Implementação do Bacharelado em Música na Universidade Federal do Maranhão (capítulo de livro)

May 26, 2017 | Autor: Daniel Cerqueira | Categoria: Piano, Ensino da Performance Musical, Pedagogia do Piano, Violão, Bacharelado em Música
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CERQUEIRA, D. L. Implementação do Bacharelado em Música na Universidade Federal do Maranhão. In: CARVALHO SOBRINHO, J. O. (org) Pautas de investigação musical: um contributo ao estudos do texto e contexto. Teresina: EDUFPI, 2012, p. 79-104.

Implementação do Bacharelado em Música na Universidade Federal do Maranhão

CERQUEIRA, Daniel Lemos Desde a primeira década do Século XXI, observa-se a fundação de diversos

cursos de graduação em Universidades públicas no Brasil, especialmente devido ao

projeto de políticas públicas conhecido por REUNI - Projeto de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, iniciado em 2003 e instituído pelo Decreto nº 6.096/2007. Neste contexto, foi contemplada também a área de Música, com a criação de cursos de graduação em Estados onde não havia instrução musical a nível superior. Em locais onde já se instalava uma tradição de ensino musical, foram

criadas novas habilitações, diversificando as possibilidades de formação profissional na área em questão.

Abaixo, temos diversos gráficos demonstrando estatisticamente a fundação de

cursos de graduação em Música em Institutos e Universidades públicas brasileiras desde 2006:

Fig. 1 – Quantidade de habilitações criadas por ano desde 2006

Fig. 2 – Tipos de habilitações criadas em nível superior de Música desde 2006

Dentre os cursos criados, as estatísticas demonstram ampla preferência pela

modalidade Licenciatura Plena em Música ou Educação Musical, sendo 15 em um total de 33 habilitações criadas. Em geral, o objetivo principal desta habilitação é formar

professores para lecionar Música na disciplina de Artes para a Educação Básica. Um dos fatores que certamente levaram a esta preferência foi a implementação da atual Lei

de Diretrizes e Bases da Educação – LDB nº 9.394/1996, que levou a discussões acerca da formação “polivalente” do professor licenciado em Artes ou Educação Artística,

habilitação criada no Brasil em 1973 e progressivamente extinta a partir de 1996. Barbosa analisa questões pedagógicas relacionadas ao surgimento desta formação:

O currículo de Licenciatura em Educação Artística na universidade pretende preparar um professor de arte em apenas dois anos, que seja capaz de lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico, tudo ao mesmo tempo, da 1ª à 8ª séries, e em alguns casos, até o 2º grau. É um absurdo epistemológico ter a intenção de transformar um jovem estudante (a média de idade de um estudante ingressante na universidade no Brasil é de 18 anos) com um curso de apenas dois anos, num professor de tantas disciplinas artísticas. (BARBOSA, 1989, p.170-171)

Outra questão enfrentada pelo Arte-Educador na sociedade diz respeito à visão

amadora e de irrelevância que a Educação Artística possuía no contexto escolar, que

segundo Pires (2003, p.28), é demonstrada pelo próprio Conselho responsável pela redação do Parecer nº 540/77, onde a Educação Artística não constituía disciplina ou campo de conhecimento, mas mera “atividade” entendida como lazer. Assim, a LDB nº

9.394/1996 se apresenta como um momento oportuno para reforçar a importância da

Arte na formação global do ser humano, tratando das diversas áreas das Artes como forma digna de atuação profissional.

Em Universidades que possuíam o curso de Licenciatura Educação Artística ou

Artes, houve o desmembramento deste em Licenciaturas voltadas a áreas específicas do

conhecimento artístico, sendo estes Artes Visuais, Música, Dança e Teatro ou Artes Cênicas. Estas novas habilitações tinham como objetivo formar professores com

formação mais sólida em cada linguagem artística, buscando resolver a questão da

superficialidade na formação do Arte-Educador polivalente. Alguns exemplos de instituições que vivenciaram esta realidade nas últimas décadas são a Universidade

Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e Universidades Federais do Acre (UFAC), Pará (UFPA), Amazonas (UFAM), Maranhão (UFMA), Piauí (UFPI) e Paraíba (UFPB).

Nas instituições que não possuíam cursos de graduação na grande área de

Artes, houve preferência também pela criação da Licenciatura Plena em Música. Dentre os exemplos, há as Universidades Estaduais do Maranhão (UEMA), Feira de Santana

(UEFS), Universidades Federais dos Pampas (UNIPAMPA, Rondônia (UNIR), São João del Rei (UFSJ), São Carlos (UFSCar) e Ceará (UFC), sendo que esta última fundou três cursos de 2005 a 2010, nos campi de Fortaleza, Sobral e Cariri. Observa-se

ainda o surgimento destas habilitações em Institutos Federais, a exemplo do Instituto Federal de Goiás (IFG).

Ainda, a modalidade Licenciatura em Música constitui base fundamental dos

primeiros e únicos cursos de Educação à Distância (EAD) em nível de graduação na

área de Música. Três instituições oferecem esta habilitação: a Universidade Nacional de Brasília (UnB) que também leva o nome de Universidade Aberta do Brasil (UAB/UnB),

e as Universidades Federais de São Carlos (UFSCar) e Rio Grande do Sul (UFRGS).

Esta última fundou pólos em várias regiões do país através de parcerias com outras instituições, entre elas as Universidades Federais da Bahia (UFBA), Alagoas (UFAL),

Mato Grosso (UFMT), Espírito Santo (UFES), Roraima (UFRR), Rondônia (UNIR) e a Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

Outra característica que provavelmente levou à preferência pela criação de

cursos de Licenciatura em Música ou Educação Musical é a aproximação desta para

com o formato de ensino tradicional do modelo acadêmico da Universidade, fato não observado nos cursos de Bacharelado em Música tradicionais devido especialmente à

necessária metodologia de ensino individual. Sendo assim, os cursos de Licenciatura em

Música permitem formar um número muito maior de alunos com menor utilização de recursos materiais e humanos, exigindo menor infraestrutura para iniciar suas

atividades. Ainda, tais cursos se mostram mais adequados às políticas do REUNI, observáveis no Decreto nº 6.096/2007:

Art. 2º O Programa terá as seguintes diretrizes: I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno; II - ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior; III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;

IV - diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas à profissionalização precoce e especializada; V - ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e VI - articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a educação básica. (BRASIL, 2007)

Observa-se, ainda, menção à “diversificação das modalidades de graduação”,

justificando a preferência recente por outro tipo de habilitação: o Bacharelado em

Música Popular, criado recentemente em 5 instituições. Implantada pioneiramente na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 1989, esta modalidade tem

surgido em resposta à demanda social pela linguagem da Música Popular por um viés musical, uma vez que fora durante décadas objeto de estudos acadêmicos em áreas como História, Filosofia, Antropologia e Comunicação, que por sua natureza carecem

de abordagens essencialmente musicais. Esta ideia é observada no projeto pedagógico

do Bacharelado em Música Popular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fundado em 2009:

A habilitação em Música Popular se dedica a uma importante expressão artístico-cultural na sociedade, reunindo sob o mesmo signo uma imensa diversidade de manifestações que se por um lado têm muito em comum, são também manifestações de forças sociais muito diversas. Como no último século observou-se no mundo ocidental o desenvolvimento de inúmeras formas de expressão musical, do jazz à música minimalista, onde a música popular urbana desponta como uma nova dimensão na cultura dos povos, o que esta habilitação propõe é a criação de um universo acadêmico mais amplo, abrangendo também estas formas de transmissão do conhecimento musical. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS, 2009, p.3)

Em instituições que possuem o Bacharelado tradicional com habilitações em

Canto, Instrumentos, Composição e Regência, a criação do curso de Música Popular

promove intensa diversificação das práticas educativo-musicais. São contempladas habilidades como improvisação, arranjo, produção em estúdio e notação musical específica desta linguagem, além da prática de instrumentos característicos como

guitarra, baixo elétrico e teclado eletrônico. Exemplos de instituições tradicionais que iniciaram recentemente esta habilitação são as Universidade Federais da Bahia (UFBA), Minas Gerais (UFMG), Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pelotas (UFPel). Com relação a

cursos recentemente criados, destaca-se a criação do Bacharelado em Música Popular na recente Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), sendo o primeiro curso de Música desta instituição. Ainda, a Universidade Federal de Campina

Grande (UFCG) criou um Bacharelado em Produção Musical, com ênfase na prática instrumental da Música Popular.

Outro tipo de formação musical que tem sido contemplada é a Licenciatura em

Música com habilitação em Instrumento, Canto, Composição ou Regência. Em

contraponto às Licenciaturas em Música que existiam antes da LDB nº 9.394/1996 –

que eram cursos de Bacharelado com menos disciplinas de prática instrumental e complementação pedagógica – este tipo de formação pretende prover conhecimentos

pedagógicos à formação tradicional do músico intérprete, possibilitando também atuar como professor de Música na Educação Básica a partir de sólida instrução prática especializada. Tal habilitação visa especialmente a resolver o problema de formação do

músico-professor, pois historicamente, o ofício de ensino da Performance Musical

constitui importante atividade profissional. Esta ideia está presente na análise da proposta formativa do então Instituto Nacional de Música – atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – cujo curso superior de Música se destinava à formação de “instrumentistas, cantores, regentes, compositores e professores

dessas habilitações” (ESPERIDIÃO, 2003, p.100-101). Abaixo, Glaser e Fonterrada complementam esta concepção:

O professor de instrumento musical é o músico instrumentista, embora sua formação no curso de Bacharelado seja direcionada exclusivamente para a execução musical. Neste curso, a grade curricular não costuma prever a inclusão de conteúdos pedagógicos em acordo com a situação profissional do futuro instrumentistaprofessor (...) Pela formação específica dirigida para a formação do músico executante, pelo pouco contato com outras áreas do conhecimento, como Pedagogia ou Psicologia, pela ausência de disciplinas voltadas ao ensino do instrumento e pela pouca bibliografia específica a respeito do assunto disponível no Brasil, é comum o músico ter dificuldades em complementar sua formação. (GLASER; FONTERRADA, 2007, p.28-29)

Assim, as Licenciaturas em Instrumento, Canto, Composição ou Regência vem

contribuir para resolver a problemática dos cursos atuais de Licenciatura em Música:

Com relação aos cursos de Licenciatura em Música, a modalidade pedagógica dos cursos de graduação musical, estes não se mostram preparados para formar professores de instrumento, pois suas disciplinas concentram-se em formar professores aptos para lecionar em escola regular. (CERQUEIRA, 2010a)

Com relação às instituições que fundaram recentemente cursos de Licenciatura

em Música com habilitação em campos de atuação da Performance Musical, temos as Universidades Federais da Paraíba (UFPB), Campina Grande (UFCG), São João del Rei

(UFSJ) e Piauí (UFPI). Ainda, reforça-se a criação do curso de Licenciatura em Instrumento da Música Popular Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), Campus Belo

Jardim, em 2009. Com a proposta de “promover e incentivar a produção musical e cultural local” (INSTITUTO FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2009, p.11), esta proposta aproxima a aprendizagem em prática instrumental, a linguagem popular e a formação de professores para a Educação Básica.

Há, ainda, a fundação do curso de Bacharelado em Musicoterapia na

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2009, sendo um dos dois existentes no país, ao lado da Universidade Federal de Goiás (UFG). Neste caso em particular, a

matriz curricular contempla diversas disciplinas nas áreas de Biologia, Medicina e Psicologia. No entanto, observa-se que a habilitação preferencial em Musicoterapia é

pelo curso de pós-graduação lato sensu, aproveitando os conhecimentos musicais adquiridos em uma graduação em Música.

Com relação ao Bacharelado tradicional em Música – o tipo de formação

musical em nível superior mais antigo do Brasil, surgido em 1931 – foi verificada a criação de apenas três cursos desde 2006, realizadas nas Universidades Federais de Campina Grande (UFCG), Espírito Santo (UFES) e Juiz de Fora (UFJF), sendo que

nesta última foram criadas habilitações em Piano, Violão, Canto, Violino, Violoncelo e

Flauta Transversal. Este curso gera movimento musical na região de Juiz de Fora, pois além de formar músicos profissionais, atrai investimentos para realização de eventos

musicais como o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e o Concurso

Nacional de Piano Arnaldo Estrella, eventos acadêmicos como o Encontro de Musicologia Histórica e a manutenção de grandes grupos musicais, como a Orquestra de Câmara, Coral Pró-Música e Orquestra Barroca (esta formada durante o Festival de Música). Em Campina Grande, há também o Festival Internacional de Música, que traz músicos de renome internacional para realizar concertos e master-classes, gerando grande movimentação cultural e econômica para a região.

Com relação ao Bacharelado em Composição com ênfase em Trilha Sonora,

criado na UFES, há o engajamento em aliar a formação tradicional com possibilidades de atuação profissional da atualidade, dialogando com a cultura midiática. Assim, a UFES pretende oferecer um curso em consonância com o contexto cultural do

momento, buscando resolver uma das grandes críticas feitas ultimamente sobre os cursos de Bacharelado em Música. Em instituições que oferecem esta habilitação há

décadas, observa-se um distanciamento entre a prática musical da formação e a

realidade cultural, fato que leva à baixa demanda pelo curso e altos índices de evasão.

Ainda, devido ao caráter tradicional das instituições – principalmente por parte de seus professores – e à burocrática estrutura da administração pública brasileira, torna-se

difícil promover reformas mais amplas em cursos que já existem há mais tempo. Somando-se a isto, esta habilitação possui particularidades pedagógicas que não se mostram plenamente compatíveis com as atuais políticas de expansão e massificação

das Universidades, fato que certamente levou à preferência pela criação de cursos de Licenciatura em Música.

Mesmo diante da provável resistência apresentada pelas atuais políticas

públicas de Educação, é esta a modalidade de Bacharelado em Música que se pretende

criar na Universidade Federal do Maranhão, pois a exemplo da experiência das instituições mencionadas anteriormente, a movimentação cultural e econômica que este curso leva à sociedade é ímpar e de grande valia. Porém, para que a fundação deste

curso possa ser concretizada, torna-se necessário estabelecer estratégias que possam

adequá-lo à atual conjuntura política, histórica e cultural maranhense e nacional. Além disso, é necessário analisar os problemas pedagógicos que os Bacharelados tradicionais em Música podem apresentar, pois não é desejo do corpo docente da UFMA incorrer nas mesmas problemáticas históricas. Além disso, a experiência de oferecer uma

habilitação atual, capaz de superar tais problemas, poderá se tornar referência para a oferta desta modalidade em outras instituições, contribuindo para findar com a

estigmatização observada atualmente acerca dos cursos de Bacharelado em Música tradicionais, tanto na sociedade quanto no próprio meio acadêmico.

Sendo assim, haverá em seguida uma análise em perspectiva histórica sobre

características desta habilitação, delineando estratégias de implementação adequadas à

prática musical, pedagógica, profissional e às políticas públicas da atualidade. Esta pesquisa é a principal norteadora do projeto pedagógico de fundação do Bacharelado em Música na UFMA.

Breve retrospecto histórico da Educação Musical no Brasil

Os registros sobre as primeiras formas de ensino da Música no Brasil remetem

ao trabalho dos jesuítas no final do Século XVII, que além de possuir a missão de

catequizar os nativos da colônia, ofereciam instrução sobre conhecimentos elementares, entre eles a Música. Neste período, havia as “escolas de cantar e tanger”, com o objetivo de instruir índios para a performance em manifestações religiosas (ESPERIDIÃO, 2003,

p.45-47). Há relatos de atividades semelhantes em aldeias do Maranhão, remetendo ao

início do Século XVII (LEITE, 1949, p.28). Dessa forma, assim como nas demais regiões do país, a prática musical no Maranhão estivera fortemente atrelada a fins religiosos (CARVALHO SOBRINHO, 2004, p.10)

No Século XVIII, o ensino musical passou a ser exercido também por mestres

de capela, mestres de solfa e mestres independentes de Música. A partir de então, era

oferecida uma bagagem musical mais sólida e de origem europeia que contemplava

iniciação à teoria e prática musical, análise de peças e prática de conjunto, todas voltadas à Performance Musical. Neste contexto, surgiram as primeiras instituições de ensino musical: as “Escolas Públicas de Música”, administradas pelos mestres em

caráter particular (ESPERIDIÃO, 2003, p.71-73). No Maranhão, o primeiro mestre de

capela com autorização do governo para criar uma Escola de Música foi João Ribeiro Leão, sendo nomeado em 1648. Todavia, uma carta-queixa datada de 1727 relatou que o

referido mestre não se encontrava em São Luís, mas em Olinda (LANGE, 1966. p.44), ficando incerta a realização de seu trabalho na capitania do Maranhão.

As primeiras capitanias que possuíam intensa atividade musical na então

colônia portuguesa eram Bahia – o primeiro grande centro musical – Pernambuco, Pará e Minas Gerais, sendo que esta última obteve grande ascensão cultural e econômica especialmente no final do Século XVIII (ESPERIDIÃO, 2003, p.63-64). Com a chegada

da família real no início do Século XIX, as atividades culturais foram centralizadas na capitania do Rio de Janeiro, que agora passara o possuir a capital da colônia. Neste

contexto, surgem um importante músico da história brasileira: o padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), autor do primeiro método de Piano brasileiro que se tem registro, o Méthodo de Pianoforte (1821). Garcia foi o principal responsável pela

Educação Musical – fundando um curso de Música que durou 28 anos – e realização de

eventos musicais no Rio de Janeiro no final do período colonial, tendo trabalhado como mestre da Capela Real no Brasil (ESPERIDIÃO, 2003, p.81).

Após a Independência do Brasil em 1822, o país passou por grande período em

busca da construção de sua identidade cultural. Sob o âmbito musical, surge uma figura

fundamental para a consolidação da área no Brasil: Francisco Manuel da Silva (17951865), mais conhecido como autor da melodia do Hino Nacional Brasileiro. Dentre suas

contribuições no campo da Administração Musical, destaca-se a criação da Sociedade Beneficente Musical em 1833 – a primeira organização da classe dos músicos – e a Sociedade Filarmônica em 1834, que realizou as primeiras apresentações de obras

orquestrais no Brasil. Além disso, sua mais importante contribuição certamente foi sua

mobilização pela fundação do Imperial Conservatório, concretizada através do Decreto

Imperial nº 238 de 1841. Esperidião atribui à mobilização de Silva uma ideia semelhante aos ideais atuais de inclusão social e acesso democrático à Música:

A meu ver, observamos claramente a preocupação de Francisco Manuel em proporcionar um ensino musical a todas as camadas da população, a exemplo dos países europeus. Podemos concluir que seu pensamento esboçou traços de uma democratização da arte musical. Ao considerar o talento inato dos brasileiros para a música, parece-nos clara a coexistência de uma fertilidade musical na vida cultural da cidade, a qual Francisco Manuel lutava por resgatar, apesar das dificuldades nos planos político e econômico do país, naquele momento. (ESPERIDIÃO, 2003, p.105)

Seguindo o modelo conservatorial – que na época estava tendo grande sucesso

na Europa como os Conservatórios de Stuttgart e Viena, além do pioneiro Conservatório de Paris – o Imperial Conservatório se tornara a primeira instituição pública de ensino musical no Brasil, servindo de modelo a outras instituições em diferentes regiões do país, entre elas a Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM), fundada em 1971.

Grande parte dos cursos de Música mais antigos do Brasil foram criados a

partir da incorporação de Conservatórios, Escolas de Música e Institutos de Arte à estrutura administrativa universitária, como no caso das Universidades Federais do Rio de Janeiro (UFRJ), Minas Gerais (UFMG), Bahia (UFBA), Goiás (UFG) e Rio Grande do Sul (UFRGS). Logo, o modelo conservatorial constitui o embrião dos cursos de

Bacharelado em Canto, Instrumentos, Composição e Regência da atualidade,

transmitindo a estes últimos ampla variedade de características musicais, pedagógicas e administrativas, consolidando um verdadeiro ambiente cultural sob as entrelinhas da instituição.

Modelo educacional dos Conservatórios do Século XIX

Historicamente, a ênfase da formação musical no modelo dos Conservatórios

do Século XIX – o primeiro contexto de ensino formal da Música – é a Performance

Musical voltada à Música de Concerto europeia. Há inúmeras referências que apontam

esta característica, sendo de particular interesse o discurso de um professor da então Escola Nacional de Música (atual Escola de Música da UFRJ) relatado por Carvalho:

Classificada por um de seus professores como uma escola tradicional de influência européia, a Escola Nacional de Música tem tido como objetivo maior durante sua longa existência a performance de seus

alunos no terreno da música erudita e a técnica apurada na interpretação da obra de grandes mestres. (CARVALHO, 1995, p.31)

É certo que a prática musical – personificada aqui em Performance Musical,

Composição e Regência – deve ser o elemento norteador da matriz curricular dos cursos de Bacharelado em Música, e sempre será. Porém, com relação ao modelo

conservatorial do Século XIX, questiona-se uma formação voltada a estilos musicais

restritos (no caso a Música europeia de Concerto) e baseada no “mito do virtuose”, ou

seja: na ideia que o perfil do intérprete solista, dotado de grandes habilidades motoras, é o mais adequado em termos educacionais. Em princípio, esta concepção gera dois problemas:

 O perfil do intérprete solista constitui uma parte mínima das possibilidades musicais de atuação profissional, e focar exclusivamente neste perfil dificultará a inserção do futuro bacharel na sociedade;

 A supervalorização dos aspectos motores da Performance Musical não considera a

importância de uma formação diversificada, além de não garantir um ensino contextualizado musicalmente.

Com relação à supervalorização do perfil do intérprete solista, há como

consequência a ideia de que o ofício de professor possui menor importância:

Estabelecida uma divisão, muitos de nós se preocupam sobre o fato de que “concertistas”, pela natureza de sua atividade, ganham um público admirador, sendo considerados cidadãos de primeira-classe em nossa profissão, enquanto “professores” precisam continuar quase totalmente desvalorizados, secundários e sofridos. Continuar acreditando nesta divisão leva a ideias depreciativas como “se você não pode tocar, pode sempre ensinar” ou “aqueles que podem, fazem; aqueles que não podem, ensinam”. Do outro lado da moeda, há comentários que descrevem os estereótipos de quem “toca bem, mas não é capaz de ensinar” ou, em nível mais sutil, “não faz nada mas treina”, sugerindo incapacidade de ensinar em um nível acima da repetição exaustiva. (GORDON, 1995, p.4)

Assim, diversificar o perfil dos egressos permite dissipar estas valorações

acerca das diversas formas de atuação profissional em Música, reconhecendo a importância de cada especialidade do ofício musical.

Sobre o segundo problema apontado, este constituiu um grave problema na

Educação Musical. A ênfase exclusiva no estudo das questões técnicas não favorecia o

desenvolvimento da compreensão musical como um todo. Bomberger comenta este tipo de prática no ensino de Piano, baseada principalmente na estratégia de repetição como

forma de “adestramento” do controle motor, estendendo o assunto para a questão do repertório:

A repetição mentalmente desligada deste tipo de prática produziu gerações de pianistas cujos dedos podiam superar dificuldades incríveis, mas com corações fechados para a beleza da Música. O currículo rigoroso requeria que todos – menos os estudantes mais talentosos – tocassem exatamente as mesmas peças na mesma ordem, limitando o repertório padrão e desencorajando o interesse na nova música. Talvez o maior equívoco fosse a noção de que terminar um livro de exercícios faria de alguém um “artista”. (BOMBERGER In: PARAKILAS, 2001, p.131)

Em seguida, o autor reforça que no caso do ensino de Piano em particular, o

modelo conservatorial permitiu consolidar uma abordagem sistematizada do ensino

musical, que até então não fora possível. A adoção de um repertório básico (ou mínimo) criou a noção de “cânone musical”, ou seja: peças características do instrumento que todo intérprete deve conhecer. Por outro lado, este “cânone” restringia o conhecimento

de repertório a poucos compositores, e limitava o interesse em conhecer outros estilos

musicais. A partir daí, vem a “percepção do grande compositor como um herói de importância quase que religiosa” (BOMBERGER In: PARAKILAS, 2001, p.133).

Logo, contemplar obras de estilos musicais variados e de formações instrumentais

diversas torna-se um importante enriquecedor do currículo. Esta concepção de “programa

mínimo” (CERQUEIRA, 2011, p.39) – que oferece contato com as peças características do instrumento, abrindo à possibilidade de adotar outros estilos e formações – foi utilizada na reforma do Projeto Político-Pedagógico do Curso Técnico em Instrumentos e Canto da Escola

de Música do Estado do Maranhão “Lilah Lisboa de Araújo” (EMEM). Na oportunidade, os professores definiram um mínimo de peças do instrumento que caracterizasse um determinado

estágio de conhecimento do repertório para aquele semestre. A partir deste mínimo, haveria a

possibilidade de contemplar outras peças ou substituir as do repertório mínimo caso possuíssem características semelhantes.

Com relação à abordagem didática do ensino de Piano no modelo

conservatorial do Século XIX, esta é classificada historicamente como “seguida de um

modo instrucional autoritário” (USZLER In: USZER et al, 2000, p.256). Tal abordagem

pode ser relacionada à corrente psicológica do Comportamentalismo (ou Behaviorismo),

onde o processo educacional é avaliado por respostas a estímulos – no caso as instruções oferecidas. Ao tratarmos sobre a repetição como estratégia de estudo neste

contexto, por exemplo, o professor irá avaliar se o aluno está repetindo o trecho musical

de acordo com a notação da partitura, sem se preocupar se o mesmo está

compreendendo de fato a estrutura musical, a digitação definida ou se está atento à

sonoridade desejada. Logo, é nesta situação que pode ocorrer a repetição condicionada, descrita anteriormente por Bomberger.

O modelo de aprendizagem em questão vem sido criticado desde o final do

Século XIX. Nesse período, surgiram autores questionando este processo didático,

dando origem aos chamados “métodos ativos” por alguns autores – que em muitas das oportunidades, não constituem métodos em si, mas ideais pedagógicos. Dentre os pesquisadores, destaca-se Jacques Dalcroze, que desenvolveu uma metodologia de ensino conhecida como “eurritmia”, que na época buscava superar os problemas de

aprendizagem vivenciados nos Conservatórios, considerando que o ensino musical deve considerar a transmissão e aquisição de informações corporais (FREGO, 2012, p.1).

Outra crítica feita ao ensino musical do Século XIX diz respeito ao caráter

“reprodutivo” deste processo de aprendizagem, em contraponto ao ensino “criativo”

defendido hoje pela Educação Musical voltada à Educação Básica. Glaser faz uma observação sobre o que seria este caráter “reprodutivo”:

Aplicado à situação de ensino-aprendizagem, pode-se dizer que, quando um aluno trabalha por mera repetição, obediência, memorização e submissão, dentro de uma situação que é fruto de conformismo em relação a um estímulo controlador (professor, outro aluno, regras), ele não está sendo criativo, mesmo que esteja participando de atividades criadoras (geradoras de um novo produto). Pode estar adquirindo certo conhecimento, ser capaz de fazer “tudo direitinho” e reproduzir corretamente os conteúdos, mas não está experienciando uma vivência cultural de forma criativa. Pode até estar em um momento em que o grupo esteja produzindo algo novo, mas não está vivendo criativamente o processo. Por outro lado, mesmo que submetido a certos limites, quando a postura pessoal do indivíduo é de contribuição autêntica (e não de submissão com o sentido de agradar ou ser recompensado), a atividade criativa encontra lugar. Quando o aluno simplesmente obedece e restringe-se a fazer tudo o que o professor manda, sem questionar e participar ativamente do processo, ele não cria, repete. (GLASER, 2007, p.3)

Nesse sentido, a crítica se dirige a um modelo educacional, e não ao ensino de

Piano em particular. Apesar desta diferença, o Piano carrega a conotação social de possuir uma didática rígida baseada na obediência, principalmente por estar

intimamente associado aos Conservatórios (BOMBERGER In: PARAKILAS, 2001, p.134). Nesse sentido, o Violão – habilitação a ser criada no Bacharelado em Música da

UFMA – possui um histórico social e pedagógico diferente, pois até o início do Século XX, era raramente considerado um instrumento apropriado para as salas de concerto.

Assim, o ensino do Violão se manteve sob os moldes da instrução individual total, onde o mestre passava ao aprendiz todos os conhecimentos e habilidades musicais agregadas

(HARNONCOURT, 1988, p.29), diferentemente do ensino fragmentado em disciplinas presente na Educação Musical formal.

Tendo em mente toda esta problemática acerca da Educação Musical do Século

XIX – sempre se referindo a este período específico, pois houve uma grande

reformulação pedagógica nos Conservatórios após 1945, principalmente na Europa e nos Estados Unidos (RITTERMAN In: SADIE, 2010) – torna-se possível elaborar um

projeto político-pedagógico de Bacharelado em Música que busque soluções para tais

questões, permitindo um ensino musical contextualizado e criativo, livre de regras e

preconceitos. Ainda, será contemplado o desenvolvimento de habilidades diversas que permitam atuar nos mais variados campos da Música, como produção musical em estúdio, organização de eventos musicais, participação em projetos sociais, pesquisa e

ensino, além da própria Performance Musical solo e em grupos instrumentais. No caso do Piano em particular, há o perfil do pianista acompanhador, que necessita do

desenvolvimento de habilidades particulares a este perfil, como leitura à primeira vista e conhecimento do repertório de câmara. Dessa forma, serão analisadas em seguida

decisões tomadas durante a elaboração do projeto, tendo em mente a problemática supracitada.

Estratégias de Implementação do Bacharelado em Música

Para a definição dos saberes fundamentais a serem contemplados na matriz

curricular do Bacharelado em Música da UFMA, cada questão foi analisada sob

perspectivas diversas, não ficando restritas exclusivamente a olhares musicais e/ou pedagógicos. Logo, reforça-se a importância de analisar o objeto de estudo a partir de

uma ampla gama de olhares, pois existe a tendência do indivíduo em utilizar poucos pontos de vista como elementos norteadores da análise. Esta tendência é observada em

cursos tradicionais de Música, onde é costumeiro utilizar somente o pensamento

musical sem considerar seu diálogo com outras áreas como, por exemplo, Pedagogia,

Física, História e Administração. Nesse sentido, o trabalho em grupo é extremamente

enriquecedor, pois cada indivíduo contribuirá para diversificar os pontos de vista sobre o objeto analisado. Sendo assim, a discussão em torno de cada assunto será exposta em seguida.

A primeira questão diz respeito à diversificação das opções de atuação

profissional, que deve ser contemplada em paralelo à sólida formação em prática

musical. Além da atuação tradicional em Performance Musical solo, foram

contemplados conhecimentos dos seguintes segmentos de atuação profissional: Música de Câmara e Acompanhamento (este último no caso do Piano); Ensino da Performance

Musical; Pesquisa em Música; Informática Musical – que contempla prática de gravação e edição em estúdio; Administração, Legislação e Publicidade em Música –

que contempla elaboração de projetos culturais. O diagnóstico sobre estas formas de

atuação foi realizado a partir de pesquisas vinculadas ao atual Curso de Licenciatura Música da UFMA (CERQUEIRA, 2009; 2010a; 2011). Obviamente, nenhum curso

superior é capaz de oferecer todos os conhecimentos importantes para cada modalidade de atuação profissional de forma plena. Sendo assim, o objetivo é oferecer saberes

básicos fundamentais que permitam aos futuros egressos se especializar na área de interesse.

Ainda sobre currículo, foi adotada a ideia de flexibilização das disciplinas de

prática instrumental (Piano I a IX e Violão I a IX), permitindo a escolha de obras

importantes do repertório em estilos e contextos variados, baseado no conceito de repertório mínimo mencionado anteriormente. O curso terá um total de 9 semestres,

havendo um recital público a cada 3 semestres. No repertório, é necessário contemplar

peças de no mínimo quatro estilos da Música de Concerto, podendo adotar em até 50% peças características da Música de Câmara e da Música Popular. Ainda, recomenda-se

estudar a técnica no próprio repertório, evitando a adoção de estudos e exercícios

elaborados com base na ideia da técnica como destreza motora (KAPLAN, 1987, p.92). Há, ainda, a possibilidade de realização do recital em qualquer momento do semestre, que permite adiantar o trabalho de leitura do repertório e estabelecer um planejamento

de recitais para o aluno, aproveitando o repertório consolidado e contribuindo para seu

amadurecimento em palco. Esta última foi pensada de maneira a atenuar o problema da Ansiedade na Performance a partir da experiência de palco. Segundo Kesselring (In: ALTENMÜLLER et al, 2006, p.309-311), a Ansiedade na Performance possui fortes

elementos psicológicos, sendo necessário também trabalhar a auto-estima e pensamentos positivos em situações de apresentação pública.

O conceito de técnica é um poderoso elemento norteador em cursos de

formação em Performance Musical. Assim, é fundamental alicerçar o eixo de

Performance Musical sob uma concepção adequada de técnica. Dentre as possíveis

definições, a técnica será considerada primariamente como um agregado de diversas

habilidades, de acordo com as pesquisas de José Alberto Kaplan (1987) e o Modelo de Ensino e Aprendizagem da Performance Musical (CERQUEIRA; ZORZAL; ÁVILA,

2011). O movimento corporal é a exposição de um processo iniciado no cérebro, que envolve controle motor fino em resposta a uma determinada concepção musical que se

deseja realizar. Ainda nesta definição, conhecimentos prévios de estilo, História da

Música e experiências empíricas são considerados parte da técnica, uma vez que influenciam diretamente a interpretação da obra pelo músico e, consequentemente, a

sonoridade desejada. Isto explica porque músicos de grandes capacidades musicais e motoras e especializados na Música Erudita encontram grandes dificuldades ao lidar com a Música Popular, pois o conhecimento de repertório e linguagem musical constituem a própria natureza da técnica performática.

Focando nas relações elementares de ensino e aprendizagem da Música, uma

característica particular da Performance Musical se mostra iminente: a transmissão oral

de conhecimentos. Segundo Fisher (2010, p.40-41), há três tipos de informações que são transmitidos no ensino musical: visuais, auditivas e cinestésico-táteis. As visuais

podem ser livros ou material didático, partituras, vídeos ou observar alguém tocando, enquanto as auditivas se restringem a informações passadas verbalmente, a audição crítica – onde o próprio músico ouve e avalia sua interpretação – percepção musical e apreciação de outras interpretações ao vivo ou por registro sonoro. As informações

cinestésico-táteis, por sua vez, ainda não dispõem de tecnologia suficiente para registro, sendo fundamental a presença de um professor ou instrutor para orientá-las. Trata-se de um

conteúdo

fundamental

para

o

aprimoramento

do

controle

motor

e,

subsequentemente, da técnica e execução musical como um todo. Sendo assim, a transmissão oral de conhecimentos é uma característica essencial do ensino da Música, sendo fundamental respeitá-la em contexto universitário, pois este possui forte

tendência em adaptar as metodologias de ensino ao pensamento lógico-racional e bibliográfico tradicional.

Esta própria adequação às particularidades do ensino musical fica mais

evidente na definição dos critérios de acesso às vagas de graduação – “vestibular” – do Bacharelado em Música. Historicamente, o curso superior de Música exige uma prova

de habilidades específicas, uma vez que a oferta do conhecimento musical na Educação Básica é insatisfatória – e mesmo naquelas áreas em que há oferta satisfatória, é exigida

prova no vestibular. O primeiro curso de Bacharelado em Música, iniciado em 1931 na

atual Escola de Música da UFRJ, exige a aplicação desta prova no vestibular desde

então (ESPERIDIÃO, 2003, p.100-101). Como forma de reforçar cientificamente a

necessidade de adotar a prova de habilidade específica em Música, utilizou-se no Projeto Pedagógico a teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (GAMA, 1998, p.1), que considera a linguagem musical como uma inteligência em particular,

dentre aquelas que o ser humano pode desenvolver. Ainda, a aprovação do Projeto

Pedagógico fica condicionada à existência de critérios adequados de seleção, uma vez que as atividades pedagógicas seriam impossibilitadas.

Por último, a implantação do Bacharelado em Música irá depender também da

observância às Políticas Públicas de Educação, contemplando a legislação federal e

interna vigente. São as leis federais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/1996; a Resolução CNE/CES 02/2004, que são as Diretrizes Curriculares

Nacionais de graduação em Música; e a Lei nº 11.788/2008, que regulamenta o Estágio

Curricular Supervisionado. Dentro da legislação interna da UFMA, o Art. 7º Resolução CONSEPE 684/2009 obriga todos os cursos de graduação desta instituição a adotar o

Estágio Supervisionado, fato que não fora previsto no Projeto inicial. Sendo assim, o Estágio servirá para aprimorar experiências nas diversas possibilidades de atuação

profissional expressas anteriormente, entre elas: apresentações musicais individuais ou

em grupo; ensino da Performance Musical e iniciação musical através do instrumento; prática de estúdio; promoção de eventos musicais e pesquisa nas diversas subáreas da Música. Ainda, reitera-se que o Sistema de Controle Acadêmico (SCA) da UFMA

impede o registro de disciplinas com menos de dez alunos. Assim, foi reforçado no

Projeto Pedagógico que o Sistema precisa ser modificado para registro das disciplinas de Instrumento Individual e Coletivo.

Juntamente com estas discussões, previram-se algumas problemáticas que não

foram claramente resolvidas, mas que necessitam de nossa atenção. Tais questões serão descritas adiante.

Problemáticas emergentes

A primeira questão evidente diz respeito ao futuro corpo docente do Curso. Em

diversas instâncias da Universidade, a produção artística não é contemplada de forma

satisfatória, sendo que no Planejamento Departamental não é reconhecido tempo de preparação para atividades artísticas. Os professores do Bacharelado em Música são

instrumentistas por natureza, e o reconhecimento do tempo gasto na preparação de seu

repertório se mostra essencial e justo. Tal fato vem se alinhar à longa discussão sobre o papel da Performance Musical como linha de pesquisa em Programas de Pós-Graduação

em Música (AQUINO, 2003), uma vez que os órgãos voltados ao fomento da pesquisa só reconhecem publicações e projetos de pesquisa e extensão. A área tem realizado

conquistas recentes, como o próprio reconhecimento da produção artística. Porém, pela

própria natureza da Arte, torna-se difícil – ou impossível – estabelecer critérios de

avaliação da produção. Assim, esta será pauta a ser discutida no futuro Planejamento Departamental dos professores do Bacharelado em Música.

A segunda questão diz respeito às políticas de oferta das vagas de graduação

adotadas pelo Ministério da Educação (MEC) em geral e pela UFMA em particular. A

primeira dificuldade é a realização da prova de Habilidade Específica de forma que

constitua parte avaliativa de todo o processo seletivo. O atual teste para ingresso nas vagas do Curso de Licenciatura em Música da UFMA é feito mediante o Sistema de Seleção Unificado (SiSU), que além de delegar as vagas do curso ao MEC, não permite a adoção de nenhuma prova além do ENEM. Logo, o Projeto Pedagógico reforça que o

teste para ingresso no Bacharelado deverá constituir avaliação integrante do vestibular.

Ainda, devido a suas características pedagógicas, o Bacharelado em Música – além de não poder oferecer grandes quantidades de vagas – não pode ser obrigado a preencher

todas as vagas – característica recente das Políticas Públicas da Educação Superior. Como estratégia que permita o trabalho pedagógico sem deixar de observar tais políticas, as vagas não preenchidas serão remanejadas dentro das habilitações, e em último caso, serão cedidas ao curso de Licenciatura em Música.

Por último, evidencia-se a questão da infraestrutura disponível. Como forma de

viabilizar a implantação do Bacharelado em Música, foi fundamental aproveitar o máximo de disciplinas já ofertadas na Licenciatura em Música, com a retirada apenas

das cadeiras específicas da Pedagogia e de prática de ensino musical na Educação Básica. Ainda, será necessário providenciar na implantação apenas um espaço físico: o

estúdio de ensino individual e coletivo. Cada estúdio permite ofertar duas habilitações

do Bacharelado, sendo duas vagas anuais por habilitação. Todavia, o curso certamente se expandirá, necessitando de mais professores e espaços físicos como auditório, mais

estúdios, sonoteca e biblioteca especializada. Sendo assim, foi adicionado ao Projeto Pedagógico um plano de expansão, antevendo o funcionamento do curso e a necessidade de providenciar novos recursos.

Expectativas

Um curso de Bacharelado em Música já era esperado no Maranhão há alguns

anos. Por falta desta habilitação, vários ex-alunos do curso técnico da Escola de Música do Estado do Maranhão (EMEM) foram para outros Estados realizar um Bacharelado

em Instrumentos e Canto. A fundação deste curso na UFMA irá, primeiramente, suprir esta demanda.

Todavia, a questão mais importante da fundação deste curso diz respeito à

perspectiva de que haja considerável aumento da movimentação cultural e produção

musical no Estado. Como demonstrado anteriormente, a criação desta habilitação em outras Universidades brasileiras permite a realização de concertos, festivais e concursos,

além de constituir o embrião de uma futura Orquestra Sinfônica no Maranhão, sendo este um dos poucos Estados que ainda não dispõe desta formação instrumental.

Por fim, reitera-se que a pesquisa voltada ao ensino da Performance Musical

foi crucial para a elaboração de um Projeto Pedagógico de caráter particular, que busca resolver os problemas históricos da Educação Musical, oferecer inclusão social aos

futuros egressos e diversificar as possibilidades de atuação profissional. Daqui a alguns anos, será possível diagnosticar avaliar os benefícios deste engajamento, podendo servir

como modelo para a modernização de outros cursos de Bacharelado em Música nas demais regiões do país.

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