implicações territoriais do Setor Sucroenergético no TriÂngulo Mineiro: INSERÇÃO E LIMITES DA “VOCAÇÃO” EXPORTADORA / TERRITORIAL IMPLICATIONS OF ThE SUGAR AND EThANOL INDUSTRY IN ThE TRIÂNGULO MINEIRO: INSERTION AND LIMITS OF ThE NEW EXPORTING \" vOCATION \"

May 19, 2017 | Autor: Mirlei Pereira | Categoria: Triângulo Mineiro, Exportações, setor sucroenergético, Vulnerabilidade territorial
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implicações territoriais do Setor Sucroenergético no TriÂngulo Mineiro: INSERÇÃO E LIMITES DA “VOCAÇÃO” EXPORTADORA1 TERRITORIAL IMPLICATIONS OF THE SUGAR AND ETHANOL INDUSTRY IN THE TRIÂNGULO MINEIRO: INSERTION AND LIMITS OF THE NEW EXPORTING “VOCATION” João Henrique Santana Stacciarini Universidade Federal de Uberlândia [email protected]

Mirlei Fachini Vicente Pereira Universidade Federal de Uberlândia [email protected]

Resumo: Buscamos neste trabalho avaliar os efeitos da expansão da atividade sucroenergética (produção de derivados de cana-de-açúcar) no Triângulo Mineiro (porção oeste do estado de Minas Gerais), com ênfase nos municípios mais especializados na produção e nos maiores agentes econômicos responsáveis pela atividade. Assim, buscamos caracterizar, nos municípios cujas sedes estamos reconhecendo como “cidades da cana”, a origem dos grupos/capitais (responsáveis pela gestão das usinas sucroenergéticas) e certa reorganização recente do setor, bem como a inserção da exportação de derivados de cana, verdadeiras exigências para a competitividade. Tais processos são reveladores de como o território no Triângulo Mineiro têm se tornado especializado e também vulnerável aos interesses do setor sucroenergético. Palavras Chave: Território, Setor sucroenergético, Vulnerabilidade, Triângulo Mineiro. Abstract: In this paper we seek to evaluate the effects of the expansion of the sugar and ethanol activity (production of sugarcane derivatives) in Triângulo Mineiro (west of the State of Minas Gerais, Brazil), with emphasis on the municipalities most specialized in their production and on the biggest economic agents responsible for the activity. Thus, we seek to characterize, in the municipalities whose headquarters we are recognizing as “sugarcane cities”, the origin of the groups/capital cities (responsible for the management of the sugarcane mills) and certain recent reorganization of the sector, as well as the insertion of the exportation of sugarcane derivatives, which are real requirements for competitiveness. Such processes are a disclosure

1  O texto resulta de pesquisa realizada no Instituto de Geografia da UFU, com bolsa IC e auxílio financeiro (408752/2013-0) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq-Brasil e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, FAPEMIG (01797-14).

ISSN. Online: 1980-4555 DVD-ROM: 1980-4563

of how the territory in the Triângulo Mineiro has become specialized and also vulnerable to the interests of the sugar and ethanol industry. Key-words: Territory, Sugar and Ethanol Industry, Vulnerability, Triângulo Mineiro (Brazil).

Introdução A história da produção e do processamento da cana-de-açúcar no Brasil não é recente. Esta, que foi a primeira “riqueza agrícola-industrial” brasileira, passou por diversas fases e ciclos. Ainda nos tempos do Brasil Colônia, os canaviais foram amplamente espalhados pelo litoral nordestino e, posteriormente, pela região que hoje compõem o Sudeste do país. No entanto, o açúcar acaba perdendo espaço quando no Brasil outras atividades importantes se instalam, como a mineração em Minas Gerais, o café em São Paulo e a criação de gado no Sul, negócios mais rentáveis que a cana-de-açúcar. Porém, no século XX, por volta dos anos 1970, o país novamente se volta para a produção de cana com novos estímulos estatais. Em meio à crise internacional do petróleo que atinge todo o mundo, o governo brasileiro, no ano de 1975, dá início a um grande programa de substituição de importações dos derivados do petróleo, sendo a principal política o Programa Nacional do Álcool (PNA/Proálcool). Sendo assim, o Estado passa a dar amplo apoio a produção de cana que, desta vez, é destinada à transformação em álcool para abastecer automóveis brasileiros que, a partir de então, passariam a ser fabricados para tal. Entre os anos de 1975 a 1979, os recursos públicos voltados ao financiamento das novas plantas industriais (usinas) foram destinados principalmente ao estado de São Paulo (que recebeu 40% do total dos financiamentos às destilarias anexadas e 23% do total dos financiamentos às destilarias autônomas) (BRAY, 1992, p.21). É neste contexto de expansão e consequente busca por novas áreas que o cultivo da monocultura extrapola o oeste paulista e se estabelece no Triangulo Mineiro (MG). Instalando-se em vastas áreas onde se praticava uma pecuária extensiva, os efeitos da expansão do cultivo da cana são significativos e muito mais intensos e perceptíveis no espaço de pequenas cidades, que em muito são acionadas para o trabalho agrícola/industrial do setor. Reproduzindo práticas já reconhecidas no estado de São Paulo, em que pequenos núcleos urbanos tornamse verdadeiras condições de reprodução do trabalho sucroenergético (LENCIONI, 1985), podemos reconhecer no Triângulo mineiro a emergência de pequenas cidades muito dependentes da atividade, as quais reconhecemos como “cidades da cana” (PEREIRA, 2014). Recentemente, especialmente na primeira década do século atual, as atividades sucroenergéticas no país conhecem uma nova vaga de modernização, com

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o advento dos veículos flex/bicombustível (que já é a maior parte da frota nacional) e a valorização do etanol como potencial combustível alternativo à gasolina, no contexto de redução de gases do efeito estufa, compromisso assumido por diversos países no Protocolo de Quioto. O resultado é uma significativa expansão das atividades no Brasil e especificamente no Triângulo Mineiro. É no contexto destes municípios e cidades mais acionados pelo setor sucroenergético nesta porção de Minas Gerais, que reside nosso interesse de pesquisa. Estas cidades que estamos denominando como “cidades da cana” são pequenos adensamentos urbanos, que, segundo Pereira (2014) possuem as seguintes características: são em geral pouco populosos, possuem uma ou mais usinas sucroenergéticas em área territorial municipal, sendo que tais núcleos estão inseridos em municípios com amplo predomínio da cultura de cana em sua área territorial, quando comparada ao conjunto dos outros cultivos agrícolas (tanto os temporários quanto os permanentes), gerando paisagens monótonas que na última década ganham espaço no Triângulo Mineiro. Tais núcleos ainda possuem economia predominantemente pautada na atividade agropecuária (setor primário) ou industrial (setor secundário resultante da atuação das atividades sucroenergéticas) (PEREIRA, 2014). Desta forma, a análise que propomos recai sobre alguns municípios da região, cujas sedes potencialmente podem ser caracterizadas como cidades da cana (Figura 1). No espaço de referência da pesquisa, este conjunto (composto por 13 municípios), expressa de modo mais significativo a situação de dependência e de vulnerabilidade ocasionada por uma especialização territorial na atividade sucroenergética (CAMELINI, 2011). Estes municípios são responsáveis por quase metade (mais de 20 milhões de toneladas) (Figura 2) de toda a produção do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (48,8 milhões de ton. em 2013) e muitos deles foram alvo da última vaga de expansão dos cultivos (déc. de 2000), sendo a cultura da cana-de-açúcar a de maior expressão em suas áreas agricultáveis e o peso dos empregos do setor (especialmente as ocupações do setor industrial) é muito expressivo no conjunto das ocupações, permitindo assim reconhecermos situações de extrema dependência. A intenção deste texto é avaliar algumas características da produção realizada nestes 13 municípios, visando especialmente compreender o rearranjo dos capitais investidos na atividade sucroenergética (origem dos grupos detentores das usinas e sua atuação), bem como a recente atividade de exportação iniciada por alguns grupos nos municípios estudados.

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Figura 1. Localização dos municípios estudados.

Figura 2: Produção de cana-de-açúcar, municípios selecionados – 2013 (em toneladas)

Fonte: IBGE-PAM. Org. J. H. Stacciarini.

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A (re)organização dos capitais no setor sucroenergético no Triângulo Mineiro: exigências para a competitividade no período de expansão e também como resultado da “crise”

A nova condição posta ao setor sucroenergético no Brasil, no início dos anos 2000 e como resultado direto das apostas de ampliação do mercado externo para o etanol, que passa a figurar como combustível alternativo aos derivados de petróleo, a partir dos compromissos firmados por diversos países da Europa e dos EUA no Protocolo de Quioto, visando a redução da emissão de gases do efeito estufa, cria um “ambiente favorável” à expansão da produção sucroenergética no território brasileiro e instiga novos investimentos, inclusive externos, com amplo apoio do Estado (e vultosos aportes de crédito via BNDES). Tal situação redefini a atividade no Triângulo Mineiro, que, a partir de então, conhece uma reorganização do controle de diversos empreendimentos, a instalação de novas usinas e a descoberta de uma nova “vocação” exportadora que, no entanto, logo revelará seus limites. O fato é que, em um primeiro momento, entre os anos 1970 e 2000 os agentes do setor na região em estudo são essencialmente de capital nacional. Diversos grupos que atuavam no Oeste Paulista ou no Nordeste brasileiro direcionam investimentos para o Triângulo Mineiro, região que figura como mais competitiva (pela disponibilidade e preço das terras, abundância de água e solos compatíveis com a atividade). Nota-se que até então a destinação dos produtos derivados da cana-de-açúcar era essencialmente voltada ao mercado interno. Entretanto, diante do sucesso e retorno financeiro obtido por empresas nacionais, bem como a já citada valorização do produto no mercado internacional, capitais externos têm interesse em explorar a atividade no Triângulo Mineiro, sobretudo após o ano 2000, quando grandes corporações passaram a designar vultosos investimentos na instalação e/ou anexação de usinas no Brasil. Esses novos investimentos seguem, a partir de então, a nova ordem globalizada: pautada nas novas tecnologias de comunicação e nos recursos tecnológicos das redes telemáticas, essas unidades vinculadas a grandes multinacionais, cujo capital origina de outros setores (com claro caráter financeiro) e têm suas produções controladas remotamente, a partir de informações de centros de comandos distantes, tendo desta forma, seus resultados destinados a atender a expectativas de um mercado mundial (CAMELINI, 2011). É deste modo que várias unidades produtivas passam a ser subordinadas ao comando de matrizes de corporações no exterior que, de maneira semelhante às grandes corporações brasileiras, não possuem comprometimento algum com os interesses nacionais ou locais e reagem somente aos interesses de mercado, utilizando o território brasileiro meramente como recurso (SANTOS, 1994; CAMELINI, 2011). Configura-se uma nova situação geográfica para a atividade nesta porção do

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território nacional, marcada pela entrada de capitais estrangeiros e pela ausência de regulação ou controle de mercado, que agora segue lógicas globais, fazendo aparecer/ampliar significativamente o volume de exportações, fatores que tornam a região um espaço que, aos poucos, passa a ser agora também comandado por interesses distantes. Nas palavras de Bernardes, As novas proporções do capital no setor vêm promovendo a instauração de novas formas de relações entre empresas, lugares, entre o rural e o urbano, estabelecendo-se novas hierarquias entre os distintos capitais e os territórios, significando disputas de todos os espaços e fatias do mercado, levando à submissão e/ou exclusão de produtores menores (BERNARDES, 2013, p.151).

A partir destas evidências, buscamos especialmente avaliar as mudanças no setor (instalação de novas usinas, fusões e aquisições) e entender como a produção regional se insere e se volta para o mercado externo (especialmente com a análise de dados de exportação para os anos de 2000-2013, disponibilizados pela SECEX/MDIC). Atualmente (2015), nos 13 referidos municípios estudados no Triângulo Mineiro, nove diferentes grupos atuam no setor sucroenergético, sendo sete grupos nacionais e três estrangeiros. Dentre os grupos nacionais temos os seguintes: Araporã Bioenergia2 (uma unidade em Araporã); Santo Ângelo3 (uma unidade em Pirajuba), Tércio Wanderley/Usinas Coruripe4 (quatro unidades nos municípios de Iturama, Campo Florido, Carneirinho e Limeira do Oeste) e Delta Sucroenergia5 (três unidades nos municípios de Delta, Conceição das Alagoas e Conquista), Andrade6 2  O grupo Araporã Bioenergia, de origem nacional, é resultante da separação do antigo grupo Irmãos Franceschi, que possuía investimentos em usinas no município de Jaú (SP) desde 1945, e em Araporã (ainda um distrito do município de Tupaciguara-MG) desde 1972. Com a dissolução do grupo, ocorrida no ano de 1994, o empresário Alexandre Pirillo Franceschi funda a Araporã Bioenergia, que a partir de então, controla uma única Unidade (usina e central termoelétrica), denominada usina Alvorada (hoje em área do município de Araporã) (ARAPORÃ BIOENERGIA, 2015). 3  O grupo Santo Ângelo é mais um agente de capital nacional presente no Triângulo Mineiro, e exemplifica a permanência de capitais “restritos” a usinas isoladas. Fundada em abril de 1984 no município de Pirajuba, a usina Santo Ângelo, iniciou, deste então, a produção de açúcar e álcool hidratado. Este é um dos poucos agentes atuantes do setor sucroenergético que há décadas não é alvo de fusões ou aquisições (SANTO ANGELO, 2015). 4  O grupo Tércio Wanderley (Usinas Coruripe), detentor de quatro unidades na região, é tradicional agente do setor desde meados do século XX no nordeste brasileiro. Em janeiro de 1941, o empresário alagoano Tércio Wanderley adquiriu o controle acionário de um grupo detentor de diversos engenhos em Alagoas. Em 1994, o grupo investe em terras mineiras e começa suas operações em Minas Gerais a partir da aquisição da Destilaria Alexandre Balbo, localizada na cidade de Iturama, que operava naquela localidade desde o ano de 1985. 5  Derivado do grupo Carlos Lyra (Usinas Caeté), o grupo hoje denominado Delta Sucroenergia foi fundado em 2012, e controla três usinas no Triângulo Mineiro nos municípios de Delta, Conceição das Alagoas e Conquista. A Unidade Delta foi adquirida em 2000, já a de Volta Grande foi inaugurada em 1996 no município de Conceição das Alagoas e por fim, no ano de 2011, a atual Delta Sucroenergia controla (por arrendamento) a antiga usina Mendonça (a mais antiga a região, em funcionamento desde 1904), no município de Conquista desde 1904 (DELTA SUCROENERGIA, 2015). 6  O grupo Andrade resulta de capital paulistas (família Andrade, Ribeirão Preto, que desde os anos 1960 se dedica a atividade). O grupo inaugura uma moderna usina em Santa Vitória, em 2010 (hoje a única sob o

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(uma usina em Santa Vitória), grupo este em processo de recuperação judicial e o João Lyra/Laginha Agroindustrial7, que teve falência decretada desde 2012 (com duas unidades, em Canápolis e Capinópolis). A grande maioria destes grupos nacionais dedicam-se essencialmente ao setor sucroenergético e resultam em investimentos por vezes muito localizados, como é o caso dos grupos Araporã Bionergia e Santo Ângelo (com apenas uma unidade cada). Os demais grupos são oriundos do nordeste do país (especialmente de Alagoas) que, dedicando-se desde o início do século XX à atividade, instalam unidades no Triângulo Mineiro principalmente entre os anos 1990 e 2000, como é o caso dos atuais grupos Delta Sucroenergia (com origem no grupo Carlos Lyra) e Tércio Wanderley. Os investimentos que resultam de capitais estrangeiros são controlados, nos municípios estudados, por três diferentes grupos: o grupo Bunge8 (uma unidade em Itapagipe), o ADM9 (uma unidade em Limeira do Oeste), e, por fim, uma joint venture controle do grupo), empreendimento que logo encontra dificuldades financeiras e atualmente encontra-se em recuperação judicial. 7  O grupo João Lyra (Laginha Agroindustrial) encontra-se em situação e contexto bastante perturbados. Com origem nos tradicionais engenhos de Alagoas, e pertencente ao ex-deputado federal João Lyra (PSD-AL), o grupo inicia suas atividades na década de 1950, quando funda a usina Laginha, na cidade de Coruripe (AL). Com o passar dos anos o investimento conhece significativo retorno financeiro e o empresário dá início a mais quatro grandes projetos, dois deles em Alagoas (as usinas Uruba e Guaxuma), e posteriormente, e na esteira dos incentivos do Proálcool (em 1988), uma nova usina no Triângulo Mineiro (a Triálcool), e, Canápolis. No ano de 2001, o mesmo grupo incorpora na região a usina Vale do Parnaíba, localizadas em Capinópolis. João Lyra, um dos políticos mais ricos do Brasil, possuía grande poder político em Alagoas, onde foi presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar (1971-1974), conselheiro da Associação Comercial (1994), presidente da Associação dos Produtores Independentes de Açúcar e Álcool desde 1995, além de exercer mandatos na Câmara Federal e no Senado. A partir do ano de 2006 João Lyra vê seu nome ligado a série de escândalos que incluem crimes de corrupção, assassinato, entre outros (incluindo denúncias de trabalho escravo em usinas, o que rendeu em 2012 multas que totalizam R$ 20 milhões). Diversos outros problemas, como uma enchente que destruiu a usina Laginha (em Coruripe-AL, em 2010) e sua campanha eleitoral frustrada em 2006, fizeram com que o grupo perdesse cada vez mais capital (TERRA, 2014). Mergulhado na má gestão patrimonial e em dívidas cada vez maiores, João Lyra assiste a falência de seu grupo em 2012, quando este passa a ter uma dívida estimada superior a 2 bilhões de reais. Desde então, todos seus investimentos encontram-se nas mãos de administradores da massa falida que negociam a transição e a quitação das dívidas com funcionários e fornecedores. Tais administradores iniciaram em 2014 o processo de venda de quatro unidades produtivas (as Usinas Guaxuma e Uruba em Alagoas e as usinas Triálcool e Vale do Parnaíba, no Triângulo Mineiro). 8  A Bunge, multinacional de capital Holandês, atua no Brasil em diversos setores da agricultura. Entre fábricas, usinas, moinhos, portos, centros de distribuição e silos, a Bunge possui 150 unidades, presentes em 19 estados e no distrito federal. Em 2007 a Bunge entra no setor sucroenergético com a compra da Usina Santa Juliana, pertencente aos sócios da empresa Triunfo, controlada pelo então governador alagoano Teotonio Vilela Filho. Em 2010 a Bunge expande seus negócios com a consolidação da compra de 100% do grupo Moema, de capital nacional, e pertencente às famílias Biagi e Junqueira. Dentre as unidades estão às usinas sucroenergéticas de Frutal e Itapagipe, ambas localizadas no Triângulo Mineiro. Com a expansão, a multinacional passa a contar também com três usinas no estado de São Paulo, uma no estado de Tocantins e outra em Mato Grosso do Sul (BUNGE, 2015). 9  O grupo Archer Daniels Midland (ADM), multinacional de origem estadunidense, despertou interesse na região e começou a direcionar grandes investimentos desde então. A multinacional, fundada em 1902 no Estado de Minnesota (EUA), chegou atua no território brasileiro desde 1997 e, a partir de então, investe em diversos setores do agronegócio no país. Com relação ao setor sucroenergético, o grupo ADM é, nos EUA, o maior produtor de etanol de milho, fabricando em 2010 cerca de 1,7 bilhão de galões (6,4 bilhões de litros) (RFA, 2011). No Brasil, a ADM ingressa no setor sucroenergético em 2009, quando funda, em parceria com o

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dos grupos Dow Chemical e Mitsui10 (com uma unidade em Santa Vitória), sendo os dois primeiros gigantes globais do controle de commodities agrícolas e derivados, e o último composto pelo maior fabricante de polietileno do mundo (a norte-americana Dow Chemical) e por grande agente do setor químico (a japonesa Mitsui). Nesta (re)organização dos capitais e, consequentemente, do controle das atividades produtivas, podemos reconhecer uma primeira manifestação das exigências de competitividade que se instalam no setor, num período de grande crescimento das atividades produtivas no país11, reproduzindo, localmente, o que ocorre no contexto nacional – um primeiro momento de centralização dos capitais e do comando da produção sucroenergética. Alguns exemplos parecem significativos já no período de 2000 até 2008 (quando se instala a crise financeira global). A expansão das atividades do grupo Tércio Wanderley (Usinas Coruripe) no Triângulo Mineiro, por exemplo, é contemporânea do movimento de ampliação dos investimentos a partir da nova condição do setor pós ano 2000, e ocorre de modo direcionado às regiões agrícolas que figuram como mais competitivas (CASTILLO, FREDERICO, 2012), como parece ser o caso do Triângulo Mineiro. Em 2002 o grupo amplia seus investimentos no Triângulo Mineiro e inaugura uma nova unidade em Campo Florido, o modelo é repetido na cidade de Limeira do Oeste, onde, no ano de 2005, dá-se início as atividades em mais uma usina. O mesmo ocorre com outros grupos que expandem seus investimentos. As usinas Caeté (grupo Carlos Lyra) expandem suas atividades no Triângulo Mineiro com a aquisição da usina em Delta em 2000. No ano de 2005, ocorre a inauguração de uma usina em Limeira do Oeste, com investimentos da Cabrera Central Energética e da multinacional ADM. Em 2006, instala-se em Itapagipe uma usina do grupo Moema (com capital paulista, das famílias Biagi e Junqueira). Tais investimentos ex-ministro da Agricultura Antônia Cabrera, a usina Cabrera Central Energética, no município de Limeira do Oeste, no Triângulo Mineiro. Na ocasião o grupo nacional Cabrera, com tradição de mais de 100 anos nas atividades agrícolas e pecuária brasileira e atuação em nove estados do território, possuía 51% da central sucroenergética e a multinacional 49%. Porém, em abril de 2011, a ADM compra a participação de Antônio Cabrera e passa a deter 100% do controle da Usina em Limeira do Oeste (ADM, 2014). 10  A The Dow Chemical Company, de origem estadunidense (fundada em 1897), atua em diversos setores da economia, dentre agricultura, transportes, infraestrutura, energia, dentre outros, contabilizando mais de 5.000 gêneros produzidos em 197 unidades fabris em 36 diferentes países. No Brasil são 23 unidades produtoras, concentrando 12 delas no estado de São Paulo (DOW, 2015). Por sua vez, a Mitsui & Co, de capital japonês (fundada em 1947), atua no território brasileiro desde 1960, onde diversificou suas atividades e hoje controla atividades em vários ramos da economia como a agricultura, comércio, energia, investimentos, serviços, dentre outros. A Mitsui mantém uma rede global de 142 escritórios em 66 países, além de aproximadamente 420 subsidiárias e empresas associadas em todo o mundo (MITSUI & CO, 2015). O projeto de Santa Vitória inclui a construção de fábrica de polietileno (plástico) a partir de cana, que, no entanto, encontra-se em atraso em função de novos interesses da Dow, que reverte investimentos para a exploração de gás de xisto, nos EUA. 11  “Nos anos que precederam a crise, o setor sucroenergético brasileiro apresentou um grande crescimento, com a modernização e expansão das usinas operacionais, a construção de novas usinas, a ampliação da área plantada com cana-de-açúcar, a mecanização das operações agrícolas e, em menor grau, a expansão da infraestrutura de armazenagem e escoamento dos produtos do setor” (PINTO, 2011, p.106).

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são reflexo direto dos melhores preços e do aumento da demanda pelo açúcar no mercado externo, bem como das possibilidades aventadas de exportação do etanol. O volume produzido em todo o Triângulo Mineiro, que em 2000 era de 10 milhões de toneladas, alcança em 2005 14,4 milhões de toneladas (IBGE, 2014). O rearranjo dos capitais do setor toma uma maior importância depois da crise financeira de 2008, e a expressão do processo que ocorre em todo o território nacional12 mais uma vez ganha concretude no Triângulo Mineiro. Ocorre nova vaga de centralização do capital, acirrando a competitividade entre os atores, o que resulta na permanência e expansão das atividades apenas daqueles mais preparados financeiramente. Na esteira de tal processo, são os grupos multinacionais que se revelam mais fortes (ampliando seus investimentos a partir de novas aquisições), o que também aparece entre os municípios avaliados, elevando a participação estrangeira no controle da produção regional. O grupo Bunge, por exemplo, adquire em 2010 o grupo Moema (um dos tradicionais grupos nacionais que enfrenta dificuldades financeiras com a crise), e passa a controlar uma usina em Itapagipe (que havia sido instalada pouco tempo antes, em 2006). A estratégia da ADM foi a de aquisição, em 2011, do empreendimento em Limeira do Oeste que apenas há dois anos havia sido instalado em parceria com um grupo nacional (Grupo Cabrera), enquanto que a Dow & Mitsui estruturam em grande projeto em Santa Vitória. Mas os grupos nacionais mais fortes também são capazes de ampliar suas estruturas produtivas no contexto de “crise”. No ano de 2012 o grupo Tércio Wanderley incorpora mais uma unidade na região, desta vez uma usina no município de Carneirinho, que até então funcionava como usina isolada. A situação também promove reorganizações internas, como é o caso do grupo Carlos Lyra, que se divide com a criação do grupo Delta Sucroenergia, que passa a ser detentor das unidades localizadas no Triângulo Mineiro e, no mesmo ano, assume o controle (em esquema de arrendamento) de uma usina em Conquista. Desta situação em que os “mais fortes” se estabelecem, também resulta outra “necessidade” que se impõe localmente ao setor – a exploração de mercados externos, quando a exportação dos derivados de cana passa a figurar como um imperativo para a competitividade.

A exportação como novo imperativo da competitividade O crescimento que o setor conhece na primeira metade dos anos 2000 também insere, no Triângulo Mineiro, a exportação como elemento necessário à 12  “Algumas das empresas melhor estruturadas e mais capitalizadas se aproveitaram do momento para promover fusões e aquisições. Fazem parte desta lista de empresas ‘oportunistas’ as controladas por capital nacional: Cosan, ETH, Petrobrás, Lincoln Junqueira e Santa Terezinha; bem como as controladas por capital estrangeiro; LDC, Bunge, Guarani, BP, Noble Group, Shree Renuka, Shell, Glencore e Los Grobo. Foi nesse período que a LDC se fundiu à Santelisa Vale, criando a segunda maior empresa do setor; a Bunge adquiriu a Moema, sobrando sua capacidade de moagem,; e a BP adquiriu a CNAA, iniciando seu processo de expansão” (PINTO, 2011, p.109).

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competitividade, inclusive como forma de remunerar os capitais adicionados no setor sucroenergético. Mais uma vez, o trabalho realizado na região não destoa das condições impostas à formação socioespacial brasileira, tendo em vista que o agronegócio, de modo geral, ganha nova cara a partir do início dos anos 2000, com aquilo que Delgado (2012) denomina de pacto de economia política do agronegócio, cujo papel na condução da economia nacional, especialmente a geração de superávits na balança comercial a partir das exportações do setor, é peça fundamental. Assim, vários grupos localizados no Triângulo Mineiro que há tempos se dedicavam a uma produção que abastecia apenas o mercado interno (seja de açúcar, etanol ou ambos os produtos), começam a ganhar expressão também na produção para exportação, especialmente a partir de meados dos anos 2000. O que nos interessa de modo especial é a inserção dessa lógica da exportação em novos municípios que, até então, dedicavam-se a uma produção essencialmente doméstica, revelando um imperativo das exportações (FREDERICO, 2012, p.07), que induz a especialização territorial e a afirmação de uma região competitiva que, no caso das atividades agrícolas, acaba por induzir a certa “commoditização” da produção. Dos treze municípios que avaliamos no Triângulo Mineiro, apenas três realizavam, antes de 2005, reduzidas exportações de derivados de cana (especialmente açúcar). Tal situação revela a força de grupos nacionais, visto que os exportadores de então são os municípios de Delta e Conceição das Alagoas (a partir das usinas Caetê) e Iturama (com a usina Coruripe). Nestes três municípios, o volume conjunto de exportações oriundos do setor sucroenergético é crescente desde os anos 2000 - registrando, juntos, exportações praticamente insignificantes no ano 2000 (pouco mais de US$12 milhões), para em 2007 alcançar mais de US$ 240 milhões. A partir de 2006 as exportações do setor ganham maior volume, e são iniciadas pelo grupo Tércio Wanderley (usinas Coruripe) também a partir de Campo Florido. Mas é a partir de 2007/2008 que o processo se torna mais significativo em termos de número de usinas/municípios, bem como no volume das exportações, inclusive com o início das exportações de etanol. Municípios passam a exportar os produtos do setor de forma crescente, como se pode observar, a partir de 2007, em Limeira do Oeste (Usina Coruripe), Pirajuba (Usina Santo Ângelo), Itapagipe (Bunge). Duas situações nos parecem interessantes. A primeira é que a maioria dos municípios avaliados não havia até então exportado nenhum gênero agrícola ou industrial. Este é o caso dos municípios de Campo Florido, Carneirinho, Conquista (que há cem anos produzia derivados de cana), Itapagipe, Limeira do Oeste e Santa Vitória. A segunda situação interessante expressa o caráter especializado da produção voltada à exportação. Na maior parte destes municípios os gêneros exportados

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entre 2000 e 2013 (último ano avaliado) resultam quase ou totalmente do setor sucroenergético, como ocorre em Campo Florido (95% das exportações ancoradas no setor sucroenergético em 2013), Delta (98,2%), Iturama (80,6%), Santa Vitória (81%), Carneirinho, Conceição das Alagoas, Conquista, Itapagipe, Limeira do Oeste e Pirajuba (os seis últimos com 100% das exportações oriundas do setor em 2013). Assim, é a produção de derivados de cana, a partir dos grupos do setor que insere um novo “relógio” produtivo nos lugares, próprio do caráter “globalizado” (com vistas ao mercado externo), conectando o território à lógica e demandas externas. Na região, a exportação de etanol é iniciada no ano de 2007, e é responsável por toda a produção voltada ao mercado exterior comercializada pela usina de Campo Florido e de Limeira do Oeste (Usinas Coruripe, nos anos de 2007 e 2008), e em média, por 50% da produção exportada a partir de Conceição das Alagoas entre 2007 e 2009. Com percentuais menores (variando de 35% a 5% da produção exportada) o etanol também foi comercializado no exterior pelas usinas localizadas em Delta, Itapagipe e Iturama. O volume e o crescimento das exportações é significativo em vários municípios, e revela o poder e a inserção dos grupos mais fortes - os nacionais João Lyra (desde 2012 denominado Delta Sucroenergia) e Tércio Wanderley (usinas Coruripe). Ainda que com menor expressão, o grupo Bunge também atua na exportação, enquanto que o ADM enfrenta limitações infraestruturais para exportar a produção realizada em Limeira do Oeste. O grupo Santo Ângelo, de capital nacional, instalado no Triângulo Mineiro (em Pirajuba) desde a década de 1980 e detentor de uma única usina, inicia exportações em 2007 e destaca-se como dentre os maiores exportadores na região, ao mesmo tempo em que os grupos Bioenergética Aroeira (em Araporã) e João Lyra (Canápolis e Capinópolis) não realizam exportações. Um resultado direto é também o crescimento significativo da produção. Em todo o Triângulo Mineiro, principal região produtora do estado de Minas, o volume praticamente triplica em cinco anos: eram pouco mais de 14,4 milhões de toneladas produzidas em 2005 e 42,4 milhões de toneladas em 2010 (em 2013 a produção alcança 48,8 milhões de toneladas) (IBGE, 2014). Em que pese o gradual aumento da produção voltada ao mercado interno, tendo em vista que o país é um dos maiores consumidores de açúcar no mundo13, o crescimento recente da 13  “O consumo de açúcar no Brasil cresceu expressivamente nos últimos 60 anos, impulsionado, sobretudo, por alterações no padrão de consumo e no crescimento vegetativo da população. Na década de 1930, o consumo médio anual de açúcar era de 15 quilos por habitante. Já nos anos 1940, esse número aumentou para 22. Na década de 1950, o consumo passou a ser de 30 quilos por pessoa, passando para 32 nos anos 1960. Em 1970, a média era de 40 quilos e, em 1990, esse índice estabilizou-se em 50 quilos por habitante” (...) “Devido a esse aumento, o Brasil tornou-se um dos maiores consumidores mundiais do produto per capita. Cada brasileiro consome entre 51 e 55 quilos de açúcar por ano, enquanto a média mundial por habitante corresponde a 21 quilos por ano. Apesar do alto consumo per capita, o mercado brasileiro de açúcar ainda pode se expandir com o aumento do consumo pelo processo de industrialização de produtos alimentícios, que, comparado ao de outros países, ainda é relativamente baixo. Na década de 2000, o Brasil exportou, em média, 30% da produção, destinou 42% ao consumidor final interno e 28%, ao segmento industrial” (VIAN, 2015).

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produção sem dúvida resulta também das exportações de açúcar e das apostas na possibilidade de se exportar também o etanol. No entanto, é necessário destacar os limites encontrados à expansão das exportações de etanol que, iniciadas na região em 2007 logo encontram dificuldades com a crise financeira internacional que se instala em 2008.

Imposições do mercado, “saídas” para a remuneração do capital e as expressões da vulnerabilidade territorial

A preocupação que nos leva a avaliar as lógicas da produção sucroenergética e as imposições do mercado resulta de duas circunstâncias que convergem para a definição e (re)estruturação da região produtiva em sua situação e contornos atuais. Trata-se de uma expansão significativa da cultura da cana no espaço regional que se inicia pós 1990 e cresce significativamente sobretudo durante a década de 2000, promovendo um fenômeno que, grosso modo, poderíamos reconhecer como um processo de “commoditização” da agricultura ou do uso agrícola do território na região do Triângulo Mineiro. O que estamos reconhecendo como “commoditização” da produção agrícola resulta, como fora apontado anteriormente, de um rearranjo e de uma nova lógica de inserção da produção num mercado muitas vezes distante (externo), de gêneros como o etanol, possibilidade que fora amplamente aventada na década de 2000, tornando potencialmente esta mercadoria uma nova commodity, ou seja, uma mercadoria de interesse global, arquitetada por grupos globais cuja atuação permite redefinir vínculos comerciais visando o mercado externo, e que, do mesmo modo, acaba também por arrastar as lógicas de grupos nacionais (que também veem na possibilidade de exportação da produção a conquista de novos mercados e mecanismos de acumulação). É isso o que ocorre na região, não sem as imposições e contradições próprias do mercado. O que à primeira vista parece contraditório, já que o mercado externo para o etanol logo encontra os seus limites, revela também a versatilidade do capital para encontrar as “saídas” possíveis de sua remuneração. Há todo um investimento e preparo logístico para a exportação que, no Triângulo Mineiro aparece principalmente entre os anos de 2007 e 2009, com clara intenção de alavancar as exportações de etanol. A nosso ver, tal processo está diretamente vinculado ao interesse e novas possibilidades de acumulação que grupos (especialmente os estrangeiros) visualizaram no grande negócio da “energia limpa” que o etanol significava naquele momento (início dos anos 2000). O dado inesperado que cria certa entropia no setor foi a crise financeira de 2008/2009, que impede investimentos necessários à expansão do uso do etanol como aditivo ao combustível automotivo em diversos países, bem como o rápido desenvolvimento da indústria de etanol a partir de milho nos EUA. É importante salientar esta nova situação internacional do

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etanol – pela primeira vez, o Brasil deixa, a partir de 2010, de ser o maior produtor de etanol, perdendo sua posição para os Estados Unidos, que passa a ser o maior país produtor e também o maior exportador mundial (produzindo a partir de milho) (BERNARDES, 2013, p.145). A partir de 2008, o volume de exportações brasileiras do combustível decresce consideravelmente (Figura 3). No entanto, frustradas as expectativas de exportação de etanol, a saída para a remuneração dos capitais investidos tem sido a exportação de açúcares, como se observa na maior parte das usinas que continuam exportando e mesmo conhecem certo crescimento. Figura 3. Exportações brasileiras de etanol (2000-2012), em milhares de metros cúbicos

Fonte: SECEX, 2014. Org. M. Pereira.

Uma vez consolidados os investimentos no país, e, para o caso que analisamos, o Triângulo Mineiro é exemplo de espaço que acolhe tais investimentos nos anos 2000, a saída encontrada é ampliar a exportação de açúcares de cana, bem como continuar a explorar as possibilidades existentes no mercado interno (com os socorros emergenciais do governo, que permitem, por exemplo, aumento do percentual de etanol na gasolina)14. É assim que a exportação de açúcar, que até pouco tempo era muito restrita dentre os agentes que atuam no Triângulo Mineiro, hoje é amplamente

14  Uma outra saída, que implica muitas vezes em novos investimentos, tem sido a implantação junto às usinas de unidades cogeradoras de energia elétrica, com aproveitamento do bagaço de cana (tal como a implantação das usinas, investimentos deste tipo também são realizados com financiamentos do BNDES). Assim, investe-se em novas tecnologias para maior produtividade (desde os plantios, na colheita mecanizada, na produção industrial, na geração de energia, etc), visando tornar viável e mais lucrativa a atividade, mesmo em tempos de uma suposta crise no setor.

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praticada por grandes grupos, que, inclusive, arrastam tal comportamento a alguns grupos menores, verdadeira exigência para manutenção no mercado. Tal cenário acaba por atingir os municípios do Triângulo Mineiro que recentemente haviam iniciado exportações de etanol, revelando a fragilidade do mercado e a vulnerabilidade da atividade. Acompanhando a tendência nacional, dos municípios que avaliamos, nove realizaram exportações de etanol entre os anos de 2007 e 2009 e, a partir de 2010, tal movimento cessa completamente. No ano de 2013, apenas um município (Iturama, com a usina Coruripe) exporta quantidade ínfima do combustível (SECEX, 2014). A tabela a seguir apresenta o quantitativo das exportações realizadas por tais municípios (Tabela 01). Nessa lógica, imperam os mecanismos próprios do mercado de commodities agrícolas, que conta, em sua definição, com fatores como a variação cambial (favorecendo ou não as exportações, barateando ou encarecendo a produção), a oferta das mercadorias oriundas do setor tanto no mercado interno quanto no mercado externo, o preço do etanol e portanto as demandas e o consumo de tal combustível no país, etc., fatores que de modo algum podem ser regulados localmente. Tabela 01. Exportações de açúcares de cana e etanol nos 13 municípios pesquisados (em US$ milhões) Ano

Açúcares

Álcool etílico

2007

275,8

79,5

2008

280,3

54,3

2009

468,5

31,2

2010

699,5

0

2011

766,6

0

2012

697,6

0

2013

651,7

3,2

Fonte: Secex/MDIC, 2014. Org. dos autores.

Se aos olhos do Estado as atividades sucroenergéticas, da forma como se expandem nas últimas duas décadas no Triângulo Mineiro, possam parecer, à primeira vista, como indutoras de desenvolvimento pelos vultosos investimentos na região (ainda que muitas vezes custeados pelo próprio Estado), pela geração de empregos no setor, etc., as implicações territoriais da expansão das atividades na região, e particularmente nos municípios estudados, se assentam em esquemas extremamente vulneráveis às intenções e oscilações de mercado (incluindo aqui a práticas interesseiras dos capitais externos ao país) e criam situações de dependência junto à sociedade, especialmente no que aqui denominamos como “cidades da cana”.

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