Importância da hidrodinâmica na dispersão de sementes em sistemas florestais do Baixo Estuário Amazônico

September 22, 2017 | Autor: Alan Cunha | Categoria: Hydrology, Seed Dispersal, Biodiversity Conservation, Lagrangian Modelling, Hydrodinamics
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Cunha et al., (2013), p-53-113. V SIMBRAS - Simpósio Brasileiro de Agropecuária Sustentável e II Congresso Internacional de Agropecuária Sustentável: Multifuncionalidades Sustentáveis no Campo: Agricultura, Pecuária e Florestas. ViçosaMG, 18-20 de Outubro de 2013.

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Importância da hidrodinâmica na dispersão de sementes em sistemas florestais do Baixo Estuário Amazônico

Alan Cavalcanti da Cunha(1), Éwerton Wanderson dos Santos(2), Eldo Silva dos Santos(3), Marcelino Carneiro Guedes(4), Gilvan Portela Oliveira(5), Cláudio Cavalcante Blanco (6) e Paulo César Coronna Rosman (7) (1) Prof. Adjunto III do Curso de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Amapá, (2) Iniciação Científica do Curso de Ciências Ambientais da UNIFAP, (3) Prof. Auxiliar I do Curso de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Amapá,(4)Pesquisador Embrapa - Amapá, (4) Bolsista de Apoio Técnico Hidrologia do Curso de Ciências Ambientais da UNIFAP, (6) Prof. Adjunto IV da Universidade Federal do Pará UFPA e (7) Prof. Associado IV do Departamento de Engenharia Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ.

Resumo A identificação de forçantes naturais que influenciam processos de dispersão de sementes carece de argumentos teóricos, tratamento empírico e inovação metodológica para responder questões importantes sobre ecologia de dispersão de espécies vegetais tropicais. O objetivo da investigação foi estudar o processo puramente dispersivo de sementes em ambientes de florestas de várzeas baixas em um rio estuarino no baixo rio Amazonas, com o propósito de subsidiar a gestão e a conservação desses complexos ambientes. O foco da investigação é a hidrodinâmica do escoamento acoplada ao processo dispersivo dependentes da hidrologia sazonal e dos ciclos marés semidiurnas comuns destes ecossistemas. A metodologia consistiu em estudar um trecho de 27 km de extensão do rio Maracá, cuja foz deságua na margem esquerda do rio Amazonas, no município do Mazagão-AP. Na seção de estudo, ao longo de ciclos completos de marés, foram detalhados: a) batimetria de fundo do canal, descarga líquida e intensidade da velocidade em dois períodos sazonais distintos - seco (setembro de 2012) e chuvoso (maio de 2013), com uso de um perfilador acústico (Acoustic Doppler Profiler - ADP); b) elaboração da malha numérica do domínio computacional (2DH), modelagem e simulação numérica do escoamento hidrodinâmico acoplados aos processos dispersivos de um escalar (sementes) com uso do software Sisbahia 8.5, a partir do qual foram gerados campos vetoriais da velocidade do escoamento e o comportamento da pluma sementes no escoamento. Foi elaborado um procedimento de pré-calibração do modelo a partir de dados maregráficos de referência em Santana-AP, localizado ≈35 km a jusante da seção de estudo. As máximas descargas líquidas de vazante e enchente foram, respectivamente, +1.340 m3/s a -783 m3/s e a máxima variação da amplitude do nível da água foi de 2,41 m. As velocidades médias experimentais variaram entre 0,0 m/s (preamar e baixamar) a 2,4m/s (demais períodos), as quais foram utilizadas como condição inicial e de contorno do modelo numérico hidrodinâmico e de dispersão das sementes. Cenários para hidrocoria foram simulados em períodos de até seis ciclos de marés (≈ 72h), forçados pela hidrologia da bacia (montante) e ciclos de marés semidiurnas (jusante, no rio Amazonas). Concluiu-se que as variações espaço-sazonais da vazão e velocidade são bons indicadores das escalas advectivas e difusivas para a quantificação da dispersão hidrocórica em ambientes de várzea. Assim, em um ciclo de maré, a distância média de deslocamento do centro de gravidade de uma pluma de sementes percorreu cerca de 14 km no período chuvoso e 8,2 km no período seco. Contudo, a escala dispersiva longitudinal para ambos os períodos foi de aproximadamente de 3km. Do ponto de vista ecológico, as escalas de transporte envolvidas são parâmetros fundamentais para determinar o efetivo papel dos rios estuarinos nas estratégias de sobrevivência e adaptação das espécies vegetais bem como sua importância na conservação e gestão desses ecossistemas. Palavras-chaves: dispersão hidrocórica, várzea, estuário do Amazonas, marés, recirculação,modelagem, rio Maracá

ABSTRACT The identification of natural forcings that influence processes of seed dispersal needs theoretical arguments, empirical treatment and methodological innovation to answer important questions about the ecology of dispersal of tropical plant species. The goal of the investigation was to study the process purely dispersive seeds in forest environments in a river estuary in the lower Amazon River, in order to support the management and conservation of these complex environments. The focus of research was the hydrodynamic

Cunha et al., (2013), p-53-113. V SIMBRAS - Simpósio Brasileiro de Agropecuária Sustentável e II Congresso Internacional de Agropecuária Sustentável: Multifuncionalidades Sustentáveis no Campo: Agricultura, Pecuária e Florestas. ViçosaMG, 18-20 de Outubro de 2013.

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------flow coupled to dispersive process dependent on hydrology and seasonal cycles semidiurnal tides, common in these ecosystems. The methodology consisted in studying a stretch of 27 km long river Maraca, whose mouth flows into the left bank of the Amazon River in the city of Mazagão-AP. In study section over complete tidal cycles, were detailed: a) bathymetry of the channel bottom, liquid discharge and velocity intensity in two distinct seasonal periods - dry season (September 2012) and rainy season (May 2013) using an acoustic profiler (Acoustic Doppler Profiler - ADP) b) elaboration of numerical mesh of the computational domain (2DH), modeling and numerical simulation of hydrodynamic flow coupled to a scalar dispersive processes (seeds) using the software Sisbahia 8.5. Data were obtained from the vector fields which have been generated by the flow velocity and finally analyzed the behavior of the plume seed in the flow. It was elaborated a procedure for pre-calibration of the model. Data were generated from tide gauge reference Santana-AP located ≈ 35 km downstream of the study section. The maximum liquid discharges of ebb and flow were, respectively, -783 until +1340 m3/s and maximum amplitude variation of the water level was 2.41m. The experimental average speeds ranged from 0.0 m/s (high tide and low tide) to 2.4 m/s (other periods), which were used as the initial condition and boundary of hydrodynamic numerical model and seed dispersal. Hydrochory scenarios were simulated for periods of up to six tidal cycles (≈ 72h), forced by basin hydrology (upstream) and semidiurnal tidal cycles (downstream on the Amazon River). It was concluded that the space-seasonal variations of flow and speed are good indicators of advective and diffusive scales to quantify the dispersion hydrochoric in floodplain environments. Thus, in a tidal cycle, the average distance of displacement of the center of gravity of a plume of seeds transported about 14 km in the rainy season and 8.2 km in the dry season. However, the scale longitudinal dispersive for both periods was approximately 3km. From the ecological point of view, the transport scales involved are fundamental parameters to determine the effective role of estuarine rivers as strategies for survival and adaptation of plant species as well as its importance in the conservation and management of these ecosystems. Keywords: dispersion hydrochoric, lowland Amazon estuary, tides, recirculation, modeling, Florestam Project

1. INTRODUÇÃO

De acordo com Galupo e Carvalho, (2001), a exploração dos recursos naturais sem o conhecimento científico tem sido uma realidade global. Na Amazônia, esta prática é comum devido à sua exuberante riqueza biológica e facilidades encontradas na extração destes recursos. Além disso, a falta de conhecimento ecológico para estabelecer os sistemas silviculturais, por parte de quem explora a floresta, é uma das causas da perda da diversidade, concentrando a exploração em poucas espécies (López, 1996). Por outro lado, o incremento de pesquisas científicas favorece o melhor entendimento biológico, com vista ao uso e exploração dos recursos naturais. As florestas de várzea correspondem a aproximadamente 75% do total de madeiras comercializadas na Amazônia. E desde a década de 80, as principais espécies madeireiras exploradas são a virola ou ucuúba (Virola surinamensis), sumaúma (Ceiba pentandra), assacú (Huracreptans), anani (Simphonia globulifera), andiroba (Carapa guianensis), cedro branco (Cedrelasp.), sucupira (Diplotropis sp.) e tamanquaré (Caraipa desinfoliada) (PIÑA-RODRIGUES, 1999; ITRSA, 2003, GUEDES, 2009). Segundo o ITRSA (2003), por exemplo, a Andiroba Carapa guianensis Aubl. é uma espécie de uso múltiplo, de onde se extrai a madeira e o óleo das sementes sendo estes dois dos mais importantes produtos da floresta. Entre as espécies nativas da Amazônia, a madeira da andiroba é uma das mais estudadas, sendo considerada nobre e sucedânea do mogno. O óleo de andiroba é usado na preparação de sabão e de cosméticos, repelentes de mosquitos transmissores de doenças, como o da dengue e o da malária. Alguns grupos indígenas e populações tradicionais utilizam o óleo como repelente de insetos e no tratamento de artrite, distensões musculares e alterações dos tecidos cutâneos. Popularmente, o chá da casca e das flores é usado como remédio para combater infecção bacteriana e o chá do cerne como fungicida.

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Neste contexto, a várzea é um ecossistema espetacular e peculiar, que possui grande fertilidade em seus solos, formando ambientes propícios à manutenção de ciclos biogeoquímicos vitais de espécies tropicais (Ward et al., 1983; Statzner et al., 1985; Junk et al., 1989; Ward et al., 1995; Stanford et al., 2001; Ward et al., 2003; Parolim et al., 2005; Junk et al., 2011; Ward et al., 2013). Assim, segundo Tourinho (1996), a várzea se destaca como potencial econômico na Amazônia. Contudo, entre as atividades da várzea, o extrativismo tem sido o mais preocupante ao meio científico, devido à falta de estudos das espécies botânicas (ecologia) associados com suas possibilidades extrativas e madeireiras para a região (Piña-Rodrigues, 1999; Guedes, 2009). Além disso, as várzeas são ambientes frágeis, com origem e funcionamento ligados à deposição de sedimentos geologicamente recentes, profundamente influenciados pelos regimes de marés e de águas pluviais, solos férteis e estoques biológicos ainda precariamente conhecidos, destacando-se principalmente o extrativismo vegetal, como o açaí (fruto e palmito), seringa, virola, andiroba, madeira e a pecuária extensiva (Amapá, 2000). Piña-Rodrigues (1999) destaca que as características ecológicas da várzea tornam este ecossistema vulnerável não somente à remoção total da floresta, mas devido o extrativismo madeireiro ser de exploração seletiva, voltada para retirada de espécies de interesse econômico exclusivo, o que pode prejudicar a regeneração e produtividade futura das espécies (andiroba e virola, por exemplo) . O rio, com seus regimes de cheias e vazantes, regula todo o fluxo de transporte, do suprimento alimentar e, em alguns casos, dos excedentes comercializáveis, dos padrões ou modelos de ocupação espacial, da edificação residencial, da natureza e desenvolvimento da floresta, da formação do solo, da dinâmica dos rios, enfim, das próprias estratégias humanas em suas mais amplas dimensões de trabalho e de dependências sociais, culturais e econômicas (Rabelo et al., 2005, Pinheiro, 2008; Cunha et al., 2012; Cunha, 2013). Estas são variáveis chaves para o equilíbrio dos ecossistemas de várzeas e são críticos para a sobrevivência das comunidades de plantas e animais, principalmente em regiões sob efeito de maré (Bastos, 2010; Santos, 2012). A integridade ecológica de ecossistemas fluviais depende da variação do regime de fluxo no qual eles estão adaptados (Junk et al., 1989; Bastos, 2010; Junk et al., 2011; Fragoso Jr, 2009; Santos, 2012; Cunha, 2013). Mas, paradoxalmente, pouco se tem estudado sobre o papel dos rios nos processos denominados hidrocóricos que são fundamentais para a conservação e manutenção destes formidáveis ecossistemas (Howe e Smallwood, 1983; Piña-Rodrigues, 1999). Howe e Smallwood (1983) afirmam que sete espécies de várzea apresentam dispersão primária e secundária: cinco de hidrocoria e ictiocoria; uma anemocoria e posterior hidrocoria; uma de ornitocoria e posterior hidrocoria; outras treze apresentaram apenas uma síndrome de dispersão: oito hidrocóricas; duas ictiocóricas; uma mastozoocóricas; uma quiropterocóricas; uma ornitocórica. De acordo com Piña-Rodrigues (1999), a hidrocoria ou dispersão de sementes pela água, como a virola, é principalmente considerada como ornitocórica, nas áreas de várzea do estuário amazônico. Contudo, grande parte das sementes também caem na água e nela permanecem por longos períodos (Scarano et a., 2003; Jansen et al., 2004). Ao cair na água, o arilo presente nas sementes de virola recém-dispersas é um forte atrativo para os peixes. Alguns autores relatam que o

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peixe tambaqui, Colossomum macrocarpum, se alimenta de sementes de virola, embora, devido ao formato de seus dentes possa causar danos às mesmas. Segundo Scarano et al., (2003), andiroba ou Carapa guianensis Aubl., é uma árvore de madeira dura da Amazônia brasileira, tem grandes sementes recalcitrantes que podem germinar e estabelecer em ambas as inundações livres (terra-firme) e florestas inundáveis (várzea). Estas sementes, embora grandes, podem flutuar. Dada a importância desta espécie para as várzeas, os referidos autores examinaram experimentalmente a longevidade destas sementes sob condições de flutuabilidade ex-situ e seus efeitos sobre a conseqüente germinação e crescimento. Verificaram que muitas sementes germinaram enquanto flutuavam. Brotos de mudas flutuantes recém germinados podem se alongar até 37,0cm em 20 dias sem perda de viabilidade. Os principais resultados indicaram que a variação de Carapa guianensis tem dormência fisiológica em resposta à flutuação de sementes. O fato de flutuar induz dormência em sementes recalcitrantes desta espécie de importância econômica e pode ser relevante para as iniciativas de conservação ex-situ de armazenamento das sementes. De acordo com Scarano et al., (2003), a vegetação alagada na Amazônia brasileira está anualmente sujeita às cheias que duram entre 6 a 8 meses, submergindo árvores completamente. Os níveis d´água podem superar grandes profundidades, da ordem de 10m. Deste modo, a regeneração das plantas nestas áreas enfrentam no mínimo dois problemas: 1) frutos maduros e sementes são lançados durante a estação de inundação e provavelmente caem dentro d´água. Deste modo as sementes ficam sujeitas a um alto grau de risco devido a imprevisibilidade do tempo e abrangência de alagamento do local; e 2) o estabelecimento das mudas no local, durante a estação seca deve permanecer, poucos meses mais tarde, completamente submersa por seis meses ou mais. Tais problemas são superados pelo alto número de espécies de árvores, os quais geralmente combinam eficientemente a dispersão hidrocórica com mecanismos de tolerância à submersão de mudas e adultas. Dada as características biológicas das sementes, e sua relação com a adaptabilidade à dinâmica das águas, sua importância está intimamente relacionada com a evolução e adaptação de espécies das várzeas, o que torna o tema "hidrocoria" como de alta relevância ecológica, e também como subsídio à conservação de ecossistemas rio-floresta e principalmente à gestão de áreas alteradas devido a exploração de recursos florestais desses ambientes (Parolim et al., 2005). Como conseqüência, esta pesquisa apresenta uma breve revisão da literatura e uma análise experimental-numérica com uma visão inovadora sobre a real complexidade dos fenômenos hidrodinâmicos acoplados à dispersão hidrocórica. As lacunas de conhecimento sobre o tema, além do quase completo desconhecimento hidrológico dos rios desta região (Cunha et al., 2012), mostram que esse tema necessita de uma abordagem que somente a modelagem numérica de sistemas ambientais pode oferecer. Portanto, a presente pesquisa destaca a experimentação hidrodinâmica associada com a modelagem e a simulação do escoamento turbulento (acoplado a sistemas dispersivos). Neste trabalho, buscou-se representar o máximo realismo possível sobre o comportamento hidrodinâmico e dispersivo do escoamento das águas. A novidade é a busca do "vínculo dispersivo" das sementes com o escoamento natural dos rios ao longo de ciclos de marés, típicos do estuário do baixo rio Amazonas.

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2.BREVE REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O DISPERSÃO DE SEMENTES

Segundo Howe e Smalwood (1982) a identificação de forçantes naturais que influenciam os processos de dispersão de plantas necessita de argumentos teóricos, empirismo representativo e especulação teórica sobre o tema na área, sobre os quais pesam duas das mais importantes questões em ecologia de dispersão. A primeira pergunta é quais são as vantagens ecológicas e evolucionárias existentes na dispersão de sementes? Segundo Howe e Smalwood (1982), surpreendentemente, pouco se conhece sobre as vantagens de uma planta-mãe (matriz) investir esforço evolutivo em sua estrutura de dispersão. Esta estratégia habilita as sementes a escaparem da mortalidade devido a proximidade da planta-mãe? Seria a recolonização contínua de habitats instáveis uma vantagem primária? Devem as sementes encontrar microhabitats raros para seu adequado reestabelecimento? Tais conjecturas são tratadas conjuntamente entre a dispersão e o estabelecimento dos estágios de aprovisionamento das matrizes sujeitas às mais altas taxas de mortalidade ao longo da vida da planta. A segunda pergunta ampla é: quais as forçantes ambientais genéricas e explícitas que influenciam o tempo e o modo de dispersão? Será que o clima ou as estações(sazonais) favorecem mais um modo de dispersão do que outro? Será que as diferenças no número, tamanho, morfologia, ou qualidade nutricional de frutos influenciam a escolha de diferentes espécies ou indivíduos (transportadores!), e conseqüentemente, na dispersão diferenciada de espécies ou indivíduos dentro de grupos de espécies? Deste modo, processos e mecanismos de dispersão devem estar intimamente conectados. 2.1 Os mecanismos de dispersão Segundo Jansen et al., (2004), nos seus estudos em florestas na Guiana, descrevem que muitas espécies de árvores dependem de animais para a dispersão de sementes, o que explica algumas adaptações ao aumento por dispersão animal e diminuição à predação. Howe e Smalwood (1982) descrevem que a morfologia de frutos e sementes geralmente indicam os meios pelos quais ocorre a dispersão. Os vários mecanismos de dispersão, listados na Tabela 1, incluem adaptações espetaculares como aspectos nutritivos dos frutos para atrair consumidores vertebrados ou invertebrados, cocos flutuantes que bóiam centenas ou milhares de quilômetros, sementes leves (dustlike) produzidos pelas centenas de milhões de orquídeas, asas e plumas capazes de realizar transporte aéreo individuais elegantes, e frutos balísticos que podem lançar sementes a vários metros de distância da matriz, de modo que as adaptações para a dispersão variaram a partir de suas origens evolutivas. Por exemplo, partes dos frutos para estas finalidades apresentam freqüentemente origens anatômicas.

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Tabela-1: resumo das principais mecanismos de dispersão de frutos e sementes. Fonte (adaptada de Howe e Smalwood, 1982) Agente dispersante e adaptação geral Animal - Nutriente carnudo - Atrator químico - Estruturas com garras - Mimetismo Vento - Redução de tamanho - elevada razão superfície/ volume Água - Resistência ao afundamento (flutuabilidade) - uso da tensão superficial -baixa gravidade específica Auto dispersivas - frutos explosivos - rastejantes

Modificações

Derivações

Comentários

Arilo, Pericarpo, polpa, Ganchos, Material viscoso Semente com Tegumento Colorido

Sementes Tegumento de semente ou fruto

Dispersão por Vertebrados, Comida por pássaros, Aderem à pele ou penas Comidas por pássaros

Sementes poeira (dustilike) Asas, plumas, balões, Soltar, atirar

Sementes Casca de semente ou fruto

Mais de um milhão/planta Balões incomuns Sementes dispersas

Variada

Casca de semente

Transporte submerso Flutua até umedecer Transporte secundário comum

Casca de semente Semente ou Frutos Cerdas hidroscópicas

Frutos Frutos

Transporte secundário comum Ocorre com umidade variável

Mas, como pode ser observado na literatura da área, há carência de informações sobre os mecanismos de dispersão hidrocórica e eólica. Deste modo, é muito importante entender as vantagens da dispersão nos ecossistemas de modo geral, bem como as principais teorias que tratam do assunto. Por exemplo, segundo Fayard et al., (2009), dispersão de sementes de longas distâncias (Long distance dispersal - LDD) é atualmente aceita como fator chave nos processos de colonização, os quais influenciam tanto a dinâmica de expansão populacional quanto a estrutura espacial de diversidade genética de árvores. De acordo com Howe e Smalwood (1982, Scarano et al., (2003) e Jansen et al., 2004), muito se sabe sobre as adaptações morfológicas que permitem a dispersão de sementes e frutos, mas pouco se sabe sobre as forças seletivas que os produzem. Trabalhos recentes enfatizam vantagens alternativas para a dispersão local, como um meio ou (a) evitar que a semente tenha desproporcionada taxa de mortalidade de plântulas próximas da matriz, (b) perturbações colonizadoras ou (c), localização de microhabitats adequados para o estabelecimento e crescimento das espécies. Contudo, as alternativas citadas não são excludentes, mas podem diferir em importância de uma para outra. As principais hipóteses mencionadas na literatura da área sobre os mecanismos de dispersão são descritos a seguir. A "hipótese da fuga" (a) baseia-se no fato de que há desproporcionalidade de sucesso para as sementes escaparem de suas parentes vizinhas, quando comparada com aquelas que caíram na redondeza (mais distante). A "hipótese da colonização" (b) considera que os habitats mudam; a dispersão no espaço e no tempo permite que um parente se reproduza fora de época, sendo capaz de tirar vantagem de ambientes não competitivos quando desabrocham. A "hipótese da dispersão direta" (c) considera que as adaptações dispersivas alcancem sítios localizados "especialmente"para seu adequado estabelecimento (Howe e Smallwood, 1983). Uma hipótese mais definitiva é que a distribuição dos adultos refletem intimamente a distribuição de sementes (Fayard et al., 2009; Kimuiu et al., 2012). Deste modo, podemos

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considerar alguns argumentos sobre as vantagens da dispersão. Mas o interesse histórico sobre a dispersão de longas distâncias diminuiu porque a disseminação de longa distância não é a "razão" seletiva principal para as sementes ou frutas (Fayard et al., 2009). Alguns exemplos de dispersão de longa distância são melhores explicados pelos ventos (correntes) continentais ou por puro acaso, enquanto o potencial adaptativo dispersivo em ilhas é projetado para a colonização local. Evidências genéticas indicam que a colonização ocorre para algumas plantas, contudo, considerando que as máximas freqüências de sucesso ocorrem em distâncias intermediárias de seus parentes (Howe e Smallwood, 1982). Seria verdadeiro que a hipótese da fuga está implícita na vantagem seletiva para a dispersão de plantas próximas das plantas parentes? Segundo Howe e Smallwood (1983), a mortalidade depende da densidade de parentes próximos e pode ser influenciado pela predação de insetos e roedores, ataques patogênicos, ou competição das plântulas. Ou, também, a resposta de predadores de sementes só ocorre na vizinhança imediata das plantas parentes, ignorando sementes e plântulas a poucos metros de distância. A hipótese da fuga contudo pode ser falseada pela mortalidade randômica em relação a densidade de irmãs ou distantes dos parentes, sem uma vantagem percapta porque a mortalidade reduz o nível de sucesso em função da predação, doenças, e competição. A hipótese da fuga alcançou quase uma aceitação universal. Porém, não apresentou praticamente nenhum suporte empírico. Alguns dados citados como apoio à esta teoria são irrelevantes ou negativos. A hipótese da fuga foi originalmente estruturada para árvores tropicais, mas muito de seu melhor suporte teórico tem sua origem em estudos de ervas (Howe e Smallwood, 1982). Em relação a "hipótese da colonização", a questão é: pode a vantagem primária em relação à dispersão ter chance de ocupação de locais favoráveis que são imprevisíveis no tempo e no espaço? A hipótese da colonização presume que os habitats mudam com o tempo. Portanto, o "objetivo" da planta matriz é disseminar sementes tão distante quanto possível, de modo que encontre alguma situação favorável, ou então possam aguardar no solo ou permanecer armazenadas até que algum "gatilho" como o fogo, a chuva, a maré, ou outra perturbação, permita que as plântulas se estabeleçam ou cresçam. A hipótese é testável por comparação quando algumas sementes são mais prováveis de colonizar novos sítios do que outras. A hipótese da colonização aplica-se ao sucesso de comunidades na visão clássica da evolução em direção a um clímax, e em relação a uma nova visão de fluxo contínuo de abundância e distribuição de espécies dentro da floresta madura. Por exemplo, geralmente sementes de tamanhos pequenos e dotadas de design morfológico para a dispersão estão associadas com potencial de colonização, enquanto que sementes de tamanho grandes estão associadas com habilidades competitivas em habitats saturados (Howe e Smallwood, 1982; Piña-Rodrigues, 1999; Janzen et al., 2004). Em relação à "hipótese de dispersão direta", um fenômeno um tanto quanto diferente é a ocupação de habitats especiais por espécies que requerem condições edáficas não usuais diferenciadas. Por exemplo, a dispersão direta tem sido sugerida estudar castanhas capturadas por pássaros, ou frutos ingeridos por pássaros, ou dispersadas por formigas. Uma convincente demonstração destes mecanismos deve considerar que os agentes dispersivos levem as sementes para locais (não randômicos ou apenas escolhidos) que são mais adequados para o estabelecimento e crescimento da plântula (Jansen et al., 2004).

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Entretanto, outros mecanismos de dispersão de sementes devem ser considerados. A linha de investigação sobre dispersão pela água, vento e adesão externa à animais (plumas e peles, por exemplo) necessitam ainda de desenvolvimento (Howe e Smallwood, 1982). A questão geral é se o peso ou as propriedades aerodinâmicas determinam a máxima dispersão. Por exemplo, variações dentro de espécies dispersas ocorre em absoluta e relativa sintonia com as características de frutos comidos por vertebrados (Piña-Rodrigues, 1999; Scarano, 2003; Jansen et al., 2004). O número de sementes removida a partir de uma árvore pode também estar diretamente relacionada à sua frutificação. Plantas grandes claramente disseminam mais sementes do que as pequenas. Tais diferenças poderiam resultar em diferenças dramáticas de reprodução. A questão em face da ecologia evolucionária é se as variações com relativo sucesso são inerentes às plantas ou se devem às circunstâncias ambientais impostas? Tanto a quantidade quanto a qualidade dos frutos e sementes são influenciados por diferenças genéticas e estão conseqüentemente sujeitos à seleção natural. Tais indagações observadas anteriormente, sobre como cada uma das variáveis ambientais pode influenciar na dinâmica dispersiva ou evolutiva das sementes (espécies vegetais), parece ser parte de antigos questionamentos desta área de ciência. Neste, sentido, a principal hipótese levantada desta investigação é de que o fenômeno da dispersão hidrocórica não tem sido abordado com a devida profundidade, e que seu real papel nos ecossistemas florestais tem sido negligenciado. Principalmente devido a existência de uma significativa lacuna de informações científicas sobre o tema. Além disso, também é necessário enfatizar quais são os aspectos ecológicos relevantes frente aos desafios impostos pela intensa exploração econômica desses ecossistemas de várzeas tropicais. Torna-se urgente entender quais são os verdadeiros componentes hidrodinâmicos básicos que governam os processos de dispersão hidrocórica e, somente após este entendimento, é que será possível compreender o papel dos rios, dos ciclos de marés e das variações hidrológicas sazonais traduzidas pelos pulsos de inundação (Junk e Mello, 1989) nestes desconhecidos ecossistemas amazônicos. 2. OBJETIVOS 2.1. GERAL Modelar e simular numericamente o processo dispersivo hidrocórico com base em medidas experimentais de descargas líquidas no rio Maracá-AP, considerando forçantes físicas da sazonalidade climática, dos ciclos de marés semidiurnas e a dinâmica do escoamento turbulento em regime não-permanente, típicos de zonas estuarinas do baixo rio Amazonas. 2.2. ESPECÍFICO a) Quantificar experimentalmente as descargas líquidas e a intensidade média das velocidades no escoamento (superficial) com uso de técnica do perfilador acústico Doppler de corrente (ADP) em uma seção de monitoramento do rio Maracá-AP, afluente do rio Amazonas. A extensão do trecho de rio foi de 27 km desde sua foz, abordando duas óticas de análise: 1) parametrização

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hidrodinâmica do escoamento natural e; 2) modelagem e simulação do escoamento acoplado ao processo de dispersão hidrocórica no escoamento. b) Modelar e simular com uso do sistema de modelagem SisBaHiA 8.5 o escoamento hidrodinâmico e dispersivo com base nas informações experimentais batimétricas e hidráulicas do canal para reproduzir o fenômeno da dispersão ao longo de ciclos de marés em dois períodos sazonais - chuvoso (maio) e seco(setembro). c) Pré-calibrar o modelo hidrodinâmico e dispersivo no SisBaHiA com base em registro maregráfico de referência (Porto de Santana-AP) e iniciar um processo de otimização da modelagem de processos hidrodinâmicos e hidrocóricos neste sistema hídrico.

3. MATERIAL E MÉTODOS

3.1. Área de Estudo De acordo com Piña-Rodrigues (1999) o estuário amazônico é denominado de "região das ilhas", abrangendo vasta área inserida entre os Estados do Amapá e Pará, na foz do rio Amazonas, até a confluência com os rios Paru e Xingú, entre 48o e 52 o de latitude Sul. O clima na região estuarina, de modo geral, é do tipo tropical, quente e úmido, com temperatura média mensal acima de 18oC, de acordo com a classificação de köppen, os subtipos Am e Af. A temperatura média oscila entre 24,5 oC a 27,3 oC, com máximas e mínimas, respectivamente, entre 30,1oC - 32,7oC e 19,2oC 24,2 oC. A umidade relativa do ar oscila anualmente entre 80 e 90%. Em termos médios, a precipitação pluviométrica ocorre acima dos 3.000 mm, variando nos meses mais chuvosos ("inverno") de janeiro a junho (média mensal de 320 mm), enquanto que a menos chuvosa ("verão") estende-se de julho a dezembro (média mensal de 120 mm) (Souza et al., 2009; Souza e Cunha, 2010; Neves et al., 2013; Ambrizzi et al., 2012). Na região predominam solos de várzea, sujeita a efeito de maré e das cheias dos rios. O relevo é ligeiramente ondulado, com solos do tipo gley pouco úmido, na maioria das vezes ácido (pH 3,7 a 5,7), pouco profundo, mas considerados como de alta fertilidade, normalmente concentrada na camada superficial, causada pela deposição de sedimentos e substâncias em suspensão nas águas dos rios que atingem estes solos durante os períodos das cheias (PiñaRodrigues, 1999; Parolim et al., 2005; Bastos, 2010; Cunha, 2013, Ward et al., 2013). Em toda a rede hidrográfica do baixo rio Amazonas há diversos afluentes de diferentes dimensões. Um dos "pequenos" afluentes da margem esquerda do rio Amazonas é o rio Maracá-AP (Gudes, 2009; Souza et al., 2011). Estes rios são influenciados pelos regimes de maré diárias e cheias sazonais ao longo do ano e o movimento sazonal das águas está vinculado ao clima, quando no período chuvoso ("inverno"), de janeiro a junho, os rios sobem até 4,0m, alcançando um máximo no período de lançante, que compreende os dias de lua cheia e nova (Cunha et al., 2012). Observase na região os ciclos de marés semidiurnas (12,40h) com picos de maré alta ("preamar") e maré baixa ("baixamar"), sempre superior ao nível das águas durante a estação menos chuvosa. É comum

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notar que os intervalos entre correntes ascendentes (enchentes) e descendentes (vazantes) sejam, respectivamente de 5,5 a 7,5h, variando de acordo com o sítio geográfico (Bastos, 2010; Santos, 2012; Cunha et al., 2012). A várzea apresenta sub-domínios definidos em função das variações no regime das águas e de suas diferenças quanto ao relevo, solos e tipo de vegetação e podem ser classificadas como várzea alta, várzea baixa e campos naturais e igapó. A várzea alta é uma faixa de terra de nível mais elevado, inundável no inverno (maio), mas que seca completamente durante os meses menos chuvosos (setembro). A várzea baixa permanece durante quase todo o ano inundada, situada em torno da cota de 30cm ao nível do mar (Galo, 1994). Durante todo o inverno sua inundação é provocada pelas cheias dos rios e pelas chuvas, e no verão sofre diariamente o efeito da preamar, abrangendo maiores áreas do que a várzea alta, se estendendo até por quilômetros das margens dos rios. O igapó corresponde às áreas de cotas inferiores à várzea baixa, que permanece constantemente inundada e pantanosa, apresentando águas escuras e solos ácidos, de consistência aquosa (Piña-Rodrigues, 1999; Parolim et al., 2005). A cobertura vegetal das áreas de várzeas varia de estados juvenis a florestas maduras, em função do gradiente topográfico e dos períodos de alagamentos sazonais e movimentos de marés. Suas características é do tipo densa ombrófila aluvial, sendo as espécies predominantes as palmeiras de açaí (Euterpe oleracea) e buriti (Mauritia flexuosa), e entre as arbóreas estão a virola (Virola surinamensis), sumaúma ou samaúma (Ceiba pentandra) ,andiroba (Carapasguianensis), anani (Symphoniaglobulifera), assacú (Huracreptans), seringueira (Hevea brasiliensis) e munguba (Bombaxmunguba) (Piña-Rodrigues, 1999). Por exemplo, segundo ITRSA (2003), a botânica da andiroba pode ser descrita como uma árvore de grande porte, podendo atingir até 55m de altura, com fuste cilíndrico e reto de 20-30m. A copa, de tamanho médio, é densa e composta por ramos eretos. O fruto é uma cápsula com 4 valvas, de forma globosa ou sub-globosa, medindo geralmente entre 5 e 11cm de diâmetro e pesando entre 90 e 540g; cada fruto pode conter entre 1 e 16 sementes. As sementes de cor marrom podem apresentar grande variação de forma e tamanho; são encontradas sementes pesando entre 1 e 70g e medindo entre 1 e 6 cm de comprimento. A plântula apresenta epicótilo com 9-17cm de altura quando surgem as primeiras folhas, que são alternas, glabras, normalmente compostas, paripinadas ou imparipinadas. Neste estágio, a raiz primária é comprida, lenhosa, resistente e de coloração marrom; as raízes secundárias são finas, densas e de cor castanho claro. Em termos ecológicos a andiroba ocorre no sul da América Central, como também na Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana Francesa, Brasil, Peru, Paraguai e nas ilhas do Caribe. No Brasil, ocorre do nível do mar a até 350m de altitude, em toda a bacia Amazônica, tanto nas florestas de terra firme como nas florestas temporariamente alagadas (várzeas e igapós), ao longo dos rios e riachos e próximo aos manguezais. As sementes flutuam e podem ser dispersas através da correnteza dos cursos d’água. Porém, em floresta de terra firme, a maioria dos frutos e sementes é encontrada embaixo da árvorematriz. No período de dispersão, as sementes são muito predadas por roedores, tatus, porcos domato, pacas, veados, cotias, etc. O foco da presente pesquisa é a várzea baixa.

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3.2 Bacia do Rio Maracá-AP A área de estudo corresponde ao trecho de 27 km no Rio Maracá desde sua desembocadura no Rio Amazonas, localizado no Município de Mazagão-AP, apresentando as coordenadas 0°25’07,82’’S; 51°26’07,64” O. O Rio Maracá nasce no noroeste do estado do Amapá e deságua no rio Amazonas. Ele está situado em área de várzea, no baixo rio Amazonas (Figura 1). As várzeas do estuário amazônico, objeto do estudo, são caracterizadas como várzeas fluviomarinhas, geograficamente distribuídas pelos Estados do Amapá e Pará, que recebem influências das marés oceânicas através de dois pulsos diários de inundação (Junk et al., 1989; Nikiema et al., 2007). O regime de inundação dessas várzeas é totalmente diferente das várzeas do alto Amazonas, que passam dois grandes períodos de cheia e vazante durante o ano, em função apenas do regime de chuvas (Guedes,2009, Cunha et al., 2012). 3.3 Caracterização da Área e Seção de Medidas de Descarga Líquida e Batimetria Segundo Souza et al., (2011) a bacia hidrográfica do rio Maracá (Figura 1) está localizada no Município de Mazagão – AP, na qual há várias comunidades que vivem nesta região. As principais fontes de renda são o extrativismo e a fabricação de móveis (principalmente no baixo rio Maracá) (Amapá, 2000).

Figura 1. Localização da Bacia do rio Maracá no Estado do Amapá. À direita o perfil de elevação do terreno (ao longo do canal principal) e seção de medida próximo da foz do rio (A´). Fonte: Souza et al., (2011). Como descrito para a zona estuarina, a bacia do rio Maracá apresenta características físicas e climáticas comuns às de bacias Amazônicas (Peña-Rodrigues, 1999; Souza et al., 2009; Souza e Cunha, 2010). O rio Maracá é perene e deságua no braço esquerdo do rio Amazonas (Ponto A’, da Figura1). Os detalhes do trecho estão indicados na Figura 2. Este está localizado entre o triângulo vermelho e a seção de montante A´ da Figura 1, mais próxima de A´. Como descrito anteriormente, este rio sofre influência direta do ciclo de marés semidiurnas e variações hidrológicas sazonais provocadas pelo rio Amazonas. O escoamento é considerado complexo devido ao afluxo e refluxo

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(recirculação) das águas e, portanto, supõe-se que governam fortemente o processo de dispersão hidrocórica nestes ambientes.

Figura 2: Detalhe da localização da Área de Estudo, no baixo rio Maracá, Mazagão-AP. No detalhe do lado direito da Figura 2 observa-se a localização do rio Maracá e sua conexão com o rio Amazonas. É possível observar a geomorfologia do rio, acentuadamente sinuosa, típicos da região planície amazônia (Christofoletti, 1981). Também é possível observar quatro seguimentos de monitoramento em cor vermelha, os quais representam sítios de interesse ao projeto Ecologia e Manejo do Estuário Amazônico (Florestam) (Guedes, 2009). A partir da foz do rio, o segundo segmento vermelho foi o escolhido como a localização exata da seção de monitoramento hidrodinâmico da presente pesquisa (dispersão hidrocórica).

3.4 Medidas de descarga líquida com uso da técnica de perfilamento acústico (ADP) Muste et al., (2010) reportam recentes avanços em instrumentação para investigação hidrodinâmica e morfológica de rios, incluindo os métodos acústicos e de sensoriamento remoto. Estes métodos estão revolucionando o entendimento, descrição e modelamento dos escoamentos naturais. De acordo com Stones e Hotchkiss (2007), medidas acuradas de escoamento em campo de rios rasos são necessárias para muitas aplicações incluindo investigação biológica e desenvolvimento de modelos numéricos. Infelizmente, dados de velocidade das correntes são difíceis de obter a partir das técnicas de medidas tradicionais devido às limitações tecnológicas (Silva e Kosuth, 2000; Bastos, 2010, Santos, Shen et al., 2010; 2012; Cunha et al., 2012, Rosman, 2012). Dentre os impactos que a velocidade da corrente influência, os mais importantes são os processos de mistura e de transporte no habitat aquático. Em grandes rios, a velocidade é tipicamente medida em barcos parados ou em movimento com molinetes ou ADP (Acustic Doppler Profiler) (Muste et al., 2010; Souza et al., 2011).

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A técnica do perfilhamento acústico apresenta algumas vantagens em relação às tradicionais, como a quantificação de descarga líquida em locais onde há extrema dificuldade de aplicação de métodos tradicionais, tais como grandes rios, períodos de cheia, seções descontínuas, sendo que alguns autores indicam seu uso mais frequente em estuários (Guennec e Strasser, 2009). As principais vantagens do ADP são: maior quantidade e qualidade dos dados, e precisão de 5%; medidas são obtidas em tempo real, apresentando alta taxa de reprodutibilidade; é mais rápido do que os métodos convencionais, podendo ser usado em grandes e pequenos corpos d’água. Além disso, exige menor esforço de mão de obra, sem necessidade de alinhamento, permitindo a correção de desvios de rota em seções descontínuas, além de estimar movimento de sedimento de fundo. Também apresenta boa correlação com métodos tradicionais, permitindo a obtenção do perfil da seção, da largura do rio, da velocidade da corrente, da distribuição qualitativa de sedimentos em suspensão, da hora da medição, da velocidade do barco, temperatura da água e salinidade. Muste et al. (2010) descrevem que para análise de escoamento em rios com métodos acústicos para quantificar variáveis e parâmetros hidrodinâmicos e morfológicos em corpos naturais de água, o grau de importância dessas novas tecnologias é mais evidente quando aplicados aos grandes rios sob influência de marés (Abdo et al., 1997; Martoni e Lessa, 1999; Dinerhart et al., 2005). Na presente pesquisa a medição de descarga líquida foi feita utilizando-se de um Perfilador Acústico Doppler (ADP-Acoustic Doppler Profiler) SonTek, RiverSurveyor, modelo M9, com quatro transdutores de 3MHz e quatro de 1MHz (Figura 3), sendo realizada duas campanhas, uma em setembro de 2012 (período de seca, maré de quadratura) e uma campanha em maio de 2013 (período chuvoso, maré de sizígia).

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Figura 3: Etapas experimentais. Na seqüência de apresentação, de cima para baixo, da esquerda para a direita: a) Equipametnos principal - ADP-M9; b) seção próxima de medidas hidrodinâmicas e experimento teste de dispersão de sementes (pontos brancos na água); c) operação de medição de descarga líquida na seção de referência no rio Maracá/Mazagão e d) obtenção de dados de vazão ao longo de 12,50h contínuas no dia 28/05/2012. Observe no centro a conexão Bluetooth com um aparelho celular.

Na região do rio Maracá, cada campanha de medição de descarga líquida teve duração aproximada de 12,5 h (ciclo semidiurno de maré). Ao curso de cada travessia, o ADP divide o transecto em verticais que, por sua vez, são dividas em células de comprimentos definidos pelo software do equipamento. O ADP foi instalado no lado de uma voadeira e os transdutores operaram submersos a 0,40 m do nível da água. A configuração do equipamento e dos dados da medição foram feitos via conexão Bluetooth com um aparelho celular através do software RiverSurveyor Live Mobile, versão 3.00.0.00 que acompanha o ADP M9. Foi usado também um GPS modelo GARMIM 76CSx, com intuito de obtermos as coordenados da seção e batimétrica com maior precisão. Ao longo de 12,5h perfis de velocidade foram integrados para toda a área do transecto na qual determinou as descargas líquidas por ciclo de maré. De posse do perfil de cada medida de vazão e de velocidades médias (incluindo a velocidade de superfície) da corrente em cada intervalo de tempo de aproximadamente 10 min, foi possível calcular a vazão total na seção de descarga ou de medição (Silva e Kosuth, 2001; Cunha, 2008; Santos, 2012). Para se reduzir erros aleatórios durante a medição, foram tomados alguns cuidados como: evitar instalar próximo ao motor para reduzir interferências eletromagnéticas, manter a velocidade de travessia o mais constante possível e próxima à velocidade da água, fixar bem o ADP de modo

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que ficasse perpendicular ao nível da água para não haver deslocamentos do equipamento em relação ao barco durante a medição (conhecido como pitchandroll). Recomenda-se também escolher uma seção do rio com baixo turbilhonamento, evitando-se curvas e locais com quedas abruptas na profundidade e utilizar piloto experiente que conheça a região de medição. A vazão total quantificada em cada travessia é a soma das vazões de fundo, de topo, das margens e da vazão efetiva medida. Adotou-se o método exponencial padrão adotado internacionalmente para extrapolação da vazão nas margens com o uso deste método (Mueller & Wagner, 2009). Ao final da medição do ciclo de maré, exporta-se do RiverSurveyor Live® para uma planilha eletrônica (Excel®), na qual é elaborada uma tabela com dados como hora de início e fim de cada travessia, vazão total, vazão medida, vazões estimadas de topo, de fundo e de margens esquerda e direita, profundidade, velocidade da correnteza da maré, entre outros. Neste processo foram gerados os gráficos de nível da maré e de vazão. 3.3 Batimetria do canal principal do rio Maracá com uso do ADP A batimetria da região de estudo se deu de forma conjunta com as campanhas realizadas para medição de descarga líquida. Por questões logísticas a batimetria não foi efetuada em único dia. Em diversas campanhas entre setembro de 2012 a maio de 2013, realizou-se medidas de batimetria de fundo do canal ao longo de 27 km a partir da foz do rio. A metodologia de coleta de dados é praticamente idêntica à de medida de descarga líquida, com a diferença de que a navegação segue um padrão do tipo "zigzag" de margem a margem, avançando no sentido longitudinal do escoamento, observando a correção da elevação do nível d´água no ciclo de maré. Este procedimento permitiu corrigir as variações do nível de água ao longo dos ciclos de marés. Para as devidas correções dos níveis foi instalada uma régua de nível (R1), na seção de estudo. O levantamento batimétrico gerou os contornos físicos e geomorfológicos 3D (ou 2DH) do rio no trecho estudado que posteriormente foi utilizado pelo software SisBaHiA® na modelagem e simulação hidrodinâmica. Neste processo foram gerados 444 volumes de controle em elementos finitos e 2205 nós, os quais formaram o domínio computacional básico utilizado pelo SisBaHiA® no módulo 2DH. 3.4. Hidrologia e variações do nível nos ciclos de marés Para avaliar a variação do nível do espelho d'água com a maré semidiurna a régua R1 (limnimétrica) foi instalada desde a primeira campanha e a mesma serviu para corrigir os níveis em todas as expedições até que se completasse todo os 27 km de rio. Através da ferramenta de previsão de maré do software SisBaHiA® e utilizando as constantes harmônicas do marégrafo da estação do Porto de Santana (Tabela 2) (FEMAR, 2013) avaliou-se a relação entre os dados medidos pela régua em campo e os gerados pelo SisBaHiA®. A partir da comparação entre os picos e vales das curvas medida (régua) e simulada (Sisbahia), identificou-se a defasagem temporal entre as duas curvas para estabelecer o nível médio de referência do espelho d'água (propagação da onda de maré). Para comparar as curvas numéricas

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obtidas pela régua no SisBaHiA®, aplicou-se o teste não-paramétrico de Wilcoxon, uma vez que os dados não apresentaram distribuição normal quando testados pelo método de Shapiro-Wilk (p
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