IMPLANTAÇÃO DO PROJETO VIA COSTEIRA. UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS NATURAIS E LEGAIS ENTRE OS ANOS DE 1977 E 1993.

May 31, 2017 | Autor: Marceu Melo | Categoria: Sustainable Tourism, Tourism, Integrated Coastal Zone Management, Costal Geomorphology
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

MARCEU DE MELO

IMPLANTAÇÃO DO PROJETO VIA COSTEIRA. UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS NATURAIS E LEGAIS ENTRE OS ANOS DE 1977 E 1993.

Natal/RN 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

MARCEU DE MELO

IMPLANTAÇÃO DO PROJETO VIA COSTEIRA. UMA ANÁLISE DOS ASPECTOS NATURAIS E LEGAIS ENTRE OS ANOS DE 1977 E 1993.

Trabalho de conclusão de curso, apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Geografia pela UFRN. Orientador: Prof. Dr. Luiz Antonio Cestaro.

Natal/RN 2014

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter criado um Universo tão extraordinário, por nos dar a capacidade não apenas de admirar, mas também de buscar entender tão maravilhosa criação e por nos dar a certeza de estar ao nosso lado. A todos os meus pais (mãe, pai, padrasto, avós), à família como um todo, especialmente Pollyanna (esposa) e Ian (filho) pela compreensão, apoio e incentivo. Aos amigos, não apenas aos que colaboraram na realização deste trabalho, mas a todos que fazem valer o significado da palavra amizade. Ao amigo Frederico Fonseca Galvão de Oliveira, pelos materiais compartilhados e pela orientação honorária. Ao professor Luiz Antônio Cestaro, pela orientação acadêmica e pelas conversas sobre a vida, ambas eficazes. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte e aos professores do Departamento de Geografia que colaboraram e ainda contribuem com minha caminhada acadêmica.

...aclamemos a Rocha de nossa salvação... Pois o Eterno é Deus e Rei... A Ele pertence a Terra, dos abismos mais profundos ao cume das montanhas mais elevadas. Seus são os mares e os continentes, pois tudo é obra de Suas mãos. Vinde, pois, adoremos e prostremo-nos em reverência ante o Eterno, nosso Criador, pois Ele é nosso Deus e nós somos Seu povo. Ele é nosso Pastor e nós somos o rebanho que Ele guia neste mundo, desde que Sua voz obedeçamos. Que nossos corações e mentes saibam compreender Sua exortação. Salmo 95:1, 3-8 (versão Bíblia Hebraica)

RESUMO

A atividade turística no Rio Grande do Norte adquire maior relevância no final da década de 1970 e início da década de 1980, no contexto da política dos megaprojetos turísticos, através da implantação do projeto Parque das Dunas/Via Costeira, que objetivava dotar a capital do estado, Natal, de infraestrutura hoteleira. Dentre as características básicas do projeto estavam a construção de uma pista de rolamento (ligando as praias de Ponta Negra e Areia Preta), a urbanização de duas favelas (Mãe Luiza e Guanabara), a implantação de hotéis e de equipamentos que favoreceriam o uso da área pelos turistas e pela população local (ciclovia, mirantes, quadras de esportes, quiosques, acessos à praia, etc.). O projeto gerou muita polêmica, foi objeto de muitas críticas, devido às características naturais da área proposta para sua instalação, majoritariamente coberta por dunas não vegetadas e algumas cobertas por Mata Atlântica. Apesar das críticas, o projeto foi aprovado e rapidamente foram tomadas as medidas para sua implantação. Quatro reformulações foram realizadas ao longo dos mandatos de cinco governadores, entre 1975 e 1993, que o ajustaram segundo os seus interesses e de seus correligionários. Das características básicas do projeto apenas a pista de rolamento e os hotéis foram implantados. A população ainda aguarda a implantação dos demais elementos. O objetivo geral deste trabalho foi verificar se a implantação do projeto Via Costeira considerou os aspectos naturais e legais, ou seja, se foi realizada sobre as áreas com restrição à ocupação do ponto de vista legal. A partir da identificação e espacialização das feições geomorfológicas existentes na área de estudo em 1978, antes das grandes intervenções, foram delimitadas as áreas de preservação permanente definidas pela legislação em vigor ao longo da implantação do projeto (1977-1993). Os resultados demonstraram que a rodovia e os empreendimentos hoteleiros foram construídos sobre áreas consideradas de preservação permanente pela legislação vigente na época. A justificativa de utilidade pública do projeto é parcialmente questionável. Algumas das áreas foram descaracterizadas e para estas é proposto a realização de projeto de recuperação de áreas degradadas e, considerando as características da área e os aspectos legais, a medida mais adequada é declarar as áreas não ocupadas como áreas non aedificandi. Palavras-chaves: áreas de preservação permanente, feições geomorfológicas, litoral.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo Figura 2 – Ilustração da urbanização no bairro de Mãe Luiza Figura 3 – Ilustração do projeto de engenharia da via Figura 4 – Projeto de engenharia da via (acostamento, via, acostamento, ciclovia e calçada Figura 5 – Ilustração do projeto de engenharia (mirantes, terminal turístico, estacionamentos, etc.) Figura 6 – Projeto de engenharia da via, contemplando estacionamentos, quiosques, anfiteatro, sanitários, quadra poliesportiva, etc Figura 7 – Implantação da Via Costeira, novembro de 1979 Figura 8 – Implantação da Via Costeira, novembro de 1979 Figura 9 – Via Costeira no início dos anos 1980, logo após a inauguração Figura 10 – Via Costeira e Parque das Dunas nos dias atuais Figura 11 – Exemplo de acesso indicado horizontalmente, esbarrando em cerca verde e placa de hotel Figura 12 – Acesso improvisado gerando carreamento de sedimentos para o pós-praia Figura 13 – Erosão provocada pelo rompimento de galeria pluvial Figura 14 – Fluxograma do processo cartográfico Figura 15 – Fotografias aéreas de 1978 (SEPLAN/IDEC) – área de estudo Figura 16 – Mapa de elevação da área de estudo em 1978 Figura 17 – Mapa de declividade da área de estudo em 1978 Figura 18 – Afloramento do tabuleiro costeiro Figura 19 – Afloramento do tabuleiro costeiro Figura 20 – Feições geomorfológicas da área de estudo em 1978 Figura 21 – Duna exposta desenvolvida à retaguarda de praia Figura 22 – Duna com topo vegetado e base exposta Figura 23 – Duna vegetada com diferentes estratos (herbáceo, arbustivo e arbóreo) Figura 24 – Duna com vegetação herbácea esparsa Figura 25 – Falésias inativas à dinâmica oceânica Figura 26 – Falésia com dunas sobrepostas Figura 27 – Terraço de abrasão Figura 28 – Variedade na granulometria dos sedimentos em trecho restrito, durante evento com fortes chuvas e ventos Figura 29 – Detalhe da foto anterior, possível visualizar fragmentos de conchas e corais (biodetritos). Tampa de garrafa PET (objeto verde no centro da foto) usado como escala Figura 30 – Praia com bech rocks, limitada em dunas Figura 31 – Pequena praia com arenitos ferruginosos, limitada em falésia Figura 32 – Material originário dos arenitos ferruginosos ainda consolidados compondo a falésia (à direita) e os arenitos ferruginosos sob ação das ondas e marés (da base da falésia até o Oceano, parcialmente cobertos pela areia). Figura 33 – Beach rocks Figura 34 – Arenitos ferruginosos

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Figura 35 – Beach rock (superfície plana no centro da foto) cercado por arenitos ferruginosos (rochas de cor escura Figura 36 – Detalhe da foto anterior, beach rock formado agregando arenitos ferruginosos Figura 37 – APPs segundo a legislação vigente apartir de 1965 Figura 38 – APPs segundo a legislação vigente apartir de 1984 Figura 39 – APPs segundo a legislação vigente apartir de 1992 Figura 40 – Hotéis da Via Costeira inaugurados até 1990 e feições geomorfológicas

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Condição dos elementos naturais da Via Costeira segundo a legislação, onde APP = Área de Preservação Permanente Quadro 2 – Listagem dos empreendimentos da Via Costeira agrupados conforme o momento da inauguração Quadro 3 – Síntese das informações apresentadas pelos mapas

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 2. REVISÃO DA LITERATURA E CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 2.1. VIA COSTEIRA – UM POUCO DE HISTÓRIA 2.1.1. Parque das Dunas 2.1.2. Zona Especial Turística 2 2.1.3. Privatização da Praia 2.2. ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE 2.2.1. Legislação Federal 2.2.2. Legislação Estadual 2.2.3. Legislação Municipal 2.3. FEIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS 2.3.1. Praias 2.3.2. Falésias 2.3.3. Afloramento do tabuleiro costeiro 2.3.4. Dunas 2.3.5. Recifes 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. PROCEDIMENTOS CARTOGRÁFICOS 3.2. DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO 3.3. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DAS FEIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS 3.4. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DAS APPs 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1. MAPEAMENTO DAS FEIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS 4.2. APPs NA VIA COSTEIRA 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

9 13 14 23 25 26 29 29 31 32 38 38 39 40 41 41 43 43 45 49 49 50 50 57 63 68

1. INTRODUÇÃO O interesse em realizar um trabalho acerca do litoral surge com a peculiaridade que existe nesse ambiente, um local de interação entre atmosfera, hidrosfera, litosfera, biosfera, e por ser uma região concentradora de grande parcela da população mundial. Metade das cidades mundiais com mais de um milhão de habitantes está localizada à beira-mar (DREW, 2011, p. 128). No caso brasileiro, o litoral está vinculado ao “descobrimento”, ponto de partida da história do nosso país no cenário mundial, com cerca de 8.500 km de extensão, compreendendo 4,1% da área territorial do país, abrangendo aproximadamente 300 municípios, abrigando 24,6% da população total do Brasil, valor um pouco inferior a 48 milhões de habitantes (IBGE, 2011, p. 89 e 124). Significativa parcela da população dos municípios costeiros do Brasil está ocupada em atividades, direta ou indiretamente, ligadas ao turismo, à produção de petróleo e gás natural, à pesca e a serviços associados à dinâmica econômica dessas atividades (IBGE, 2011, p. 117). A importância do turismo pode ser explicada pelo fato de durante a década de 1980, o Brasil, nas esferas federal, estadual e municipal, ter investido fortemente no desenvolvimento de uma série de políticas públicas com o objetivo de alavancar essa atividade, especialmente na orla marítima de várias capitais brasileiras (SOUZA, 2008, p. 657). Natal foi contemplada com essas políticas através da implantação do megaprojeto turístico Parque das Dunas/Via Costeira, também denominado apenas projeto Via Costeira. A implantação do projeto Via Costeira recebeu uma série de críticas e foi alvo de muitas polêmicas, desde as relacionadas à própria concepção do projeto (construir uma cópia da orla de Copacabana/RJ) até a degradação ambiental de uma área com significativa importância na paisagem, na qualidade hídrica do município e na preservação da vegetação das dunas. Apesar das críticas e da polêmica o projeto Via Costeira foi implantado a partir do final dos anos 1970 e ainda hoje levanta uma série de questões e divergências relacionadas aos tipos de uso e ocupação permitidos e adequados para a área.

Um dos impasses relacionados aos tipos de uso e ocupação da Via Costeira se refere às áreas de preservação permanente. O Código Florestal brasileiro (Lei nº 4.771 de 1965 e alterações posteriores) instituiu as Áreas de Preservação Permanente como espaços territoriais legalmente protegidos, ambientalmente frágeis e vulneráveis, podendo ser públicos ou privados, urbanos ou rurais, cobertos ou não por vegetação nativa. A substituição do Código Florestal de 1965 por outro em 2012 (Leis no 12.651 e 12.727) manteve a APP como instrumento de preservação de áreas ambientalmente importantes. A manutenção das APP em meio urbano possibilita a valorização da paisagem e do patrimônio natural e construído (de valor ecológico, histórico, cultural, paisagístico e turístico) e proporciona uma maior qualidade de vida às populações urbanas (MMA1). A grande beleza do litoral foi fator atrativo para os investimentos destinados ao desenvolvimento do turismo, no entanto, um alerta se faz necessário, essa grande beleza está ameaçada, pois é comum que a ocupação do litoral em praticamente todo o Brasil aconteça em desrespeito à legislação existente (FREITAS, 2004, p. 192). Muitas vezes, os aspectos que atraem os turistas são sufocados e até mesmo destruídos pela ocupação urbana. As construções próximas à praia podem afetar seu uso e gradativamente substituir a beleza natural de diversas cidades, desfigurando a paisagem e tornando-as cada vez mais parecidas com o local de origem dos turistas, provocando diminuição do interesse na visitação (FREITAS, 2004, p. 110 e 111). Considerando o cenário de elevação do nível médio do mar, associado ao crescimento acelerado da população nesse espaço, Souza et al. (2005, p. 130) utilizam os termos “manejo crítico” e “áreas de risco” para se referir ao litoral. Por isso, os autores defendem que a compreensão dos processos costeiros (ondas, marés, retirada e deposição de sedimentos, etc.) e da morfodinâmica do litoral (configuração da forma do litoral a partir da interação desses processos) é fundamental para o planejamento do uso e ocupação e a conservação desse ambiente tão importante. É nesse contexto que procuramos nos inserir para realizar a análise da temática proposta neste trabalho. O âmbito geral do problema está associado com a ___________________________ 1 Ministério do Meio Ambiente, disponível em: http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areasverdes-urbanas/%C3%A1reas-de-prote%C3%A7%C3%A3o-permanente. Acessado em 27/04/2014.

relação complexa entre o homem e o meio natural, não querendo dissociar o homem do meio, pois entendemos que o homem também é parte integrante do meio natural, mas o homem ao realizar as transformações que julga necessárias para alcançar seus objetivos (sobrevivência, conforto, lucro, etc.), interfere na dinâmica natural e causa uma série de modificações que nem sempre são favoráveis a sua permanência no ambiente modificado. Como diz Rodriguez (2007, p. 154 e 155): O ponto de partida para entender a interação entre a Natureza e a Sociedade é aceitar que os seres humanos na Natureza ocupam uma situação dúbia e contraditória. Sendo parte da natureza, ao ser uma de suas espécies biológicas, ao mesmo tempo, devido à organização social e à capacidade de trabalho, os seres humanos podem modificar e transformar a natureza... O homem não modifica as leis da Natureza, mas muda de forma significativa as condições de sua manifestação. A interação Natureza/Sociedade tem um caráter complexo, contraditório, múltiplo e histórico.

Como recorte espacial este trabalho contemplou um trecho do ambiente costeiro da cidade de Natal/RN conhecido como Via Costeira, com os seguintes limites: oeste – Avenida Senador Dinarte Mariz, integrante da rodovia RN-301; leste – Oceano Atlântico; norte – praia de Areia Preta; sul – praia de Ponta Negra, ver Figura 1. O recorte temporal utilizado no presente trabalho se situa entre os anos de 1977 e 1993, a escolha desse recorte é justificada por ela se estender do início do processo de implantação do projeto até a sua última reformulação. O objetivo geral deste trabalho foi verificar se a implantação do projeto Via Costeira considerou os aspectos naturais e legais, ou seja, se foi realizado sobre as áreas de preservação permanente. Para alcançar o objetivo geral utilizamos os seguintes objetivos específicos: 1 – identificar e espacializar as feições geomorfológicas existentes na área de estudo em 1978; 2 – realizar um resgate histórico do Projeto Parque das Dunas/Via Costeira; 3 – realizar um levantamento sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs), considerando as mudanças na legislação ambiental; 4 – contextualizar a definição das APPs e a ocupação destas áreas na Via Costeira entre os anos de 1977 e 1993.

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo.

1. REVISÃO DA LITERATURA E CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS Didática é a analogia que Ross (2001, p. 10) utiliza para explicar o relevo terrestre. Para ele, “o relevo terrestre assemelha-se a uma escultura em rocha, a qual depois de esculpida deixa de ser rocha para ser uma peça ou obra de arte, fruto do processo de elaboração humana”, o autor continua afirmando que “o relevo terrestre é parte importante do palco, onde o homem, como ser social, pratica o teatro da vida”. O homem, além de participar na elaboração do relevo também tem interesse no entendimento de sua dinâmica, assim, por interessar diretamente ao homem, o relevo passa a ser parte integrante da Geografia (ROSS, 2001, p. 18). O interesse do homem pelo relevo e a importância do relevo para o homem, podem ser explicados pelo fato de que o relevo constitui o piso sobre o qual as populações humanas se fixam e onde são desenvolvidas suas atividades, pelo que lhe são atribuídos valores econômicos e sociais. As características e os processos que atuam sobre o relevo oferecem para as populações tipos e níveis de benefícios ou riscos bastante variados, que decorrem de suas tendências evolutivas e das interferências que podem sofrer dos demais componentes ambientais, ou da ação do homem. O homem cada vez mais diversifica e intensifica sua atuação, interferindo e até controlando os processos de criação e destruição das formas de relevo (GUERRA E CUNHA, 2011, p. 25 e 26). A temática abordada neste trabalho está diretamente relacionada a esta compreensão do relevo, pois, os aspectos naturais têm nele o suporte e a moldura que totalizam essa peça ou obra de arte (a paisagem) bastante “vendida” como atrativo da principal atividade econômica da área de estudo, o turismo. Tais argumentos justificam a necessidade de conhecermos a dinâmica natural antes de nos inserirmos em um ambiente, com o objetivo de evitar prejuízos sociais e econômicos, bem como danos aos recursos e à dinâmica naturais. Apresentamos uma discussão sobre as Áreas de Preservação Permanente – APPs, expondo a legislação que dispõe sobre a definição destas áreas no âmbito federal, municipal e estadual, até nos restringirmos às APPs com ocorrência na área de estudo.

Por fim,

apresentamos

as

definições

das

feições

geomorfológicas

encontradas na área de estudo utilizadas na identificação, descrição e espacialização destas feições.

2.1.

VIA COSTEIRA – UM POUCO DE HISTÓRIA Segundo Fonseca (2005, p. 229), até os anos 1980 praticamente não havia

turismo no Rio Grande do Norte. Furtado (2005, p. 122 e 123) complementa que apenas a partir da chamada política de megaprojetos turísticos (políticas de cunho federal, estadual e municipal) surgiu a ideia de dotar Natal de uma infraestrutura hoteleira, até então insuficiente para atender uma possível demanda turística. As autoras informam que Natal foi contemplada com o megaprojeto turístico Parque das Dunas/Via Costeira, também denominado apenas projeto Via Costeira, e concordam que este projeto se constituiu no marco mais importante na expansão da atividade na capital. Furtado (2005, p. 123), aponta que, considerando o processo de idealização, execução, inauguração e reformulação, o projeto Via Costeira atravessou os mandatos de cinco governadores, entre os anos 1975-1993. A seguir apresentamos um resumo da história da implantação do Projeto Via Costeira em Natal/RN. O governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) liberou grande soma de recursos através do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) para a implantação de projetos turísticos na orla marítima de várias capitais brasileiras. Nesse período o Rio Grande do Norte era administrado pelo governador Tarcísio Maia. Os tecnocratas do governo logo conceberam um projeto para a urbanização da orla da capital, Natal. A urbanização da orla era um sonho alimentado há décadas pela população da cidade. No entanto, o projeto fui duramente criticado pela população, por se assemelhar ao realizado em Copacabana, no Rio de Janeiro, inclusive prevendo a construção de residências na orla marítima (SOUZA, 2008, p. 657). Souza (op. cit.) informa ainda que no governo de Tarcísio Maia, seguindo sugestão do governo do Paraná, em novembro de 1976 foi contratado o escritório do arquiteto Luiz Forte Neto, de Curitiba, para elaboração de três projetos para o Rio Grande do Norte: o Plano Diretor da Grande Natal, o Plano Diretor da cidade de Macau

e o Projeto Parque das Dunas/Via Costeira. As diretrizes para este último projeto envolviam: - preservação das dunas; - melhoria das condições de vida para os moradores dos núcleos já instalados, Mãe Luiza e Guanabara; - maior aproveitamento de uma praia com 11 quilômetros de extensão e cerca de 30 milhões de metros quadrados, de propriedade de duas dezenas de posseiros. Menos de um ano depois, em julho de 1977, o arquiteto Luiz Forte Neto entregou os projetos contratados. Segundo Souza (2008, p. 658), o projeto Via Costeira apresentava entre suas características básicas: - a construção de cinco hotéis de cinco estrelas, com 15 andares cada um; - dois prédios públicos nas extremidades da Via (residência oficial do governador, próximo ao bairro de Mãe Luiza, e centro de convenções, próximo à praia de Ponta Negra); - a construção de residências particulares de alto padrão; - a urbanização das favelas de Mãe Luiza e Guanabara (Figura 2); - pista de rolamento com 7 metros de largura, acostamento com 2,5 metros de largura, calçada para pedestres com 4 metros de largura, ciclovia com 2,5 metros de largura e remansos para apreciação da paisagem (Figuras 3 e 4); - áreas de lazer, educação e comércio e todos os equipamentos urbanos (Figuras 5 e 6); - medidas para proteção das dunas.

Figura 2 – Ilustração da proposta de urbanização para o bairro de Mãe Luiza.

Fonte: Forte Netto 1978. Figura 3 – Ilustração do projeto de engenharia da via.

Fonte: Forte Netto 1978.

Figura 4 – Projeto de engenharia da via (acostamento, via, acostamento, ciclovia e calçada.

Fonte: Forte Netto 1978. Figura 5 – Ilustração do projeto de engenharia (mirantes, terminal turístico, estacionamentos, etc.).

Fonte: Forte Netto 1978. Figura 6 – Detalhe de projeto de engenharia da via, contemplando estacionamentos, quiosques, anfiteatro, sanitários, quadra poliesportiva, etc.

Fonte: Forte Netto 1978.

).

Para Souza (2008, p. 657), o governo do Estado teria estimulado amplo debate em torno do Projeto, através de seminários, simpósios e mesas-redondas (informação contrariada por outros autores, ver abaixo). No dia 22 novembro de 1977, o governador Tarcísio Maia assinou o Decreto nº 7.237, declarando a utilidade pública dos bens situados na área das dunas, adjacentes ao Oceano Atlântico, visando sua desapropriação. Dias depois, na presença do Ministro da Indústria e Comércio, Ângelo Calmon de Sá, foi assinado pelo governador o convênio com a EMBRATUR (Instituto Brasileiro de Turismo) para a construção do Centro de Convenções, parte integrante do Projeto Via Costeira (SOUZA, 2008, p. 657 e 658). Para Correia (2003, p. 18), não houve debate em torno do assunto. A autora aponta a total ausência de discussões referentes ao projeto, cujo caráter ambientalmente impactante provocou muita polêmica, “gerando um dos movimentos sociais urbanos mais expressivos de Natal”. A autora ainda informa que, diante da omissão do Estado no sentido de definir e urbanizar as áreas públicas na Via Costeira, vários movimentos populares surgiram e reivindicações foram dirigidas pela comunidade ao Poder Público. Lima (1998, p. 147) informa que além de ser um assunto bastante polêmico entre políticos, ambientalistas, arquitetos e outros profissionais, o projeto Via CosteiraParque das Dunas se constituía numa espécie de encrave estadual dentro do território do município de Natal, sendo, por isso, motivo de disputa entre o governo do estado e a prefeitura. Souza (2008, p. 659) diz que a sociedade natalense se dividiu em prós e contras o projeto. O grupo dos contrários manifestou críticas ao projeto, dentre elas a de que a Via Costeira seria um projeto faraônico destinado a “copacabanizar” Natal, devastando as dunas e promovendo discriminação social. Os mais radicais do grupo dos contra chegou a pichar vários pontos da cidade com as seguintes frases: “abaixo a via da elite”, “o povo merece respeito, abaixo a Via Costeira”, “Via Costeira é crime, chega de abusos”. Como resposta às críticas, o governo de Tarcísio Maia promulgou o Decreto nº 7.538, em 1º de janeiro de 1979, regulamentando o Parque das Dunas, objetivando sua preservação. Foi aberta concorrência pelo Governo do Estado para a construção da Via Costeira e a empresa EIT foi a vencedora. Em março de 1979 foi contratada a

empresa Burle Marx & Cia, do Rio de Janeiro, para fazer o projeto paisagístico. A contratação da Burle Marx & Cia também serviu para “calar a boca” dos pseudoecologistas, por se tratar do maior especialista em paisagismo no Brasil à época. Após algumas entrevistas de Burle Marx, as críticas à Via Costeira foram diminuindo até se calarem por completo (SOUZA 2008, p. 661). As Figuras 7 e 8 mostram o início da construção da Via Costeira. Figura 7 – Implantação da Via Costeira, novembro de 1979.

Fonte: facebook.com/NatalComoTeAmo. Figura 8 – Implantação da Via Costeira, novembro de 1979.

Fonte: facebook.com/NatalComoTeAmo.

Tarcísio Maia foi sucedido por Lavoisier Maia Sobrinho no Governo do Estado. Lavoisier Maia autorizou o início das obras e a construção de uma cerca de varas contíguas com 15 km de extensão para conter o avanço da areia para o leito da pista de rolamento. O Governador promulgou a Lei nº 4.972/1980, que delimitou as áreas de cada Unidade Turística e previa que os imóveis transferidos às empresas ou às

entidades privadas para a construção dos hotéis estavam sujeitos à reversão ao patrimônio da EMPROTURN (Empresa de Promoções Turísticas do RN) caso não executassem em dois anos os respectivos projetos arquitetônicos. Em 15 de março de 1983, último dia do seu mandato, Lavoisier Maia inaugurou a Via Costeira (SOUZA 2008, p. 661, 662 e 663). Na Figura 9, tirada logo após a inauguração da Via Costeira, é possível visualizar o Centro de Convenções (3 galpões paralelos, próximos ao canto superior esquerdo) e poucos hotéis. Figura 9 – Via Costeira no início dos anos 1980, logo após a inauguração.

Fonte: facebook.com/NatalComoTeAmo.

Lavoisier Maia foi sucedido por José Agripino Maia que concluiu e inaugurou o Centro de Convenções e a Residência Oficial do Governador. José Agripino transformou o prédio destinado a ser a Residência Oficial do Governador em HotelEscola, com o nome de Barreira Roxa Praia Hotel, inaugurado em 03 de novembro de 1985. Dentre outras informações trazidas por Correia (2003, p. 18) está a inauguração da Via Costeira sem a regulamentação da área, a comercialização dos terrenos com o setor privado e sem uma lei de uso e ocupação do solo, além de irregularidades na venda destes terrenos. Sobre o preço dos terrenos da Via Costeira, Fonseca (2005, p. 231) informa que o valor do metro quadrado “nessa área foi negociado entre US$ 0,68 e US$ 5,60 (excetuando-se o lote do Hotel Jatiúca – US$ 21,49), enquanto que, no início dos anos noventa, na área vizinha, em Ponta Negra, o metro quadrado era negociado a US$

55,00 e na periferia de Natal a US$ 8,00”. Os compradores dos terrenos pagaram um preço inferior ao da periferia por umas das áreas mais nobres da cidade. O projeto Via Costeira foi reformulado algumas vezes. Para Souza (2008, p. 664), o jogo de interesses era muito forte e os grupos econômicos influenciaram o Governo na disputa para conquistar uma fatia daquele espaço. A seguir apresentamos uma síntese das reformulações no Projeto Via Costeira, conforme Souza (2208, p. 664 a 666). Na primeira reformulação, no lugar de 5 hotéis 5 estrelas com 15 andares seriam 12 hotéis entre 2 e 5 estrelas, e no máximo, 3 andares. Esta reformulação, terrenos a baixo preço e financiamentos com correção monetária reduzida estimularam o investimento da iniciativa privada. A segunda reformulação foi feita pelo governador Radir Pereira, pressionado pela burguesia promulgou a Lei nº 5.537/1986, modificando o projeto mais uma vez, o número de hotéis passou de 12 para 20, foram reservadas áreas para a construção de um parque aquático e de um shopping center, inclusive sobre as áreas destinadas à preservação ambiental. Os registros destes terrenos foram feitos de maneira irregular, deixando margem para mais uma reformulação, a terceira reformulação. A família Maia perdeu a exclusividade no Governo do Estado não conseguindo eleger seu candidato, o deputado João Faustino. Geraldo Melo assume o Governo e com atitudes revanchistas buscou beneficiar seus partidários, acontece a terceira reformulação. Luiz Forte Neto, arquiteto responsável pelo projeto inicial, disse que todo o projeto foi desvirtuado, as áreas reservadas à preservação foram negociadas, considerou as modificações prejudiciais e desmoralizantes para a cidade e para o próprio governo. Foram publicados a Lei nº 5.826/1988 e o Decreto nº 10.302/1989, reduzindo o número de hotéis para 12 como no início, no entanto, sem considerar nesse total o Barreira Roxa e o Hotel Porto do Mar. Algumas áreas que haviam sido revertidas ao patrimônio da EMPROTURN foram concedidas a grupos econômicos ligados ao governo de Geraldo Melo. Os Maias voltam ao poder, José Agripino assume seu segundo mandato. Uma nova reformulação foi feita, a quarta reformulação, desta vez, para acomodar os amigos do governador. Luiz Forte Neto mais uma vez é convidado para discutir o

projeto. A ideia de preservação é substituída pela de conservação ambiental e são criadas mais três áreas destinadas à construção de hotéis. A Lei nº 6.379/1993 tratou de oficializar esta mudança. Para Fonseca (2005, p. 231), o Projeto Via Costeira, apesar das reformulações verificadas e do desvirtuamento da proposta inicial, atingiu plenamente o objetivo desejado, ou seja, a expansão do turismo. À mesma conclusão de Fonseca chega Lima (1998, p. 168), acrescentando a informação de que a expansão do turismo, além de dinamizar a construção civil, promoveu a transferência de capitais deste ramo, do imobiliário e das redes de supermercado para o turismo. Lima (1998, p. 203) cita uma descrição do arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, um dos responsáveis pela elaboração do Plano Urbanístico e de Desenvolvimento de 1968 (Plano Wilheim-Serete), que via Natal como “um sítio de rara beleza” e mesmo antes da idealização do projeto Via Costeira atentava para o fato de este sítio de rara beleza estar sendo transformado através de um processo de urbanização inconsequente. Uma ressalva importante sobre a modificação e degradação dos aspectos naturais da Via Costeira é feita por Fonseca (2005, p. 232): “os elementos do espaço que o tornam fator de produção para o turismo são negligenciados para a promoção e o crescimento da atividade, o que aparentemente é um contra senso”. Atualmente, a Via Costeira protagoniza uma das disputas territoriais mais acirradas do Rio Grande do Norte, que diz respeito a legalidade ou não da construção de novos hotéis na área. Dezenas foram as matérias publicadas pela imprensa (exemplos das matérias: LIRA, I. Costeira: uma via indisciplinada. Tribuna do Norte, Natal/RN, 11 jan. 2011; AGUIAR, L. Governo do Estado quer liberar Via Costeira para novos hotéis. Novo Jornal, Natal/RN, 17 mai. 2012; AGUIAR, L. IBAMA, o empata obra. Novo Jornal, Natal/RN, 27 mai. 2012; GIBSON, F. Via Costeira é exemplo da linha tênue entre meio ambiente e mercado. O Poti. Natal/RN, 29 jul. 2012), divergentes são as opiniões e a discussão parece longe de um final.

2.1.1. PARQUE DAS DUNAS

O Parque das Dunas existe como área protegida desde 1977, quando foi publicado o Decreto Estadual nº 7.237, no contexto do megaprojeto turístico Parque das Dunas/Via Costeira. Nos termos do Decreto nº 7.237/1977, os estudos geológicos e geomorfológicos “demonstraram a necessidade de imediata preservação da área constituída de dunas, adjacentes ao Oceano Atlântico, no Município de Natal, entre a Praia do Pinto, Praia de Ponta Negra”, justificada pelo fato de que a “ocupação e o uso do respectivo solo, de modo não controlado, porão em risco o equilíbrio ecológico da região, ocasionando a migração das dunas e o comprometimento dos lençóis de água subterrânea”. Para alcançar essa finalidade de maneira eficaz seria necessária a “incorporação de toda essa área ao patrimônio público, seguida da implantação de uma infra-estrutura viária e urbanística condizente com as suas características e capaz de assegurar a conservação do conjunto paisagístico, que representa”. Seguindo essas observações, o Parque das Dunas foi criado com a finalidade de: [...] preservar-lhe a topografia e a razão de seu valor paisagístico e da função que desempenha as dunas na respectiva vegetação, formação dos lençóis de água subterrânea, bem como de disciplinar a ocupação do solo através da implantação de uma adequada infra-estrutura viária e urbanística de acordo com os estudos técnicos promovidos pelo Poder Executivo (art. 2º, Decreto nº 7.237/1977).

O Plano Diretor de 1984, em seu artigo 21, reconhecendo a importância daquela área, manteve sua proteção integral, considerando o Parque como integrante da Zona de Proteção Rigorosa, subzona de preservação inserida em Zona de Proteção Ambiental. O Plano Diretor de 1997 considerou o Parque Estadual das Dunas de Natal e área contígua, Avenida Roberto Freire e rua Doutor Sólon de Miranda Galvão, como Zona de Proteção Ambiental - ZPA 2. Atualmente o Parque das Dunas integra a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – Fase IV – Região Nordeste, pela UNESCO e continua como ZPA pelo Plano Diretor de 2007 (DUARTE, 2010, p. 162 e 165).

A Unidade de Conservação Parque das Dunas é regida pelas seguintes normas estaduais (DUARTE, 2010, p. 165): a) Decreto nº 7.538, de 19 de janeiro de 1979 (aprovou o regulamento do Parque das Dunas); b) Decreto nº 7.538, de 7 de junho de 1989 (aprovou o Plano de Manejo do Parque Estadual Dunas do Natal), alterado pelo Decreto nº 11.611, de 12 de março de 1993, que deu nova redação aos artigos 1º e 2º; c) Lei nº 6.789 de 14 de julho de 1995 (que alterou sua denominação para “Parque Estadual Dunas de Natal Jornalista Luiz Maria Alves”) e d) Decreto nº 13.500, de 15 de setembro de 1997 (que aprovou os regulamentos dos Parques Estaduais).

De acordo com o site oficial da Unidade de Conservação2, os objetivos do Parque Estadual Dunas de Natal Jornalista Luiz Maria Alves são: a) Garantir a preservação e conservação dos ecossistemas naturais englobados; b) Proteger os recursos genéticos; c) Possibilitar a realização de estudos, pesquisas e trabalhos de interesse científico; d) Preservar sítios de valor histórico, arqueológico e geomorfológico; e) Oferecer condições para o lazer, o ecoturimo e a realização de atividades educativas e de conscientização ecológica.

O Parque das Dunas constitui uma unidade de conservação com importantes remanescentes de Mata Atlântica. Além disso, sua gestão e manejo seguem normas municipais e estaduais, e sobretudo normas de caráter geral estabelecidas para os Parques Públicos, na Lei Federal nº 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC) e para Mata Atlântica, na Lei Federal nº 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica), tudo sob a égide do § 4º do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que colocou esse bioma como objeto de proteção sob regime especial (DUARTE, 2010, p. 169). A Unidade de Conservação possui 1.172 hectares de área, limitado pelos bairros de Mãe Luíza, Tirol, Nova Descoberta, Capim Macio, Ponta Negra e pela Via Costeira, é o maior parque urbano sobre dunas do Brasil. A flora do Parque reúne mais de 270 espécies arbóreas distintas e 78 famílias, representada por mais de 350 _________________________ 2 Site oficial do Parque das Dunas, disponível em: http://www.parquedasdunas.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=6393&ACT=&PAGE=0 &PARM=&LBL=Apresenta%E7%E3o, acessado em 02/04/14.

espécies nativas, a fauna está representada por cerca de 180 espécies dentre mamíferos, répteis, aves, e invertebrados, como borboletas, aranhas e escorpiões. As coordenadas do parque são as seguintes: - latitude: 05°. 48’ S a 05°. 53’ S - longitude: 35°. 09’ W a 35°. 12’W (site oficial2). A Figura 10 mostra uma visão aérea do Parque das Dunas. Figura 10 – Via Costeira e Parque das Dunas nos dias atuais.

Foto: Canindé Soares.

Como visto, o Parque das Dunas é dotado de enormes e indiscutíveis atributos ambientais, possuindo uma proteção legal. Duarte (2010 p. 167 e 168) chama a atenção para a omissão legislativa do âmbito do município do Natal, através da ausência de regulamentação municipal do Parque das Dunas e áreas adjacentes, bem como para a falta de um maior envolvimento da comunidade local na gestão dessa Unidade de Conservação.

2.1.2. ZONA ESPECIAL TURÍSTICA 2 – ZET-2 Em 1987 a sociedade natalense fez grande pressão junto ao Governo do Estado contra a instalação de cercas na área dos hotéis, numa extensão de aproximadamente cinco quilômetros, que privatizaria o uso daquele setor da orla marítima, sendo essa a primeira manifestação quanto à importância paisagística e ambiental do visual da Via Costeira (DUARTE, 2010, p. 209 e 210). Nesse momento ficou evidente a necessidade da criação de um regramento para aquela área, cujo uso e ocupação já haviam levantado alguns debates, como ocorreu com a pretendida

construção do empreendimento Paradiso Mare Resort e a instalação do Posto Shell S.A. Petróleo, em área de interesse social e físico-ambiental (DUARTE, op. cit.). A Via Costeira foi considerada ZET (Zona Especial de Interesse Turístico) pelo Plano Diretor de 1984, no entanto, apenas em julho de 1993 foi aprovada a proposta de regulamentação para esta ZET, pela Lei Municipal nº 4.547/1994. A Lei Municipal Complementar nº 30/2000 substituiu o quadro de prescrições urbanísticas (usos, índices urbanísticos, gabaritos, etc.) da Lei Municipal nº 4.547/94 e vinculou a liberação do alvará de construção e do habite-se para os empreendimentos na Via Costeira à apresentação de projeto de instalações sanitárias que possibilitassem a ligação à rede de esgoto existente. Apesar de não terem sido alterados os limites de gabarito, a Lei Complementar aumentou o índice de ocupação permitido para aquela área costeira, o que permitiu construir mais (DUARTE, 2010, p. 209-212).

2.1.3. PRIVATIZAÇÃO DA PRAIA Outra questão recorrente às discussões que envolvem a Via Costeira é a privatização das suas praias. Na Via Costeira não existem espaços, ou equipamentos públicos ou acessos à praia que atraiam ou facilitem o uso desse espaço pela população da cidade. Os remansos para contemplação da paisagem previstos no projeto inicial e os acessos prometidos pelos diversos governos do Estado nunca foram construídos. O EIA-RIMA da duplicação da RN-301 (TECHNOR, 2007), apresentava como uma de suas justificativas a implantação dos acessos previstos em Lei, “um benefício à coletividade proporcionando o acesso ao bem público de uso comum das pessoas”. Os acessos seriam posicionados “perpendicularmente ao longo da Via Costeira, em locais estratégicos previamente estabelecidos com largura de faixa de 12,00 metros” (TECHNOR, 2007, p. 11 e 17). Os acessos ainda disporiam de vagas de estacionamento (automóveis, motocicletas e bicicletas), mobiliário mínimo de apoio para pedestre e ciclista (bancos, telefones públicos, iluminação própria) e paisagismo (arborização) (TECHNOR, 2007, p. 22). Um ponto importante presente nesse Relatório de Impacto Ambiental (TECHNOR, 2007, p. 26) é a indicação de dificuldades técnicas (topografias acentuadas) em alguns pontos destinados a receberem acessos, o que poderia inviabilizá-los tecnicamente, no entanto, não foi apresentada proposta alternativa.

Chama a atenção que o RIMA (TECHNOR, 2007, p. 48) colocou como essencial ao projeto de adequação da Via Costeira a duplicação da pista de rolamento rodoviário (concluída no primeiro semestre de 2010) e a construção dos acessos públicos à praia, nunca iniciada. Apenas o rebaixamento do passeio e a pintura indicativa (em vermelho) foram realizados (Figura 11). Um único acesso, entre os hotéis Parque da Costeira e Marsol, permite o público chegar à praia, os demais ou foram incorporados aos espaços do hotéis ou são utilizados de forma precária pela população. Como conclusões e recomendações sobre os acessos à praia o relatório (TECHNOR, 2007, p. 64) apresenta que: Com relação aos acessos, os mesmos devem ser implantados em primeiro lugar, respeitando o que está previsto em lei quanto ao número. Em segundo, que se proceda, a partir da documentação básica que os estabeleceu, a efetiva identificação e localização dos mesmos conforme posto na lei, dirimindo-se os possíveis conflitos existentes aqui identificados, ressalvandose que a sua execução deverá contemplar as sugestões e comentários introduzidos neste documento. Figura 11 – Exemplo de acesso indicado horizontalmente, esbarrando em cerca verde e placa de hotel.

Foto: Marceu de Melo, 30/06/2013.

Valença (2010, p. 109) constatou a utilização da dificuldade de acesso do povo à praia como instrumento de promoção ao turismo. O autor verificou no site de alguns hotéis e operadoras de turismo os seguintes anúncios: “embora sejam áreas públicas, as zonas de praia em frente a esses hotéis são frequentadas quase que exclusivamente por hóspedes, fazendo com que estas sejam as praias urbanas mais tranquilas de Natal”, “a praia não possui infra-estrutura de lazer na orla, sendo frequentada apenas pelos hóspedes dos resorts e hotéis da região”, “o Ocean Palace [...] possui a melhor localização, são 500 metros de praia excelente para banho, semiprivativa, em frente ao Centro de Convenções de Natal e localizado na mais badalada praia da cidade, Ponta Negra”.

A falta de acessos oficiais leva à improvisação pela população, prática que em alguns locais gera o carreamento de sedimentos para a praia através do caminhamento e das práticas desportivas. Os sedimentos se acumulam no pós-praia (trecho da praia coberta pela água apenas em situações excepcionais, como chuvas muito forte) e criam uma proteção à ação das ondas e marés. No ponto apresentado nas Figuras 12 e 13 a situação pode ser vista positivamente, pois funciona como um tampão e impede que a dinâmica costeira intensifique a erosão desse trecho que apresenta uma voçoroca provocada pelo rompimento de parte da galeria pluvial, que ao longo dos anos não recebeu qualquer intervenção, os sedimentos carreados funcionam como tampão e impedem que a dinâmica costeira intensifique a erosão. Figura 12 – Acesso improvisado gerando carreamento de sedimentos para o pós-praia.

Foto: Marceu de Melo, 18/08/13. Figura 13 – Erosão provocada pelo rompimento de galeria pluvial.

Foto: Marceu de Melo, 19/12/13.

2.2.

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE Para facilitar a abordagem das APPs fizemos uma separação entre o que

dispõe a legislação federal, a legislação estadual e a legislação municipal.

2.2.1. Legislação Federal As Áreas de Preservação Permanente (APPs) foram legalmente instituídas no Brasil através do Código Florestal de 1965 (Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1965). Dos elementos presentes na área de estudo, esta Lei considerava APPs as florestas e demais formas de vegetação natural situadas (art. 2º): e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos taboleiros ou chapadas;

O Código Florestal de 1965, em seu artigo 3º, ainda considerava de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural em áreas com destinações específicas, quando assim declaradas por ato do Poder Público, O parágrafo primeiro do art. 3º do Código Florestal de 1965 condicionava a supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente à prévia autorização do Poder Executivo Federal, em casos de execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social. A Lei nº 7.511/1986 trouxe algumas alterações no Código Florestal de 1965, alterou a delimitação das APPs ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água. Outras alterações no Código Florestal de 1965 foram dadas pela Lei nº 7.803/1989. Dentre as alterações nos interessa a que se refere às bordas dos tabuleiros ou chapadas, definindo uma faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais, a partir da linha de ruptura do relevo, como APP. O Código Florestal de 1965 não conceituou APP, o conceito foi dado através da Medida Provisória (MP) 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que não apenas definiu APP como também deu a última redação vigente ao Código Florestal de 1965. A área de preservação permanente é definida como:

área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

A partir da leitura do artigo 2º do Código Florestal de 1965 é possível entender que a intenção do legislador era dar proteção exclusiva às “florestas e demais formas de vegetação natural”. O conceito de APP introduzido pela MP 2.166-67 esclarece que a proteção não se restringe apenas às florestas e demais formas de vegetação, mas também aos locais ou às formações geográficas em que tais áreas estão inseridas funcionalmente, ou seja, na ação recíproca entre a cobertura vegetal e sua preservação e a manutenção das características ecológicas do domínio em que ela ocorre (MILARÉ, 2009, p. 741). Uma discussão muito apropriada trazida por Machado (2007, p. 735) esclarece que APP é um espaço territorial em que a floresta ou a vegetação devem estar presentes. Se a floresta aí não estiver, ela deve ser aí plantada. A ideia da permanência não está vinculada só à floresta, mas também ao solo, no qual ela está ou deve estar inserida, e à fauna (micro e macro). Se a floresta perecer ou for retirada, nem por isso a área perderá sua normal vocação florestal. A vegetação, nativa ou não, e a própria área são objeto de preservação não só por si mesmas, mas pelas suas funções protetoras das águas, do solo, da biodiversidade (aí compreendido o fluxo gênico da fauna e da flora), da paisagem e do bem-estar humano. A área de preservação permanente-APP não é um favor da lei, é um ato de inteligência social, e de fácil adaptação às condições ambientais.

De acordo com Machado (op. cit.) mesmo que a área esteja descaracterizada ainda assim deve ser preservada, pois não é apenas a vegetação que deve ser considerada, mas o solo, a fauna e a própria área, devido às funções ecológicas e ambientais que possui. Entendimento importantíssimo, pois, objetivando ocupar determinada área, um interessado pode descaracterizá-la intencionalmente para justificar posterior ocupação, no entanto, como defendido pelo autor citado acima, mesmo que a área esteja descaracterizada deve ser preservada. Além de preservadas, as áreas degradadas devem ser recuperadas. O IBAMA publicou a Instrução Normativa nº 4, de 13 de 13 de abril de 2011, que estabelece as exigências mínimas e norteia a elaboração de Projetos de Recuperação de Áreas

Degradadas – PRAD. O PRAD trata dos procedimentos relativos à reparação de danos ambientais, ou seja, mesmo que a área esteja descaracterizada (degradada, alterada ou perturbada) existem formas de recuperação, através de técnicas e métodos que podem ser empregados de forma isolada ou conjunta. A definição de área degradada, alterada ou perturbada é apresentada no artigo 4º, incisos I e II da referida Instrução Normativa: I – área degradada: área impossibilitada de retornar por uma trajetória natural, a um ecossistema que se assemelhe a um estado conhecido antes, ou para outro estado que poderia ser esperado; II – área alterada ou perturbada: área que após o impacto ainda mantém meios de regeneração biótica, ou seja, possui capacidade de regeneração natural;

A morosidade na conceituação da APP não foi um ponto isolado, também constatamos a lentidão na regulamentação do Código Florestal de 1965. A Resolução CONAMA nº 303/2002 veio regulamentar o Código Florestal de 1965, dispondo sobre parâmetros, definições e limites das APPs, elencando as áreas consideradas de preservação permanente (APPs), artigo 3º. Essa resolução foi objeto de fortes críticas jurídicas, inclusive de inconstitucionalidade. Após muita discussão e polêmica foi aprovada a Lei Federal nº 12.651/2012, o novo Código Florestal. Como estes dispositivos legais não interferem nos objetivos deste trabalho não os analisamos, retomamos essa discussão em dissertação de mestrado, em fase de conclusão, junto ao PPGE/UFRN.

2.2.2. Legislação Estadual A legislação estadual não dispõe sobre áreas de preservação permanente, nela encontramos o termo áreas de preservação. A diferença não está apenas na ausência da palavra “permanente”, mas principalmente, na consequência dessa ausência. As áreas de preservação previstas pelo Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (Lei Estadual nº 6.950, de 20 de agosto de 1996) são passíveis de uso e ocupação, mesmo por atividades potencialmente degradadoras. Já a lei do Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Oriental do RN (Lei Estadual nº 7.871, de 20 de julho de 2000), prevê que as áreas de preservação integrem, prioritariamente, unidades de conservação. Como o momento de promulgação dessas

leis é posterior ao recorte temporal deste trabalho, não teceremos mais comentários sobre elas.

2.2.3. Legislação Municipal Neste tópico comentamos os trechos dos Planos Diretores de 1974, 1984, 1994 e 2007 e do Código de Meio Ambiente do Município, que tratam das áreas de preservação permanente. Plano Diretor de 1974 No âmbito municipal, o primeiro instrumento legal que tratou das Áreas de Preservação Permanente foi a Lei Municipal nº 2.211, de 10/07/1974 (Plano Diretor de 1974). Os parágrafos 1º e 5º são importantes para a discussão tratada no presente trabalho: § 1º - Os objetivos e as diretrizes deste Plano visam alcançar o desenvolvimento físico, sócio-econômico e administrativo do Município, disciplinando uso da terra, estabelecendo normas para as construções, com vistas a assegurar condições adequadas de habitação, circulação, trabalho e recreação, e, bem assim, preservar monumentos e sítios notáveis pelos seus aspetos históricos, culturais e paisagísticos, tendo como meta principal, propiciar, melhores condições de vida urbana à população. § 5º - Para assegurar a preservação das condições do meio físico do Município e, especialmente, de sua hidrografia e de sua flora, a ninguém será permitido praticar atos ou fazer obras que: I – Concorram, de qualquer modo, para alterar o clima da região ou desfigurar a beleza e o pitoresco da paisagem local; (Câmara Cascudo ou tese) II – Acelerem o processo de erosão das terras, comprometendo-lhes a estabilidade, ou modifiquem a composição e disposição das camadas do solo, prejudicando-lhes a porosidade, permeabilidade e inclinação dos planos de clivagem;

Como visto, a preservação dos locais notáveis pela paisagem, bem como a proibição de desfiguração da paisagem e modificação da composição e disposição das camadas do solo eram elementos contemplados pelo PD 1974. O artigo 27 do PD 1974 coloca as dunas como integrantes do sistema de setores verdes do Município, sistema que tinha como finalidade assegurar a amenidade climática do Município.

O PD 1974 considerou de preservação permanente os revestimentos florísticos e demais formas de vegetação naturais, ou de arborização, situadas (artigo 28): I – Ao longo dos rios ou outros quaisquer cursos d’água, em faixa mínima no planejamento local, ou pela aplicação do Código Florestal, ouvidos os órgãos competentes; II – Em volta de lagoas, lagos ou reservatórios d’água, naturais ou artificiais; III – Nas nascentes ou olhos d’água, seja qual for a situação topográfica; IV – Nas encostas ou partes destas; V – Na orla marítima, como fixadora de dunas.

O artigo 29 do PD 1974 considerava, ainda, de preservação permanente, as coberturas ou demais formas de vegetação destinadas: I – A atenuar a erosão das terras; II – A formar faixas de proteção ao longo de avenidas, parques, rodovias e ferrovias; III – A formar faixas de proteção entre áreas de utilização diversa, tais como, áreas industriais e as reservadas à habitação, educação, saúde, recreação e congêneres; IV – A proteger sítios de beleza paisagística natural, de valor científico ou histórico.

Uma das preocupações do PD 1974 era a promoção do turismo, tendo como medidas a construção de hotéis, parques e outros empreendimentos setoriais, respeitando as diretrizes do Plano, bem como a arborização e paisagismo das praias, faróis, fortes e outros locais (artigo 36). Dentre as infrações estabelecidas pelo PD 1974, artigo 45, estavam: I – Concorrer, de qualquer modo, para prejudicar o clima da região ou desfigurar a paisagem – penalidade classe 1 (art. 42 – 5 a 1000 salários mínimos regionais mensais); II – Acelerar o processo de erosão das terras, comprometendo-lhes a estabilidade, ou modificando a composição e disposição das camadas do solo, prejudicando-lhes a porosidade, permeabilidade e inclinação dos planos de clivagem – penalidade classe 1 (art. 42 – 5 a 1000 salários mínimos regionais mensais); V – Comprometer o desenvolvimento das espécies vegetais, componentes da paisagem – classe 2 (art. 42, 2 a 500 salários mínimos regionais mensais);

O artigo 52 do PD 1974 concedia o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para o Poder Executivo baixar os regulamentos de zoneamento, no entanto, como informa Lima (1998, p. 154), o PD 1974 não foi regulamentado e não foi implementado. Plano Diretor de 1984 Em vinte e seis de janeiro de 1984, foi sancionada a Lei Municipal nº 3.175 (Plano Diretor de 1984). A intenção de preservação dos sítios notáveis pelos valores paisagísticos e ecológicos aparece logo no artigo 3º. Uma das diretrizes do PD 1984 era ordenar (inciso X, artigo 5º): a) O uso da orla marítima e áreas adjacentes a rios, córregos e outros cursos d’água, incentivando as atividades de turismo e lazer, desde que não prejudique o equilíbrio ecológico, a paisagem, a qualidade da água, ou provoque alterações no clima; b) A preservação das dunas migrantes com a finalidade específica de fixalas e promover a ocupação racional das dunas fixas com o fim de manter o equilíbrio da recarga dos aquíferos subterrâneos;

O PD 1984 reconhecia dois tipos de dunas no Município: as dunas migrantes e as dunas fixas (alínea “b”, inciso X, art. 5º). Apesar de não serem apresentadas definições, os termos são auto explicativos, pois podemos claramente entender que as dunas migrantes são àquelas que não são fixas, ou seja, não possuem vegetação, ficando à disposição da ação eólica, e que as dunas fixas são aquelas cobertas por vegetação. O PD 1984 dividiu o Município em áreas integradas com a seguinte nomenclatura (artigo 6º): área urbana, área de expansão urbana e área de preservação permanente. A definição das áreas de preservação permanente foi apresentada no artigo 9º como “as que por suas características físicas, ecológicas, culturais, históricas ou paisagísticas, exijam cuidados especiais de manutenção ou restauração de seu estado, a fim de proteger, preservar ou recuperar o meio ambiente e os patrimônios natural e cultural do Município.”. Vale ressaltar a previsão dos cuidados especiais não apenas para a manutenção, como também para a restauração das APPs. O artigo 10 do PD 1984 apresenta as áreas consideradas de preservação permanente: a) As dunas migrantes; b) Os rios e demais cursos d’água;

c) As encostas ou partes destas; d) Os mangues e salinas; e) As lagoas.

O artigo 11 apresenta as áreas que, embora não constituíssem as Zonas Especiais nos termos do PD 1984, ainda eram consideradas de preservação permanente: a) As áreas utilizadas como praças, parques, bosques ou jardins e todas as áreas de uso público; b) Os espaços reservados a áreas verdes e de recreação nos planos de arruamento e loteamento; c) As demais áreas que contiverem os revestimentos florísticos e demais formas de vegetação a que se refere o Capítulo VI desta Lei.

O PD 1984 classificava o zoneamento das áreas de preservação permanente como zona de proteção rigorosa (ZPR) e zona de preservação moderada (ZPM), artigo 30: I – ZPR – onde serão permitidos usos controlados tais como: áreas públicas de lazer e cultura, bem como de pesquisas científicas, ou de equipamentos de relevante interesse público que comprovadamente só se tornem viáveis nestas zonas. II – ZPM – onde serão permitidos usos controlados tais como: áreas de produção de alimentos, sítios, granjas, cemitérios, além dos usos previstos no inciso I deste artigo.

Além das áreas apresentadas no artigo 10, o PD 1984 ainda considerava como áreas de preservação permanente os revestimentos florísticos e demais formas de vegetação, natural ou implantada, inclusive arborização, situados (artigo 192): I – ao longo de cursos d’água, na faixa a esse fim destinada por esta Lei, sem prejuízo da legislação federal a respeito; II – Em volta de lagoas ou qualquer reservatório de água, natural ou artificial; III – Nas bacias de infiltração estabelecidas no Plano Diretor de Drenagem; IV – Nas nascentes ou olhos d’água, seja qual for sua situação topográfica; V – Nas encostas ou partes delas; VI – Nas zonas localizadas na orla marítima.

Ainda eram consideradas APPs as coberturas vegetais destinadas (artigo 193): I – atenuar a erosão; II – A faixa de proteção ao longo de vias, parques, rodovias e ferrovias; III – A faixa de proteção entre as zonas industriais e as afetadas a outros usos;

IV – A proteger sítios de beleza e valor paisagístico natural, científico ou histórico; V – A área resultante de limites fixados pelos índices de ocupação, ressalvados os acessos e passeios.

Na seção do PD 1984 que tratava das infrações vemos grande semelhança ao que foi apresentado no PD 1974: Art. 210 – Concorrer, de qualquer modo, para prejudicar o clima da região ou desfigurar a paisagem. Penalidade: multa classe 1 e demolição (art. 206 – 5 a 1000 UFRs); Art. 211 – Acelerar o processo de erosão das terras, comprometendo-lhes a estabilidade, ou modificando a composição e disposição das camadas do solo, prejudicando-lhes a porosidade, permeabilidade e inclinação dos planos de clivagem. Penalidade: multa classe 1 (art. 206 – 5 a 1000 UFRs) e restauração; Art. 214 – Comprometer o desenvolvimento das espécies vegetais. Penalidade: multa classe 2 (art. 206 – 2 a 500 UFRs);

Dentre as disposições transitórias do PD 1984 temos o artigo 251 que apresenta o seguinte texto: Art. 251- Nas zonas especiais ou áreas de preservação permanente, nenhuma nova construção, reforma ou ampliação poderá ser executada, nem poderá ser licenciado qualquer parcelamento do solo ou alteração na utilização dos imóveis nelas existentes, enquanto não forem baixados regulamentos, nos termos desta Lei.

A mesma falta de regulamentação que caracterizou o PD 1974 se repetiu no PD 1984. Lima (1998, p. 157) informa que “dez anos depois da publicação do PD de 1984 só algumas partes haviam sido regulamentadas: as zonas especiais de interesse turístico (ZET-1, 2 e 3), e no bairro da Ribeira, as zonas especiais de preservação histórica”. Código de Meio Ambiente de Natal O Código de Meio Ambiente de Natal, Lei Municipal nº 4.100/92, em seu artigo 55, considera como Áreas de Preservação Permanente: I - os manguezais, as áreas estuarinas, os recifes, as falésias e dunas; II - as nascentes e as faixas marginais de proteção de águas superficiais; III - as florestas e demais formas de vegetação situadas ao redor das lagoas ou reservatório d’água naturais ou artificiais; IV - as florestas e demais formas de vegetação situadas nas nascentes; V - a cobertura vegetal que contribua para a estabilidade das encostas sujeitas à erosão e deslizamentos ou para a fixação de dunas;

VI - as áreas que abriguem exemplares raros, ameaçados de extinção ou insuficientemente conhecidos da flora e da fauna, bem como aqueles que sirvam como local de pouso, abrigo ou reprodução de espécies; VII - estuário do rio Potengi, vertentes dos rios Pitimbu e Doce, cordões dunares de Capim Macio, de Pitimbu, da Cidade da Esperança, de Guarapes, da Redinha e da praia do Forte; VIII - aquelas assim declaradas por lei ou ato do Poder Público Federal, Estadual ou Municipal, ou ainda, de seus órgãos ambientais especializados.

O parágrafo único do artigo 55 concedia ao município o prazo de até 360 dias para proceder o “levantamento territorial e ambiental das áreas de preservação permanente relacionadas no inciso VIII deste artigo, indicando com sinais visíveis os seus limites”. Para estas áreas, o artigo 56 do Código de Meio Ambiente Municipal (Lei Municipal nº 4.100/1992) prevê as seguintes destinações: I - realização de pesquisas básicas e aplicadas de ecologia; II - proteção do ambiente natural; III - preservação da diversidade e integridade da fauna e flora municipal e dos processos ecológicos essenciais; IV - desenvolvimento da educação conservacionista; V - realização do turismo ecológico.

O Código de Meio ambiente Municipal, parágrafo único do art. 56, proíbe quaisquer outras atividades nas áreas de preservação permanente, e em especial as abaixo indicadas: I - circulação de qualquer tipo de veículo; II - campismo; III - piquenique; IV - extração de areia; V - depósito de lixo; VI - urbanização ou edificações de qualquer natureza, mesmo desmontáveis; VII - retirada de frutos pendentes; VIII - culturas agrícolas; IX - pecuária, inclusive a de animais de pequeno porte; X - queimadas e desmatamento; XI - aterros e assoreamentos.

O Código de Meio Ambiente, em artigo 57, considera as APPs como “...bens de uso comum do povo por sua própria natureza, sendo vedada ao Município desafetá-las”. Plano Diretor de 1994 e 2007 O Plano Diretor de Natal foi modificado pela Lei Complementar Municipal nº 07, de 05/08/1994, e posteriormente pela Lei Complementar Municipal nº 082, de 21/07/2007. Como o momento de promulgação dessas leis é posterior ao recorte temporal deste trabalho, não teceremos mais comentários sobre elas.

2.3.

FEIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS Neste trabalho adotamos o termo feições geomorfológicas apoiados em

Suertegaray et al (2008, p. 10) para reunir as formas de relevo da superfície da Terra dimensionadas através de táxons. A delimitação das feições geomorfológicas da área de estudo considerou as definições propostas por importantes autores, bem como pela legislação, conforme apresentado abaixo.

2.3.1. Praias Neste trabalho adotamos a definição de praia proposta por Suguio (1998, p. 625 e 626): Zona perimetral de um corpo aquoso (lago, mar ou oceano), composta de material inconsolidado, em geral arenoso (0,062 a 2 mm) ou mais raramente composta de cascalhos (2 a 60 mm), conchas de moluscos, etc., que se estende desde o nível de baixa-mar média (profundidade de interação das ondas com o substrato) para cima, até a linha de vegetação permanente (limite de ondas de tempestade), ou onde há mudanças na fisiografia, como as zonas de dunas ou de falésias marinhas (sea cliffs)... Uma praia abrange a antepraia (foreshore) ou praia entremarés (intertidal beach) e a pós-praia (backshore) ou praia seca (dry beach), não fazendo parte dela as formas e os depósitos de areia permanentemente submersos.

2.3.2. Falésias Jatobá e Lins (1998, p. 124) afirmam que as falésias são escarpas abruptas situadas nas áreas costeiras, cuja base está submetida à ação erosiva das ondas, sofrem ação de processos morfogenéticos submarinos, litorâneos e subaéreos. Arnott (2010, p. 396), complementa essa definição informando que para ser considerada como falésia a feição precisa apresentar ângulo de inclinação maior que 40°, ou seja, caracterizadas por declives íngremes. Achamos necessário discutir uma questão associada às definições apresentadas pela Resolução CONAMA 303/2002. No inciso XI do artigo 2º, desta Resolução, é apresentada uma definição para o tabuleiro ou chapada: “paisagem de topografia plana, com declividade média inferior a dez por cento, aproximadamente seis graus e superfície superior a dez hectares, terminada de forma abrupta em escarpa, caracterizando-se a chapada por grandes superfícies a mais de seiscentos metros de altitude”. A Resolução também define a escarpa, inciso XII do artigo 2º, como “rampa de terrenos com inclinação igual ou superior a quarenta e cinco graus, que delimitam relevos de tabuleiros, chapadas e planalto, estando limitada no topo pela ruptura positiva de declividade (linha de escarpa) e no sopé por ruptura negativa de declividade, englobando os depósitos de colúvio que localizam-se próximo ao sopé da escarpa”. A partir destes conceitos legais, podemos afirmar que as falésias integram as APPs por serem as feições que delimitam o tabuleiro costeiro. Encontramos na literatura algumas formas de classificar as falésias que consideram a exposição ou não à ação da erosão marinha, o tipo de rocha formadora e o tamanho da feição. De acordo com a exposição ou não à ação da erosão marinha encontramos a utilização dos seguintes termos: falésia inativa, fóssil, morta, abandonada e paleofalésia são termos aplicados às falésias que não mais estão submetidas à ação marinha, enquanto que os termos falésia viva e ativa são aplicados àquelas submetidas à ação das ondas e marés (AB’SÁBER, 2005, p. 5; IBGE, 1999, p. 81 e 82; MAYHEW, 2004, p. 89; JATOBÁ e LINS, 1998, p. 124; SUGUIO, 1998, p. 331). Outra classificação encontrada na literatura e importante para este trabalho é encontrada em Bird (2008, p. 69 e 77), que leva em conta a altura das falésias (cliffs). As falésias menores são chamadas low cliffs (clifflets ou microcliffs), o autor não

especificou a medida destas, mas os exemplos que ele apresenta estão em torno de 1 a 2 metros; a partir destas até 100 metros acima do nível do mar temos cliffs; entre 100 e 500 metros acima do nível do mar são chamados de high cliffs; e aquelas superiores a 500 metros são chamados megacliffs.

2.3.3. Afloramento do Tabuleiro Costeiro Como visto acima as falésias são feições que estão associadas aos tabuleiros costeiros, pois muitas falésias, especialmente no litoral nordestino do Brasil, surgem como resultado da abrasão marinha no afloramento dos tabuleiros costeiros. Uma clara definição apresentada para os tabuleiros costeiros é encontrada no site do Grupo de Estudos de Tabuleiros Costeiros da Universidade Federal da Bahia3, que define estas formas de relevo como “uma cobertura sedimentar terrígena continental de idade pliocênica, depositada por sistemas fluviais entrelaçados e associados a leques aluviais. Estes são de grande ocorrência ao longo do litoral brasileiro (Grupo Barreiras)”. Sobre os tabuleiros costeiros do Rio Grande do Norte podemos acrescentar que (CPRM, 2010, p. 82): - representam formas de relevo tabulares esculpidas em rochas sedimentares, em geral, pouco litificadas e dissecadas por uma rede de canais com baixa a moderada densidade de drenagem e padrão dendrítico; - predominando processos de pedogênese e formação de solos espessos e bem drenados, apresentando baixa suscetibilidade à erosão; - estão posicionados em cotas entre 30 e 100 m, sendo que estas são crescentes à medida que avançam em direção ao interior; - as amplitudes de relevo locais variam de 20 a 50 m, com geração de vastas superfícies planas a suavemente inclinadas nos topos; - próximo ao litoral, os tabuleiros estão frequentemente sotopostos aos campos de dunas e, por vezes, atingem a linha de costa, formando falésias; - os canais principais esculpem vales amplos e encaixados em forma de “U”, resultantes de processos de entalhamento fluvial e notável ________________________ 3 Disponível em: http://www.cpgg.ufba.br/lec/gtabulei.htm, acessado em 13 de janeiro de 2014.

alargamento das vertentes do vale, via recuo erosivo de suas encostas.

Assim, o afloramento do tabuleiro costeiro se refere a exposição dessa feição na superfície terrestre.

2.3.4. Dunas Uma definição para duna é apresentada pela Resolução CONAMA nº 303/2002, em seu inciso X, art. 2º, “unidade geomorfológica de constituição predominante arenosa, com aparência de cômoro ou colina, produzida pela ação dos ventos, situada no litoral ou no interior do continente, podendo estar recoberta, ou não, por vegetação”. Os autores pesquisados concordam que os principais fatores responsáveis pela formação das dunas são o vento com velocidade suficiente para deslocar os sedimentos, a disponibilidade de areias de granulometria fina, bem como a existência de um obstáculo que permita a acumulação dos sedimentos (GUERRA E GUERRA, 1997; JATOBÁ e LINS, 1998; SUERTEGARAY, 2003; BIRD, 2008; ARNOTT, 2010). As praias aparecem como uma fonte exposta de sedimentos e por isso quase todas as praias são emolduradas por algum tipo de duna de areia que foi transportada pela ação do vento e depositada na vegetação (ARNOTT, 2010, p. 228).

2.3.5. Recifes Outra feição geomorfológica encontrada na área de estudo é o recife. Para essa feição encontramos uma série de definições devido à ampla aplicação do termo. Selecionamos aquelas que podem ser aplicadas aos recifes encontrados na área de estudo. Guerra e Guerra (1997, p. 512), definem recifes como “formações geralmente litorâneas que aparecem próximas à costa. O termo recife deriva da palavra árabe razif, que quer dizer, literalmente, pavimento. A forma arrecife é usada algumas vezes.”. Os autores informam que o termo barreira também é utilizado para se referir aos recifes. Quanto à sua natureza podem ser de arenito ou de calcário, conforme a percentagem dominante das areias ou das conchas; barreta é outro termo associado

aos recifes, “denominação regional dada aos entalhes nos recifes que permitem a entrada e a saída das águas das marés” (GUERRA e GUERRA, 1997, p. 84 e 85). Complementando a definição acima, Suguio (1998, p. 655) explica que o recife é “uma estrutura rochosa construída por organismos sedentários coloniais, tais como corais, algas, etc. comumente incorporados no meio de outras rochas, próximas ao nível do mar.”. Na área de estudo, os recifes estão relacionados a duas estruturas rochosas, os arenitos ferruginosos e os beach-rocks. Apoiados em Bird (2008, p. 161), definimos beach rocks como o resultado da precipitação de carbonatos na zona do lençol freático flutuante dentro de uma praia (relacionado com a subida e descida das marés e alternâncias de clima úmido e seco) que pode cimentar a areia da praia em duras camadas de arenito. Os arenitos ferruginosos são provenientes da ação erosiva no afloramento da Formação Barreiras, que foram retrabalhados pela ação dos diversos processos atuantes na dinâmica costeira (vento, ondas, marés, salinidade, etc). É possível perceber facilmente a diferença através do seguinte aspecto, os beach rocks apresentam estratificação sub-paralela cruzada desenvolvida pelo processo de formação apresentado anteriormente, enquanto que os arenitos ferruginosos não apresentam estratificação, são selecionados e remobilizados pela ação das ondas e marés.

3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1.

PROCEDIMENTOS CARTOGRÁFICOS Utilizamos,

na

elaboração

deste

trabalho,

dois

levantamentos

aerofotogramétricos: - Fotografias aéreas da SEPLAN/IDEC de 1978, escala 1:2.000, em preto e branco e sem georeferenciamento; - Fotografias aéreas da SETUR/SIN/IDEMA de 2006, escala 1:2.000, coloridas e georeferenciadas em UTM, datum SAD69. Curvas de nível de 2006, cotadas de metro em metro, levantamento planialtimétrico in situ, contratado pelo SETUR/SIN/IDEMA. As imagens de 1978 foram georeferenciadas tendo como base as imagens de 2006. O mosaico das imagens de 2006 e as curvas de nível de 2006 foram obtidos junto ao Departamento de Gestão do Sistema de Informações Geográficas – DGSIG, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo – SEMURB. Utilizamos o software ArcGIS 10.1 para o geoprocessamento realizado neste trabalho. Os procedimentos cartográficos realizados estão sucintamente descritos nos parágrafos seguintes e resumidos graficamente na Figura 14. Significativa parcela do georeferenciamento das imagens de 1978 e da vetorização das curvas de nível anteriores a instalação da Via Costeira, bem como toda a digitalização das plantas e cartas foi realizada e disponibilizada por Frederico Fonseca Galvão de Oliveira. Segundo Oliveira, o processo foi proposto a partir da seguinte sequência de elaboração: - Solicitação a CAERN e aquisição dos levantamentos aerofotogramétricos realizados em 1978, com distribuição das curvas de nível na Via Costeira com equidistância de um metro. As plantas cedidas encontravam-se em formato analógico; - Digitalização em scanner A0 das plantas disponibilizadas pela CAERN com vistas

à

futura

Geoprocessamento;

vetorização

em

sistemas

automatizados

de

- Georeferenciamento das plantas a partir dos pontos de controle presentes na grade de coordenadas das mesmas; - Após georeferenciamento das plantas, foi realizada a vetorização das curvas de nível, com criação de banco de dados para as cotas das curvas de nível; - Em seguida foi feita uma mosaicagem de todas as curvas digitalizadas (vetores), gerando um arquivo único das curvas de nível com equidistância de um metro e que abrangia toda a área em estudo. Optamos

por

manter

as

imagens

de

1978

unidas

através

do

georeferenciamento (ver Figura 15), ao invés de usar o mosaico, pois o resultado conseguido com o mosaico não foi satisfatório. A restituição temática foi feita manualmente pelo método digitalização em tela. Utilizando os dados informados acima criamos um Modelo Numérico de Terreno (MNT) que é uma representação matemática computacional da distribuição de um fenômeno espacial que ocorre dentro de uma região da superfície terrestre. Como exemplos de fenômenos representados por MNT temos os dados de relevo, informação geológicas, levantamentos de profundidades do mar ou de um rio, informação meteorológicas e dados geofísicos e geoquímicos. Dentre os usos do MNT estão o armazenamento de dados de altimetria para gerar mapas topográficos, análises de corte-aterro para projeto de estradas e barragens e a elaboração de mapas de declividade e exposição para apoio a análise de geomorfologia e erodibilidade, etc. (FELGUEIRAS E CÂMARA). Em nosso trabalho o MNT foi útil para a análise geomorfológica da área de estudo. O MNT da área de estudo está apresentado na figura 16. A ferramenta “Triangular Irregular Network”, mais conhecida como TIN, é uma estrutura de grade triangular do tipo vetorial que possibilita a representação de uma superfície através de um conjunto de faces triangulares interligadas. Cada um dos três vértices da face triangular armazena informações sobre a localização (x, y) e sobre os valores de altitude/elevação correspondente ao eixo z. O mapa de declividade é uma das possibilidades do TIN, indicando as inclinações de uma área em relação a um eixo horizontal e servindo como base para a geração de outras fontes de informações como formas do relevo, aptidões agrícolas, riscos de erosão, restrições de uso e ocupação urbana, entre outros (SILVA e RODRIGUES, 2009, p. 32 e 39). A criação

do TIN foi importante para a visualização da declividade do terreno e importante para o esclarecimento de dúvidas na identificação das feições geomorfológicas. Definimos cinco classes de declividade: 0-5°, 5-10°, 10-25°, 25-45°, 45-90° (Figura 17). Figura 14 – Fluxograma do processo cartográfico.

3.2.

Aquisição do levantamento aerofotogramétrico de 1978 junto à CAERN

Digitalização das plantas topográficas disponibilizadas pela CAERN

Georeferenciamento das plantas

Vetorização das curvas de nível

Mosaicagem das curvas vetorizadas

Criação do Modelo Numérico de Terreno e da Triangular Irregular Network

Vetorização das feições geomorfológicas

Delimitação das áreas de preservação permanente

Elaboração dos mapas

DELIMITAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A delimitação da área de estudo foi feita a partir do traçado da rodovia RN-

301 registrado no levantamento aerofotogramétrico de 2006, trecho compreendido entre as praias de Ponta Negra e Areia Preta (Via Costeira), tendo como limite ocidental a linha de contato entre a rodovia e a o Parque das Dunas e como limite oriental o Oceano Atlântico, contemplando a área das grandes intervenções (rodovia – faixas de rolamento, acostamento, ciclovia e passeio – e empreendimentos). Após a delimitação da área de estudo na composição das imagens de 2006, adicionamos o shape na composição das imagens de 1978 e passamos a trabalhar dentro destes limites (Figura 15). O mesmo procedimento foi feito para a espacialização dos hotéis da Via Costeira inaugurados antes de 1990.

Figura 15 – Fotografias áreas de 1978 (SEPLAN/IDEC) – área de estudo.

Figura 16 – Mapa de elevação da área de estudo em 1978.

Figura 17 – Mapa de declividade da área de estudo em 1978.

3.3.

IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DAS FEIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS A identificação e delimitação das feições geomorfológicas foi realizada a partir

de fotointerpretação e vetorização nas imagens do levantamento aerofotogramétrico da SEPLAN/IDEC de 1978, considerando as definições anteriormente apresentadas. Até o ano de 1978 a área mantinha condições próximas ao natural, pois as grandes intervenções que contribuíram para a descaracterização geomorfológica e edáfica ainda não haviam sido realizadas. Sabemos que para a delimitação precisa da feição “praia” seria necessário um conjunto de imagens de períodos de tempo diferentes permitindo visualizar a variação das marés, no entanto, a delimitação aproximada realizada atende aos objetivos deste trabalho. A delimitação dessa feição se pautou na visualização de mudança fisiográfica, como por exemplo para falésia, vegetação ou duna. Como dito, a criação e utilização do TIN foi muito útil na identificação das feições da área de estudo. As falésias, as dunas e afloramentos do tabuleiro foram identificadas visualmente na imagem de 1978. A escala utilizada na vetorização (1:2.000) facilitou essa identificação. Para apresentação das informações, adotamos a escala 1:10.000. Como os recifes ficam permanentemente e/ou parcialmente submersos, a vetorização desta feição é apenas uma aproximação da realidade, a partir dos trechos onde foi possível sua visualização. Além da dinâmica das ondas e marés, outro elemento importante na visualização e delimitação dos recifes é a dinâmica dos sedimentos (erosão/deposição), que também pode recobrir ou expor estas feições.

3.4.

IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DAS APPs Durante o processo de implantação do Projeto Via Costeira, de 1977 a 1993,

a legislação ambiental adicionou novas áreas consideradas de preservação permanente, especialmente no âmbito municipal. Estava em vigência o Código Florestal de 1965 e foram aprovados os Planos Diretores de 1974 e 1984, como também houve a promulgação do Código de Meio Ambiente do Município em 1992. A delimitação das APPs seguiu o que dispõe estes instrumentos legais.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1.

MAPEAMENTO DAS FEIÇÕES GEOMORFOLÓGICAS Identificamos as seguintes feições geomorfológicas na área de estudo:

afloramento do tabuleiro costeiro, dunas expostas, dunas vegetadas, falésias praias e recifes, descritas a seguir e espacializadas na Figura 20. Afloramento do tabuleiro costeiro – esta feição aflora na área de estudo em função de duas causas principais: área de empréstimo ou ação da erosão. Em uma porção situada em frente aos hotéis Marsol e Parque da Costeira, pertencente ao Parque Estadual Dunas de Natal, existe um trecho de afloramento do tabuleiro costeiro (Figura 18), intensificado por ter sido utilizado como área de empréstimo (retirada) de material para a construção civil. Outra porção significativa de afloramento se situa próximo ao Hotel Imirá (Figura 19), este originado a partir da ação da dinâmica oceânica (atualmente inativa) que formou falésias, bem como por se situar topograficamente numa área de convergência do escoamento das águas pluviais, acentuando o processo erosivo. Figura 18 – Afloramento do tabuleiro costeiro.

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Figura 19 – Afloramento do tabuleiro costeiro.

Foto: Marceu de Melo, 12/05/2013.

Dunas expostas – depósitos de areias eólicas (esbranquiçadas de granulometria fina a média, bem selecionadas, com grãos arredondados), assentadas sobre o tabuleiro costeiro, formando dunas frontais, sem cobertura vegetal (Figura 21). Algumas dunas são parcialmente vegetadas, separamos os trechos com vegetação e sem vegetação (Figura 22). A ausência da vegetação permite maior remobilização dos sedimentos pelos ventos.

Figura 20 – Feições geomorfológicas da área de estudo em 1978.

Figura 21 – Duna exposta desenvolvida à retaguarda de praia.

Figura 22 – Duna com topo vegetado e base exposta.

Foto: Marceu de Melo, 19/12/2013.

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Dunas vegetadas – depósitos de areias eólicas (esbranquiçadas de granulometria fina a média, bem selecionadas, com grãos arredondados), assentadas sobre o tabuleiro costeiro, formando dunas frontais, cobertas pelos seguintes tipos de vegetação natural: Restinga Herbácea, Restinga Arbustiva – conhecida popularmente como “vegetação de duna” – Floresta Estacional Semidecidual de Terras Baixas – conhecida popularmente como “Mata Atlântica” – e a Savana, que faz parte do bioma Cerrado e que é popularmente conhecida na região como “vegetação de tabuleiro” (TECHNOR, 2007, p. 143). Segundo o sistema de classificação brasileira adotado pelo IBGE (1992), esses tipos de vegetação denominam-se, respectivamente, Formação Herbácea Pioneira com Influência Marinha, Formação Arbustiva Pioneira com Influência Marinha, Floresta Estacional Semidecidual e Savana Arborizada (TECHNOR, op. cit.). A intensa ação eólica na área pode ser percebida através da influência exercida sobre a vegetação, ao moldá-la no sentido dos ventos predominantes (Figura 22). Nas Figuras 23 e 24 podemos perceber os diferentes portes da vegetação que se desenvolve sobre as dunas da área de estudo. A vegetação possui o importante papel de estabilização das dunas e de atenuação da força dos ventos que se deslocam para o interior do continente.

Figura 23 – Duna vegetada com diferentes estratos (herbáceo, arbustivo e arbóreo).

Figura 24 – Duna com vegetação herbácea esparsa.

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Falésias – limitam a superfície do tabuleiro costeiro, esculpidas na Formação Barreiras, formadas por arenitos e conglomerados (rochas sedimentares), com cores brancas, amareladas, acinzentadas e avermelhadas. Apresentam-se com altura variando entre menos de 2 metros até mais de 5 metros (Figuras 25 e 26). A falésia, ao recuar em direção ao continente, amplia a superfície erodida pelas ondas, formando os chamados terraços de abrasão (Figura 27), ambiente que propicia o desgaste das rochas, reduzindo-as a blocos, seixos e grânulos de areia, que ao serem lançados pelas ondas na base da falésia potencializam a ação erosiva. Vale salientar que as falésias podem ser recobertas pela areia através da intensa ação dos ventos, formando dunas no topo da falésia, bem como a ação das ondas e marés pode retirar sedimentos e descobrir a falésia. Figura 25 – Falésias inativas à dinâmica oceânica.

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Figura 26 – Falésia com dunas sobrepostas.

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Figura 27 – Terraço de abrasão.

Foto: Marceu de Melo, 19/12/2013.

Praias – ocorrem numa faixa estreita e paralela à linha de costa, são predominantemente arenosas

(areias

quartzosas

esbranquiçadas,

ricas em

bioclastos, bem selecionadas e limpas) de granulação fina a média (Figuras 28 e 29). Têm como limite as mudanças fisiográficas para dunas (Figura 30), falésias (Figura 31) ou vegetação. Aparecem nas praias da área de estudo os arenitos ferruginosos e os beach rocks, a definição desses termos é apresentado na feição recifes. Figura 28 – Variedade na granulometria dos sedimentos em trecho restrito, durante evento com fortes chuvas e ventos.

Foto: Marceu de Melo, 18/08/2013.

Figura 29 – Detalhe da foto anterior, possível visualizar fragmentos de conchas e corais (biodetritos). Tampa de garrafa PET (objeto verde no centro da foto) usado como escala.

Foto: Marceu de Melo, 18/08/2013.

Figura 30 – Praia com bech rocks, limitada em dunas.

Figura 31 – Pequena praia com arenitos ferruginosos, limitada em falésia.

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Foto: Marceu de Melo, 19/12/2013.

Recifes – na área de estudo os beach rocks e os arenitos ferruginosos integram os recifes. A figura 32 mostra a origem dos arenitos ferruginosos da área de estudo, erosão da falésia (tabuleiro costeiro). Os beach rocks apresentam estratificação subparalela cruzada (Figura 33), enquanto que os arenitos ferruginosos não apresentam estratificação, são selecionados e remobilizados pela ação das ondas e marés (Figura 34). Na área de estudo encontramos alguns beach rocks que durante seu processo de formação agregaram arenitos ferruginosos (Figura 35 e 36). Figura 32 – Material originário dos arenitos ferruginosos ainda consolidados compondo a falésia (à direita) e os arenitos ferruginosos sob ação das ondas e marés (da base da falésia até o Oceano, parcialmente cobertos pela areia).

Foto: Marceu de Melo, 26/05/2013.

Figura 33 – Beach rocks.

Figura 34 – Arenitos ferruginosos.

Foto: Marceu de Melo, 19/12/2013.

Foto: Marceu de Melo, 19/12/2013.

Figura 35 – Beach rock (superfície plana no centro da foto) cercado por arenitos ferruginosos (rochas de cor escura).

Figura 36 – Detalhe da foto anterior, beach rock formado agregando arenitos ferruginosos.

Foto: Marceu de Melo, 19/12/2013. Foto: Marceu de Melo, 19/12/2013.

4.2.

APPs NA VIA COSTEIRA Desde o início da implantação do Projeto Via Costeira a legislação ambiental

sofreu algumas alterações que ampliaram as áreas consideradas de preservação permanente. O Quadro 1 foi elaborado com o objetivo de verificar se a ocupação da Via Costeira, ao longo da implantação do projeto, ocorreu respeitando os dispositivos legais, especificamente no que se refere às áreas de preservação permanente. Quadro 1 – Condição dos elementos naturais da Via Costeira segundo a legislação, onde APP = Área de Preservação Permanente. Elementos naturais Duna não Borda de Duna vegetada Recife vegetada tabuleiro/Falésia Instrumento Legal Código Florestal APP APP 1965 Plano Diretor 1974 APP Plano Diretor 1984 APP Código de Meio APP APP APP APP Ambiente 1992

Diante das informações apresentadas no Quadro 1 visualizamos três contextos legais para a ocupação da Via Costeira: o primeiro contexto, anterior a 1984, quando apenas as dunas vegetadas e as falésias (bordas de tabuleiro) eram consideradas APPs; o segundo contexto, posterior a 1984, quando as dunas expostas também passam a integrar as APPs; e o terceiro contexto após 1992, quando os recifes foram adicionados ao rol das APPs. - Primeiro contexto legal – no início da implantação do Projeto Via Costeira apenas o Código Florestal de 1965 e o Plano Diretor de Natal de 1974 estavam em vigor, esses instrumentos atribuíam a preservação permanente apenas às dunas vegetadas e às bordas de tabuleiros/falésias; - Segundo contexto legal – o Plano Diretor de 1984 atribuiu proteção às dunas migrantes (dunas móveis, expostas ou não vegetadas), ampliando significativamente a área considerada de preservação permanente, pois as dunas migrantes são as feições mais representativas da área de estudo; - Terceiro contexto legal – o Código de Meio Ambiente do Município do Natal de 1992 garantiu proteção aos recifes, dentre outros elementos. A proteção aos recifes como APPs não interfere na ocupação da Via Costeira, pois estas

feições estão inseridas na área coberta periodicamente (zona de estirâncio) ou constantemente pelas marés (antepraia), subambientes da praia. Assim, as dunas expostas, as dunas vegetadas, as falésias e os recifes passaram a receber proteção legal, sendo declarados áreas de preservação permanente. A praia não é considerada APP, a não ser nos locais de nidificação e reprodução da fauna silvestre (Res. CONAMA nº 303/202, inciso XV, art. 3º). No entanto, as praias são consideradas “bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica” (art. 10 da Lei Federal nº 7.661/1988 – Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro). O § 1° deste artigo diz que “não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo”. Ou seja, apesar de não ser APP as praias não podem ser ocupadas. Uma dificuldade encontrada na elaboração desta etapa do trabalho se referiu à falta de informação sobre os processos de licenciamento da construção dos empreendimentos. De acordo com o setor de fiscalização do IBAMA, muitos dos empreendimentos não possuem sequer a atual licença de operação, quanto mais o alvará de construção ou licença de instalação de até três quatro décadas passadas. O acesso aos processos seria muito importante para agrupar os empreendimentos conforme o momento de seu licenciamento, antes ou após 1984, pois, os estabelecimentos construídos após 1984 podem ter sido licenciados antes desse ano, mas devido a questões econômicas, por exemplo, a construção só se efetuou anos após. Os processos serviriam para dirimir as dúvidas quanto à legislação utilizada como parâmetro, dos prazos concedidos para início e conclusão das obras, entre outros aspectos. Como tentativa de solucionar essa questão utilizamos como referência o ano de 1990, pois a inauguração dos empreendimentos da Via Costeira se divide em dois momentos: antes de 1990 e após 1996 (SOUZA, 2008). Considerando a prática atual dos órgãos licenciadores achamos mais que razoável o prazo de seis anos para a conclusão da construção, teoricamente licenciada até antes da publicação do Plano

Diretor de 1984. A solução proposta coloca todos os empreendimentos inaugurados até o ano de 1990 numa situação de análise legal anterior a 1984, quando as dunas expostas ainda não integravam as APPs. O Quadro 2 agrupa os empreendimentos da Via Costeira conforme o momento da inauguração, até o ano de 1990 ou após o ano de 1996. Quadro 2 – Listagem dos empreendimentos da Via Costeira agrupados conforme o momento da inauguração. Empreendimentos inaugurados até 1990 Empreendimentos inaugurados após 1996 Natal Mar Hotel - 1984

Hotel Porto do Mar

Barreira Roxa Praia Hotel - 1985

Pirâmide Palace Hotel

Hotel Vila do Mar - 1986

Imirá Plaza Hotel

Hotel Marsol Beach Resort Natal - 1986

Ocean Palace Beach Resort & Bungalows

Jacumã Praia Hotel - 1987

Cervejaria Continental

Hotel Parque da Costeira - 1990

Pestana Natal Beach Resort

Vale das Cascatas - 1985?

Serhs Natal Grande Hotel

O Quadro 3 sintetiza as informações apresentadas pelos mapas das APPs consideradas pela legislação de 1965, 1984 e 1992 (Figuras 37, 38 e 39, respectivamente) e do mapa que apresenta os hotéis inaugurados até 1990 e as feições geomorfológicas sobre as quais foram instalados (Figura 40). Vale salientar a ressalva feita no parágrafo anterior para o correto entendimento das informações apresentadas Quadro 3. Quadro 3 – Síntese das informações apresentadas pelos mapas. Ano de Empreendimento Feições ocupadas Inauguração Barreira Roxa Marsol

1985 1986

Parque da Costeira

1990

Vila do Mar

1986

Vale das Cascatas

1985?

Natal Mar

1984

APPs

Duna exposta

Não

Duna exposta

Não

Duna vegetada

(2.536m2)

Sim

Duna exposta

Não

Duna vegetada (7.176m2)

Sim

Duna exposta

Não

Duna vegetada (322m2)

Sim

Duna exposta

Não

Duna vegetada

(3.953m2)

Duna exposta Duna vegetada

(66m2)

Sim Não Sim

Como visto no Quadro 3, os hotéis, com exceção do Barreira Roxa, foram parcialmente instalados sobre áreas de dunas vegetadas. O Natal Mar e o Vila do Mar ocuparam pequenas áreas, enquanto que o Marsol, o Parque da Costeira e o Vale das Cascatas ocuparam grandes áreas. O trecho da rodovia RN-301, correspondente a Avenida Senador Dinarte Mariz, conhecido como Via Costeira, foi instalado sobre áreas de dunas expostas e dunas vegetadas, inaugurado no ano de 1983, ou seja, apenas as dunas vegetadas eram consideradas APPs. O Código Florestal de 1965 previa a supressão total ou parcial das florestas de preservação permanente “admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social”, conforme § 1° do artigo 3º. O governador Tarcísio Maia assinou o Decreto nº 7.237/1977, declarando a utilidade pública dos bens situados na área das dunas, adjacentes ao Oceano Atlântico, visando sua desapropriação para implantação do projeto. Apesar da polêmica que a implantação da Via Costeira gerou, mesmo no que se refere à própria rodovia, é inegável a importância da via como alternativa de ligação entre as zonas sul, leste e norte da cidade, assim, justificando a obra como de utilidade pública. No entanto, é questionável como de utilidade pública a instalação dos empreendimentos hoteleiros sobre as APPs, questionamento que se fortalece à medida que tomamos conhecimento dos pormenores do processo de implantação. Outro ponto sobre as APPs na área de estudo e no recorte temporal escolhido se refere à faixa a partir das bordas dos tabuleiros/falésias, que nunca deve ser inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais, a partir da linha de ruptura do relevo. Essa redação foi dada pela Lei nº 7.803 de 18/07/1989, de forma que antes dessa lei não existia uma faixa protegida. A APP era apenas a borda do tabuleiro/falésia, ou seja, os empreendimentos que se instalaram na linha de ruptura de relevo não cometeram ilegalidade. Como o ano de inauguração do último empreendimento contemplado pelo recorte temporal é 1990, esse dispositivo não foi considerado na presente análise.

Figura 37 – APPs segundo a legislação vigente apartir de 1965.

Figura 38 – APPs segundo a legislação vigente apartir de 1984

Figura 39 – APPs segundo a legislação vigente apartir de 1992.

Figura 40 – Hotéis da Via Costeira inaugurados até 1990 e feições geomorfológicas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho permitiu a realização de um resgate do Projeto Via Costeira, possibilitando enxergar: - a influência dos atores econômicos e políticos, percebida nas reformulações do projeto motivadas para acomodar o jogo de interesses, e nos valores irrisórios cobrados pelos terrenos, mostrando a sobrepujança do interesse individual em detrimento do coletivo; - a desconsideração da legalidade e da sustentabilidade na ocupação de algumas áreas consideradas de preservação permanente; - a não efetivação das medidas que garantiriam o acesso e uso da área pela população local (acessos, mirantes, estacionamentos, banheiros, quiosque, etc.); - a efetivação da contribuição do Projeto Via Costeira no desenvolvimento da atividade turística no estado e na proteção da área integrante do Parque Estadual Dunas de Natal. A identificação e espacialização das feições geomorfológicas permitiu verificar a área de estudo em uma situação mais próxima ao natural, ou seja, antes da descaracterização geomorfológica e edáfica provocadas pelas grandes intervenções relacionadas ao Projeto Via Costeira. Até então, as condições naturais da área (relevo e vegetação) dificultavam o acesso. Esta etapa do trabalho contribuiu com o objetivo geral, pois a identificação das feições geomorfológicas com ocorrência na área de estudo (dunas vegetadas, dunas não vegetadas, afloramento do tabuleiro costeiro, falésias, praias e recifes) foi essencial na identificação e delimitação das áreas consideradas de preservação permanente, pois muitas destas feições são objeto de preservação. O levantamento realizado sobre a legislação federal, estadual e municipal que trata das áreas de preservação permanente foi fundamental para confrontar a implantação do Projeto Via Costeira e os aspectos legais. Os instrumentos legais pesquisados mostraram que as áreas consideradas de preservação permanente foram ampliadas ao longo do tempo, atribuindo preservação a ambientes que

apresentam importância na garantia das funções ambientais da área de estudo. Nesse contexto se faz necessário uma ressalva, o Novo Código Florestal (Lei Federal nº 12.651/2012) diminuiu o rol das áreas consideradas de preservação permanente, tanto que dos elementos presentes na área de estudo, para esta Lei, apenas a borda de tabuleiro/falésia permanece como APP. Apesar disso, como o Código de Meio Ambiente Municipal de 1992 continua em vigor, os elementos da área de estudo seguem legalmente protegidos. Essa constatação evidencia a necessidade da sociedade civil manter-se atenta às alterações propostas para o Código do Meio Ambiente Municipal para que estes importantes elementos não percam a proteção legal que ainda lhes é garantida. Acreditamos que a implantação do Projeto Via Costeira como obra de utilidade pública é justificada apenas no que se refere à rodovia RN -301. A justificativa de utilidade pública promovida pela geração de emprego e renda através da ocupação hoteleira nas APPs, apesar de ter alavancado a atividade turística, é questionável, pois estas não eram as únicas áreas desocupadas. Os hotéis poderiam ter sido implantados em outras áreas da cidade, como Ponta Negra, Areia Preta, Praia do Meio, etc. No mínimo as ocupações poderiam ter sido distribuídas pelas áreas não consideradas APPs. Os equipamentos que permitiriam e incentivariam o uso da área pela população e pelos turistas, previstos no projeto inicial, deveriam ter sido implantados, pois eram uma de suas justificativas. Não podemos voltar no tempo, também não é viável ou razoável demolir as ocupações consolidadas, mas podemos utilizar essas considerações para orientar as futuras ocupações, obedecendo o que estabelece a legislação e garantindo a manutenção da paisagem e das funções ecológicas. Não devemos esquecer a implantação de equipamentos que facilitem e incentivem a utilização da área pela população, apesar dos quarenta anos de atraso, ainda está em tempo. Dentre os critérios que asseguram o cumprimento dos objetivos dos instrumentos de ordenamento do Município, desde o Plano Diretor de 1984, estão a proteção, a preservação ou a recuperação do meio ambiente e do patrimônio natural, destacamos, a recuperação. Alguns técnicos de órgãos licenciadores/fiscalizadores, investidores e seus representantes argumentam que as áreas descaracterizadas são passíveis de ocupação, no entanto, acreditamos que tal argumento não se sustenta,

pois, além da previsão legal, existem técnicas e métodos propostos e oficialmente instruídos para recuperar as áreas degradadas e assim garantir a manutenção de sua função ambiental. Liberar a ocupação de áreas degradadas é ser corresponsável por ela, pois interessados podem promover a degradação para posterior ocupação da área. Acreditamos que a medida mais adequada é declarar as áreas não ocupadas como áreas non aedificandi, objetivando garantir o valor cênico-paisagístico e a preservação ambiental, conforme § 2º do art. 20 do Plano Diretor de 2007, e que sejam objeto de projetos de recuperação de áreas degradadas – PRAD. A cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, possui uma grande beleza natural, tanto que desde o início da década de 1980 a promoção do turismo baseado no atrativo paisagístico tem gerado grande receita. Essa grande beleza que atrai turistas também atrai indivíduos e/ou grupos que não se contentam em contemplá-la, mas desejam se instalar o mais próximo, ou mesmo sobre os elementos da paisagem, descaracterizando-os

ou

destruindo-os

por

completo,

uma

situação

de

insustentabilidade não apenas ambiental e paisagística, mas também econômica, pois desaparecendo o objeto do interesse também desaparecerá o interessado. A ocupação da área de estudo é economicamente questionável e, segundo os dispositivos legais vigentes, juridicamente ilegal.

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