interior da caserna que explicam o sucesso do golpe de 1964 (e o insucesso ou sucesso parcial das demais intervenções), dedicamos a segunda sessão desse capítulo à análise histórica comparada das quatro principais crises político-militares (1954, 1955, 1961 e 1964). Na terceira sessão, com base nas análises anteriores e na teoria das relações civis-militares — especificamente a teoria do profissionalismo e do controle civil (HUNTINGTON, 1996; FEAVER, 1999) — oferecemos uma explicação para o sucesso do 3

Reconhecemos tanto que fatores exógenos ao meio militar (geralmente políticos) são necessários para a intervenção política dos militares (e determinam, de certo modo, o alcance de seus objetivos), como reconhecemos que os militares não são eram “página em branco, a espera de um grupo que escrevesse em suas linhas um programa político” (MARTINS FILHO, 2010, 122).

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golpe de 1964 e por que aquele não foi um golpe como os outros (em que os militares destituem o chefe do estado e retornam aos quartéis). Argumentamos que a frequência das intervenções militares se deve a invasão da política na caserna (inclusive, ou melhor, sobretudo entre os altos oficiais), que tanto indica ausência de profissionalismo como compromete a cadeia de comando. Em outras palavras, dada que o alto oficialato estava politicamente engajado, ainda que não houvesse a crise do governo João Goulart, haveria outras oportunidades de intervenções militares com múltiplos outros estopins: a questão militar e sua função estavam mal resolvidas. Por sua vez, os presidentes, enquanto chefes de Estado, ou não se envolveram na solução dessa questão ou encaminharam solução equivocada, isto é, promoveram um controle civil subjetivo, nomeando generais “aliados” para os postos chave. Tais atitudes só reforçam a politização das forças armadas e comprometem a hierarquia e a disciplina (e, por conseguinte, comprometem a própria legitimidade do presidente como comandante-em-chefe das forças armadas). Havendo politização e divisão político ideológica dentro das forças, o pior cenário para a sobrevivência do regime democrático é aquele em que todas as correntes entram em acordo e este acordo é no sentido de violar as instituições democráticas (como ocorre em 1964). O regime militar que se segue ao golpe, que não mantém as eleições presidenciais de 1965 (como esperavam os golpistas civis), pode ser explicado pelo protagonismo dos golpistas de longa data, inspirados pela Doutrina de Segurança Nacional (que pode ser interpretada como a antítese do profissionalismo e do controle civil sobre as forças armadas). Divisões político-ideológicas no seio das forças armadas Diversos estudiosos apresentaram quadros sobre a divisão ideológica no seio das forças armadas. O historiador João Roberto Martins Filho (2010) identifica duas correntes ideológicas principais nas forças armadas, denominadas “nacionalistas” e “antinacionalistas”. A diferença fundamental entre ambas, a princípio, dizia respeito a industrialização e ao alinhamento do Brasil no sistema internacional. Os primeiros defendiam que o país deveria adotar uma política de industrialização autônoma, isto é, sem a participação de empresas estrangeiras, e criticavam o alinhamento automático

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com os EUA, enquanto os segundos defendiam a presença do capital estrangeiro e o alinhamento com os EUA. O primeiro conflito entre os dois grupos foi motivado por divergências quanto a um possível envio de tropas brasileiras à Guerra da Coréia e ganhou corpo nas eleições do Clube Militar em 1950. A chapa Amarela representava os nacionalistas (encabeçada pelo general Estilac Leal), enquanto a chapa Azul representava os antinacionalistas (encabeçada pelo general Cordeiro de Farias) e ambas protagonizaram disputas bienais acirradas a partir de 1950 (com vantagem para a chapa Azul). As palavras de Olimpio Mourão Filho, ainda em 1950, dão o tom agressivo da disputa: Meus oficias, aqui estamos reunidos para democraticamente eleger a nova diretoria do Clube Militar. Como os senhores já sabem, temos aqui duas chapas: a chapa Azul, que é a chapa democrática, encabeçada pelo Gal. Cordeiro de Farias, e a chapa Amarela, que é comunista. Vocês tenham a bondade de se levantar e votar. (112) Com a eleição de Getúlio Vargas, o conflito se agravaria ainda mais, já que os antinacionalistas não aceitavam as políticas nacionalistas de Vargas e muito menos a mobilização da classe operária (crescente em seu governo). Os antinacionalistas fundariam, em fins de 1951, a Cruzada Democrática, que teria o papel de coordenar a oposição a chapa encabeçada pelo general Estilac Leal, então ministro da Guerra de Vargas. O grupo teve um papel decisivo na crise política gerado pela exigência da renúncia de Vargas, que culminou com o seu suicídio. Em 1955, com o contragolpe do general Henrique Lott, os antinacionalistas passam a atuar em conjunto com os setores legalistas das forças armadas, isto é, aqueles que mesmo sem defender posições políticas ferrenhas no debate entre nacionalistas e antinacionalistas, concordavam em manter o funcionamento ordinário das instituições democráticas e do Estado de Direito. Por fim, cabe mencionar ainda a ligação umbilical entre os antinacionalistas da Chapa Azul e da Cruzada Democrática e a Escola Superior de Guerra. Para além do fato de seus próceres, Gal. Golbery do Couto e Silva e Gal. Cordeiro de Farias serem também destacados líderes da facção anti-varguista e intervencionista das forças armadas, é importante notar as funções desempenhados por ambas são distintas. A

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Escola Superior de Guerra foi a responsável pela disseminação da Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, doutrina esta que dava maior ênfase aos riscos da Defesa Interna a segurança nacional, isto é, por grupos que pretendem subverter e enfraquecer o poder nacional atuando dentro de suas fronteiras (HUNTINGTON: 1996, 19). Nesse conceito ampliado de Segurança Nacional, a própria questão do desenvolvimento econômico passava a subordinar-se aos imperativos da segurança. Um país não desenvolvido economicamente oferece aos grupos subversivos as ocasiões para explorar o despontamento popular, direcionando-o contra as instituições e contra as autoridades. Por fim, o conceito de Segurança da ESG tem um objetivo mais de longo prazo que os objetivos da Chapa Azul no Clube Militar: enquanto aquela se dirige a angariar apoio da oficialidade, está se ocupa da formulação da Política de Segurança Nacional (definindo, inclusive, seus objetivos). Conforma argumenta Alfred Stepan (STEPAN: 1978, 120), a doutrina de Segurança Nacional, disseminada pela ESG, transformara o papel político dos militares, deixando o papel de moderador (que intervém na política e retorna aos quartéis) para o papel de diretor (que intervém e assume o lugar dos civis no governo). Já o historiador Jorge Ferreira organiza divisão político-ideológica dos militares em três grupos. O primeiro eram os nacionalistas de esquerda, idêntica a chapa Amarela, que se caracterizava pela defesa do nacionalismo, da democracia e do legalismo. O segundo grupo eram os nacionalistas direitistas, que defendiam a industrialização, o monopólio estatal do Petróleo e eram profundamente anticomunistas. E o terceiro grupo eram os “cosmopolitas de direita”, que (também visceralmente anticomunistas) defendiam um alinhamento do Brasil com os EUA no contexto da Guerra Fria (FERREIRA: 2003, 320). José Murilo de Carvalho, por sua vez,

analisa a divisão no seio das forças ar-

madas tendo por base essencialmente a política de Vargas (e o seu fantasma, após a sua morte), sobretudo a partir de 1950. Para o autor, emboré houvesse divergências sobre diversos temas econômicos ou relações exteriores, o que realmente dividia as forças armadas era a mobilização popular e o anticomunismo. Na prática, mesmo os grupos denominados “nacionalistas” também eram anticomunistas (com a exceção de Estilac Leal) e compartilhavam, em linhas gerais, a Doutrina de Segurança Nacional 26

elaborada pela ESG. A diferença consiste na histeria anticomunista dos Antivarguistas, que estavam dispostas a atropelar o Estado de Direito e as escolhas da população em nome da segurança nacional ‘ameaçada’, que agiam de forma coordenada com a ala golpista da União Democrática Nacional. Entre esses dois grupos ideológicos que passaram a se enfrentar desde a eleição do Clube Militar em 1950, havia sem dúvida um grupo de militares preocupados apenas em desempenhar suas funções profissionais, sem participação direta na política. Com efeito, é bastante conhecida a afirmação do Gal. Golbery do Couto e Silva sobre a dificuldade de levar adiante a conspiração contra Goulart de que em 1963. Segundo o general, menos de 10% do altos oficiais estavam engajados ou simpatizavam com a conspiração, enquanto !0%ou 20% eram pró-Goulart (nacionalistas) e os demais 70% ou 80% eram simplesmente legalistas (in: STEPAN, 1978, 122). Como veremos em outra sessão, essa facção legalista majoritária não aparece no alto comando das forças singulares porque a liderança política prefere nomear para o comando das forças os seus simpatizantes políticos, o que reforça a política nos quartéis e compromete a disciplina e a hierarquia. Entendemos que a divisão ideológica nas forças armadas comportam três crivos importantes. Não consideramos o anticomunismo uma clivagem importante, tendo em vista que essa característica é compartilhada por praticamente todo o alto oficialato (com a exceção de Estilac Leal); na prática, o que existe é um grupo movido pela histeria anticomunista, fortemente ligados aos setores golpistas da UDN (como veremos adiante) e os demais, também anticomunistas, mas que até março de 1964 não acreditaram no risco real de subversão revolucionária no Brasil. A clivagem nacionalista versus antinacionalista de fato é importante, por representar distintas visões do desenvolvimento e do alinhamento do país no contexto da Guerra Fria. Idêntica a esta é a clivagem varguista/antivarguista, sendo que nem todos generais leais a Vargas eram nacionalistas (dos seus três ministros da Guerra, todos leais, Espírito Santo Cardoso e Zenóbio da Costa estavam mais próximos do antinacionalíssimo). Por fim, existe a divisão jurídica, que se divide entre intervencionistas e legalistas.

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Em teoria, a combinação dessas duas clivagens criaria cinco possibilidade: (1) intervencionistas nacionalista, (2) intervencionistas antinacionalista, (3) legalista-nacionalista, , (4) legalista antinacionalista, por fim, os militares profissionais (apenas legalistas)4. Na prática, a corrente nacionalista-intervencionista não existe; talvez apenas um embrião dessa corrente tenha surgido entre os movimentos de suboficiais a partir de 1963 (ainda incipiente). A corrente antinacionalista intervencionista, por sorte, torna dispensáveis a clivagem do anticomunismo/histeria anticomunista e do vaguíssimo/antivarguismo: virtualmente todos os antinacionalista-intervencionistas seguiam a histeria anticomunista e eram antivarguistas. Atendo-nos apenas aos oficiais que assumiram um dos ministérios militares na república de 1946, podemos citar como legalistas-nacionalistas os generais Estilac Leal (Vargas), Henrique Lott (Café Filho e Kubitschek), João de Segadas Vianna (Goulart) e o brigadeiro Nero Moura (Vargas). Como legalistas-antinacionalistas podemos citar Espírito Santo Cardoso (Vargas), Zenóbio da Costa (Vargas) e Amaury Kruel (Goulart). Como intervencionista-antinacionalistas, podemos citar os generais Canrobert Pereira (Dutra) e Odílio Denys (JK e Quadros), o brigadeiro Eduardo Gomes (Café Filho) e o almirante Silvio Heck (Quadros). Quanto aos simples legalistas, são poucos os exemplos ministeriais, já que os presidentes nomeavam ministros simpáticos a posição ideológica dos seus governos, em vez de militares neutros. Exceção a essa tendência foi o gabinete parlamentarista montado por Goulart em 1961, quando os comandantes da Aeronáutica (Clovis Monteiro Travassos) e da Marinha (Ângelo Nolasco de Almeida) eram figuras politicamente neutras ou inexpressivas na caserna. Por fim, se analisarmos essa divisão ideológica no interior das Forças, observamos que o conflito é basicamente restrito ao Exército, posto que a Aeronáutica e a Marinha prevalecia um virtual consenso anticomunista, antivarguista e intervencionista (MARTINS FILHO, 2010, 116). Apresentado o panorama da divisão ideológica no interior das forças armadas, podemos agora analisar as principais intervenções políticas dos militares na República de 1946.

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Na prática não existia também um simples intervencionista, sem aderir a corrente nacionalista ou antinacionalista. A tipologia é quase exaustiva (isto é, quem não está em uma, está necessariamente na outra) devido as tensões da guerra fria. No mais, ser favorável a intervenção pressupõe a existência de um plano a defender, seja o varguismo/antivarguismo seja o nacionalismo/antinacionalismo.

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Crises político-militares na república de 1946 Para além da narrativa histórica e da contextualização política, o essencial nesta seção é analisar como os militares se coordenaram para a intervenção (se estiveram unidos ou divididos), se o movimento seguiu ou desrespeitou a cadeia de comando, os objetivos da intervenção e quais medidas práticas levadas a cabo para concretizá-las. Analisamos com mais detalhes as crise de 1954 que culminou com o ultimato dos militares a renúncia de Vargas, o contragolpe do Gal. Henrique Lott em 1955, o veto dos ministros militares a posse de Jango em 1961 e, por fim, o golpe de 1964. Acrescentamos ainda breves comentários sobre intervenções de menor vulto, que acabaram não redundando em crises políticas, como a tentativa de impedir a posse de Vargas em 1950, as revoltas de Aragarças e Jacareacanga e o pedido de estado de sítio em 1963. a) Ultimato e suicídio de Getúlio Vargas Pode-se dizer que a crise que culminou o suicídio de Vargas teve início em fevereiro de 1954, quando oficiais do Exército lançam o “Manifesto dos Coronéis”. No manifesto, os coronéis e tenentes coronéis queixavam-se da negligência do presidente com as demandas do Exército, sobretudo com por não reequipar as unidades e não reajustar os salários. Alertavam também para o fato de que a perda de prestígio das forças armadas e os baixos vencimentos poderiam favorecer a infiltração comunista e a desordem na caserna. Além disso, o manifesto também reflete a perda de status dos militares enquanto membros da classe média, ainda mais em um contexto de alta inflação e com os rumores do aumento de 100% no salário mínimo (SKIDMORE, 1982: 163-6). A providência de Vargas ao tomar conhecimento do Manifesto foi promover uma reforma ministerial, substituindo os ministros do Trabalho, João Goulart (alvo de pesadas críticas por sua proposta de aumento de 100% no salário mínimo e acusado de incentivar as greves pelo país), e o Ministro da Guerra, Espírito Santo Cardoso. A crise viria a se agravar ainda mais em agosto de 1954, com o atentado da Rua dos Toneleiros. Tentando acertar Carlos Lacerda, os pistoleiros vitimaram o major da Aeronáutica, Rubens Vaz, que fazia escolta do deputado udenista. A Aeronáutica iniciou rapidamente as investigações sobre a morte major, cujos métodos alheios ao

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Estado de Direito renderam o apelido de “República do Galeão”. Capturado o assassino e constatada sua ligação com Gregório Fortunato, chefe do gabinete de segurança presidencial, os oficiais da Aeronáutica e da Marinha passaram a exigir a renúncia de Vargas. O ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, tenta ainda conquistar o apoio dos generais do Exército para garantir a permanência do presidente. No dia 23 de fevereiro, porém, um manifesto assinado por diversos generais (incluindo nacionalistas, como Henrique Lott) exigem a renúncia do presidente. Percebendo o isolamento, na madrugada do dia 24 de agosto, Vargas aceita se licenciar do cargo enquanto durassem as investigações, o que não foi suficiente para dissuadir o comando das forças, que exigiam a sua renúncia. Na manhã, o presidente suicida-se e entrega a sua carta testamento. Como já afirmamos a aeronáutica era palco de um virtual consenso antinacionalista-intervencionista (também adeptos ao antivarguismo e da histeria anticomunista). Para além das ligações umbilicais entre esse grupo e a ala golpista da UDN — o fato de o major Rubens Vaz fazer a escolta de Lacerda e dos brigadeiros Eduardo Gomes e Juarez da Távora serem candidatos a presidente pela UDN em 1945, 1950 e 1955 não são coincidências — existe ainda questão da quebra da hierarquia no episódio. Sem dúvida, foi a FAB quem liderou as demais forças na derrubada de Vargas, tanto pela posição ideológica como pelo atentado na Rua dos Toneleiros. Oficiais da FAB reunidos no dia 10 de agosto escolhem Eduardo Gomes, chefe do Estado Maior da Aeronáutica, como “chefe incontestável da Aeronáutica” para comandar o movimento antigovernamental (DHBB, EDUARDO GOMES). O brigadeiro Nero Moura, Ministro da Aeronáutica e nacionalista, foi ignorado e não tinha qualquer comando sobre o alto oficialato da força, que elegeu Eduardo Gomes como chefe. Também virá da FAB a manifesto que exigirá a renúncia de Vargas, rapidamente apoiado pela Marinha e também seguido pelo Exército. Na prática, a posição ideológica da FAB fez com que força não reconhecesse Vargas como comandante-em-chefe das forças armadas e, por conseguinte, ignoraram o comando do ministro nomeado por ele. Sem qualquer controle civil ou político, a FAB elegeu sua missão (depor o presidente) e seu chefe (Eduardo Gomes). A Ma-

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rinha veio a reboque da FAB, sendo que o Ministro da pasta foi leal a posição dominante do almirantado (o que representa uma inversão do comando). O exército, onde havia maior equilíbrio entre as posições ideológicas, relutou em aderir a conspiração, mas acabou seguindo a posição das duas outras forças (com a anuência, inclusive, de Henrique Lott). Em síntese, a posição das forças nasceu dos seus altos oficiais e não dos comandantes, que relutavam em depor o presidente (sobretudo o ministro da guerra, Zenóbio da Costa). Os altos oficiais estiveram unidos, isto é, praticamente todas as posições ideológicas estiveram a favor do golpe. Percebendo que a maioria dos oficiais exigia a renúncia de Vargas, os legalistas nacionalistas e antinacionalistas preferiram acatar a posição majoritária como a sua, em vez de entrarem em conflito. No dia 24 de agosto, relata Jorge Ferreira, “Por ordem dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica de várias regiões militares, todos os quartéis e regimentos a eles subordinados entraram em estado de prontidão” (314). O aparato montado para depor Vargas, acabou servindo para reprimir os protestos, incêndios e depredações promovidas por populares indignados com o suicídio do presidente. A literatura não é unânime em apontar se os militares foram bem ou mal sucedidos em 1954. Para Jorge Ferreira, as revoltas populares espalhadas pelo Brasil, motivadas pelo suicídio e pelos seus ‘culpados’ apontados na carta testamento, dissuadiram os militares de por fim ao regime democrático. Segundo o autor, “Surpresos e atemorizados, perderam a autoridade e, sobretudo, a legitimidade política para justificar como necessária a intervenção militar. O golpe era inviável” (FERREIRA, 2003, 315). Entretanto, o autor não apresenta (e nós também desconhecemos) o interesse dos militares promover algo além da própria deposição de Vargas. Se havia tal intenção, dificilmente encontraria apoio dos legalistas (sejam os profissionais, os nacionalistas e antinacionalistas). b) Contragolpe de Henrique Lott Cenário radicalmente distinto ocorreu um ano depois. Líderes civis, como Carlos Lacerda, já defendiam abertamente a suspensão das eleições presidenciais de 1955, clamando para que as forças armadas impedissem a realização do pleito. No início de agosto, em solenidade em memória da morte de Rubens Vaz, o general Canrobert

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Pereira faz um discurso contundente, no qual afirma que o dilema dos militares é decidir “entre uma pseudo-legalidade imoral e corrompida, e o restabelecimento da verdade e da moralidade democrática” (FERREIRA, 2010, 316). Não tratava-se de uma general qualquer, mas sim do Comandante do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA) e presidente do Clube Militar (eleito pela Chapa Azul). Apesar dos apelos, as eleições foram realizadas e as urnas deram a vitória a chapa Juscelino Kubitschek (PSD) e João Goulart (PTB). Entretanto, mais uma vez, lideranças da UDN alegaram nulidade do resultado já que nenhum dos candidatos a presidente ou vice-presidente atingiu maioria absoluta dos votos. No dia 1º de novembro, por ocasião do enterro do general Canrobert Pereira, o coronel Jurandir Mamede (que não estava inscrito para falar) proferiu um discurso desafiador, parafraseando o falecido general e defendendo a tese de que os militares não deveriam permitir a posse de candidatos eleitos sem maioria absoluta. Coerente com sua visão profissional das forças armadas (que deveriam se manter a margem da política), o ministro da guerra Henrique Teixeira Lott decreta a prisão de Mamede, ignorando que o coronel não era subordinado ao ministério —Lott tomou a mesma atitude quando Zenóbio da Costa defendeu a posse dos eleitos. O presidente Café filho não se convenceu da necessidade de punir Mamede, mas acabou se licenciando da presidência por motivos de saúde antes de tomar decisão definitiva. No dia 10 de novembro, o presidente interino Carlos Luz convoca o ministro da Guerra para comunicar a sua decisão. Após duas horas de atraso, o presidente comunica a decisão de não punir Mamede; ainda presidente da Câmara dos Deputados, Luz tinha cumprimentado Mamede pelo seu discurso. Constatando o desrespeito ao seu comando, Lott pede demissão como ministro da Guerra. Indignados com a humilhação imposta ao prestigiada figura do general Henrique Lott, mais de 30 generais do exército (sob a liderança de Odílio Denys) se reúnem e decidem intervir politicamente contra o governo Carlos Luz, o qual já tinha dado provas de estar participando da conspiração para impedir a posse do presidente e vice-presidente eleitos. Os generais elegem Lott para comandar a operação e, rapidamente, conseguem apoio de diversas regiões do Exército (Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo). No dia seguinte, as ruas da capital federal estão tomadas por tropas do Exército, que rapidamente anulam o poder das demais forças 32

(Marinha e Aeronáutica já tinham aderido ao golpe). Na mesma manhã, Carlos Lacerda, Carlos Luz, o almirante Pena Boto (fundador da Cruzada Anticomunista Brasileira) partem em um Cruzador rumo a São Paulo, onde pretendiam iniciar a resistência. Ainda a caminho do estado vizinho, foram informados de que não tinham apoio nem do governo do estado, nem do poder legislativo, nem do comandante daquela região do Exército e desistem da operação. Nesse episódio, é importante notar que as forças estiveram divididas, isto é, os comandantes do Exército e os comandantes das principais regiões militares intervieram politicamente em defesa da legalidade, isto é, da posse dos candidatos democraticamente eleitos. 5Os comandos da Marinha e da Aeronáutica já manifestavam publicamente favoráveis ao impedimento da posse de Goulart e Kubitschek e até mesmo participaram da resistência de Carlos Luz, enquanto esta durou. Nessa oportunidade, o elemento decisivo foi o apoio dos altos oficiais do Exército a causa da legalidade. Quanto a cadeia de comando, ela foi parcialmente respeitada. Até o anoitecer do dia 11 de agosto, Lott era o ministro da Guerra, demitindo-se por não poder punir um movimento que conspirava contra o resultado das urnas (com a anuência do presidente em exercício). Ao desobedecerem o presidente Carlos Luz, os conspiradores mantiveram-se leais a hierarquia vigente até o dia anterior. Ainda assim, foram os altos oficiais que ‘elegeram’ seu chefe. Para concluir, Lott tomou o cuidado de agir em sintonia com as lideranças políticas do PSD e do PTB, assegurando a sucessão civil com base na escolha dos partidos. A ‘novembrada’ representou a vitória dos legalistas (tanto profissionais, nacionalistas e antinacionalistas) contra os intervencionistas. c) O veto a posse de João Goulart A inesperada renúncia de Jânio Quadros redundaria na terceira importante crise político militar da república de 1946. A renúncia de Quadros ocorre enquanto o vice-presidente, João Goulart, encontrava-se em missão diplomática na República Po-

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A liderança do movimento, inicialmente, coube a Odílio Denys, que até o momento poderia ser caracterizado como um legítimo legalista. Foi por esse motivo que Denys foi nomeado comandante do Estado Maior das Forças Armadas e substituiu Lott no ministério da Guerra quando este se licenciou para concorrer a presidência. A partir desse momento, Denys passa a agir como um típico intervencionista.

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pular da China. Os ministros militares das três forças enviaram ao presidente da Câmara dos Deputados (presidente interino) uma mensagem onde afirmavam a inconveniência do retorno e da posse de João Goulart. Em resposta a mensagem dos comandantes das forças, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, inicia a campanha da Legalidade e passa a transmitir, via rádio para todo o país, uma série discursos criticando e mesmo ridicularizando os ministros militares. O ministério do Guerra, por sua vez, ordena ao comandante do III Exército, Marchado Lopes, a tomar providências para acabar com a rebelião liderada por Brizola, inclusive bombardeando o Palácio do Piratini, se necessário. Lopes, porém, decide não acatar as ordens do seu superior e rompe com o Ministério da Guerra. Além de focos de oposição de partidos e de organizações da sociedade civil, outra dissidência importante é a do Gal. Henrique Lott, já reformado, que lança um manifesto no qual conclama a população a defender a legalidade democrática. Outro foco de oposição surgiu no próprio exército, através de uma mensagem dos generais Ledário Teles, Amauri Kruel, Osvino Alves e Segadas Vianna contra o teor da mensagem da mensagem assinada pelo ministro de Guerra, Odílio Denys. Enquanto isso, no congresso, a Comissão parlamentar constituída para analisar a mensagem ministerial conclui pela adoção do sistema de governo parlamentarista, sem vincular a posse de Jango (assegurada) a esta mudança. Lideranças políticas levam a proposta de sistema parlamentarista a João Goulart e aos militares que, acuados e socialmente expostos, acabam aceitando essa saída honrosa. Nesse episódio, o que chama atenção, é que pela primeira vez se observa um movimento liderado pelo alto comando das forças armadas (ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica). Ainda assim, o movimento não logrou êxito nas suas metas, devido a oposição de organizações civis, a insubordinação militar e a oposição dos partidos políticos no congresso (cf. FIGUEIREDO, 1993, 171-4). Outro fator importante, ressaltado por José Murilo de Carvalho, é que os militares não lançam mão (não imediatamente) do uso da força, isto é, no dia seguinte ao envio da mensagem ao presidente da Câmara, não se observou nenhuma movimentação de tropas para fazer valer a vontade dos comandantes (como ocorrerá em 1954, em 1955 e como ocorrerá em 1964). 34

Outro aspecto importante é o forte viés ideológico dos ministérios militares escolhidos por Jânio Quadros. Odílio Denis, já como ministro da Guerra de JK, promovia uma perseguição aos militares nacionalistas que participavam da campanha do general Lott — o próprio Lott pediu a punição aos oficiais envolvidos na disputa política — , fazendo vistas grossas aos oficiais que participavam da campanha de Jânio Quadros. Outra indicação alarmante foi a do almirante Silvio Heck para a pasta da Marinha. O almirante já havia liderado uma revolta em sua força contra JK em Pernambuco, tentou prender o presidente em uma viagem, apoiou a conspiração de Aragarças O brigadeiro Gabriel Grüm Moss, que assumiu a Aeronáutica, também havia participado da revolta de Aragarças. Em suma, um ministério totalmente comprometido com a facção intervencionista-antinacionalista das forças armadas (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro). Possivelmente por ainda reconhecerem a ilegitimidade de suas ações políticas, a estratégia do alto comando das forças armadas foi primeira persuadir o congresso (pela argumentação e pela intimidação) da inconveniência do retorno de Goulart. O emprego da força só foi cogitado após o início das manifestações sociais contrárias ao veto militar, algo que ocorreu tanto em 1954, em 1955 e no golpe de 1964. Uma hipótese que aventamos (cuja demonstração foge ao escopo desse estudo) é que para deflagrar uma movimentação de tropas e um gesto de força (como nos outros eventos), os comandantes precisariam convencer os altos oficiais das forças para a empreitada, ou seja, precisariam convencer legalistas e oficiais moderados. Talvez por reconhecerem a insuficiência das justificativas para o veto a posse de Jango, é que os comandantes não coordenaram uma movimentação de tropas. O fato de Machado Lopes não ter acatado as decisões dos seus superiores é indício do tipo de problema que os ministros enfrentariam par convencer os comandantes. Em síntese, essa crise foi iniciada pelos comandantes das forças, sem coordenação com o alto oficialato (se bem que só seria possível esperar oposição no Exército) e também esbarrou na indisciplina dos suboficiais, que começavam a se organizar politicamente e eram simpáticos a posse de Goulart. Talvez até pela falta de coordenação, a estratégia não foi lançar mão da força6 , mas sim convencer/intimidar o 6

Até existia um plano da Aeronáutica para prender Jango assim que este retornasse ao Brasil. Porém, se os militares estivem convencidos e confiantes a tomar essa medida unilateral, teriam simplesmente cumprido o plano, em vez de enviar a mensagem ao Congresso.

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congresso nacional. Não por acaso, Lacerda é o único líder político do país a apoiar a mensagem dos militares, indo contra a posição majoritária do seu partido (FIGUEIREDO, 1993, 42-3), mesmo originada no comando das forças, as ordens não foram cumpridas, até porque, para os legalistas (como o comandante do III Exército, Machado Lopes) seguir as ordens seria lutar contra a constituição (que não atribuía poder de veto político aos militares). A movimentação de tropas foi acionada tarde demais e, mesmo assim, não conseguiu conter as manifestações populares. d) O golpe de 1964: poder moderador e direção política A crise de março de 1964 é sem dúvida muito mais complexa e foi estudada pela literatura com maior profundidade. Do ponto de vista da atuação dos militares, restringimos nossa análise aos principais eventos de março de 1964, mesmo reconhecendo que as possibilidades de ação do presidente João Goulart estavam constrangidas pelas escolhas e insucessos anteriores7. O Comício da Central é o ponto de inflexão a partir do qual as forças armadas (em conjunto) passam a desconfiar das intenções do presidente João Goulart. Após sucessivas tentativas fracassadas de aprovar as chamadas reformas de base e diante do caos econômico (queda do PIB per capita combinada com alta inflação), Jango decide ceder a estratégia política recomendada pela esquerda radical. A estratégia consistia na presença do presidente em uma série de comícios organizados pelo país em apoio às reformas. Concomitante a essas demonstrações de apoio, o presidente deveria promulgar as reformas de base por decreto, sem a apreciação do congresso; diante dos previsíveis protestos da oposição, o presidente deveria recorrer a plebiscitos (SKIDMORE, 1983, 344-7). O primeiro ato para essa nova estratégia foi o Comício da Central do Brasil. Em seu discurso no, Leonel Brizola defendeu “a eleição de um congresso popular com a participação de trabalhadores, camponeses, sargentos e oficiais nacionalistas, do qual as raposas velhas da política tradicional fossem eliminadas” (FIGUEIREDO, 1993: 181). Mesmo sem endossar as palavras de seu cunhado, a presença de Jango no evento era interpretada pelas lideranças políticas e pelos militares e pela imprensa 7

Como argumenta Figueiredo (1993), a questão militar só se torna perigosa para Jango após o Comício da Central, quando o debate público é tomado por suspeitas de conspirações, golpes e contra-golpes. A explicação para a nova estratégia de Jango, porém, é política e deve ser buscada nas relações entre o governo e o congresso.

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como adesão as teses ali defendidas. Em editorial, o jornal O Estado de São Paulo afirmava: A revolução foi pregada com uma insistência, uma agressividade, um calor, que ultrapassou tudo o que até a data se havia verificado em atos semelhantes. (...) Pouco importa saber se o Sr. Brizola falou pela boca do Sr. Goulart, ou vice-versa. (O Comício, Notas e informações. O Estado de São Paulo, 14 de março de 1964, p3).

Outro ponto importante do discurso para a questão militar foi o anúncio reforma eleitoral. Como de fato cumpriu na mensagem ao congresso, o presidente defendeu o voto dos analfabetos e que todos os alistáveis fossem considerados elegíveis, o que abria espaço tanto para a candidatura de Brizola, como a sua própria e ainda a candidaturas de suboficiais (o que era inaceitável para a corporação). Outra questão chave era a ligação estreita das organizações de suboficiais das forças armadas com as organizações de esquerda. A mobilização entre os suboficiais ganhou força na campanha pela legalidade em 1961 e tinha como principal reivindicação a elegibilidade de seus quadros. A partir de 1963, sargentos, cabos, fuzileiros e marinheiros se aproximam bastante das outras organizações de esquerda, como CGT, Ligas camponesas e UNE (FERREIRA, 2010, 353). Ainda no Comício da Central, José Serra, presidente da UNE, comemorou a participação da “classe dos sargentos, que emerge para as lutas populares”. Que isso ocorresse, já era grave; que o presidente apoiasse esses grupos, era inaceitável (mesmo para os nacionalistas, como veremos). Em 11 de setembro de 1963, o presidente do Clube de Suboficiais, subtenentes e sargentos das forças armadas, Prestes de Paula, mobiliza os subalternos para uma rebelião em Brasília, após a decisão do Supremo Tribunal Federal que os tornava inelegíveis. A rebelião resultou na prisão do presidente do Congresso e do STF e foi rapidamente debelada. Além de contar com a participação de líderes de esquerda ligados a Brizola, o movimento recebeu apoio de todas as organizações citadas acima, além da Frente Parlamentar Nacionalista (FERREIRA, 2010, 370-1). A presença de Jango no Comício, portanto, contribuía para convencer o alto oficialato de que o presidente, além de compactuar com organizações que punham em risco a disciplina e a hierarquia, estava disposto a usá-las em sua causa reformista.

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O memorando do chefe do Estado Maior do Exército, general Humberto Castello Branco, foi crucial para a intervenção dos militares, tendo em vista que o oficial tinha grande respeito da caserna e era considerado legalista8. Nas palavras do general: Os instrumentos militares nacionais e permanentes não devem ser usados em defesa de um programa de governo, muito menos para a sua propaganda, mas para garantir os poderes constitucionais, seu funcionamento e o cumprimento da lei. (FIGUEIREDO: 1993, 184).

O estopim para o golpe, entretanto, seria a rebelião dos marinheiros. No dia 24 de março de 1964, o ministro da Guerra expediu um mandato de prisão para líderes que tentavam fundar um sindicato na Marinha, a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil. Os marinheiros organizaram, ainda, uma comemoração da fundação da Associação no Sindicato dos metalúrgicos, ao que o ministro da Marinha respondeu enviando 500 homens para prender os organizadores do evento e conter o motim. Jango, porém, decide vetar a invasão do prédio e a punição dos marinheiros amotinados. Impedido de preservar a hierarquia e a disciplina entre seus subordinados, o ministro Silvio Frota entrega o cargo. Em seu lugar, é nomeado, por indicação do CGT, o almirante Paulo Márcio Rodrigues, que decide anistiar os marinheiros amotinados (SKIDMORE: 1982, 355-66). A postura de Jango diante da rebelião dos marinheiros provocou a erosão do seu “dispositivo” militar. Dessa vez, os conspiradores de longa data conseguiram convencer tanto a ala moderada, representada por Castello Branco (que até 1963 considerava no máximo reagir caso o presidente fechasse o congresso), parte dos nacionalistas que apoiavam as reformas e os militares profissionais (estritamente legalistas). Nas palavras de José Murilo de Carvalho: “Corroer as bases da disciplina era inaceitável para qualquer oficial, mesmo para os que apoiavam as reformas propostas pelo presidente” (CARVALHO: 2005, 124). Jango desautorizava o ministro Frota, da Marinha, que era inclusive nacionalista. Desde o lançamento do memorando, a demissão do Ministro da Marinha tinha sido marcada como o estopim para a intervenção militar (SKIDMORE, 362). O general Olimpio Mourão Filho, comandante de um regimento do I exército sediado em juiz de 8

Na realidade, Castello Branco pode ser melhor caracterizado como um legalista-antinacionalista. Em comum com os intervencionistas, Castello Branco tinha a histeria anticomunista, mas não estava disposto a golpear as instituições, mas apenas a resistir caso João Goulart tentasse um golpe.

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Fora, decide o iniciar a intervenção militar enviando seu regimento ao Rio de Janeiro, onde se encontrava o presidente. As tropas de Mourão eram reduzidas e mal armadas, incapazes de fazer frente ao regimento Sampaio, que partia ao seu encontro. Como o ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro estava convalescente, Osvino Alves se dirige a Jango para saber se ataca ou não o regimento de Mourão. Jango afirma que não quer ver derramamento de sangue e as tropas do primeiro exército enviadas para conter as tropas de Mourão acabam aderindo a conspiração. Jango ainda esperava o apoio do comandante do II Exército, Amaury Kruel, que condicionou seu apoio a ruptura entre Jango e o CGT, o que o presidente não aceitou. As tropas do II exército marcharam rumo ao Rio de Janeiro. Jango segue pra Brasília e, em seguida, para o Rio de Grande do Sul, onde o recém nomeado comandante do III Exército, Ledário Telles, poderia desencadear a resistência. Jango se nega a iniciar a iniciar a guerra civil e foge para o Uruguai dias depois. O historiador Thomas Skidmore põe em dúvidas a possibilidade de resistência a partir do Rio Grande do Sul, tendo em vista que o general Ledário poderia não ter mais o comando dos oficiais gaúchos (506). De fato, como vimos em todas as crises citadas, o clima de politização nas forças armadas impedia que a hierarquia se sobrepusesse às diferenças ideológicas. Em situações de crise, generais decididos a conspirar contra o presidente não aceitariam como legítima uma cadeia de comando nomeada por ele. A política já tinha minado a hierarquia e eram os generais, nos momentos críticos, que elegiam seus chefes. É no curioso notar que o golpe de 1964, que depôs o presidente e instituiu um regime de exceção, tenha sido a menos ordenada do ponto de vista da movimentação de tropas. Toda a organização montada pelos conspiradores para o dia 2 de abril foi por água abaixo com a precipitação de Mourão Filho. Analisada isoladamente, a atitude do general tinha tudo para dar errado: um regimento pequeno e mal armado marchava para enfrentar o regimento Sampaio. Não tendo ordens para atacar, o comandante do I Exército entra em acordo com Amaury Kruel, comandante do II exército, e adere a conspiração.

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Mesmo sem coordenação, o sucesso da empreitada se deveu em primeiro lugar aos erros crassos de Goulart no trato da questão militar. Na síntese de José Murilo de Carvalho: O presidente parecia fazer tudo aquilo que seus adversários pediam a Deus que fizesse para facilitar o golpe. (...) Nomeava generais não confiáveis para o comando de postos chave, como o do III Exército, mantinha, as vésperas do golpe, no ministério da Guerra um general hospitalizado e, no gabinete militar, um outro vítima de alcoolismo [Assis Brasil] a que fora levado por crise familiar, não ouvia os conselhos para agir com mais firmeza na manutenção da disciplina militar.(CARVVALHO, 2005, 123).

A falta de coordenação só não foi sentida porque, de fato, Jango havia perdido o apoio de diversas correntes no interior das forças armadas. Nacionalistas que apoiaram sua posse em 1961 (como Kruel, Machado Lopes e Benjamin Galhardo) já tinham mudado de lado. Militares profissionais, fundamentais em outros contextos e fieis da balança, ou já tinha aderido a conspiração (devido ao desastroso tratamento de Jango a rebelião dos marinheiros), ou pelo menos assistiam passivamente a conspiração. Os legalistas-antinacionalistas encontraram em Castello Branco (chefe do Estado maior do Exército) a sua liderança: a adesão do general a conspiração foi crucial para a erosão do dispositivo militar do presidente9. Os intervencionistas estavam organizados como nunca: desde 1961, os ministros de Jânio Quadros (Denys, Moss e Heck), Cordeiro de Farias, o jurista Francisco Campos, além do brigadeiro Eduardo Gomes. Tinham o apoio de parte importante da imprensa, como os jornais O Globo e O Estado de São Paulo. Podiam contar ainda com os governadores Carlos Lacerda (antigo aliado dos intervencionistas), Ademar de Barros e no fim do regime, conquistaram o apoio do governador mineiro, Magalhães Pinto (que era da ala esquerda da UDN e não tinha histórico em conspirações). Entretanto, toda essa articulação não incluíam os postos chave da coordenação militar, que eram os comandantes das regiões militares do Exército. Entretanto, o golpe contra Goulart não foi da mesma natureza que o golpe tramado contra Vargas. Não se tratava mais de depor um chefe de estado e retornar aos quartéis (padrão moderador), mas sim de assumir a direção política do país. A Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento foi a motivadora desse novo papel,

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Obviamente, a adesão desses grupos não está descolada da cobertura política para o golpe e social para o golpe. Partidos, lideranças e organizações da sociedade, setores da imprensa que estavam do lado de Jango contra os intervencionistas em 1961, agora exigiam sua deposição.

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não tanto pelo anticomunismo (que independia da ESG para ser disseminado), mas por subordinar a direção política do país aos imperativos da Segurança Nacional. Que conclusões se pode tirar sobre as condições, no seio das forças armadas, que viabilizaram a intervenção militar bem sucedida de 1964? Como já afirmavam Argelina Figueiredo e Jorge Ferreira (já mencionados na introdução) é um equívoco explicar o golpe focando apenas na conspiração, como se estes fossem onipotentes. Se essa afirmação é válida na interação entre as forças armadas e a política institucional, também é válida para o interior das forças armadas. A existência de uma conspiração não é garantia de um golpe bem sucedido: o núcleo intervencionista orquestrou conspirações desde 1950 e fracassou (total ou parcialmente) em diversas oportunidades. Pelo menos desde 1950, já estava montado o núcleo intervencionista-antinacionalista. O anticomunismo, mesmo o histérico, também era uma constante, basta lembrar a citação do general Mourão Filho, no contexto da eleição no Clube Militar em 1950. Esse Núcleo tentou a impedir a posse de Vargas em 1950, esteve a frente dos esforços dos comandantes das FEB (liderados pelo brigadeiro Eduardo Gomes) para derrubar Vargas — o envolvimento de pessoas próximas do presidente com a morte de Rubens Vaz e os escândalos de corrupção convenceram as demais correntes político-ideológicas no interior do Exército. Esses conspiradores também articularam a tentativa de cancelar as eleições presidenciais de 1955 e, não conseguindo, tramaram impedir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart. Desta vez, foram detidos pelas forças legalistas, incluindo os antinacionalistas (quer dizer, os legalistas de direita) e os nacionalistas (de esquerda), bem como os militares profissionais. Embora fossem predominantes no ministério montado por Café Filho, esbarraram no ministro da Guerra, general Henrique Lott, o “soldado da lei”. Também perderam nas revoltas de Jacareacanga e Aragarças e nas rebeliões empreendidas pelo almirante Grüm Moss, todas contra JK. Esse grupo conspiratório atingiu o comando das forças armadas nos governos Café Filho e Jânio Quadros. Em ambas oportunidades, tentaram promover um golpe

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através do topo da hierarquia, esperando obediência dos comandados. Foram atendidos na Aeronáutica e na Marinha, mas no exército esbarraram em Lott em 1955 e na insubordinação dos generais em 1961. Se foram vitoriosos em 1964, isso se deve mais as ações de Goulart do que a sua coordenação. Foram as ações do presidente — a saber, as declarações no comício da central, a demissão do ministro da Marinha, a acefalia do Ministério da Guerra e sua decisão de não enfrentar Mourão —que contribuíram para o consenso militar contra seu governo. Outra lição é que a falta de coordenação e a estratégia de movimentação de tropas são importantes, mas não indispensáveis para o sucesso do golpe. A falta de coordenação entre os comandantes e altos oficiais foi um empecilho em 1961, quando talvez essa coordenação fosse mesmo impossível. Em 1964, porém, a precipitação de Mourão jogou por terra toda a coordenação dos golpistas e, mesmo assim, o golpe deu certo. Disso concluímos que, mesmo sem organização e coordenação dos conspiradores, se o presidente não contar com o apoio das principais correntes políticas do exército, seriam escassas as chances de preservar seu mandato. Movimentos amadores e sem qualquer preparo tático —como foi a movimentação de tropas dirigida pó Mourão Filho — foi suficiente para derrotar o presidente em menos de 3 dias. E entre essas correntes, a principal (como afirma o próprio Golbery do Couto e Silva) eram os militares profissionais, obedientes as leis do país e a hierarquia militar, que não se metiam nos rumos políticos do país. Controle civil e forças armadas no Brasil Vimos nas sessões anteriores a intensa divisão ideológica no interior das forças armadas, bem como a ativa intervenção dos militares na política, o que ensejou por sua vez contra-intervenções em defesa da legalidade (como em 1955 e em 1961). Pretendemos explicar, nessa seção, as conseqüências das divisões político ideológicas entre os altos oficiais sobre a estabilidade do regime, com ênfase na questão do controle civil. Nosso argumento central é que inexistia um controle civil eficaz sobre as forças armadas, que eram praticamente soberanas dentro da matéria da Defesa, ingeriam sobre matérias de relações exteriores e políticas de desenvolvimento e ainda se portavam como fiadoras dos mandatos dos presidentes (seja para depô-los, seja para conter deposições). 42

Argumentamos, também, que o tipo de controle civil empreendido pelos presidentes foi subjetivo (de acordo com a conceituação de Samuel Huntington), em vez de objetivo, o que só reforçava a política no interior dos quartéis e comprometia a hierarquia a disciplina. Para ser preciso, bastava que o alto oficialato discordasse das políticas do presidente para passassem a ignorar o posto dos ministros militares, já que estes foram nomeados pelo presidente (adversário) e, no geral, tais ministros representam o campo ideológico do chefe do executivo. Para além da divisão ideológica, nacionalismo versus antinacionalismo, e da divisão profissional, que opõe legalistas e intervencionistas, existe ainda uma questão mais delicada, que diz respeito aos dois senhores das forças armadas, a constituição e o presidente. Para testar as hipóteses expostas, trabalhamos com dados sobre todos os 29 ministros militares nomeados durante a República de 1946, classificados segundo o governo, a orientação ideológica (nacionalista ou antinacionalista) e profissional (legalista ou intervencionista). A classificação dos ministros foi realizada com base na análise das biografias dos ministros disponível na publicação “Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro”, do Centro de Pesquisas e Documentação de História Contemporânea (CPDOC-FGV). 1) Controle civil e política no Brasil Como procuramos mostrara nas sessões anteriores, era intenso o envolvimento político dos militares na República de 1946, redundando freqüentemente em intervenções com sérias conseqüências políticas. A partir de 1950, quando a eleição de Vargas e as disputas político ideológicos na caserna ganham nitidez nas eleições do Clube Militar, torna-se evidente para os presidentes os riscos decorrentes da intensa politização dos oficiais militares, que não apenas tinham e manifestavam opiniões políticas, como também mostravam disposição em empregar a força para promovê-la. A estratégia adotada pelos presidentes pode ser caracterizada, de acordo com a conceituação de Samuel Huntington (HUNTINGTON: 1996: 102-6), como o estabelecimento de um controle civil subjetivo. Segundo o autor, o controle civil subjetivo “atinge seu fim ao tornar civis os militares, fazendo deles o espelho do Estado”. Esse objetivo era alcançado, basicamente, por dois métodos, quais sejam, a promoção de

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altos oficiais alinhados pessoal ou politicamente ao presidente e pela nomeação de ministros militares, usando o mesmo critério. Já o controle civil objetivo, segundo Huntington, “é aquela divisão de poder político entre civis e militares que conduz ao aparecimento de atitudes e comportamentos profissionais entre a oficialidade”. Mais adiante, o autor conclui: “A anti´tese do controle civil objetivo é a participação do militar na política: o controle civil diminui a medida que os militares se envolvem progressivamente na política institucional, classista e institucional” (102). O fundamento lógico da estratégia presidencial era a seguinte. Havendo politização nas forças armadas, o que coloca em risco os seus mandatos, o presidente coloca no topo da hierarquia militar oficiais que apóiam seu governo. Como as forças armadas são organizadas segundo os princípios da hierarquia e da disciplina, os altos oficiais seriam obedientes aos ministros, os quais, não criariam problemas ao presidente, sob o risco de demissão. Ora, se o presidente dá poder a um grupo político dentro das forças armadas, qual a garantia ele terá de que as facções contrárias seguirão a disciplina e a hierarquia? Na prática, as facções militares contrárias ao governo ignoraram a hierarquia a disciplina em favor de suas próprias considerações políticas (em momentos críticos). Essa era a contradição do controle civil subjetivo: para prosperar, seria necessário que os militares fossem profissionais, instrumentos do Estado, obedientes a hierarquia e a disciplina; porém, se os militares tivessem essas características (e evidentemente não tinham), o controle civil subjetivo seria desnecessário. Como vimos na crise político-militar de 1954, o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa (que se mantinha leal ao presidente), teve seu comando ignorado pelos generais. Percebendo que não tinha nenhum poder de comando sobre os generais, Zenóbio assumiu o papel de negociador entre a corporação e o presidente. O ministro militar era apenas uma espécie de porta-voz do presidente a negociar com os altos oficiais, e não o chefe destes. Os oficiais da Aeronáutica vão ainda mais longe, ao eleger o brigadeiro Eduardo Gomes como comandante legítimo comandante da força. Na prática, inexistia comando claro sobre as forças armadas e, quando havia não era um comando civil. Na melhor das hipóteses, houve uma coincidência entre os 44

valores e ideologias dos altos oficiais e as principais correntes no interior das forças armadas. Nas palavras de Huntington: “Quando o militar recebe uma ordem legal de um superior autorizado, ele não discute, não hesita nem altera sua opinião; obedece instantaneamente” (HUNTINGTON: 1996: 91). Na tabela I, apresentamos a classificação dos ministros militares nomeados pelos presidentes, segundo a posição ideológica e o caráter profissional. Quanto a este último, foram considerados legalistas todos os ministros militares que não participaram das conspirações golpistas (definida como substituição ilegal dos chefes de estado ou suspensão dos processos constitucionais). Foram considerados legalistas os oficiais que ou não estiveram a frente das conspirações golpistas, Incluindo aqueles que participaram de movimentos militares pela legalidade (como a novembrada promovida por Henrique Lott e o movimento em apoio a posse de Goulart, no Rio Grande do Sul em 1961), incluindo os antinacionalistas que foram leiais a disciplina apesar da ideologia pessoal e os militares profissionais. Do cruzamento dessas características, foram criados 3 grupos legalistas (nacionalistas, antinacionalistas e profisisonais) e um grupo intervencionista (também antinacionalista).

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Tabela 1 — CLASSIFICAÇÃO DOS MINISTROS MILITARES SEGUNDO A IDEOLOGIA E A ÉTICA PROFISISONAL (1946–64) NACIONALISTA

ANTI NACIO.

DUTRA

1

2

PROFIS SIONAL 0

VARGAS

2

2

CAFÉ FILHO

1

KUBITIS-

INTER VEM.

TOTAL

1

4

1

0

5

0

0

2

3

1

1

2

1

5

QUADROS

0

0

0

3

3

GOULART –

1

1

3

0

5

3

0

1

0

4

9

6

7

7

29

GOVERNO

CHEK

I* GOULART



II** TOTAL

Fonte. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. * Goulart I se refere aos gabinetes do período parlamentarista. ** Goulart II se refere aos ministros nomeados após janeiro de 1963. Como os intervencionistas, além de antinacionalistas e anticomunistas histéricos eram também antivarguistas, observa-se a estratégia clara dos presidentes Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart era de nomear ministros militares de tendência nacionalista ou profissional. As únicas exceções são os ministros Odílio Denys, que substituiu o general Lott no ministério da Guerra quando este se candidatou a presidência, e o ministro Amaury Kruel, do governo João Goulart. No primeiro caso, não se trata de um equívoco de JK, posto que até a 1956 o general Denys revelava-se quase como um legalista. Denys liderou a revolta dos generais contra a demissão de Lott pelo presidente Carlos Luz e teve uma atuação decisiva nesta conspiração. Denys só começaria a se revelar um intervencionista após 46

assumir o ministério da Guerra em 1960, quando adotou uma postura parcial na punição dos militares envolvidos com as campanhas presidenciais (puniu os envolvidos na campanha de Lott e fez vistas grossas para os envolvidos na campanha de Jânio). Sua atuação no veto a posse de Goulart e sua participação no golpe de 1964 não deixam dúvidas quanto ao seu caráter intervencionista a partir daí. O caso de Amaury Kruel revela-se mais complicado. Amigo pessoal de Goulart desde 1955, quando se conheceram em São Borja, Kruel teve um papel destacado no apoio ao comandante do III Exército, Gal. Machado Lopes, para garantir a posse de Jango. Entretanto, como ministro da Guerra, mostrou claramente que tinha total aversão ao Comando Geral dos Trabalhadores e ao sua atuação junto aos suboficiais das forças armadas (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro). Com efeito, o Serviço Federal de Informações e contra-informações (SFICI) já haviam alertado Jango de que Kruel não era uma figura confiável e leal ao seu governo, muito antes de este (agora no comando do II Exército) negar o apoio de sua tropa ao presidente nas últimas horas do regime (CARVALHO, 2005, 163). Do total de 7 ministros intervencionistas nomeados no período, três serviram ao governo Jânio Quadros (ou seja, todos seus ministros eram intervencionistas), 2 serviram ao governo Café Filho (o único ministro não intervencionista era o general Henrique Lott) e um serviu ao governo Dutra. Não por acaso, a UDN só participou de gabinetes ministeriais nesses três governos. O único ministro intervencionista que assumiu quando a UDN estava na oposição foi Odílio Denys, cuja exceção explicamos acima. Não por acaso, esses ministros tramaram o impedimento da posse de Juscelino em 1955 e de Goulart em 1961. A divisão nos quartéis era, portanto, um reflexo da divisão partidária. Governos de viés nacionalista ou desenvolvimentista, (cujos gabinetes incluíram o Partido Trabalhista Brasileiro), como Vargas, Juscelino e Goulart, nomearam apenas um dos sete ministros intervencionistas. Em compensação, esses governos nomearam todos os ministros profissionais (legalistas não envolvidos diretamente com divisões políticas) e sete dos nove ministros nacionalistas.

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Por fim, é interessante voltar a estimativa feita por Golbery do Couto e Silva sobre a posição ideológica dos oficiais das forças armadas. Se os militares profissionais, sem envolvimento político, representavam 70% ou 80% dos altos oficiais, como explicar que tenham ocupado assumido um ministério militar em apenas 7 das 29 nomeações (menos de 25%)? A tese que apresentamos aqui, agora amparada pelos dados, é que os presidentes promoveram preferencialmente um controle civil subjetivo, com a exceção do primeiro gabinete parlamentarista (sob a presidência de Goulart), quando predominaram os ministros profissionais (sem envolvimento político). O bom equacionamento da questão militar passava necessariamente pela resolução de dois problemas. Em uma ótica de curto prazo, o envolvimento dos militares na política colocava em risco a própria permanência dos presidentes. Entre os 7 presidentes empossados, apenas Dutra, Jânio Quadros (durante 7 meses) e Café Filho (menos de 2 anos) não governaram sob grave risco de revolta militar. Para os demais, isto é, para Vargas, Kubitschek e Goulart, era necessário montar o que se chamava na época de “dispositivo militar”, que consistia em colocar oficiais moderados nos postos de comando, principalmente nos ministérios, nos estados maiores das forças e no comando das regiões militares. Quando os altos oficiais discordavam das ordens emitidas pelos comandantes apontados pelos presidentes, todavia, essa cadeia de comando mostrava-se inútil. Assim ocorreu com os ministros militares de Vargas, que tentaram manter o presidentes no poder. Do mesmo modo, discordando da demissão do general Lott e da conivência de Carlos Luz com os conspiradores, os generais reunidos na capital federal elegeram Lott como comandante da força e lhe entregaram a missão de depor o presidente. O mesmo ocorre em 1961, quando o ministério intervencionista de Jânio Quadros tentam impor um veto a posse de João Goulart sem entrarem em acordo com os comandantes das regiões militares. Portanto, é forçoso concluir que o controle subjetivo foi um fracasso. Estratégia mais eficaz teria sido apostar na profissionalização das forças armadas, reduzindo o seu papel político em relação a todos os grupos civis. Para tanto, seria necessário a nomeação sistemática de oficiais profissionais e a gradual punição 48

de todo e qualquer envolvimento político dos militares. Em todo o período, o único ministro militar que se portou como neutro politicamente (a despeito de suas convicções nacionalistas) e se empenhou na punição do envolvimento político dos militares foi Henrique Lott. Ainda enquanto ministro da Guerra de Café Filho, Lott ordenou a prisão de Zenóbio da Costa, quando este declarou publicamente que os militares eram os fiadores da legalidade. Semanas depois, tentou punir o coronel Jurandir Mamede pela desrespeito a hierarquia militar no funeral do general Canrobert Pereira. Quando candidato a presidência, já na reserva, pediu pessoalmente para o novo ministro investigar e punir a participação dos oficiais nas campanhas políticas, independente da candidatura apoiada. Somente um militar profissional teria o respeito dos oficiais para promover um padrão de profissionalismo tal que os militares se tornassem neutros politicamente. Se nacionalista, antinacionalista e intervencionista, a iniciativa de punir oficiais envolvidos em atividades políticas e em conspirações contra governos soaria como perseguição política contra grupos adversários. Para além da punição desse generais, fazia-se necessária também um maior envolvimento seja do poder executivo, seja do poder legislativo, na formulação da política de Defesa. É inconcebível, pensando em termos de controle civil sobre as forças armadas, que o país tenha permitido aos militares desenvolver e propagar algo como a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento, através de instituições como a Escola Superior de Guerra e a Escola de Estado Maior do Exército. Tratava-se, nada mais nada menos, da criminalização do conflito político e da mobilização social, elementos inseparáveis dos regimes democráticos. Como bem expõe Huntington, a mente militar é naturalmente treinada para superestimar as ameaças a segurança nacional, sempre preferindo erras pela superestimação do que pela subestimação (cf. HUNTINGTON: 1996, cap. IV, A mente militar e o realismo conservador). Naturalmente, o erro típico de avaliação dos militares deixa o estado mais seguro, ao mesmo tempo em que sacrifica outros valores importantes da sociedade, como as liberdades civis e políticas. O balanço ideal entre esses dois valores, liberdade e segurança, não cabe ao militar definir, posto que sua especialização é estritamente técnica no emprego da violência, a serviço dos fins estabelecidos pelo Estado.

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Por tais motivos, foi um erro da maior gravidade o não envolvimento dos civis na formulação de uma política e uma doutrina de segurança nacional. Por fim, e não menos importante, os presidentes falharam também por não implementarem um Ministério da Defesa, controlado por civis, que transformaria os ministros militares em Comandantes das Forças. Essa medida redundaria em uma redução da influência política dos militares e evitaria o contato direto dos comandantes das forças com os presidentes. Essa era ia tendência mundial nos países democráticos no pós-guerra e o presidente Dutra até iniciou estudos nesse sentido, mas o resultado foi apenas a criação do Estado Maior das Forças Armadas, que nem se subordinava nem estava subordinada as forças singulares (VASCONCELLOS, 2011, 33). Para finalizar, cabe fazer um breve comentário sobre o golpe de 1964. Com efeito, como em nenhuma outra oportunidade, um presidente se viu tão vulnerável, seja por manter figuras contrárias ao seu governo em postos chave, seja por manter o Ministério da Guerra (o fiel da balança em todas as crises políticos militares) acéfalo nos dias de crise, seja por sua condução desastrosa na crise dos fuzileiros navais. Entretanto, ainda assim, João Goulart não cometeu nenhum gesto ilegal que justificasse sua deposição. Noutras palavras, se as forças armadas fossem estritamente profissionais, não deveriam intervir naquela ocasião. Ainda que houvesse a alegada necessidade de optar entre a obediência entre o presidente e a obediência a Constituição, argumento difundido pelo jornal O Estado de São Paulo que convenceu muitos militares a aderir a conspiração, a intervenção militar também demonstra falta de profissionalismo. A Constituição já previra o procedimento legal nos casos em que o presidente fosse acusado de cometer crimes: Art. 88. O Presidente da República, depois que a Câmara dos Deputados, pelo voto da maioria absoluta dos seus membros, declarar procedente a acusação, será submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns, ou perante o Senado Federal nos de responsabilidade.

Em suma, julgar se o presidente está ou não atentando contra a Constituição é algo que foge ao escopo profissional e funcional das forças armadas. Exatamente porque esse tipo de questão é controversa e as forças armadas precisam se manter disciplinadas para melhor servir a segurança nacional, é que esse tipo de questão 50

deve passar longe da caserna. Não fosse a disposição de Goulart em não promover uma guerra civil, as tropas de Olimpio Mourão seriam facilmente aniquiladas pelo I Exército, ao qual poderia juntar-se o III Exército, o que redundaria em uma guerra civil que certamente não fortaleceria a “segurança nacional”. Ainda que não houvesse o golpe de 1964, o país teria ainda árdua missão de profissionalizar as forças armadas e promover um controle civil objetivo, para o bem da própria segurança, para o bem da própria democracia.

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2. A NARRATIVA HISTÓRICA DO REALINHAMENTO PARTIDÁRIO

Concluímos, na introdução desse trabalho, que a principal causa para o golpe de 1964 foi a radicalização dos partidos políticos observada no congresso nacional — através de uma visão conciliatória dos trabalhos de Santos (2003) e Figueiredo (1993). Também afirmamos que as referidas pesquisas apresentam primas diferentes do mesmo fenômeno de radicalização partidária, o primeiro com uma análise sistemática da produção legislativa e da instabilidade governamental, enquanto a segunda apresenta uma análise mais histórica, com ênfase sobre os momentos decisivos em que a radizalização inviabilizou a aprovação de reformas e estreitou as escolhas do presidente, levando-o (no fim do governo) a apostar na mobilização das esquerdas. Partindo dessas premissas, o objetivo desse capítulo é apresentar uma explicação histórica para a radicalização verificada no início dos anos 60 no Brasil. A pergunta central a ser respondida é a seguinte: por que os partidos conseguiram formar maiorias para aprovação de matéria de grande relevância —matérias de interesse dos partidos no legislativo ou do executivo — até o governo JK, e não conseguiram manter o mesmo desempenho no governo de João Goulart? Nosso argumento central é que o advento de uma política mais programática (motivada, sobretudo, pela campanha eleitoral e pelas políticas de Juscelino Kubitschek) alterou o comportamento dos partidos políticos, tanto no aspecto ideológico como na coesão partidária. Num primeiro momento, as alas ideológicas e as frentes parlamentares cumprem o papel de agregar, no nível intra e inter-partidário, parlamentares com visões de desenvolvimento que não estavam definidas pelo quadro partidário (que até 1954, era dominado pela defesa ou repúdio a pessoa e as políticas de Getúlio Vargas). Graças a coalizões ad hoc, a falta de coesão partidária, apoio das frentes parlamentares, JK consegue implementar boa parte das reformas enunciadas em seu plano de metas. Já no fim de seu governo, surge uma cisão entre nacionalistas desenvolvimentistas e os nacionalistas econômicos, acerca de questões como reforma agrária e presença do capital estrangeiro na economia. Adeptos de uma política 52

mais ideológica, as alas partidárias elencam prioridades que não estavam na agenda do presidente. Durante o os quatro anos seguintes, devido a centralidade dessas questões no debate público e do forte impacto distributivo das reformas, as alas ideológicas progressistas entram em conflito com setores ideológicos conservadores ou com os fisiológicos (sem referência ideológica clara) de seus partidos. Dessa disputa resulta um quadro partidário mais sólido, que (diferente do que indica parte da literatura) resulta uma atuação mais coesa dos partidos (e mais radical, nos casos de UDN e PTB). O aumento do controle dos partidos (agora radicalizados) sobre os parlamentares individuais impediu o funcionamento de coalizões ad hoc (entre setores dos partidos), bem como o funcionamento das coalizões de governo ou do recurso a patronagem (estratégias adotadas pelo poder executivo para obter apoio parlamentar). Adiantamos as limitações dessa abordagem histórica. Por mais completa que seja esta narrativa histórica, ela apenas empresta plausibilidade à causalidade histórica das mudanças no sistema partidário, sem provar (ela mesma), que o sistema partidário tenha mudado. É impossível prová-lo sem uma análise mais detido da atuação dos partidos no congresso, algo que apresentaremos apenas no próximo capítulo. Se correta a nossa hipótese, esse capítulo fornecerá a chave para a interpretação dos resultados do capítulo seguinte. Personalismo, faccionismo e partidarização O suicídio de Getúlio Vargas em agosto de 1954 representou um divisor de águas no quadro partidário da República de 1946. Até a saída de cena do ex-ditador, as três maiores siglas partidárias (PSD, UDN e PTB) definiam-se tendo como referência o apoio ou oposição as políticas ou a pessoa do político gaucho. Sem seu antigo referencial, o quadro partidário começa a esboçar contornos mais ideológicos durante a campanha eleitoral e o governo de Juscelino Kubitschek, mas ainda consegue manter o desempenho da antiga Aliança varguista em parte devido as políticas desenvolvimentistas de JK não implicarem em graves conflitos distributivos, em parte pela ativação de apoios de facções partidárias e frentes parlamentares. A eminente vitória dos aliados na segunda guerra mundial animou a oposição à ditadura estadonovista, tanto no seio das elites como nas forças armadas. Em fevereiro de 1945, Vargas anuncia que dentro de 90 dias seria promulgada a legislação 53

que iria reger as eleições presidenciais a serem realizadas no mesmo ano (cf. SKIDMORE 1982: 77). Em julho, a recém criada União Democrática Nacional anuncia o apoio a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes. O partido foi criado como uma frente ampla de oposição a Vargas, que reunia desde socialistas democráticos (Esquerda Democrática, que mais tarde fundariam o Partido Socialista Brasileiro), oligarcas destronados pelo Estado Novo e liberais. Em agosto, o Partido Social Democrático anuncia seu apoio ao Marechal Dutra. O partido abrigava os antigos interventores nomeados por Vargas (e, com eles, os políticos situacionistas apoiados por eles no nível municipal), bem

como os al-

tos funcionários da nova burocracia administrativa (a exemplo do Departamento Administrativo do Serviço Público, DASP, nos estados). (cf. SKIDMORE 1982: 73-89) Em paralelo a franca campanha presidencial, surgia o movimento queremista, que reivindicava a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte, que deveria ocorrer com Vargas ainda no poder. O movimento contava com a adesão de comunistas, agora livres da perseguição do Estado Novo, bem como de lideranças sindicais ligadas a estrutura corporativista do Ministério do Trabalho. O ditador reconhecia que a urbanização e a industrialização do país levaria a uma crescente importância dos trabalhadores urbanos, que não se identificariam com a linguagem e com os programas políticos dos partidos tradicionais. Se nenhuma medida política fosse tomada, os comunistas, que naquela conjuntura apoiavam Vargas, futuramente se descolariam do ditador e poderiam conquistar aquele eleitorado. Foi para angariar apoio nos grandes centros urbanos e, especialmente, junto aos operários, bem como para deter o avanço dos comunistas, que Vargas apoiou a criação do Partido Trabalhista Brasileiro. (Ele próprio concorreria aos cargos de deputado federal e senador pela sigla em vários estados, algo autorizado pela Lei Agamenon). Dos diversos comitês do movimento queremista nos estados (salvo, é claro, os comunistas) sairiam boa parte dos primeiros militantes do PTB (cf. FERREIRA, 2010: 21-5). Na avaliação do historiador Thomas Skidmore, a política brasileira em 1945 podia ser dividida entre os “de dentro”, sito é, aqueles que de alguma forma apoiaram e foram apoiados por Vargas durante o Estado Novo; e os “de fora”, aqueles que 54

estiveram alijados do poder no período. No novo quadro partidário nacionalizado (uma novidade na política brasileira) PTB e PSD emergiam, pela articulação de Vargas, que criara “uma rede de líderes e grupos com os quais poderia contar para apoio e cooperação”. Essa união entre os “de dentro” era importante, sobretudo, porque do primeiro partido Vargas esperava apoio nos estados mais rurais do país, enquanto o segundo deveria fornecer apoio no meio urbano. Claro que a relação não era a mesma entre os dois partidos e Vargas. O PSD, embora recente, era uma máquina eleitoral enraizada em todo o território nacional; a relação, portanto, era de mútua dependência. Já no PTB, Vargas dominava totalmente a cena política e sua opinião era frequentemente mais relevante que a da própria direção nacional do partido (cf. SKIDMORE, 1982: 80-9). Em novembro, quando o movimento queremista ganhava força sendo apenas assistido pelo Ditador, o alto comando do Exército decide pela deposição de Vargas, missão executada pelo ministro da Guerra, Góes Monteiro. Apesar de forte resistência de setores do PTB que pregavam a neutralidade do partido em relação aos presidenciáveis de 1945, ou mesmo daqueles que defendiam uma candidatura própria, o partido acaba por apoiar o candidato pessedista. Na avaliação de muitos petebistas (que acabaram por convencer Vargas) a neutralidade do PTB poderia levar a vitória de Eduardo Gomes, que certamente tomaria medidas políticas contra os antigos apoiadores de Vargas, incluindo os membros da estrutura sindical. A Aliança entre PSD e PTB ajudou, por sua vez, a identificar o queremismo, o trabalhismo e varguismo (já que os dois partidos varguistas estavam unidos), Aproveitando-se da imagem de Vargas como protetor dos pobres, a campanha de Dutra conseguiu cravar a pecha de candidato dos grã-finos sobre Eduardo Gomes e, por extensão, a UDN, apresentando o pleito presidencial como a disputa entre o marmiteiro (varguismo) versus os grã finos (udenismo) (NEVES DELGADO, 1989: 62-7). O pleito realizado no dia 2 dezembro selaria a vitória do Marechal Dutra, com 55% dos votos.

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Nos termos do acordo formal firmado entre PSD e PTB, o partido dos antigos interventores se comprometia a ceder ao PTB uma quantidade de ministérios proporcional ao total de cadeiras do partido no congresso, garantindo pelo menos o Ministério do Trabalho (cujo controle era indispensável) (opcit, 64). Concluídos os trabalhos da constituinte em outubro de 1946, o governo Dutra inicia uma reforma ministerial que duraria até novembro. O resultado da reforma foi a criação de uma nova coalizão de governo, que representou uma guinada a direita, com a saída do PTB e a entrada de UDN e Partido Republicano (PR). Para a UDN era interessante estar no governo para garantir a permanência de interventores ligados ao partido, nomeado pelo novo presidente: estar fora da máquina pública causaria prejuízo nas eleições para governador que ocorreriam nos anos seguintes (cf. FIGUEIREDO, 2007: 189-91). Já o governo Dutra, por sua vez, implementava políticas que marchavam na contramão das bandeiras do PTB, como a intervenção em sindicatos, uma política cambial flexível, uma política externa alinhada as potências ocidentais (incluindo a ruptura de relações com a União Soviética). Em suma, Dutra não poderia contar com o PTB para aprovar sua agenda e, previsivelmente, Vargas rompe com seu antigo ministro da Guerra em dezembro do mesmo ano (cf. SKIDMORE, 1982: 92). Em 1948, Dutra e importantes governadores da UDN promovem um acordo partidário pelo qual os dois partidos passariam a colaborar na arena legislativa e caminhariam juntos para as eleições presidências de 1950, para enfrentar Getúlio Vargas (cf. FIGUEIREDO, 2007, . A Aliança de fato funcionou no congresso, mas desconfianças de ambas as partes inviabilizaram que os dois partidos marchassem juntos na campanha presidência. A UDN concorreria novamente com o brigadeiro Eduardo Gomes e o PSD, totalmente dividido entre a facção “dutrista” e a ‘varguista’, lança a candidatura de Cristiano Machado, o qual é ignorado por diversos diretórios estaduais, que apoiam a candidatura de Vargas (tácita ou explicitamente) . No pleito ocorrido em 3 de outubro de 1950, Vargas é eleito presidente com 48% dos votos. (cf. HIPÓLITO, 1985: 69-72) Logo na formação do seu primeiro gabinete ministerial, fica claro que Vargas não pretendia favorecer os partidos que propiciaram a sua eleição, PSP e PTB. Ao seu partido, coube apenas o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. O restante 56

do gabinete contemplava ainda o Partido Social Progressista (cuja liderança de Ademar de Barros compensou a fraqueza do PTB em São Paulo), a União Democrática Nacional (com o acerto pré-eleitoral com o pernambucano João Cleófas) e com presença dominante do Partido Social Democrático. Por inusitado que pareça, Vargas era o referencial de todo um sistema partidário, ao mesmo tempo, seu pensamento político e suas práticas (agora sob o regime democrático) eram francamente anti-partidárias. Tratando especificamente da relação de Vargas com o PTB, Lucília Neves Delgado ressalta as contradições entre as alas do PTB, a saber, a varguista e a doutrinária. Os varguistas viam o partido como um instrumento de propaganda de Vargas junto as massas trabalhadoras e, portanto, essencial era disseminar o mito varguista como pai dos pobres, aliada a um discurso anti-imperialista. Para os doutrinários, o partido deveria ir a frente da simples defesa do legado e do mito varguista, apresentando-se como alternativa reformista na política brasileira. Em termos práticos, aos primeiros interessaria fazer alianças e acordos com outros partidos (inclusive conservadores), tendo em vista que eram todos peças essenciais no retorno de Vargas ao poder. Para os segundos, esse tipo de acordo impedia que o partido conseguisse afirmar as suas bandeiras na política nacional (cf. NEVES DELGADO, 1989: 68-72). Vargas convidou formalmente a UDN para tomar parte do seu governo e o convite a Cleófas tinha o claro objetivo de dividir o partido da oposição. O presidente também não aproveitaria o governo para fortalecer o PTB, preferindo ao contrário estreitar os laços com o PSD, essencial para a aprovação de suas políticas no congresso. O mote desse acerto partidário era criar um governo de conciliação nacional, tendo em vista que Vargas não acreditava nos partidos políticos como canais de representação de interesses. Não se tratava, apenas, de uma coalizão de governo para conseguir maioria no congresso, mas uma estratégia mais ampla de neutralização dos partidos políticos. Nas palavras de Neves Delgado: Ao compor um ministério fragmentado e diluído entre diferentes organizações partidárias, Getúlio, em coerência com seu autoritarismo estrutural e com seu perfil apartidário, decorrente dreto do seu próprio autoritarismo, estava não somente buscando enfraquecer os partidos, mas destacando o governante, enquanto figura central das articulações políticas. (NEVES DELGADO, 1989, 102).

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Essa política conciliatória, no entanto, gerava insatisfações nos três principais partidos. A UDN fazia oposição cerrada ao governo e Vargas só conseguia contar com apoio de alguns poucos deputados conhecidos como ”chapas-branca”, que cediam a patronagem (segundo a narrativa histórica). No PSD, havia o receio de que a UDN ganhasse mais espaço no governo, o que poderia se dar as custas do partido e ainda fortaleceria o adversário no nível estadual. O PTB era o maior foco de descontentamento. Uma ala ideológica e reformista que começava a se delinear, liderada por Alberto Pasqualini, criticava desde a política de alianças eleitorais do partido até a formação das coalizões de governo com os partidos conservadores. Na visão desses petebistas, esse tipo de acordo impedia que o partido despontasse como uma alternativa política clara perante o eleitorado, com consequências negativas sobre o seu crescimento futuro. Essa visão, porém, contrastava com a visão de Vargas sobre o partido, que era encarado apenas como um instrumento de apoio e de propaganda do mito varguista e de sua política, no que era apoiado pelos setores mais fisiológicos. Os próprios varguista e fisiológicos, que até então consentiam em ver o partido ser usado pelo seu inspirador, agora esperavam colher os frutos político com o presidente no poder. É precisamente esse descontentamento que leva a renúncia do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Danton Coelho. Primeiramente, em sinal de desacordo com a acanhada presença do PTB no gabinete, Danton demiti-se da presidência do partido. Sofrendo forte oposição dos setores fisiológicos e vendo suas políticas esbarrarem na área econômica do governo (conflitando com o ministro da fazenda, o pessedista Horácio Lafer), Coelho abandona o ministério. Apesar de breve, a sua gestão se destacou por dois pontos importantes, que serão analisados posteriormente: o fim da exigência de atestado ideológico nos sindicatos e o fim da intervenção em alguns sindicatos, vigente desde o governo Dutra. O novo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, o também petebista Segadas Vianna, reforça as duas políticas principais de seu antecessor. Ao lidar com a greve dos marítimos, Segadas Vianna adotou uma postura intransigente e utilizou a Lei de Segurança Nacional para reprimir o movimento, gerando duras críticas tanto

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de sindicalistas como da própria direção do PTB, no momento ocupada por João Goulart. Fortemente desgastado, Segadas Vianna é demitido e João Goulart assume a pasta. A nomeação de Jango foi recebida sem maiores preocupações por parte da ala fisiológica do partido. O novo ministro provinha de uma família de estancieiros gaúchos e, ao que parecia, não passava de um boêmio sem maiores pretensões políticas. Porém, sua gestão revelou-se um ponto de reversão na política sindical brasileira, que se deve a coincidência do novo perfil do ministro do trabalho com a as novas diretrizes sindicais do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Dois fatores contribuíram para uma rápida ascensão dos comunistas no sindicalismo brasileiro. De um lado, uma política mais aberta (com o fim da intervenção e do atestado ideológico), e de outra as diretrizes do Partido Comunista Brasileira passam a aceitar a participação de seus membros nos sindicatos oficiais (até então, a linha do partido era de organizar um sindicalismo independente da estrutura ministerial). Em aberta oposição ao governo Vargas, o PCB participa ativamente na chamada greve dos 300 mil, em São Paulo, e de outras greves pelo país. A escolha de João Goulart era estratégica para a política de Vargas. Em primeiro lugar, sua visão política o levava a preferir a via sindical como representação de interesses, controlada pelo Estado, a via partidária. A política repressiva implementada por Segadas Vianna vinha solapando a popularidade do presidente junto aos trabalhadores. Com a explosão de greves (motivadas tanto pelo aumento da sindicalização, incentivada pelo governo e pela inflação que corroia os salários), Vargas precisava de um ministro capaz de cooptar (em vez de reprimir) o movimento sindical, através da via do diálogo, pressão junto aos empregadores e antecipação de demandas salariais. A missão de Jango era fortalecer, a um só tempo, o sindicalismo e o governo. No tocante a greve dos marítimos, Jango adotou estratégia distinta do seu antecessor, ao não declarar a ilegalidade da greve, fazer uso cirúrgico de intervenções no sindicato e atender a maioria das reivindicações dos trabalhadores. O novo ministro também se destacaria por um novo estilo de relação com os sindicatos, marcado pelo contato direto e informal com as lideranças sindicais. Ao mesmo tempo, o clima de 59

liberalização do movimento sindical abriu espaço para manifestações de natureza política, como foi o caso da mobilização para a criação da Petrobrás e, posteriormente, da Eletrobrás. Todavia, essa mesma mobilização que ora era dirigida em favor de Vargas, era controlada por militantes do PCB, que reivindicavam políticas muito mais radicais do que o presidente estava disposto a implementar. A política de antecipação de concessões, bem como o contato frequente e direto entre Jango e líderes sindicais, em vez de esmorecer, estimulava as reivindicações sindicais (e não era essa a intenção do ministro, tampouco do presidente). É nesse contexto que Jango encomenda estudos para justificar o aumento de 100% no salário mínimo. Tão logo divulgado o estudo, proliferam-se as críticas, tanto da oposição udenista no congresso, como dos ministros da área econômica do governo. (Oswaldo Aranha, ministro da Fazenda, estava empenhado em um plano de estabilização da economia e a elevação dos salários estava fora de seus planos). O Memorial dos Coronéis (analisa em outro capítulo dessa obra) associado ainda a forte oposição da imprensa, dos partidos de oposição e de setores do próprio gabinete varguista, não deram a Vargas outra alternativa senão demitir Jango, que, no entanto, continuava na prática como chefe da pasta, ofuscando totalmente o ministro interino, Hugo Faria. Em maio o presidente decretaria o aumento de 100% do salário mínimo e, e,agosto,o atentado da Rua Toneleiros seria o golpe final sobre a estabilidade do período (cf. NEVES DELGADO, 1989: 101-53) .Como observamos até aqui. nesta episódica análise da política brasileira entre a deposição de Vargas, entre novembro de 1945, e o seu suicídio (em agosto de 1954, o ex-ditador foi o referencial do sistema político brasileiro. Para a argumentação do capítulo, é imperioso reforçar esse ponto: desde a formação dos principais partidos, as suas bandeiras, as suas divisões, as disputas presidenciais e as alianças daí decorrentes, passando pelas principais crises políticas do período (falando especificamente da nova política sindical), tudo girava em torno da figura de Getúlio Dornelles Vargas. Juscelino Kubitschek e a ideologização da política brasileira Como um típico pessedista, Juscelino Kubitschek de Oliveira ingressou na carreira política durante o Estado Novo, graças as suas relações com Benedito Valadares (interventor de Minas Gerais), sendo nomeado prefeito de Belo Horizonte em 1940. 60

Eleito governador de Minas Gerais em 1950, JK implementou um programa de desenvolvimento baseado no aumento da produção de energia e na melhoria do transporte, na construção de postos de saúde e aumento da rede pública de ensino. Bem avaliado em um dos maiores colégios eleitorais do país, estava pavimentado o caminho para a sua candidatura presidencial em 1955 (SKIDMORE, 1989, 203-4). A priori, a antiga Aliança eleitoral PSD-PTB (em nível presidencial), que funcionou formalmente em 1945, informalmente em 1950, não era mais tão simples em 1955. Em primeiro lugar, quando Getúlio sai de cena deixando em seu lugar a dramática carta-testamento, o PTB ganha um novo mote, que é a defesa do nacionalismo econômico, representado pelo repúdio a exploração estrangeira das riquezas naturais do país e a presença “predatória” do capital estrangeiro na economia. A rigor, a carta do falecido ditador não estava fundando uma corrente de pensamento no PTB, já que o partido já dispunha de uma facção interna que, em vez de se empenhar na defesa do mito varguista e sua legislação social, defendiam propostas de cunho nacionalistareformista. Havia toda uma nova geração de petebistas, menos presos a estrutura do Ministério do Trabalho, que apoiavam essas ideias. Portanto, uma aliança com o PSD, considerado um partido conservador, não era das mais simples. Os trabalhistas, por seu turno, não tinham nenhum nome nacional que pudesse fazer frente ao candidato dos “de fora”, tampouco dispunha de bases estaduais fortes. Nesse cenário, prevaleceu no partido a ideia de apoiar a candidatura de Juscelino Kubitschek, condicionada ao apoio ao programa mínimo e aos acertos pré-eleitorais, que tratavam tanto de compromissos em matéria de política (liberdade sindical, apoio a educação e cultura, obras viárias e de combate a seca, reforma agrária e etc), como acerca de cargos (nomeação de petebistas para o Ministério do Trabalho e para o Ministério da Agricultura). (cf. NEVES DELGADO,1989: 169-72) Essencial ao partido era impedir a chegada ao poder dos inimigos de seu falecido inspirador e preservar um mínimo de influência no governo (sobretudo sobre a área sindical). Mais importante, Kubitschek apresentava um programa de governo com bases desenvolvimentistas. Conforme frisa Celso Lafer (2002), “Kubitschek foi o primeiro candidato eleito presidente a fundamentar sua campanha eleitoral em torno das questões do planejamento como solução para os problemas brasileiros” (27). O Plano de Metas, o seu 61

programa de governo, tinha como objetivo principal era ampliar a capacidade produtiva do país, através de metas para o setor público e privado, sendo este último estimulado a colaborar mediante uma política de incentivos. O plano contemplava metas na áreas de energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação. O seu slogan era realizar 50 anos em 5 e a construção de Brasília foi tratada como a síntese de todas as metas. Outro ponto importante, o Plano de Metas não representava um risco claro para nenhuma classe social brasileira, despontando (ao contrário) como uma política conciliatória entre massas e elites. Outra característica importante do Plano de Metas é que sua formulação era iminentemente técnica, isto é, as metas de cada setor foram estabelecidas através da análise estatística da produção de determinados setores da economia, levando em conta a oferta e a demanda presente e projetando a oferta e demanda futura. Nessa tarefa, Juscelino se valeu da experiência dos economista Lucas Lopes e Roberto Campos, que haviam participado ativamente da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, durante o governo Vargas (programa que tinha financiado projetos no setor de energia em Minas Gerais, quando JK era governador). O conceito fundamental do grupo era superar os “pontos de estrangulamento” da economia brasileira. Dois exemplos são os investimentos em energia e transporte. Em algumas regiões do país, não existia produção agrícola porque não existiam estradas para escoar os produtos. Por outro lado, não existia demanda por rodovias (via iniciativa privada), porque não havia produção e (portanto) geração de renda que pudesse custear o investimento. A intervenção do Estado na construção de estradas integraria aquelas regiões a produção, aumento a produção de gêneros agrícolas e criando mercado consumidor para os bens produzidos industrializados. Sem dúvida, a campanha de JK, baseada em seu Plano de Metas, representava uma novidade na política brasileira. Conforme a historiadora Vânia Losada Moreira: E como observou um influente político da época, José Joffily, essa ‘linguagem do desenvolvimento’, matizada por números, metas e estatísticas, não fazia parte do estio da época. Não esteve presente, por exemplo, nas duas campanhas presidenciais que antecederam a de JK, as de Dutra e Vargas. (MOREIRA, 159). Citar Hipólito 139.

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Foi exatamente o tom ideológico da campanha de JK e sua visão clara sobre o desenvolvimento do país que ensejou a criação da Ala Moça, facção do PSD. Segundo João Pacheco e Chaves, membro da Ala Moça, dois fatores uniam a novo grupo. O primeiro, era de cunho geracional dentro da bancada do PSD e o segundo, nas palavras do pessedistas, “encontrou-se no Juscelino o fator de união desse grupo pesseditas que se reunia pela primeira vez” (Pacheco e Chagas apud Hipólito, 1985). Lúcia Hipólito, tratando da criação da Ala Moça, afirma:

Como veremos ao longo desse capítulo, é exaustivamente enfatizado por aqueles que aderiam a sua candidatura [JK] o fato de que pela primeira vez na história um candidato a presidência da república se apresentava ao eleitorado com um programa de governo: o Plano de Metas. (139)

A Ala Moça se engajou em diversas iniciativas ainda em seu primeiro ano de existência, inclusive com protagonismo em discussões como a adoção da cédula oficial do TSE (até então os partidos apresentavam suas próprias cédulas aos eleitores), na eleição do presidente da Câmara em 1955 (na qual Ulisses Guimarães foi derrotado). A principal atuação do grupo, no entanto, foi a articulação parlamentar para garantir a posse de JK e Jango, seriamente ameaçada por uma conspiração que envolvia militares e políticos derrotados na urnas (sobretudo a UDN e PSP, mas também setores do PSD). O deputado Renato Archer, da Ala Moça, colabora ativamente com o Marechal Lott na busca por uma solução parlamentar (e civil) para a sucessão (decorrente do golpe preventivo contra o presidente interino, Carlos Luz). A colaboração do Congresso foi fundamental para legitimar o golpe preventivo de Lott, já que o Marechal se recusaria a participar de movimento limitado a um gesto de força, sem apoio da legalidade e do poder legislativo. A Ala Moça teve atuação decisiva central tanto na votação do impedimento de Luz como na escolha do presidente do Senado como presidente interino, ambos do PSD. A Ala Moça foi um grupo bastante reduzido em termo de parlamentares (oscilou entre 9 e 11 deputados), mas desfrutou de enorme influência dentro do próprio partido e do processo legislativo no governo JK. Como principais interlocutores e defensores de JK no Congresso, a facção vive seus dias de ouro no princípio do governo. Na síntese de Hipólito: Em 12 de maio, Ulisses Guimarães é eleito presidente da Câmara. Vieira de Melo é confirmado na liderança da maioria e do PSD; Oliveira Brito assume

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a presidência da Comissão de Constituição e Justiça; Leoberto Leal e José Joffily são os novos vice-líderes da maioria, e Cid Carvalho e Nestor Jost são vice líderes do PSD (HIPÓLITO, 1985: 161).

Como também demonstra Hipólito, a Ala Moça assume uma dimensão nas indicações para as Comissões permanentes desproporcional, considerando a quantidade reduzida de membros da facção O próprio José Joffily dá uma pista sobre os motivos que levaram um grupo tão reduzido a tamanho sucesso, ressaltando o apoio da imprensa e intelectuais, assim como o respeito adquirido junto ao presidente e aos demais parlamentares, devido ao não envolvimento com a política de clientela (nomeação de aliados políticos a cargos públicos). Para os propósitos desse capítulo, ressaltaremos dois aspectos fundamentais da Ala Moça, a saber, o seu vinculo com a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) e a sua relação com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). A colaboração entre os intelectuais isebianos e a Ala Moça dará o grupo uma vocação ideológica ainda mais forte, fortalecendo a ideologia desenvolvimentista e, conseqüentemente, o apoio a uma série de políticas. Já a atuação da Ala Moça na fundação e nas atividades da FPN, cumpriu a função de reunir e fortalecer as novas alas ideológicas do PTB (o Grupo Compacto) e a da UDN (a ala Bossa Nova). O ISEB, instituição de pesquisa ligada ao Ministério da Educação criado em 1955, tinha por objetivo investigar os problemas nacionais, com ênfase sobre a questão do subdesenvolvimento, entraves ao desenvolvimento da economia brasileira (leia-se, industrialização) e os aspectos políticos imbricados tanto no subdesenvolvimento como em sua superação (SKIDMORE, 1988, 211). O instituto contava com a colaboração de pesquisadores de primeira linha nas ciências sociais brasileiras, a exemplo Roland Corbisier, Helio Jaguaribe, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré e Cândido Mendes” (LOSADA MOREIRA, 162). Participavam dos cursos do ISEB inúmeros estudantes universitários, políticos (da Frente Parlamentar Nacionalista e das alas partidárias mencionadas acima) e tecnocratas. O ISEB teve um papel destacado na difusão da ideologia nacionalista (ou nacional desenvolvimentista), mais precisamente na defesa da atuação do Estado para acelerar o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil. Os intelectuais isebianos, apesar de diferenças pontuais, entendiam que as classes arcaicas (os latifundiários agro-exportadores) apresentavam forte resistência ao desenvolvimento do país. 64

Sendo uma classe poderosa, somente uma aliança entre as classes “dinâmicas”, isto é, classes médias, camponeses, operários e burguesia nacional, seria suficiente para implementar as políticas de desenvolvimento. Assim, a difusão da ideologia nacionalista era considerada indispensável para unir as classes sociais em uma frente de oposição às “classes arcaicas”. O ISEB enxerga em JK a expressão dessa ideologia nacionalista e seus acadêmicos chegam inclusive a colaborar na preparação do Plano de Metas e na defesa do governo JK (MOREIRA, 2010: 162-4) As ligações entre o ISEB e a Ala Moça também eram estreitas, sendo o pessedista Cid Carvalho (membro desta facção) um dos fundadores do Instituto. Posteriormente, conforme Hipólito, “A Ala Moça pretende constituir-se na principal canal de transformações das idéias formuladas no ISEB em políticas” (HIPÓLITO, 1985: 166). A Frente Parlamentar Nacionalista, por sua vez, surge a partir da CPI da Energia Atômica, criada após denúncias apresentadas pelo deputado Renato Archer (membro da Ala Moça) em 1956. Dela participaram deputados de vários partidos, incluindo membros das três maiores (PSD, UDN e PTB), além de parlamentares de agremiações menores (como o Partido Social Progressista, o Partido Democrata Cristão e o Partido Socialista Brasileiro). Segundo estimativa apresentada pela historiadora Lucília Neves Delgado, 63% dos deputados petebistas, 41% dos pessedistas e 28% dos undenistas integravam a FPN na legislatura iniciada em 1955 (NEVES DELGADO, 1989, 207). O membro da Ala Moça, José Joffily, foi vice-presidente da FPN. Acompanhamos a opinião de Delgado sobre a razão de ser da FPN. A frente pode ser interpretada como uma união espontânea de diversos parlamentares identificados com políticas de cunho desenvolvimentista, que compreendia uma série de propostas cujo apoio não estava definido pelas linhas partidárias (cf. NEVES DELGADO, 1989, 206-7).. Como argumentamos acima, o sistema político esteve centrado na figura política de Getúlio Vargas entre a instauração do regime democrático e o suicídio do ex-ditador. Além disso, a FPN é ao mesmo tempo, resultado das facções progressistas no interior dos grandes partidos (geralmente composta por parlamentares jovens), como também um motor para a própria afirmação delas mesmas dentro da estrutura partidária.

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A indefinição ideológica dos partidos, e a conseqüente indisciplina das bancadas nas votações, impedia que as coligações eleitorais em nível nacional e as coalizões de governo (no governo JK, formada pelos partidos “de dentro”, PSD e PTB) se traduzissem em coalizões legislativas sólidas. Essa percepção dos historiadores de fato foi confirmada pelas análises da produção legislativa (SANTOS, 2003; FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999; ZULINI, 2009). Para ver a agenda desenvolvimentista aprovada, fazia-se necessário a ampliar o apoio tanto nos partidos “de dentro” como nos “de fora”; noutras palavras, se os partidos situacionistas não tinham coesão na atuação parlamentar nem ideológica, os partidos “de fora” não eram diferentes e a FPN tirava proveito dessa indefinição. Consideradas isoladamente, o surgimento de facão ideológicas no interior dos partidos e das organizações supra-partidárias (nesse caso, a Frente Parlamentar Nacionalista) não afetou significativamente o desempenho legislativo, isto é, a aprovação de políticas em geral e as iniciativas do poder executivo em particular. As facções e frentes tiveram um papel relevante nesse resultado, mas o aspecto crucial é que a agenda de políticas implementadas por JK não apresentavam nenhum conflito distributivo grave e, portanto, não suscitou uma oposição sistemática de setores conservadores e fisiológicos dos partidos. Mais que isso, até quase o fim do período JK, quase não surgiram oportunidades para a cisão do grupo desenvolvimentista, que futuramente se dividiria entre “nacional desenvolvimentistas” e “nacionalistas econômicos”.

Como lucidamente observou Moreira Losada, a ideia de que “as classes arcaicas”, isto é, oligarquia agro-exportadora, eram contrários a política “nacional-desenvolvimentistas” era uma completa ficção, amplamente difundida por parlamentares nacionalistas e intelectuais isebianos. Em primeiro lugar, a ampliação do mercado interno, provocada pela própria industrialização, era vital para o próprio crescimento do setor agrícola. Em segundo lugar, um dos tópicos do plano era exatamente a Alimentação e (com exceção da meta 13, que dizia respeito a produção do trigo) todas diziam respeito a modernização da infra-estrtura agrícola, considerado um ponto de estrangulamento da economia.

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A meta 14 dizia respeito a construção de armazéns e silos, a meta 15 tratava de figoríficos, a meta 16 contemplava os matadouros industriais, a meta 17 dizia respeito a mecanização da agricultura (sobretudo a aquisição de tratores). Com exceção das metas 13 e 16, todas as demais não só foram cumpridas como precisaram ser revistas (para cima) no decorrer do governo. Mais importante ainda, a construção de Brasília, a meta síntese de integração nacional, e extensa malha viárias construída no período, favoreceram a expansão da fronteira agrícola, que se deu em bases oligárquicas nos estados do norte e centro-oeste (Como evidencia Celso Lafer, no governo JK a taxa de crescimento da produção agrícola foi muito superior ao primeiro qüinqüênio daquela década, tanto na produção para exportação e para o mercado interno, na produção de insumos para a indústria e na produção de gêneros alimentícios (LAFER, 2002: 129-32). Sem dúvida, os números da indústria também foram exuberantes no governo JK, mas o equívoco dos isebianos e nacional-desenvolvimentistas foi analisar a relação entre classes sociais e a política como um jogo de soma zero, onde o ganho de uns adviriam da perda de outros. Ao contrário, a oligarquia rural não viu nenhuma ameaça nas políticas de industrialização e assistiu uma expansão econômica como jamais ocorreu nem antes nem ocorreria depois no regime de 1946. Conflito real surgiria dentro do próprio grupo desenvolvimentista, com a cisão do que chamaremos aqui de “nacional desenvolvimentistas” e “nacionalistas econômicos”. Sob o véu da ideologia nacionalista e sua linguagem peculiar que dominava as discussões políticas do período, diferenças importantes foram escondidas e vieram a tona no fim do governo Kubitschek. Para os adeptos do nacional desenvolvimentismo (a exemplo da maioria dos isebianos e do próprio JK), o nacionalismo passava pela transformação da economia brasileira, superando o perfil agro-exportador vigente até os anos 30, por uma economia baseada na ampliação da produção e do mercado interno, ambas conquistadas pela superação dos pontos de estrangulamento da economia. Para os nacionalistas econômicos, a emancipação do país passava não só pela modernização econômica e industrialização, mas também exigia que esses processos fossem dirigidos por setores econômicos brasileiros. Os dois segmentos ideológicos marcharam juntos no governo JK em função da aprovação do papel central atribuído ao Estado no desenvolvimento do país (que se 67

deu através de investimentos diretos, financiamentos via BNDE e Banco do Brasil e incentivos ao setor privado) e a ênfase na industrialização. Entretanto, em 1960 (último ano do governo JK), ocorreu a ruptura entre os dois setores acerca da presença do capital estrangeiro na economia brasileira. Para executar os investimentos previstos no Plano de Metas, JK priorizou a emissão de papel moeda (com efeitos inflacionários) e os investimentos estrangeiros. Outra saída, pregada pelos nacionalistas econômicos, seria apostar na absorção de poupança externa através de impréstimos de governo a governo (opção também utilizada por JK, sem prejuízo das anteriores), que teria elevado ainda mais a dívida externa brasileira. O resultado final foi aumento da presença do capital estrangeiro na economia brasileira, se bem que a sua maior parte tenha atendido aos incentivos previstos no plano de metas (isto é, nas áreas fomentadas pelo governo) (LAFER, 2008: 152). Sumarizando o argumento, a atuação das frentes parlamentares em apoio aos projetos desenvolvimentistas (quando o bloco desenvolvimentista permanecia coeso), combinado a uma política com baixo conflito distributivo (que beneficiou trabalhadores urbanos, industriais nacionais e estrangeiros e a oligarquia rural), deram a JK a possibilidade contar com um bloco de apoio organizado e com apoios ad hoc, em todos os partidos. (A essa altura, é importante ressaltar o equívoco sistemático dos historiadores, que acreditaram na retórica da “Banda de Música” da UDN e, por não avaliarem as votações nominais, não perceberam que o apoio majoritário desse partido foi essencial para a aprovação das políticas do executivo naquele governo). Por que, afinal, esse esquema de apoio não funcionou nos governos serguintes, sobretudo no governo João Goulart? Nosso argumento é que a ideologização da política, desencadeada por JK, trouxe para o fulcro da disputa política questões ideológicas altamente polêmicas, as quais nem estavam na agenda do presidente, como a regulamentação da remessa de lucros, a reforma agrária e, afinal, aquele conjunto de iniciativas que passaram a ser conhecidas como “reformas de base”. Outro fator importante é que uma política que passava a ganhar contornos ideológicos exigia dos partidos posicionamentos claros sobre essas questões, senão na arena eleitoral, pelo menos na arena parlamentar. Essa ideologização no interior das bancadas pode ser descrito, em linhas gerais, em três fases. Como descrito por Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, a força 68

do congresso vis-a-vis o poder executivo desestimulava maior disciplina partidária na república de 1946. Nem o executivo nem os lideres possuía poderes para disciplinar a conduta dos parlamentares individuais, como existe no período atual. Esse comportamento anti-partidário e de baixa coesão (com divisões aleatórias no interior dos partidos, ao sabor da idiossincrasias das matérias em votação) predominu enquanto Vargas foi o referencial do sistema político (1946-54). O Plano de Metas e as políticas de Juscelino Kubitschek ensejaram a criação das facções no interior dos partidos e da Frente Parlamentar Nacionalista. Se a divisão no interior dos partidos permanecia a mesma do período anterior, agora a divisão perde o caráter aleatório e ganha contornos permanentes, com o surgimento das facções partidárias. Como as políticas de JK não são polêmicas do ponto de vista distributivo, o presidente pode contar com apoio das facções e da FPN, como também com apoios ad hoc. Já no fim do governo JK, acontecem dois fenômenos cruciais para que o desempenho do legislativo em geral (e do legislativo em particular) fossem abalados: o rompimento dos chamados “nacional-desenvolvimentistas” com os “nacionalistas econômicos” e a discussão de temas altamente polêmicos do ponto de vista distributivo (como a reforma agrária). Segundo Moreira Losada, a derrota do Marechal Henrique Lott no pleito presidencial de 1960 (era o candidato dos nacionalistas econômicos) levou esse segmento (que incluía políticos e intelectuais, isebianos e comunistas) a fazer uma auto-crítica à sua atuação no período anterior. Considerando que os ideiais do nacionalismo econômico tinha pouco inserção popular, o grupo passaria a propagandear e defender soluções nacionalistas para todas as questões e não mais ficaria a reboque das políticas apresentadas pelo executivo. Em termos práticos, discordâncias pontuais em relação a política econômica de JK, que foram minimizadas devido a concordâncias em outros pontos, não foram mais toleradas: era necessário pregar o nacionalismo em todas as oportunidades. Assim, num curso espaço de tempo, os desenvolvimentistas (e o próprio JK) passaram a ser taxados de “entreguistas” (cf. MOREIRA LOSADA, 2010, 170-6). Num cenário em que a posição dos partidos passa a ser determinante para seu desempenho eleitoral, é desencadeado um processo de disputa entre as facções in-

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ternas dos partidos políticos. Se cada facão agisse isoladamente, o resultado da atuação do partido não soaria claro para o eleitorado e, assim, o partido como um todo sairia perdendo na competição com outros partidos. Tal processo leva, em primeiro lugar, ao aumento da coesão dos partidos políticos (se não em nível geral, pelo menos em questões centrais da temática do desenvolvimento) Essa coesão, per si, elimina a possibilidade de coalizões ad hoc, que foram importantes para a estabilidade política até 1961. (Tais hipóteses serão verificadas no capítulo seguinte). Além de coesão, um produto (não necessário) do aumento da coesão, foi a montagem de um cenário propício para a radicalização e para a paralisia decisória. Na UDN, a vitória da Banda de Música, a frente deles Carlos Lacerda, faz com o partido adote uma postura irredutível nos projetos de interesse do governo. No PTB, a vitória do Grupo Compacto e dos reformistas sobre os fisiológicos, leva o partido a defender políticas radicais a esquerda: era mínima a disposição do partido para fazer concessões necessárias para a obtenção de maiorias. No PSD, diferente do que argumenta Hipólito, não enxergamos uma divisão do partido. Dividido o partido sempre foi e a partir de 60, não só não há evidências de desintegração, como há indícios de ligeiro aumento da coesão. A vitória das raposas sobre a Ala Moça deixou o PSD como um partido com as mesmas características de centro e fisiológico, isto é, a mesma disposição para negociar a aprovação de projetos. Uma vitória da Ala Moça poderia ter levado o partido a um relacionamento melhor com o PTB. ‘

Com pólos radicalizados e um centro que não pode se unir a nenhum dos pólos

do sistema político, chega-se a paralisia decisória. Propostas do centro são rejeitadas por ambos os pólos, e propostas de um dos pólos soam inaceitáveis para o centro e para o outro pólo. Chega-se, assim, as coalizões de veto mencionadas por Wanderley Guilherme dos Santos. Resumindo o ponto do capítulo, o sistema partidário (mais precisamente em sua feição parlamentar) passou por três fases, a personalistas, a faccionalizada e a partidarizada. A partidarização, per si, não está atrelada a paralisia, nem a radicalização, mas apenas ao aumento da coesão partidária e a inviabilização de coalizões ad hoc. Entretanto, num cenário em que a posição dos partidos ganhava importância perante o eleitorado, o principal partido de esquerda (PTB) e o principal partido de direita (a UDN), apostaram na radicalização como instrumento de crescimento partidário. De 70

certo modo, a aposta em contornos ideológicos claros para os partidos foi bem sucedida para ambos: o PTB cresceu no nível legislativo, permanecendo estável no nível estadual, enquanto a UDN permaneceu estável no nível legislativo e com forte crescimento no nível estadual. (LAVAREDA, 1991: 90-5). Prova maior de que de fato podemos dividir a atuação dos partidos nas três fases mencionadas (personalismo, faccionismo e partidarização) encontramos na pesquisa de Antônio Lavareda. O autor analisou detidamente dados de pesquisas realizadas pelo IBOPE, realizadas no decorrer da República de 1946, até então inéditas. Para nossos propósitos, basta mencionar as pesquisas realizadas em algumas das principais capitais do país (São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Porto Alegre) com o somatório dos eleitores com alguma identificação partidária. Em São Paulo, única cidade onde se realizou pesquisa em 1950, observa-se uma expressiva proporção de eleitores identificados com algum partido político (84%), marca jamais atingida antes ou depois. Pesquisa realizada dois anos antes (sem o contexto presidencial, dominado pelo varguismo e anti-varguismo), apontava 55% dos eleitores com identificação partidária. Tabela 2 — EVOLUÇÃO DA IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA – TOTAL DE PREFERÊNCIAS

SÃO PAULO

1948

1950

55

84

1955

RIO DE JANEIRO

44

B. HOZINTONTE

55

PORTO ALEGRE

68

1960

1961

39

43

65

67

1962

65

1963

1964

52

53

75

81

69 67

76

80

FONTE. Antônio Lavareda, “A democracia nas urnas: o processo partidário eleitoral brasileiro”. Capítulo VI, tabela 6.5. Embora não sejam amostras precisas do eleitorado brasileiro, as informações disponíveis apontam para três fases da identificação dos eleitores com os partidos políticos. Como um sistema partidário em formação, observa-se em São Paulo um aumento expressivo no total de identificações, com aumento de 30%, entre o início do sistema partidário e a segunda eleição presidencial. Como argumentamos nesse capítulo, a presença de Vargas nas eleições de 1950 (o qual era o fulcro do sistema 71

partidário), aumentou a identificação dos eleitores com os partidos (nossa interpretação é que essa identificação seguiu a lógica dos ‘de dentro’ e ‘de fora’, apresentada por Skidmore). Sem o seu fulcro, a identificação do sistema partidário sofreria um forte abalo no pleito de 1955. O governo JK, como argumentamos, iria contribuir sobremaneira para a definição ideológica dos partidos, pelas razões expostas. O processo desencadeado por JK (talvez um produto não meditado do Plano de Metas) foi mais adiante do que o presidente gostaria e se aprofundaria no governo João Goulart. Nas duas cidades onde é possível comparar os anos de 1955 e 1960, observa-se estabilidade em Porto Alegre (onde já era alto o enraizamento partidário) e um forte crescimento no Rio de Janeiro. Por fim, entre 1960 e 1964, é inequívoco e avassalador o enraizamento dos partidos, provocados (em nossa interpretação) pelo comportamento das bancadas partidárias frente a reformas altamente polêmicas. Do comportamento caótico, passado pelo comportamento faccionalizado, chega-se ao comportamento partidarizada das bancadas partidárias, fruto da disputa entre facções ideológicas pelo controle dos partidos. Sem planejar, JK também promoveria 50 anos em 5, também na consolidação do sistema partidário...

72

3. RADICALIZAÇÃO E DISCIPLINA PARTIDÁRIA: REINTERPRETANDO O COMPORTAMENTO PARTIDÁRIO NO GOVERNO JOÃO GOULART

A hipótese central para a radicalização partidária observada no início dos anos 60 é que a coincidência de dois fatores (a morte de Vargas e ideologização política promovida pela campanha e pelo governo JK) levaram a formação de alas ideológicas no interior dos partidos e que a atuação destas levou ao fortalecimento (e não a dissolução) da coesão partidária. Em um cenário em que os partidos passaram a contar mais e novas issues sobre o desenvolvimento (muitas delas altamente conflitantes sob a ótica distributiva), as facções internas entram em um conflito que termina pela vitória de uma deles, no caso do PTB e UDN e a indecisão, no caso do PSD. No caso dos dois primeiros partidos, o advento da coesão (senão nas votações em geral, pelo menos nas votações centrais) levou a radicalização, numa clara aposta das lideranças partidárias de que a afirmação radical de suas bandeiras aumentaria a visibilidade do programa do partido, aumento suas chances de sucesso nas eleições futuras. No caso do PSD, a vitória das raposas sobre a Ala Moça deixou o partido estático no antigo centro do sistema político, sem contornos ideológicos claros, o que pode explicar inclusive a perda de poder legislativo a partir de 1958. Caso o partido tivesse pendido para um dos pólos, ou governo João Goulart conseguiria aprovar a sua agenda, ou uma coalizão conservadora instituiria um governo do congresso, impondo derrotas sucessivas ao poder executivo. Nossa tese central é que o novo cenário político, em que partidos contam mais, teve duas consequeências, sendo uma necessária e outra fortuita. A conseqüência necessária é que o novo cenário exigia dos partidos um posicionamento claro dos partidos sobre a temática do desenvolvimento, pelo menos nos estados mais desenvolvidos; isso implicava em traduzir a posição do partido e de seus presidenciáveis através da atuação parlamentar, o que promove a coesão partidária. (Inversamente, partidos que não conseguem se posicionar claramente, seja na arena eleitoral, seja na arena parlamentar, tenderiam a perder espaço, como ocorreu com o PSD a partir

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de 1958). A consequência fortuita é que os partidos poderiam ser coesos e moderados, mas as lideranças políticas (sobretudo do PTB e da UDN) acreditaram que o eleitorado pedia propostas radicais e que tais discursos levariam a vitórias eleitorais futuras, motivo pelo qual essas lideranças desencorajaram acordos parlamentares. Conforme os dados apresentados por Lavareda, ao que parece o eleitorado brasileiro não pendia para nenhum dos radicalismos, preferindo majoritariamente posições desenvolvimentistas moderadas de Juscelino Kubitischek. Através da análise das teses e dos dados apresentados por autores como Wanderley Guilherme dos Santos, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, Fabiano Santos e Octavio Amorim Neto e Jaqueline Zulini, o objetivo desse capítulo é verificar a sustentação empírica da tese histórica enunciada no capítulo anterior. O legislativo na República 1946 Desde o trabalho clássico de Wanderley Guilherme dos Santos, Anatomia da Crise, diversos pesquisas avançaram na compreensão do poder legislativo na república de 1946. A grande diferença entre esses trabalhos e as demais análises históricas sobre o período é que esses autores construíram bancos de dados sobre votações no congresso e, a partir dele, conseguiram descrever fenômenos e testar hipóteses. O trabalho dos historiadores, até então, deduzia o comportamento parlamentar a partir de análises de casos isolados, ou mesmo a partir de um senso comum sobre os partidos, construídos a partir da atuação de suas lideranças. Assim, os historiadores deduziam, por exemplo, o comportamento da UDN no governo JK através de discursos de algumas lideranças de oposição e não puderem enxergam a extensa colaboração desse partido para a aprovação, até mesmo, do plano de metas. Em suma, para fazer generalizações sobre a atuação dos partidos, é mais adequado analisar como votam seus membros em uma série de votações, que analisar os discursos de algumas lideranças. No clássico Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional (1999), Figueiredo e Limongi promovem uma comparação de duas experiências democráticas no Brasil (república de 1946 e o regime atual), pela qual se evidencia uma série de diferenças que não podem ser creditadas ao sistema político (federalismo, bicameralismo, presidencialismo e sistema de representação proporcional com lista aberta), já

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que tais características perpassam os dois períodos. Enquanto no período atual o poder executivo alcança uma taxa de sucesso de 75% e uma dominância de 83%, na república de 1946 a taxa de sucesso foi de apenas 29% e a dominância alcançou apenas 38,5%. Para os autores, a diferença substantiva entre os dois períodos se deve ao acúmulo de poderes legislativos nas mãos do poder executivo (notadamente dos poderes de agenda), que foram introduzidos durante o regime autoritário e permaneceram (ainda que com alterações) no período atual. No período atual, o executivo tem exclusividade de iniciativa em matéria tributária e orçamentária, pode apresentar projetos de emenda constitucional, pode solicitar urgência e, mais importante, pode emitir medidas provisórias. Atrelada ao último fenômeno, a distribuição de direitos entre líderes e membros das bancadas partidárias pendeu fortemente para os primeiros no período atual. Os líderes no período atual, decidem no colégio de líderes a agenda de votações em plenário, bem como os pedidos de urgência que retiram o projeto da deliberação nas comissões. Além disso, nas palavras dos autores, “a assinatura do líder automaticamente representa todos os membros do partido a que ele pertence, no congresso” (FIGUEIREDO & LIMONGI, 2007: 154). Esses dados apontam para um poder legislativo extremamente forte na república de 1946, no qual líderes partidários e o poder executivo não assumem um papel tão central, conclusão também corroborada pela teoria e pelos dados de Fabiano Santos (2003, 65-75). Os autores argumentam que quanto maior for a soma de poderes legislativos do executivo, menor é o poder de barganha do parlamentar individual que tente obter vantagens em troca de colaboração na arena legislativa. Parlamentares que enfrentam o problema da ação coletiva, correndo o risco de serem os únicos a cumprirem ameaças e serem os únicos punidos por elas, tendem a se organizar em termos partidários, fortalecendo inclusive as lideranças e dotando-as de poderes para punir parlamentares indisciplinados. Somente reunidos em partidos, os parlamentares conseguem negociar vantagens com um poder executivo poderoso e somente unidos suas ameaças são críveis.

75

O sistema partidário da república de 1946, pelo menos na esfera federal e no âmbito legislativo, teve como protagonistas três partidos: PSD, UDN e PTB. O poder relativo entre essas agremiações foi alterado ao longo do tempo, como se oberserva no gráfico a seguir: Gráfico 1 — PORCENTAGEM DE CADEIRAS DOS PARTIDOS NA REPÚBLICA DE 1946 (1945-62) PSD

UDN

PTB

Outros

60 50 40 30 20 10 0 1945

1950

1954

1958

1962

Fonte. (HIPÓLITO, 1985, 275-86). Como já mencionado, a queda do PSD nas eleições de 1950 se deve sobretudo a aprovação de uma lei eleitoral que pôs fim às vantagens estabelecidas pela lei Agamênon (a exemplo da distribuição de todas as sobras para o partido majoritário). O PTB experientou um crescimento constante, o que se explica em grande parte pelo fato de o partido ter passado por um processo de nacionalização, enquando os outros dois partidos já possuíam quadros fortes em quase todos os estados. A UDN teve um desempenho também constante, enquanto os demais partidos tiveram um comportamento errático. No gráfico a seguir, temos a variação percentual das cadeiras de cada partido.

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Gráfico 2 — VARIAÇÃO PERCENTUAL DO TAMANHO DA BANCADA DOS PARTIDOS (1945-62) PSD

UDN

PTB

140 120 100 80 60 40 20 0 -20 -40 1950

1954

1958

1962

Fonte. Opcit. No gráfico, sempre que um ponto está abaixo do eixo x, significa que o partido teve uma perda relativa na distribuição de cadeiras no congresso. Parte do nosso argumento, nesse capítulo, diz respeito a perda de espaço do PSD, decorrente da incapacidade do partido de se definir ideologicamente, frente as novas issues, introduzidas por JK. Desconsiderando o desempenho aberrante do PSD em 1945 (decorrente da posição privilegiada dos interventores e da lei Agamenôn), a maior queda do partido se deu, precisamente, no pleito de outubro de 1962. Poder-se-ia, argumentar, que o eleitorado estava pendendo para a esquerda, mas se tal fosse verdade, a UDN também deveria perder espaço. Ao contrário, o pleito de 1962 foi a única oportunidade em que a UDN verificou um aumento em relação a bancada do pleito anterior. Como também demonstrou Lavareda, a tese do realinhamento partidário precisa ser testada em outros tipos de eleição, além da Câmara federal. A partir de extensa análise dos dados em vários tipos de pleitos, o autor conclui apenas que havia uma tendência de queda do PSD. No legislativo federal, o PTB cresceu, enquanto a UDN cresceu moderadamente, enquanto no nível executivo estadual, a UDN experimentou um expressivo crescimento em 1962. ‘

Através de uma regressão múltipla, calculamos os determinantes da variação

da votação do PSD nos Estados. Testamos as seguintes variáveis: emprego industrial, PIB per capita, Taxa de urbanização, Alienação eleitoral e regiões geográficas (a partir 77

de 4 variáveis dummies). Destas, apenas PIB per capita (a preços constantes de 2.000) e taxa de urbanização se revelaram significativas ao nível de significância de 10%. A variável dependente consiste na subtração da votação percentual do PSD em 1962 pela votação de 1958, a partir do dados coletados por Jairo Nicolau. Tabela 3 — REGRESSÃO MULTIPLA – OS DETERMINANTES DA VARIAÇÃO DA VOTAÇÃO DO PSD (1962) COFICIENTE PADRONIZADO

MODELO

COEFICIENTES

SIGNIFICÂNCIA

𝝈

10,22

𝜷𝑷𝑰𝑩.𝑪𝑨𝑷𝑰𝑻

0,11

0,84

0,000

𝜷𝑻𝑨𝑿.𝑼𝑹𝑩

-0,89

-0,83

0,000

0,144

O modelo possui um 𝑅2 de 0,52 e o teste F de Snedecore, nos leva a rejeitar a hipótese nula de independência entre a variável dependente e as variáveis independentes. Interpretando os coeficientes, concluímos que aumentar em 1% a taxa de urbanização, leva a uma variação negativa de 0,89 na votação do PSD, enquanto o aumento de R$1.000 no PIB per capita, eleva em 0,1% a votação do PSD nos estados. Como no país inteiro o PSD perdeu espaço, podemos inferir (pelo modelo) que a queda do partido foi maior nos estados mais urbanizados e mais pobres. Ou seja, mantida urbanização constante, o PSD caiu mais nos estados mais pobres, onde o conflito agrário era maior e a renda do trabalhador rural era menor. Para se ter uma noção mais clara, analisemos os 8 estados mais urbanizados do país (isto é, a terça parte das unidades federativas). As perdas do PSD foram da seguinte magnitude: Rio de Janeiro (-2), São Paulo (-7), Amapá (-36), Pernambuco (35), Rio Grande do Sul (0) Acre/Roráima (-46), Minas Gerais (1). Nos estados pouco desenvolvidos, mas com população concentrada nas capitais (isto é, estados com agricultura fraca), a queda do PSD foi ainda maior, como nos casos de Acre/Roráima e Amapá.

78

Reconhecemos que mais estudos precisam ser feitos para provar o ponto de que o eleitorado, em 1962, beneficiou os partidos mais ideológicos, mas as evidências apresentadas sobre a votação nos estados são totalmente coerentes com a tese apresentada. O crescimento do PTB e da UDN não esteve associado a nenhuma dessa variáveis e, inclusive, nem o padrão de votação dos partidos em pleitos isolados se mostrou associado com as características sociais, políticas e econômicas dos estados (salvo o caso do PTB em 1945). Em suma, o PSD perdeu espaço nos estados mais urbanizados, mas não houve um ganhador universal do eleitorado desse eleitorado. O próprio crescimento do PTB aponta para um crescimento maior nas áreas mais rurais, que é o resultado da última fronteira para a nacionalização do partido, que passa a despontar como força política no nordeste. A interpretação “facil” de que o PTB ganhou o eleitorado do PSD, portanto, não se confirma pela análise estatística. Desempenho legislativo na república de 1946 Como vimos na introdução desse trabalho, partirmos da premissa de que a explicação principal para o golpe de 1964, seguindo Figueiredo (1993) e Santos (2003) foi a radicalização dos partidos políticos. Enquanto Figueiredo centra sua análise nas oportunidades perdidas para se chegar a um acordo sobre as reformas de base (sobretudo a reforma agrária) que vão estreitando o campo de opções do presidente (até só lhe restar a mobilização popular), Santos enfatiza a tese de paralisia decisória, isto é, a completa incapacidade de os partidos chegarem em acordos para a aprovação de políticas (pela multiplicação de coalizões de veto). Subjancente a ambas as análises, está a noção de que o funcionamento do legislativo até o início do governo João Goulart seguia um padrão diferente, tanto no quesito radicalização (que é uma medida própria de cada partido), como no quesito coalizões legislativas com os demais partidos. Analisando algumas votações críticas ocorridas no governo João Goulart, Figueiredo chama atenção para o fato de que a derrota do projeto de reforma agrária do udenista Milton Campos foi a última vez em que funcionou a aliança PTB-PSD no governo João Goulart (ocorrida em 7 de agosto de 1963). Toda a análise da autora está centrada na relação entre o executivo e os partidos no congresso e nas tentativas do presidente no sentido de implementar a sua agenda, isto é, as reformas de base. Noutras palavras, trata-se da negociação de um presidente cuja carreira política foi 79

trilhada no campo trabalhista, na relação com os sindicatos, comprometido com reformas sociais e um congresso com maioria conservadora, onde as reformas ensejadas pelos parlamentares e pelas bases do PTB não encontrariam eco. Como fica claro na análise de Figueiredo, se a aliança legislativa entre esses partidos fosse efetivada na arena legislativa, a crise não teria se agravado. Hipólito (2005) vai ainda mais longe, ao salientar o fato bastante relevante de que o golpe ocorreria, com amplo apoio do congresso, nada mais que 21 depois de o PSD romper formalmente com o governo João Goulart (cf. HIPÓLITO, 1985, 242). Dito isso, podemos concluir que, para Figueiredo, a aliança PTB-PSD, pelo menos no governo Jango, era fundamental para a estabilidade do regime e para o desempenho legislativo. Wanderley Guilherme dos Santos, por sua vez, avalia a hipótese, amplamente difundida na literatura tradicional (historiográfica, mais precisamente) de que a estabilidade da república de 1946 dependia da aliança parlamentar entre PSD e PTB. Pela análise das votações no governo Juscelino Kubitischek, Santos evidencia o fato (então surpreendente) de que a oposição ‘ferrenha’ da UDN era uma completa ilusão dos analistas. O partido criado contra Vargas, o partido “de fora” na expressão de Skidmore, teve a sua maioria votando de forma igual a maioria do PSD, PTB e PSP em nada menos que 43% dos casos, sendo a aliança mais comum no período JK. Em 59% das votações nominais, a maioria da UDN votou junto com a maioria do PTB, com a maioria do PSD, ou (mais freqüente) junto com a maioria de ambos os partidos. Essa conclusão geral é ainda corroborada pelo apoio majoritário da UDN para projetos centrais do Plano de Metas (cf. SANTOS, 2003: 277-81). Na explicação de Santos, a mudança central na arena parlamentar foi a substituição de uma coalizão que unia os quatro grandes partidos (PSD, UDN, PTB e PSP) por um padrão caótico. O autor chama atenção para o fato de que a crise não foi apenas a ruptura da coalizão legislativa entre PSD e PTB (que, ademais, mesmo quando estava funcionando não proporcionou, sozinha, a sustentação do govenro JK), mas sim ao fato de que não foi possível substituir a antiga coalizão por nenhuma outra (mesmo conservadora), já que os partidos formavam arranjos diferentes dependendo da área da legislação. Para o autor, não é que PTB e PSD não tenham de dissociado; o ponto é que a mesma radicalização que levou aquela ruptura também impossibilitou

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a formação de uma coalizão (mesmo que conservadora), contra o governo (SANTOS, 2003: 299-300).dao de Uma das explicações para a não formação de uma coalizão majoritária (seja pró ou contra o governo) durante o governo João Goulart seria a queda da disciplina partidária , essencial para a sustentação de acordos duradouros entre partidos. Consideramos, porém, a evidência apresentada por Santos insuficiente para provar o seu argumento. Santos compara a coesão partidária nos governos JK e Goulart e observa que, com a excessão do PTB, todos os demais partidos observaram uma queda na disciplina partidária. A dificuldade inerente a esta insterpretação reside no fato de que as votações envolvendo o governo JK compreendem um número maior de votações, sobre as mais diversas áreas, enquanto a abordagem de Santos sobre o governo João Goulart se restringe a análise de apenas 18 votações, sobre temas de alta relevância, onde se esperaria maior desacordo no interior das bancadas; tal procedimento enviesa a análise do legislativo no governo João Goulart e torno difícil a comparação com os dados referentes ao período JK. A própria análise de Santos sobre as coalizões legislativas no governo JK adota um critério bem mais abrangente na seleção dos casos, atingindo um total de 384 votações, ao longo dos cinco anos de governo. Empregando um critério mais objetivo na seleção das votações nominais e cobrindo um período muito mais longo (analisando a coesão desde o governo Dutra até o governo Jango), restrita a agenda do poder executivo, revela um padrão significativamente distinto daquele apresentado por Santos, como se evidencia na tabela reproduzida a seguir: Tabela 4 — ÍNDICE DE RICE DAS VOTAÇÕES NOMINAIS NA AGENDA DO EXECUTIVO (1946-64) DUTRA UDN

47,3

VARGAS 42,7

PR PSD PSP

CAFÉ

NEREU

JK

50,2

80,6

53,6

61,5 85,8

JÂNIO

JANGO

TOTAL

56,9

50,1

73,6

73,3

31,9

65,5

55

55,5

86,5

64,7

24,7

45,4

60,3

69,9

52,9

82,9

61,8

57,7

62,4

63,9

81

PTB

62,5

55,5

58,8

82,1

61,9

51,4

88,6

61,1

FONTE. (FIGUEIREDO E LIMONGI, 2007, P 169). Qual era, afinal, a tendência da coesão partidária no governo João Goulart (se é que existia alguma)? No caso da UDN, observa-se que o partido sempre foi bastante dividido em relação a agenda do executivo (mais uma evidência da falácia segundo a qual a UDN era o partido de oposição sistemática aos partidos “varguistas”, como sustentam unanimimente os historiadores). Com a exceção do governo Nereu Ramos, a UDN jamais esteve tão coesa quanto no governo João Goulart, consolidando uma tendência lenta (mas constante) do partido rumo a uma maior coesão. Já o PTB, como também tranpareceu nos dados de Santos, jamais esteve tão unido como no governo João Goulart, muito embora o presidente não fosse a liderança inconteste do partido, como demonstrou exaustivamente Figureiredo (1993). O PSD, de fato, corrobora a tese de defendida por Hipólito, de que a o conflito entre a Ala Moça e as raposas minou a coesão interna do partido; com a excessão do governo Jânio, o partido jamais esteve tão dividido quanto esteve no governo Jango. O conservador PR também viveu um período de alto desenção partidária, com drástica queda da coesão no governo trabalhista, enquanto o PSP apresentou uma coesão intermediária (considerando toda a série histórica). Em suma, PTB vivia uma forte tendência rumo a coesão partidária, devido a ideologicação do partido, iniciada desde a morte de Vargas e consolidada no governo JK. O PSD vivia uma tendência de fragmentação interna, muito embora seja necessário considerar algumas nuances desse partido. Por motivos óbvios, os partidos dos presidentes tendem a apresentar maior coesão interna quando o presidente em exercício pertence aos seus quarós, na me medida em que a agenda do executivo tende a traduzir melhor as preferências dessas bancadas. Não por acaso, duas das maiores medidas de coesão do PSD foram obtidas nos governos Dutra e JK. Desconsiderando esses dois casos, a coesão partidária no governo Jango continua baixa, mas não tão distante do observado nas demais administrações. Quanto a UDN, evidencia-se ou uma continuidade ou uma leve tendência de coesão partidária, processo idêntico ao vivido pelo PSP. Tendência clara de conflito partidário observa-se no PR.

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A análise desses dados contradiz diretamente a conclusão de Santos, segundo o qual um processo de fragmentação atingia o sistema partidário como um todo (cf. SANTOS, 2003, 299-300); também contradiz a conclusão de que “a UDN foi dilacerada, tornando-se o mais dividido dos quatro grandes partidos, ficando incapaz de liderar uma coalizão oposicionista constante” (Ibid, 300-1). Tanto o PSD estava significativamente mais dividido que a UDN, como a tendência enunciada pelo autor não é verificada: se é que existia alguma tendência, esta seria rumo a coesão e não a fragmentação. Uma análise mais detida de três das principais votações nominais do governo Jango podem evidenciar melhor o nosso ponto. Considerando as quatro votações principais sobre o tema do desenvolvimento econômico no governo Jango, a saber, o projeto de limitando a remessa de lucros ao exterior (1961), projeto de reforma agrária de Milton Campos (1963), projeto de reforma agrária do PTB (1963) e o projeto de proibição de concessão de empréstimos de instituições públicas para empresas estrangeiras que atuem no Brasil (1963). Tabela 5 — ÍNDICE DE RICE NAS VOTAÇÕES SOBRE OS PROJETOS DA ÁREA DE DESENVOLVIMENTO NO GOVERNO JOÃO GOULART (1963-4) MATÉRIAS

PSD

PTB

UDN

PSP

PDC

CAPITAL ESTRANGEIRO

37,0

100,0

7,0

46,6

100

REFORMA AGRÁRIA (MILTON

75,0

100,0

79,2 33,3

66,6

0

29,4

100

45,4

45

60,4

CAMPOS) REFORMA AGRÁRIA (PTB)

86,1

100,0

97,3

EMPRÉSTIMOS A EMPRESAS

19,1

88,9

6,7

ESTRANGEIRAS MÉDIA

54,3

97,2

47,5

Os dados são coerentes com a hipótese histórica defendida nesse trabalho. Com efeito, a votação sobre a remessa de lucros ao exterior de fato dividiu aquela que foi a base de sustentação do governo JK (isto é, maiorias no interior do PSD, PTB e 83

UDN); Com a excessão do PTB, que mantinha níveis incríveis de coesão em quase todos os temas, PSD e UDN fragmentam-se, a ponte de atingirem o menor índice de Rice na série considerada. A favor da proposta estavam 68% do PSD, 100% do PTB e 46% da UDN (portanto, a minoria no interior do partido). Como demonstrou Santos (2003), o padrão de coalizões legislativas, mesmo nos temas centrais do Plano de Metas, foi predominantemente marcada por coalizões entre as maiorias no interior dos três principais partidos. O mais importante, no entanto, são os altíssimos níveis de coesão alcançados nas duas principais votações do período, isto é, a votação dos projetos de reforma agrária. No caso do PSD, o projeto de reforma proposta pelos trabalhista ensejou a votação mais coesa no interior do partido, sendo a votação do projeto de reforma proposto pelo liberal udenista o segundo colocado. Já na UDN, partido marcada pela divisão desde o princípio da experiência democrática, alcançou níveis inéditos de coesão, muito acima da média do período e do observado em outros governos. Já o PTB virtualmente fechou questão em apoio aos projetos desenvolvimentistas e contra o projeto de reforma proposta por Milton Campos. Como explicar que a questão mais controversa daquela legislatura, possivelmente a mais controversa de toda a experiência democrática, tenha sido marcada pela alta coesão? Se o período teria sido marcado pela fragmentação, como defende Santos (2003), como explicar que a mais controvertida dentre todas as votações tenha se caracterizado pela rígida posição partidária? O projeto de reforma agrária apresentado pelo líder do PTB, Bocayuva Cunha, em março de 1963 foi o centro das discussões políticas no país, tanto no congresso como fora dele, onde diversos movimentos sociais (UNE, CGT, Ligas camponesas, Frente de Mobilização Popular e associações de suboficiais, entre outras) tentavam pressionar o parlamento. O projeto do PTB já se insere num contexto de radicalização a esquerda, mais adiantado dentro do PTB que em qualquer outro partido (processo este iniciado no governo JK). Como observou Figueiredo (2003, 119-20), “Tal como apresentada, a emenda constitucional do PTB era inaceitável”, já que era radical demais para ser aprovada por Comissões parlamantares e por um plenário onde os par-

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tidos conservadores eram majoritários. A intransigência do partido em acolher sugestões que tornariam o projeto mais palatável para os demais partidos também é uma prova dessa radicalização. A Convenção Nacional do PSD, realizada em março, estabeleceu as condições do partido para a aprovação de uma proposta de reforma agrária, que passavam pela desapropriação de terras improdutivas, através de títulos da dívida pública, corrigidos pela inflação. Nos meses seguintes, porém, importantes setores e lideranças do PSD, especialmente o presidenciável Juscelino Kubitischek, empurravam o partido para uma posição mais progressista, tendo em vista o apelo popular das reformas. Na prática, o partido aceitava a correção monetária de apenas 30% do valor das propriedades, mas o PTB permanecia intransigente na defesa da sua proposta original.

En-

quanto a decisão final sobre a emenda de Boacayuva Cunha (em plenário) era adiada, os bases conservadoras do partido conseguiram reverter as posições progressistas adotadas até então, enfraquecendo a próprio anteprojeto de reforma do partido. A reunião entre a bancada do partido e o diretório nacional, ocorrida em 21 de agosto, selaria a vitória dos conservadores, negando ao diretório a prerrogativa de negociar em nome do partido e ameaçando a convocação de nova convenção nacional, onde os delegados das regiões mais conservadoras seriam majoritários. Será sob a influência dessa reação conservadora que se observará a votação massiva do partido contra a proposta trabalhista, em outubro (FIGUEIREDO, 1993: 123). É interessante notar que em princípio de agosto, antes da convenção, os pessedistas ainda conseguiram colaborar ativamente com o PTB para a derrota da proposta udenista, quando 87,5% da bancada acompanhou a posição unânime dos trabalhistas. Antes do surgimento da proposta de Bocayuva Cunha, a UDN, guiada pela ala Bossa Nova, tinha apresentado um projeto de reforma agrária progressista, A partido também realizaria uma convenção nacional em abril e posição partidária firmada nessa ocasião foi resumida no lema “a constituição é intocável”, que reverteu a posição não só da Bossa Nova, como a de parlamentares moderados, que não se filiavam nem a essa ala, nem a “Banda de Música”. Poder-se-ia argumentar que essa alta coesão redundaria não da coação das convenções nacionais, mas sim do próprio conservadorismo dos partidos, que sempre

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votariam no sentido de barrar qualquer projeto de reforma agrária. Entretanto, a comparação da índice de Rice de UDN e PSD com o índice de partidos com o PSP e PDC, ambos fortemente divididos sobre os projetos de reforma agrária. Na votação do projeto de reforma agrária petebista, o PSP atingiria nada menos que o menor índice de Rice possível, ou seja, dividindo-se ao meio. Mesmo o ultra-conservador PR mostraria-se altamente dividido na votação sobre o projeto de Milton Campos, atingindo um índice de Rice de 33,3. Em suma, sob condições normais (isto é, sem a tentativa de fechar questão através de convenções nacionais), outros partidos que não eram radicais seja a esquerda seja a direita (como também não eram PSD e UDN) se dividiram em torno de uma questão controversa. Também para ilustrar nosso ponto, podemos comparar as votações da reforma agrária (1963) e a votação do projeto de lei limitando a remessa de lucros ao exterior (1961). Também altamente controverso, o projeto foi aprovado até com uma certa folga na Câmara. É interessante notar que nessa votação UDN, PSD e PSP estiveram altamente divididos, sendo que a UDN apresentava uma ligeira maioria contra a medida, enquanto os outros partidos apresentavam-se majoritariamente favoráveis ao projeto. Era esse o padrão de baixa coesão, com apoios significativos nos grandes e nos médios partidos, que havia garantido a aprovação de políticas até o final do governo JK. Um novo padrão surgiria, no qual o PTB e PSB apresentariam alta coesão em todas as questões, e PSD e UDN apresentariam alta coesão nas questões centrais durante o governo Goulart. Portando, a radicalização do PTB e dos movimentos sociais provocou uma reação dos setores conservadores dentro do PSD e UDN que redundaria não só na derrota dos grupos progressistas (que, numericamente, eram quase inexpressivos nessas bancadas), mas também em um processo de controle sobre a conduta dos parlamentares individuais. Parlamentares moderados foram coagidos por decisões colegiadas dos partidos e, na nossa avaliação, essa coação é explicação para a alta coesão em um tema tão controverso quanto a reforma agrária. De certo modo, o papel exercido pelos diretórios nacionais e por reuniões semelhantes teve o mesmo papel que hoje possuem as fortes lideranças partidárias, ambos tendo como resultado o aumento da coesão partidária.

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CONCLUSÃO

Resta, por fim, entender por qual motivo as elites partidárias decidiram disciplinar suas bases seguindo uma orientação radicalizada. Nossa aposta é que, num contexto em que questões distributivas tomavam conta do cenário político (seja no congresso, seja nas ruas, seja nos sindicatos) os partidos precisavam se posicionar de forma clara visando as eleições presidenciais de 1965. Nas palavras de Argelina Figueiredo: A decisão do PTB de insistir em seu próprio projeto era encarada como uma questão de sobrevivência política do partido. Por trás desse racioncínio estava a convição de que, se o partido aceitasse uma reforma agrária limitada como a proposta pelo PSD, iria inevitavelmente distorcer sua posição sobre o assunto e trair o seu apoio de seu eleitorado (124).

Somente a luz dessa interpretação é possível entender como um partido firmimente comprometido com um projeto reformista (evidenciado pela alta coesão lograda pela sua bancada) pode se rejeitar a apoiar a proposta de reforma agrária do PSD e da UDN. Ambos projetos, embora não atingissem os pontos idéias da bancada, eram sem dúvida muito mais próximos desses pontos que o status quo. Mesmo com a correção monetária parcial e com a desapropriação apenas dos latifúndios improdutivos, tais medidas já teriam um efeito profundo na trasnformação da estrtura fundiária do país. Voltando a pergunta, o fato é que as elites partidárias do PTB e da UDN, os partidos que não só foram coesos nas votações analisadas como foram intransigentes (diferentemente da postura flexível do PSD). Ambas essas elites, personificadas nas lideranças radicais de Leonel Brizola e Carlos Lacerda, estavam rendodamente equivocadas em suas leituras sobre a posição do eleitorado. Indo para a extrema exquerda, em posição quase indestinguível do PCB, o PTB nada tinha a ganhar em termos eleitorais. Adotando uma postura como “a constituição é intocável” e silenciando as posições liberais e progressistas que havia nos quadros udenistas (representada pelo governador mineiro Magalhães Pinto e pelo então senador pela Guanabara, Afonso Arinos) também não tinha nada a ganhar. Ambos os partidos apostaram na radicalização do eleitorado, mas confundiram um cenário mais ideológico com um cenário mais radical. No campo da esquerda, a ilusão de um eleitorado radicalmente 87

esquerdista era alimentada por um movimento sindical cuja cúpula era comunista (notadamenta a CGT), o que não significava que as bases desses sindicatos também o fossem. As vitória creditadas a mobilização popular em 1961 (quando o congresso se mobilizou contra o veto militar a posse de Jango) e em 1962 (quando da antecipação do plebiscito sobre as reformas) eram fruto de uma coalizão muito mais ampla, que em ambos os casos contou inclusive com o apoio de forças conservadoras. Enquanto Lacerda postava-se rigorosamente ao lado dos militares linha dura (cf. FIGUEIREDO, 1993, 43), nomeados por Jânio, a bancada do partido votou integralmente a favor da emenda parlamentarista (SANTOS, 2003: 284)10. Já o retorno ao presidencialismo era do interesse dos três maiores partidos. Pesquisas realizadas pelo IBOPE, reveladas por Antônio Lavareda (1991), mostram que a maioria do eleitorado brasileiro era favorável a reforma agrária, muito embora fosse altamente contrária a legalização do partido comunista (o que demonstra até que ponto estavam comprometidos com um projeto de esquerda). Mas, dentro todos os dados, o mais revelador é a pesquisa que inferiu o campo ideológico ao qual o eleitorado se filiava. A pergunta se referia a qual linha o país deveria seguir e apresentava alguns nomes que personificavam esses idéias; a proposta de Esquerda era personificada por Brizola e Arraes, a de centro por Magalhães Pinto e Juscelino Kubitischek e a de direita era representada por Carlos Lacerda e Ademar de Barros. Os resultados podem ser observados na tabela a seguir.

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Verificar o resultado da votação 2, na tabela 2.8.

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Tabela 6 — RESULTADO DA PESQUISA DE OPINIÃO: “DESSAS 3 HIPÓTESES, QUAL A SEU VER É A MAIS INDICADA PARA SER ADOTADA PELO GOVERNO BRASILEIRO” (1963) DIREITA

CENTRO

ESQUERDA

NÃO SABEM

SÃO PAULO

21

51

16

12

GUANABARA

33

38

17

12

BELO

17

62

11

10

PORTO ALEGRE

13

21

46

20

RECIFE

14

36

39

11

SALVADOR

12

49

24

15

FORTALEZA

11

59

15

15

CURITIBA

15

49

14

22

BELÉM

19

54

10

17

NITEROI

37

30

13

20

TOTAL

23

45

19

13

CIDADES

HORI-

ZONTE

Fonte. (LAVAREDA, 1991: 156). Nenhuma prova pode ser mais eloqüente da fantasia da radicalização que esta: os ícones da radicalização a direira e a esquerda, mesmo que tivessem seus votos somados (algo que jamais aconteceria na realidade, devido ao abismo ideológico entre eles), ainda assim teriam uma votação inferior aos ícones da posição centrista. Outras pesquisas, também reveladas por Lavareda, também colocam Juscelino Kubitschek como franco favorito para as eleições de 1965. Ou seja, JK, agora um político moderadamente reformista, foi aparentemente o único líder político brasileiro a ler corretamente a divisão ideológica do eleitorado brasileiro e suas posições durante o governo João Goulart parecem refletir fielmente o eleitor mediano do país (pelo menos pelo que podemos aferir pelas pesquisas de opinião). A radicalização foi uma política deliberada pelas elites do PTB e UDN, mirando nas eleições de 1965. Ao que tudo 89

indica, a estratégia da radicalização seria desastrosa também nas urnas, como foi para a própria experiência democrática brasileira.

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