Impressões sobre o Conjunto Nacional

September 29, 2017 | Autor: Fernando Chiavassa | Categoria: Ilustração, Pintura e Memória
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Impressões sobre o Bexiga, a Paulista e o Conjunto Nacional Fernando Chiavassa Desço a Brigadeiro até o Bexiga. O som da marmita, das frutas e dos lápis de cor chacoalham juntos na mochila. À pé, papel e lápis são memória e olhos. Vou à Achiropita e à sua volta, não vejo mais estrangeiros, a não ser alguns poucos e caros comerciantes. Agora sento nos degraus da Igreja e escrevo, pois a memória engana: morto o Bexiga da garoa de Adoniram. Esse cenário transformado me lembra de recente pintura que fiz, a partir da Av. Paulista, retratando o Conjunto Nacional, na esquina da Augusta. Naquele pedaço de papel homenageio tanto aqueles que criaram aquele espaço arquitetônico, quanto os que lá trabalham, espaço insubstituível, um dos únicos pontos de encontro do espigão. Desenhando centenas de janelinhas banhadas de sol, lembro dos mais diferentes amigos que deixaram vidas de borracheiros, de engraxates, de entregadores, e de milhares de boys da periferia e do centro da cidade, que conquistam trabalhos mais promissores, povoando minha Paulista de gente de quase todos os cantos. Delineando os reflexos nas vidraças destes prédios fincados na cumeeira da montanha que vai da Imigrantes ao Pacaembú – ligando povoados tão antagônicos –, homenageio todas as gentes misturadas que aqui continuam se achegando para muito mais amalgamar. Reflexos e cores mais distantes mal podem mostrar imagens de uma Paulista do início do século passado, onde exclusivamente circulavam homens com trajes sociais da moda, levando chapéus e bengalas. A presença do elemento humano em minha pintura, não é evidente, apenas as suas marcas. A técnica usada não poderia privilegiar imagens definidas apresentando os reflexos vítreos e metálicos contrastando com um céu azul de brigadeiro, mas sim manchas e espaços sem limites precisos, aproximando a imagem de um grande mosaico, quase indistinto. Marcando áreas iluminadas, o cenário presta homenagem às minorias que lá habitam e congraçam, de todas as cores, nuanças, credos e crenças. Tentando atingir efeitos insuspeitos ainda não terminados – adoro os rascunhos – lembro das manchas coloridas que fazia quando menino. Honestamente tive vontade de saber pintar como àquela época, sem as marcas de hoje, livre de preconceitos e ideologias, à vontade com traços, cores e mensagens. Teria muito preferido traçar e lançar linhas e cores, brincando apenas com manchas libertárias, esquecendo linhas e individualidades, as precariedades do espaço e as delimitações do tempo.

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