Império Moral e Cultural. A Grande Lusitânia sob a Perspectiva de Consiglieri Pedroso

September 23, 2017 | Autor: Ana Guardião | Categoria: Luso-Afro-Brazilian Studies, Culture, Socio-Political Networks
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“Império moral e cultural” - a grande lusitânia sob a perspectiva de Consiglieri Pedroso Ana Filipa Guardião

«O Brasil é a nossa melhor obra...”1

A ideia proclamada na noite de 10 de Novembro de 1909 na Sociedade de Geografia de Lisboa pelo seu Presidente, Zófimo Consilglieri Pedroso2, de que “O Brasil é a nossa melhor obra...”3 representa a visão utópica de reencontro entre as duas nações sob um passado de laços históricos que jamais se esquecerão dos dois lados do Atlântico. O grande investimento dos portugueses no Brasil enquanto colónia central de um império pluri-continental levou ao florescimento de uma nação tão rica não só no respeitante às suas potencialidades naturais, já que dessa parte qualquer colonizador poderia aproveitar, mas, mais importante, de uma cultura, de um ideário, de uma força de combate e de afirmação perante o mundo da qual dos portugueses sempre havia sido característica. Este elo luso-brasileiro esteve presente nas mentes dos intelectuais d’aquém e d’além mar dos finais do século XIX vislumbrando uma nova união entre as duas nações que, após a independência brasileira, mais que territorial, ou estadual, havia que ser baseada numa cultura e memória histórica comuns, com o propósito de voltar a afirmar a perseverança lusa perante os Gigantes Adamastores estrangeiros                                                                                                                         1

In

PEDROSO, Zófimo Consiglieri, Acordo Luso-Brasileiro, (A nossa melhor obra), Lisboa, Antiga Casa

Bertrand, José Bastos & Cª Editores, 1909, p. 13 2

Para informação mais detalhada sobre Zófimo Consiglieri Pedroso vide Nunes, Lucília Rosa Mateus, Zófimo

Consiglieri Pedroso – Vida, Obra e Acção Politica, mimeo., dissertação de mestrado, FCSH-UNL, Lisboa, 1993. 3

 Ibid.  

que cresciam enquanto potências e estavam a domar e a assolar a notoriedade dos seus feitos e contributos no mundo.

Uma União Maior Ao nos debruçamos sobre o Portugal de Oitocentos vemos um país confrontado primordialmente com a sua afirmação enquanto nação. O ideário nacionalista, que surge pelas influências francesa e espanhola, vem suster-se, ao longo do século pela antagonia à presença directa ou indirecta das influências britânicas tanto na metrópole como no império colonial. Portugal era, no início do século, um país que vivia ainda segundo as estratificações que o Antigo Regime fundara, um país onde as revoluções agrícola e industrial ainda não haviam penetrado. A população era regida por uma mentalidade arcaica, entrançada numa sociedade de ordens que continuava a produzir condes e barões e que contraía a classe produtora - a burguesia não havia ainda surgido como classe produtora independente. O país tinha ficado preso à memória da era dos descobrimentos, memória essa tão distante como a glória que esse tempo representara. O despertar da mudança, por isso, não poderia ter surgido de outra forma. A ameaça da potência britânica a reger o país enquanto a corte portuguesa se implantava no Brasil e fazia desta colónia reino, as dívidas cada vez maiores de uma Corôa que, no fundo, tinha abandonado a metrópole que necessitava há muito de salvação, vieram despontar sentimentos patrióticos que se reviam num novo Portugal. Em Portugal definiam-se os portugueses. Mas nem todos podiam ser portugueses com uma identidade e memória comum ao Portugal metropolitano e europeu. Em 1822, a elite brasileira condensada à volta de D. Pedro acabaria por presionar a proclamação da independência. As consequências económicas foram catastróficas para o país.4 A imigração portuguesa para a ex-colónia, juntamente com a finitude das regalias comercias com o continente americano fariam com que as palavras de Manuel Fernandes Tomás nas Cortes lisbonenses ecoassem como uma praga para a nação portuguesa. O Brasil não quis de facto unir-se a Portugal                                                                                                                         4

In RAMOS, Rui; SOUSA, Bernardo Vasconcelos e; e MONTEIRO, Nuno Gonçalo, História de Portugal, Lisboa,

Esfera dos Livros, 2010, pp. 470 – 471.

como tinha estado sempre. Passou o Sr. Brasil muito bem.5 Perdera-se a joia da corôa simbolo de uma monarquia fracassada. Quebrado o laço filial, Portugal e Brasil viveriam apartados por tantas milhas como as que o Atlântico tem. A pertença a uma mesma dinastia já nada sinificava para portugueses e brasileiros que vinham cimentando um novo caminho: o caminho da República. Seria, porém, nas encruzilhadas deste novo rumo que os dois países se encontrariam novamente, não numa relação entre a matre metrópole de um filho rebelde, mas numa união que se queria de países irmãos, de sangue e língua comuns. Numa época em que a nação brasileira tinha já enveredado por caminhos republicanos e que se afirmava como grande entreposto de comércio mundial entre a Europa e as Américas, Portugal via a necessidade de fazer renascer o sentimento da união dos dois países sob a língua de Camões: sentimento esse que elevaria tanto Portugal como o Brasil num papel crucial no mundo pela formação, em conjunto com as colónias portuguesas espalhadas em África e no Oriente, de uma comunidade lusa global.

As Influências por detrás do Luso-Brasileirismo O século XIX marcou Portugal pela necessidade da mudança interna e afirmação do país na cena internacional. Num país pequeno de território, de população diminuta e com níveis de atraso tanto ao nível produtivo como comercial, de baixos níveis de educação e participação civil, a palavra mais vezes consagrada no seio de uma elite sedenta de progresso era a de Regeneração. Regenerar Portugal significava, para além de uma nova estratégia política e económica, a reconstrução da sua história pela valorização do papel dos heróis quer do passado, quer do presente. Foi assim que no cerne do ideário republicano português que se asservou, com base em fundamentos científicos, a ideia totalizante de uma história universal que, apesar de não reunir concenso entre os repúblicanos, acabou por constituir uma parte importante tanto da afirmação

                                                                                                                        5

Manuel Fernandes Tomás nas Cortes de 22 de Março de 1822 afirmava aquando do comentário à independência

brasileira: “... se o Brasil não quer estar unido a Portugal, como tem estado sempre, acabemos de uma vez com isto: passe o Sr. Brasil muito bem, que cá cuidaremos de nossa vida.”.

das ideias portuguesas no mundo como do próprio ideário republicano e colonial dentro das fronteiras lusas. As condições em que o país e o seu império se encontravam a partir do último quartel de Oitocentos tornavam peremptória uma projecção da cultura histórica que cumprisse uma significativa função de integração social já que este era o momento em que se colocava com particular acutilância o problema decisivo da manutenção da independência política e a sua justificação histórica.6 A redefinição do herói nacional encontrava o seu papel nuclear nos debates teóricos entre os republicanos pelo que era notável a sua importância para a mobilização do interesse da opinião pública de modo a consituir um factor de convergência nacional. Foi assim que a memória histórica, vista como um poderoso efeito de coesão social, foi aproveitada pelos republicanos para exaltar os feitos dos homens que nos ligaram ao mundo. A construção de um passado de descobrimentos fornecia irrecusáveis elementos que legitimavam a autonomia nacional, ocupando um lugar central, não apenas na revisão dos feitos realizados anteriormente, mas igualmente nas projecções políticas sobre o presente e o futuro da nação portuguesa. Se era praticamente consensual esta ideia de que se havia que reconstruir a memória histórica do povo português, não podemos, no entanto, reivindicar aqui uma uniformidade no ideário republicano quanto ao percurso e significado desta acepção. Várias eram as correntes que penetravam nas fileiras deste movimento e cábe-nos em especial destacar aquela que nos leva à ideia de uma união cultural e racial advogada por uma franja da elite republicana portuguesa e que teve como principal propagandista a figura de Zófimo Consiglieri Pedroso. Defensor de uma perspectiva científica em grande parte influenciada pelo darwinismo social, Consiglieri Pedroso não descurava a importância de uma reconstrução da memória histórica do povo português. Não obstante, e regido pela máxima “os homens passam e as nacionalidades ficam”7, defendia uma revisão republicana e democratizante da história nacional elevando o papel da acção social sobre aquele de determinados indivíduos. Encontra-se aqui patente a ideia de progresso social e histórico latente no ideário positivista que, à época, dominava o pensamento republicano: uma óptica determinista dos movimentos sociais, de base científica, que ultrapassa a esfera individual do ser humano, tendo                                                                                                                         6

Vide MATOS, Sérgio Campos, “História do Positivismo e Função dis Grande Homens do Último Quartel dos

Século XIX”, Penélope, n.º 8, 1992, pp. 51-71. 7

Ibid.

como fim o progresso das sociedades como um todo e que culminará, num sentido mais restrito, numa ordem social republicana. Não se pode deixar de ressalvar a ideia de que o positivismo em Portugal, apesar de ter sido um ideário que se enraizou profundamente na classe política e elite cultural portuguesa, foi uma corrente que penetrou de forma heterogénea devido á sua versatilidade e adaptabilidade. Foi isso que lhe possibilitou «ser um movimento intelectual com efeitos pertinentes ao nível da opinião pública e da prática política»8, daí a importância que teve ao nível do ideário político português, conseguindo um papel de relevo naquela que foi a corrente republicana lusa. Pedroso e outros advogados desta visão, como Jacinto Nunes ou Crispiniano da Fonseca, aliavam à questão de progresso das sociedades um determinismo social extremo, derivado das teses de Charles Darwin apropriadas pelas Ciências Sociais, ligado às questões étnicas e raciais dos povos, uma tendência que cedo os fez ficar ligados aos projectos coloniais portuguêses ainda nas últimas décadas do século XIX; bem como das influências do “organicismo social” de Spenser que fazia uma associação do mundo físico e biológico à ideia, à ciência e à sociedade transmutando o pensamento biológico para a evolução das sociedades em geral. Demarcava-se, também o denominado evolucionismo cultural: tese que tinha como objectivo estudar a cultura, explicando os aspectos comuns a todos os povos. A sua perspectiva universalista tem por base a concepção supra-temporal em que a verdade da história passa a ser relativa por aquela ser uma história secular de civilização. Porém há que resalvar que se trata aqui de um relativismo circunstancial: a verdade é relativa já que está relacionada com a mudança de situações e condições na realidade.9 No que diz respeito à exaltação daquela que é a nacionalidade portuguesa, podemos encontrar fundamento nos escritos antropológicos de Pedroso sobre a família ou sobre os mitos nacionais para o seu destaque enquanto etnógrafo e defensor da cultura lusa. O autor vai à origem para compreender o presente e sonhar o futuro. A importância de uma visão nacionalista e ao mesmo tempo universalista ligada à ciência justifica-se pela necessidade não só cultural mas política da regeneração do país em direcção ao progresso que, de dia para dia, se figurava vital devido ao avanço e ameaças das potências                                                                                                                         8

In CATROGA, Almeida, Os Inícios do Positivismo em Portugal, p. 323.

9

Vide  NUNES, Lucília Rosa Mateus, Zófimo Consiglieri Pedroso – Vida, Obra e Acção Politica, mimeo.,

dissertação de mestrado, FCSH-UNL, Lisboa, 1993.  

europeias no palco colonial. As grandes metrópoles destiguiam-se por uma uniformidade no seu avanço económico, político e insdustrial e pela necessidade imperialista de penetração directa em novos e lucrativos territórios tanto em África como na Ásia. Como afirma Consiglieri Pedroso: “A edade contemporanea é caracterizada pela universalidade de uma cultura quasi por toda a parte identica, e por uma infinidade de focos, que tornaram impossivel qualquer eclipse, embora momentâneo. Paris, Londres, Madrid, Lisboa, Roma, (...), New York, Rio de Janeiro ou Calcutá. São outros tantos centros de civilização, que mutuamente se substituiriam caso algum incidente imprevisto viesse a inutilisar um ou mais entre elles. Ao mesmo tempo a civilização comtemporanea, não se contentanto com dominar universalmente na Europa e na América, ter invadido a Asia e a África. Com relações ás forças directrizes da sociedade comtemporânea, são ellas a sciencia e a industria nas suas variadissimas ahplicações. O regimen da edade média cede por toda a parte o logar ao novo regimen, no qual as grandes descobertas scientificas e os maravilhosos prodigios industriaes, teem o logar permanente.” 10

É nesta linha positivista e determinista de ordem universal que Consiglieri Pedroso irá desenvolver a sua tese da importância da raça e aglutinar a este propósito a importância da afirmação da raça e da cultura lusas no mundo. Ligado à antropologia e à etnografia, defende a vitalidade da afirmação do império português além mar para a própria subsistência de um país cuja população e territórios são diminutos e que ele próprio cataloga como estando entre as «pequenas nacionalidades»11 - Estados em risco de perder a sua identidade por invasão ou assimilação cultural num mundo que reencontrava o regresso do imperialismo como forma dominante no cenário internacional. Os seus contributos no campo da etnografia portuguesa contruídos tanto na mitologia histórica como no evolucionismo demonstram-no claramente.                                                                                                                         10

PEDROSO, Zófimo Consiglieri, Compendio de História Universal, 2ª ed., Lisboa, Imprensa Nacioanl, 1884, p.

195.   11

 PEDROSO, Zófimo Consiglieri, O Acordo Luso-Brasileiro (A nossa melhor obra), Lisboa, Antiga Casa Bertrand,

José Bastos & Cª Editores, 1909, p. 18.

Será a defesa deste ideário que levará esta figura do republicanismo a ligar-se à instituição que na altura se destacava na área colonial, dirigindo, em parte, o projecto colonial oitocentista: a Sociedade de Geografia de Lisboa. Nela, reivindicará aquela que foi a proposta de um novo olhar para o outro lado do Atlântico e de reconstrução de uma união em várias vertentes da raça lusobrasileira. A Sociedade de Geografia de Lisboa: Uma Plataforma em Direcção ao Colonialismo Deparado com o crescente interesse das restantes potências europeias pelo continente africano, Portugal, como pequena nação via a necessidade inerente de se afirmar também neste palco do colonialismo. A ocupação de grandes zonas do litoral africano pelos portugueses era vista como uma barreira às pretenções dos restantes países europeus que vinham cada vez mais a exercer a sua influência no interior do continente. Porém, o Estado português não conseguira ainda repassar os territórios inóspitos do coração africano por forma a justificar politicamente a sua presença nas praças que explorava desde os tempos áurios das rotas dos Descobrimentos já que, desde a Conferência de Berlim (1884-1885), estava estabelecido internacionalmente o direito de ocupação efectiva em deterimento do direito tradicional da prioridade das Descobertas. Era, por isso, necessário um aprofundamento do conhecimento destes territórios e, à imagem da Europa, instaurou-se no país uma Sociedade de Geografia, insituição que promovia a exploração e conhecimento científico do continente africano. As sociedades de geografia criadas em países com tradição colonial como a GrãBretanha, a França ou a Espanha, estendiam-se, desde a primeira metade do século XIX igualmente por Estados recém criados como a Itália e a Bélgica e a Alemanha. O trabalho por elas desenvolvido de exploração geográfica e científica tiveram ampla divulgação nos periódicos e livros da época e a apresentação das informações por essas instituições obtidas – mapas, imagens exóticas com reprodução da fauna e da flora e relatórios detalhados – atraíam a atenção de um público cada vez mais vasto. A acrescentar, e de maior importância, as explorações fomentadas e dirigidas por estas instituições chamavam ainda a atenção dos poderes políticos para crescentes possibilidades de exploração económica. No respeitante ao Estado português, o empenho político e científico tinha correspondência num sentimento generalizado de curiosidade e interesse da opinião pública

pelos problemas do colonialismo africano. Foi então proposta a criação também em Portugal, a 10 de Novembro de 1875, da Sociedade de Geografia de Lisboa com o intúito de promover e auxiliar o estudo e progresso das Ciências Geográficas e Correlativas no país. Entre os subscritores da proposta feita a D. Luís, encontram-se os nomes de Luciano Cordeiro, António Enes, Pinheiro Chagas, Teófilo Braga, Eduardo Coelho, Marquês Sá da Bandeira e o Visconde de S. Januário. Este último tornar-se-ía o primeiro presidente da instituição pela eleição de 1876. A Sociedade de Geografia de Lisboa propunha-se a atingir os seus objectivos pela realização de sessões, conferências, cursos livres, cursos e congressos científicos, prelecções, viagens de exploração e investigação científica bem como subsídios para essas mesmas viagens. As informações obtidas nestes eventos seriam expostas e divulgadas em arquivos, bibliotecas e museus e ainda pelo Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa. Para além disso havia ainda a vontade de se estabelecerem relações permanentes com outras instituições europeias pela troca de informação e colaboração contínua. «Foi assim que conseguimos chamar a attenção do povo portuguez para as colonias, completamente desconhecidas até então não sómente lá fora, mas na nossa própria casa [dentro da Sociedade de Geografia], mostrando que vastos thesouros de recursos e de esperanças jaziam desconhecidos n’esse ignorado patrimonio, que os nossos maiores nos legaram, e como á sorte d’elle estava vinculado o destino da nação. [...] A opinião publica animava-a com o seu applauso. Os governos escutavam-na deferentes, quando não sollicitavam o seu conselho. Formou-se então em volta da Sociedade esse renome de que ainda hoje vivemos, sobretudo no estrangeiro.»12

À parte das questões relacionadas com os territórios e política colonial, destaca-se a preocupação da Sociedade e dos seus investigadores na descrição detalhada e de elevado interesse científico dos territóros explorados por forma a cumpriram os objectivos delineados pela instituição, contribuindo para o conhecimento das zonas efectivamente ocupadas pelos portugueses.                                                                                                                         12

PEDROSO, Zófimo Consiglieri, O Acordo Luso-Brasileiro (A nossa melhor obra), Lisboa, Antiga Casa Bertrand,

José Bastos & Cª Editores, 1909, pp. 26-27.  

O contributo desta instituição reflectia bem o projecto colonial português pela complexa relação entre o económico e o político, geralmente mediatizada pela ideologia. A ideia de expansão no continente africano implicava um projecto político global num desterminado modelo de desenvolvimento da sociedade portuguesa. Na base deste projecto estava a clara consciência

do atraso do capitalismo do país em relação aos seus rivais europeus, mas

conjuntamente a convicção de que esse não era um atraso irremediável e de que a construção efectiva de um novo império tinha um papel decisivo na sua superação.13 Cria-se, antes de mais, que estes territórios poderiam ser vitais fontes de acumulação instantânea de capital e nesse sentido balançava-se não só a tradição da colonização do Brasil, mas também as informações frutíferas vindas do território africano para a criação dos denominados “novos brasis”. Porém, à Sociedade de Geografia cabia um papel maior do que a simples orientação científica dos projectos efectuados em África. A instituição funcionava, na mente de muitos como um mastro das velhas caravelas que restituía a Portugal o rumo dos tempos mais honrosos das glórias passadas: «As sociedades de geographia de Paris e de Londres, de Berlim e de S. Petersburgo, - para sómente falar das mais illustres – são corporações distinctissimas, cujos serviços á sciencia todos nós reconhecemos, e diante das quaes nos curvamos com o mais profundo respeito. Mas nenhuma d’essas sociedades representa no seu respectivo paiz o papel, que a Sociedade de Geographia representa entre nós. Nós somos mais do que uma simples sociedade de geographia. Somos uma especie de academia tambem somos uma universidade sui generis, e somos, principalmente e acima de tudo, o centro de convergencia de todas as aspirações nacionaes, que aqui encontram um terreno neutro onde podem reformular as suas reivindicações. Por isso a nação inteira, na occasião das grandes crises, volta para nós os olhos, á espera de orientação. E é bem que assim seja, meus senhores. O povo, que tem os melhores dias de gloria no seu passado vinculados ao portentoso feito dos

                                                                                                                        13

Vide ALEXANDRE, Valentim, Origens do colonialismo português moderno – Portugal no século XIX: vol. III,

Lisboa, Sá da Costa, 1979.

descobrimentos, devia mostrar com orgulho ao mundo, como instituição acima de todas querida, uma Sociedade de Geographia!»14

A importância desta instituição reflecte-se não somente na exploração do continente africano, apesar deste ter sido o seu foco principal. No seio da Sociedade foram criadas várias secções especializadas e comissões, que foram mobilizando esforços no sentido da recolha e tratamento de informação em África mas também noutros continentes com presença portuguesa. Foi na proposta da instauração de uma destas comissões feita por Consiglieri Pedroso, presidente da Socidade à altura, uma comissão com um propósito diferente mas de igual enaltecimento do país, virada para o outro lado do Atlântico que em muitos constava só numa alegre e saudosista memória, que se encontrou novo fôlego para as relações efectivas com o Brasil. A proposta da criação desta comissão e de um Acordo Luso-Brasileiro seria considerada como um último esforço de reconciliação da comunidade luso-brasileira, numa época em que as atenções se encontravam viradas para um novo palco de exploração colonial. A Grande Lusitânia15: União Moral e Cultural A Grande Lusitânia partiu do ideário de Zófimo Consilgieri Pedroso, aquando da sua presidência na Sociedade de Geografia de Lisboa, para a instauração de uma Comissão LusoBrasileira que fomentasse as relações entre Portugal e o Brasil. Consiglieri Pedroso foi presidente da Sociedade de 1909 a 1910, precisamente no período de transição da Monarquia para a República. A sua presidência distingue-se da dos seus antecessores já que conseguiu o cargo, não por ter sido oficial geral das Forças Armadas ou par do reino, ministro da Monarquia ou governador ultramarino, mas por ser um escritor e político de elevada craveira e destacado membro do Partido Progressista e posteriormente do Partido Republicano. Homem de ideias vincadas, quis devolver à instituição que presidía o prestígio que havia vindo perdendo desde os tempos aureos da sua fundação e militância, redireccionando-a de

                                                                                                                        14

PEDROSO, Zófimo Consiglieri, O Acordo Luso-Brasileiro (A nossa melhor obra), Lisboa, Antiga Casa Bertrand,

José Bastos & Cª Editores, 1909, p. 27.   15

Ibid., p, 13.

volta às relações com o Brasil no sentido de impulsionar a grandeza da raça lusitana16 tanto na Europa, como em África e no continente americano. O esboço da ideia de uma Comissão Luso-Brasileira permanente e de um acordo bilateral foi apresentado primeiramente num artigo escrito por Consiglieri Pedroso na revista Portugal-Brazil no dia da comemoração do primeiro centenário da abertura dos portos do Brasil ao comércio internacional, facto mensionado pelo autor mostrando que um dos pontos de partida para os conflitos entre os dois países estava ultrapassado e que o propósito era um olhar para um futuro promissor nas relações entre as duas nações, proporcionando benefícios tanto para o Brasil como para Portugal e o seu efémero império em África. Um ano e meio mais tarde o artigo serviria de prólogo à comunicação feita na Sociedade de Geografia de Lisboa a 10 de Novembro de 1909, comunicação essa que cimentava definitivamente a intenção formal de se levar este projecto em diante. Para além dos portugueses ingressados na Sociedade de Geografia, assistiram à sessão de apresentação o pesoal da legação e consulado do Brasil e os oficiais de três navios de guerra brasileiros surtos no Tejo. A ideia era de união, de revitalização dos laços perdidos por um curto período de tempo na longa vida das relações luso-brasileiras: «Os povos, por vezes, adormecem n’uma decadencia mais ou menos prolongada. uns e outros, porém, sentem-se sobreviver dos descendentes que, embora tenham chegado á independente maioridade, nem por isso deixam de ser membros da mesma familia, idealmente agrupados em torno do mesmo berço, onde se conserva o thesouro commum das recordações que uns e outros juntos em tempos idos viveram...»17

A questão apresentava-se para o presidente da Sociedade como vital para a permanência da independência de Portugal em relação aos impérios que se formavam na Europa como para a preserverança da comunidade lusa no mundo já que era, na visão imperialista dos povos da época, «...legitimo prever-se como irremediavel, em futuro relativamente pouco distante, se não o desapparecimento, pelo menos a desintegração das pequenas nacionalidades, que não conseigam defender-se pela massa dos seus habitantes da absorpção – consequencia fatal da                                                                                                                         16

Ibid., p. 30.

17

Ibid., p. 11.

luta pela existência, - cada vez mais implacavel entre as grandes nações, que na sua ancia de assambarcamento tanto iquietam os aggrupamentos secundarios, embora muito adiantados em cultura;»18. Verifica-se neste ponto a influência marcante do darwinismo social no pensamento de Consiglieri Pedroso, pela sua ênfase na manutenção do povo, da raça, da cultura portuguesa no mundo, numa época de luta pela existência no palco internacional. Trata-se de uma visão de novo com um misto de imperialismo e eurocentrismo aliado a um nacionalismo presente de manutenção dos valores, das ideias e da cultura que estendem a representação de Portugal no mundo. Como português, nota-se o interesse vibrante de encontrar uma solução diferente e mais complexa para os problemas da nação porquanto as sucessivas tentativas feitas para o aproveitamento das riquezas do continente africano se mostravam cada vez menos profícuas. Na sua óptica, era importante que as nações de origem lusa seguissem as passadas dos «grandes exemplos de solidariedade moral»19 entre antigas metrópoles e colónias como a dos Estados Inglês e Norte-Americano e os da Espanha com a América Latina. O primeiro conjunto constituía o “english-speaking world” - «(...) unidade bem caracterisada em frente dos outros grupos nacionaes, e onde se confundem como a expressão suprêma da mesma civilisação os nomes de Shakespeare e Longfellow, de Fanklin e Bakon, de Prescott e de Macauley.»20; o segundo partia de uma origem una que distinguia esse mundo cultural dos demais, facto de orgulho e afirmação cultural. Consiglieri cria até que, a união moral luso-brasileira seria até mais compacta e que poderia ter maior expansão do que os dois exemplos que apresentara: primeiro porque não tinha, como a união inglesa, uma tão forte proporção de elementos exóticos - « É sabido como a enorma variedade de emigração nos Estados-Unidos vae fazendo perder á grande republica pouco a pouco o sey typo anglo-saxonico.»21; depois, porque não apresentava como no conjunto hispânico um grande substracto do elemento indígena - «A priporção de naturaes n’alguns estados da America hespanhola eleva-se a importante percentagem, como por exemplo no México.»22. Por outro lado, a união luso-brasileira ocupava uma extensão de terras de

                                                                                                                        18

Ibid., pp. 17-18.

19

Ibid., p. 12.

20

Ibid., p. 12.

21

Ibid., p. 12.

22

Ibid., p. 12.

grande importância e de uma grande riqueza e feracidade, que prometia aos que nela habitavam uma «expansão por assim dizer indefinida»23. Do Brasil ficara a imagem das glórias longínquas dos portugueses. A África era o escape difícil de exploração prática e directa para saída do país do estado económico calamitoso em que se encontrava. A União entre a metrópole portuguesa, a sua antiga jóia da corôa, e o império colonial restante, representava a oportunidade de revitalização de uma nação limítrofe pousada no sudoeste europeu. Via, assim, a necessidade de construir uma proposta mais directa e, ao mesmo tempo, mais englobante de fomentação da cultura e das relações entre as nações de origem portuguesa e era na Comissão Luso-Brasileira que estes desejos se materializavam. No dia em que defendeu a criação desta comissão geral e permanente, apresentou sucintamente aqueles que, na sua óptica, deveriam ser os seus fins: «1.º - Estudar a fórma mais adequada de se realisarem congressos periodicos luso-brasileiros, que devam em prazos a fixar reunir-se alternadamente em Lisboa ou Porto e no Rio de Janeiro ou outras cidades brasileiras, com o intuito de discutir todos os assumptos de ordem intellectual e economica, que interessem em commum e exclusivamente ás duas nações, e onde haja de fazerse propaganda das deliberações que pelos mesmo congressos e pelos governos dos dois paises tenham de ser tomadas a benefício de ambos os povos, respeitando-se escrupulosamente a independencia de cada um

d’elles, e

evitando-se toda e qualquer interferencia, por minima que seja, na vida interna e no modo de ser dos dois paises respectivamente; 2.º - Estudar a fórma de se negociar um tratado de incondicional arbitragem entre Portugal e as suas colonias de um lado e o Brasil do outro, e de se realisar a conviniente cooperação das duas nações em assumptos de caracter internacional; 3.º - Estudar a fórma de se ultimar, coma urgência que razões obvias aconselham, um tratado de commercio, ou antes um largo entendimento commercial entre as duas nações, procurando-se a maneira, - até onde fôr possível vencer as difficuldades naturaes enherentes ao assumpto, - de que uma                                                                                                                         23

Ibid., p. 12.

á outra concedem respectivemente vantagens especiaes, que deixem de ser transmittidas aos outros estados, não sendo portanto attingidas pela clausula de «nação mais favorecida», inscripta actualmente nos tratados já existentes tanto de Paortugal como do Brasil com os paises estrangeiros; 4.º - Promover a creação de uma linha de navegação luso-brasileira entre os dois paises, sob o alto patrocinio de ambos os governos; 5.º - Promover a fundação em Lisboa de um entreposto contral para o commercio do Brasil na Europa, e de um entreposto central no Rio de Janeiro para o commercio portuguez na America, podendo no caso de isso ser conveniente, fundar-se outros dois entrepostos, um no Porto e outro no Recife ou de onde mais convenha ao Brasil; 6.º - Promover a construcção de dois palacios, um em Lisboa e outro no Rio de Janeiro, destinados á exposição e venda permanente dos productos nacionaes de cada um dos dois paises no outro; 7.º - Promover sempre que fôr possivel a unificação ou pelo menos a harmonisação da legislação civil e commercial dos dois paises; 8.º - Promover a aproximação intellectual – scientifica, litteraria e artistica – dos dois paises: dado aos professores e dimplomados brasileiros em Portugal, e aos professores e diplomados portuguezes no Brasil, os memos direitos com equivalencia dos respectivos titulos de habilitação; 9.º - Promover visitas regulares e excursionistas e de estudo - de intellectuais, de artistas, de industriaes e commerciantes portuguezes ao Brasil e brasileiros a Portugal e ás suas mais importantes colonias; 10.º - Estudar a maneira de se fundar em quelquer das duas capitaes, ou simultaneamente em ambas, uma revista que seja o orgão para servir de interprete permanente a este movimento de approximação luso-brasileira; 11.º - Promover mais intimas e continuadas relações entre a imprensa brasileira e a imprensa portugueza pela troca de colaboração e pela instituição de reuniões periodicas dos editores de livros e dos representantes do jornalismo de ambas as nações; 12.º - Promover a intelligencia entre si respectivamente das sociedades scientificas, artisticas, de instrução, de beneficencia, de gymnastica, de tiro, de natação, e de outros desportos maritimos e terrestres, etc., pertencentes aos dois paises, assim como das associações academicas brasileiras e portuguezas,

creado-se também bolsas de viagem para os estudantes de cada um dos dois paises no outro; 13.º - Promover o movimento de approximação luso-brasileira no Brasil, ou poor intermedio de alguma das sociedades ali existentes, como a Sociedade de Geographia ou o Instituto Historico Brasileiro qye, á semelhança da Sociedade de Geographia de Lisboa, queira no território da União pôr-se á frente deste movimento, ou contribuindo para a fundação no Rio de Janeeiro de uma liga luso-brasileira, com os mesmos intuitos que os da commissão permanente, cuja creação aqui se propõe; 14.º - Finalmente estudar a maneira de se fazer da benemerita colonia portugueza no Brasil a activa intermediaria da approximação moral dos dois povos, approximação que terá como symbolo da realidade da sua existencia a formosa lingua de Camões e Gonçalves Dias a falar-se dos dois lados do Atlantico a servir, em duas patrias fraternalmente enlaçadas, de vinculo inquebrantavel

á

raça

luso-brasileira,

cujo

destino

historico

assim

engrandecido deverá, a bem da civilisação, alargar-se triumphante pelas mais bellas regiões do globo, ás quaes o immortal genio latino, representado pela nossa commum nacionalidade, imprimirá com o supremo encanto da fórma o estimulo da sua energia eternamente creadora.»24

Encontramos aqui uma abordagem interdisciplinar que toca, à época, todos os pontos possíveis de união entre os dois países e, em simultâneo da regeneração de Portugal. Desde as relações económicas, comerciais e políticas à partilha de influências científicas, literárias, e artísticas, desde a imprensa à navegação e à legislação necessária, Consiglieri Pedroso conseguiu abordar os factores vitais para a cooperação entre as duas nações. Para além disso debruçou-se intensivamente na questão da fomentação da educação dos dois lados do Atlântico, ideia característica das preocupações republicanas: pode-se constatar que muitos dos pontos elevam a aproximação de professores e alunos das academias dos dois países, da partilha de conhecimentos e da organização de eventos e bolsas que promovam um maior e mais rico intercâmbio entre as duas nacionalidades que, na sua óptica, são, no fundo, apenas uma. Basta atentarmos às finalidades da Comissão para compreendermos a latitude e vastidão deste                                                                                                                         24

Ibid., pp. 20-22.

programa de regeneração global, além de estar clarificado aquilo que considera como uma união moral. Esta proposta, na óptica do seu autor tinha como a sua mais valiosa característica a de que, abrangendo um largo programa de trabalhos, não dependia, para se concretizar, somente da vontade dos governos dos dois países. Assim, divide os assuntos que estão somente sob a alçada da acção governativa ou parlamentar como o tratado de arbitragem e de cooperação diplomática, o tratado de comércio e o estabelecimento de entrepostos comerciais; e os assuntos que dependem de iniciativas particulares: a reunião dos congressos luso-brasileiros, a fraternização cienífica, literária e artística das duas nações e a realização de visitas recíprocas e regulares dos excursionistas de ambos os países. Isto porque considera Consiglieri: «Será a ação directa de povo a povo mais lenta, em manifestar-se, não ha duvida, mas efficacissima, porque é ella que cria o ambiente favoravel á boa vontade dos governos, os quaes necessitam de serestimulados pela força da opinião.»25 O proponente tinha clara noção da gradiososidade e complexidade que um projecto desta envergadura representava, não deixando por isso de salientar que esta sua caractaristica lhe permitia a maleabilidade e flexibilidade para que algumas das propostas fossem realizadas e outras não, não estando de qualquer modo o núcleo intencional posto de parte se tal viesse a acontecer. De facto, devido à conjuntura que suirgiria após a implantação da República, o Acordo passaria para segundo plano naquilo que remee para as obrigalções governativas quanto às propostas do mesmo. Não obstante, parte das propostas que o projecto deixou seriam cumpridas por parte dos agentes privados. Entre as comunidades intelectuais das duas nações, formar-se-ía um elo que perduraria durante todo o século XX até aos dias de hoje. Numa atitude sempre de abertura explícita para com a nação irmã, deixou várias vezes clara a noção de plena liberdade de acção do lado brasileiro para que o projecto pudesse ser levado a bom porto. Mais uma vez ficava justificado o valor que este projecto tinha, não só para o seu visionário, como para a instituição que o promovia, mas, e acima de tudo, para o país, que necessitava de uma nova via de entendimento com o mundo e consigo mesmo. Justificou, por isso, a importância desta proposta em três vertentes: para ele próprio, para a Sociedade de Geografia de Lisboa e para os dois países. Quanto à sua pessoa, ter sido nomeado                                                                                                                         25

Ibid., p. 24.

presidente da Sociedade havia constituído o «mais valioso prémio»26 da sua vida de trabalho e uma hipoteca de gratidão que so poderia saldar-se em factos concretos. Daí que, para este homem, a proposta d’O Acordo Luso-Brasileiro tivesse o significado de um programa de trabalho. Quanto à Socidade de Geografia, os seus fins realizavam-se através de investigações científicas, da proliferação de conhecimentos com o mesmo propósito e sua vulgarização e pela iniciativa de estudo das grandes questões nacionais, e a apresentação desta proposta devolverlhe-ía a distinção e prestígio dos tempos áureos da sua exsitência. Chamava assim a Sociedade a voltar à sua tradição de relevo na condução do país no rumo do conhecimento e do progresso. Finalmente, a importância desta proposta para a nação portuguesa fica claramente demarcada no discurso do autor «Porque vão teria sido o trabalho de formula-la, se ella não devesse trazer comsigo quaisquer consequencias para a vida nacional.»27 A consequência deste Acordo seria a solução da crise em que o país se encontrava já que, «no struggle for life»28, faltavam a Portugal dois trunfos intrínsecos às nações prósperas da época: o território e a população, e só uma união da raça lusitana poderia devolver ao país o equilíbrio que desde o seu apogeu vinha perdendo. Ainda que estivesse em estado de esboço, a proposta d’O Acordo Luso-Brasileiro representava para Consiglieri Pedroso um programa de regeneração nacional.

«Nós não temos culpa de que desde o occaso do nosso imperio colonial a direcção das correntes commerciaes se tenha modifocado, e que a concorrência dos grandes portos do norte – Londres, Antuerpia, Rotterdam e Hamburgo – haja roubado ao porto de Lisboa o monopolio, que durante algum tempo fez a nossa riqueza e a nossa propsteridade. Nós não temos culpa de que o nosso território na Europa seja tão reduzido, que nos não deixa á vontade expandir e quasi não consente que respiremos livremente. Nós não temos culpa de ter apenas na metropole seis milhões de habitantes, quando a Allemanha tem perto de setenta, a Russia cento e trinta ou cento e quarenta, e de que os anglossaxonios sejam já na actualidade uns duzentos milhões. [...] e teremos de nos resignar a ser, que o queiramos ou não, uma d’essas nações condemnadas a                                                                                                                         26

Ibid., p. 24.

27

Ibid., p.28.

28

Ibid,. p. 29

desapparecer, por ter o destino dos porvos com uma sentença sem appellação sellado inexoravelmente para sempre a nossa sorte? De forma alguma! [...] A solução da crise portugueza está, pois, naturalmente indicada. Integremo-nos moral e economicamente na grande nação americana, que é da nossa raça, que fala a nossa língua, que tem comnosco uma mesma hostória no passado, e á qual incumbe no futuro defender como nós os mesmos interesses de uma cultura commum. É esta a nossa salvação.»29

Encontra-se mais uma vez presente o determinismo assérrimo do autor que atravessa a questão do próprio ser humano para a relação entre os Estados e grandes impérios que se formavam ou cimentavam na cena internacional. Uma visão que não seria estranha à época, numa era onde o imperialismo reinava e onde se imaginava o mundo futuro como dividido entre estes grandes governos e onde os pequenos espaços, onde estava inserido o Estado português, desapareceriam por completo do mapa. Mas o nacionalismo grita também nas palavras de Consiglieiri Pedroso - se advogado do determinismo, colocava-se completamente contra a ideia fatal que nos deveríamos resignar àquilo que os outros povos para nós ditavam: na luta pela vida, Portugal tinha ainda a hipótese de apresentar uma nova estratégia para vencer. A ideia, portanto, seria a de uma Commonwealth ao estilo britânico que conseguisse unir Portugal, a Répública dos Estados Unidos do Brasil e os territórios que dispunhamos em África. No entanto, esta diferenciava-se da outra numa questão crucial: não havia a intenção de que um governo fosse dominante sobre os demais (a não ser no respeitante às colónias africanas), mas sim que a união resultante deste acordo pudesse reflectir acima de tudo uma união moral e cultural. A par do “english speaking world” tomaria o seu lugar na cena internacional “o mundo onde se falava português”. Consiglieri Pedroso tem ainda o cuidado de apresentar qual a mais valia deste Acordo Luso-Brasileiro para o país irmão. O Brasil enfrentava, na sua visão, um perigo de aniquilação histórica, cultural e linguistica representado pelas vagas de imigração que assolavam o país e só uma aproximação íntima a Portugal poderia servir-lhe de «correctivo para neutralisar os effeitos da attenuação do seu actual caracter ethnico».30 Refere-se aqui ao que designa de “perigo                                                                                                                         29

Ibid,. pp. 29-30.

30

Ibid,. p. 38.

italiano” e “perigo alemão” que invadiam o sul daquele Estado na altura e que poriam em causa a pureza da raça e história lusitana no território tendo como resultado uma transformação lenta mas segura daquela que era a génese brasileira. Na palavras do autor: «Não se trata de uma ameaça á soberania territorial, mas de um processo de infiltração de elementos estranhos ao seu caracter histórico, e até, como affirmo n’um dos considerandos da minha proposta, antipathicos á sua idiosyncrasia ethnica.»31 Não pensemos que Consiglieri era contra o processo de chegada de gente de outros países ao Brasil. Essa seria uma ideia de alguma forma redutora da inteligência e sentido de realidade deste visionário. Tinha em plena consciência a necessidade no Brasil da entrada de mão de obra estrangeira para que o país se conseguisse desenvolver à luz dos grandes impérios da época. Defendia somente uma ligação mais próxiama a Portugal para que não se esbatesse, com a entrada de novas culturas no país, aquele que era o seu tão próprio e rico legado cultural lusitano. A sessão de apresentação da proposta d’O Acordo Luso-Brasileiro foi calorosamente aplaudida e as ovações tiveram repercursões dos dois lados do Atlântico. O Rei, que à altura se encontrava em Madrid, demonstrou a sua satisfação ao saber que tal proposta havia sido feita e aprovada na Sociedade de Geografia e, depois da sua chegada a Portugal presidiu à sessão de enaltação da Comissão. Quanto ao Presidente da República do Brasil, fez conhecer a sua satisfação e prontidão a conhecer melhor a proposta por via de telegrama, assim como o Barão de Rio Branco a quem fora dedicada a proposta. Nos meses seguintes procedeu-se à realização de um ciclo de conferências a propósito do Acordo, sendo de salientar aquelas proferidas por Eugénio Egas – A Iniciativa de Consiglieri Pedroso vista de lá para cá – onde o autor salientou a notabilidade do movimento de opinião que se formou aquando do conhecimento da proposta e dos desejos de que este programa fosse posto em prática o mais prontamente possível; e a de Escragnole Doria intitulada Da Convenniencia de um Accordo Luso-Brasieliro. Houve ainda o convite para a Sociedade de Geografia de Lisboa participar no II Congreso de Geografia do Brasil que Consiglieri aceitou, preparando desde logo a nossa representação nesse evento, apesar de não ter podido comparecer nem receber os resultados desse intercâmbio de ideias, tendo falecido enquanto a “embaixada cultural portuguesa” se encontrava em São Paulo.                                                                                                                         31

Ibid,. pp. 38-39.

Depois do furor da implantação da República em Portugal, que Consiglieri já não viu32, O Acordo parece ter perdido fôlego. Apesar de ambas as nações partilharem à altura tanto a ideologia como o regime, tornaram verdadeiras as palavras deste homem optimista mas com uma grande dose de realismo quando previra que, um projecto de tal complexidade provavelmente não poderia ser concluído na sua totalidade porque naquilo que remete para a governação de Estados com caminhos e destinos divergentes, são os interesses que pesam mais do que os sonhos e os laços do passado na balança da governação. Na segunda década do século XX, a República Portuguesa via-se confrontada com a gestão de um Estado que continuava em crise agravada pela entrada na I Grande Guerra e o Brasil continuava a impor-se como grande mercado do Atlântico Sul, priviligiando as relações com as grandes potências comerciais da época. Porém, seria errado dizer que não houve deste projecto de Acordo Luso-Brasileiro frutos que acabaram por influênciar as relações entre os dois países irmãos. Se percorrermos os cem anos passados desde então, verificamos que muitas são as marcas desta obra, porque não dizê-lo, bastante utópica, esboçada em terras lusas. Inúmeras foram as trocas de experiências e conhecimentos de intelectuais deste e do outro lado do Atlântico nos congressos luso-brasileiros que, primeiro timidamente para depois ganharem fulgor, se foram disseminando, entrançando a cultura da Grande Lusitânia.33 É de referir também a contínua troca de informação e benefícios que foi sendo feita na área do jornalismo, fosse esta livre ou controlada pelos regimes autoritários. E ainda em áreas como a das artes, literatura ou música nunca se deixou de ouvir nomes portugueses no Brasil ou brasileiros desde o Minho até ao Algarve.

                                                                                                                        32

Zófimo Consiglieri Pedroso morreria a 3 de Setembro de 1910, cerca de um mês antes do dia da implantação da I

República Portuguesa. 33

Para saber mais acerca dos Congressos Luso-Brasilieiros vide COELHO, Thierry Dias e GUARDIÃO, Ana, «“Da

Minha Língua vê-se o Mar”. Congressos Luso-Brasileiros» in Culturas Cruzadas em Português – Redes de Poder e Relações Culturais (Portugal-Brasil, séc. XIX e XX) vol I.

No que diz respeito aos projectos dependentes da vontade governativa, foi já durante o período do Estado Novo (homólogo nos dois países) que se estabeleceram o Tratado de Comércio e Navegação em 1933, bem como os sucessivos Acordos Ortigráficos de 1931, 1943 e 1945, caminho que abriu as portas a relações mais profíquas a partir da re-implantação da democracia nos dois países, principalmente após a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Poder-se-á dizer que o objectivo último de Consiglieri Pedroso com a proposta d’O Acordo Luso-Brasileiro foi conseguido? Portugal viria os objectivos da sua imposição na cena internacional ficarem adiados até à queda da visão imperialista. O pequeno Estado-Nação estaria condenado a sê-lo, sem, no entanto, desaparecer por completo da esfera de influências tanto europeia como atlantista. E, apesar da triangulação político-económica que Consiglieri esboçara entre Portugal – Brasil – África não ter sido concretizada ou sortido efeitos imediatos, foi-se, ao longo do Estado Novo caminhando para uma união de interesses das dos países e colónias do mundo português, que acabariam por formar a Comunidade de Países de Lingua Portuguesa. Entre Portugal e o Brasil, no caminho de altos e baixos que foi o da relação entre estas duas nações, ora viradas para si mesmas e para as regiões que integram, ora viradas uma para a outra, aproveitando o que de melhor têm para partilhar: as influências culturais, linguísticas e históricas, conseguiram sempre traçar um caminho de união e afinidade cultural, tanto formal como informalmente. No entanto, creio que, no fundo, caberá a cada português, brasileiro, angolano, caboverdeano, moçambicano, macaense ou timorense dizer o que sente quando ouve falar português em qualquer canto do mundo, o que sente quando lê Camões, Jorge Amado ou Mia Couto, entre outros tantos... O Acordo Luso-Brasileiro foi talvez a grande tentativa de criação e preservação desta comunidade que se estendeu. Numa época em que os olhos do mundo estavam virados para África, este projecto foi o útlimo vestígio de um ideário maior. Não podendo retirar o autor do seu tempo, da sua perspectiva determinista e colonialista, Consiglieri foi sempre um homem que tentou ver mais além, para o bem da sua cultura, para o bem do seu país. Se a perspectiva da raça, muito vincada no final do século XIX, já não se coloca, não pode, no íntimo daqueles que ajudaram e ajudam a criar a cultura e a língua

“lusitana”, deixar de indagar se, pelo acaso do destino, se foi formando o que o poeta mais tarde viria a proclamar: O Quinto Império.34 «E agora [...] quando amanhã voltaredes á vossa querida patria, a essa grande Lusitania de além Atlantico, dizei-lhe, - e d’isso aqui fostes testemunhas, - que em Portugal ha a clara consciencia da unidade de destinos da nossa raça, pois que, se ym oceano de agua parece separar-nos, um mar de recordações e de esperanças nos une indissoluvelmente na mesma suprema aspiração de intima solidariedade!»35

                                                                                                                        34

Refiro me aqui à ultima parte da obra de Fernando Pessoa, A Mensagem.

35

Final da comunicação da sessão de apresentação da proposta d’O Acordo Luso-Brasileiro, in PEDROSO, Zófimo

Consiglieri, O Acordo Luso-Brasileiro (A nossa melhor obra), Lisboa, Antiga Casa Bertrand, José Bastos & Cª Editores, 1909, p. 43.

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