IMUNIDADE PARLAMENTAR E FUNDAMENTOS DA PERSECUÇÃO PENAL

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IMUNIDADE PARLAMENTAR E FUNDAMENTOS DA PERSECUÇÃO PENAL







Fauzi Hassan Choukr









Sumário




Uma palavra introdutória
Um modelo constitucional ainda construído com os olhos no passado
Flagrante como medida cautelar
Inafiançabilidade como critério determinante
Controle da prisão na Casa Parlamentar
O ineditismo da tarefa hermenêutica no isolado caso concreto
A flagrância e a apreciação da necessidade cautelar
O crime do art. 2º, §1º da Lei 12.850/2013

A sustentação indiciária dos fatos apontados como geradores do estado de flagrância


Uma palavra introdutória

O presente texto nasce da notoriedade de um caso concreto que, para além dessa qualificação, é também um fato inédito na História brasileira. Tais atributos compelem os atores sociais e, particularmente, os jurídicos, a alguma reflexão dentro de suas respectivas áreas de conhecimento no sentido de contribuir para a compreensão dos mecanismos empregados e da interpretação que lhes foi dada.

Portanto, a análise que se seguirá, embora marcada por situações práticas, não quer se constituir - e não se constitui – num instrumento de julgamento de atos ou teses jurídicas esposadas pelos operadores concretos algo que, inclusive, seria antiético.

Mas é, sim, uma tentativa de compreender, do ponto de vista estritamente técnico, as escolhas efetuadas, sem trazer para essa tarefa adjetivações ufanistas pelo que foi decidido e, tampouco, achincalhar os entendimentos esposados.

Mesmo porque tudo que se passou do ponto de vista jurídico não é um produto isolado, mas, sim, fruto de silêncios doutrinários que construíram e mantiveram um sistema cautelar que, malgrado reformado há pouco, tem profundas ligações com suas matrizes mais primitivas, aquelas do espírito que instituiu o CPP, bem como é uma reiteração de entendimentos jurisprudenciais de longa consolidação especialmente no âmbito do STF.

É um cenário fruto, igualmente, da paralisia legislativa em não adequar o CPP às suas fontes primárias, a CR e CADH, além de apostar numa imutabilidade histórica geradora de gritantes desigualdades, aquela do foro por prerrogativa de função, matéria que não possui sequer investigação criminal plenamente desenvolvida em lei apostando, talvez, que certas situações nunca se verificassem no mundo da vida.

As críticas, evidentemente muito bem vindas, serão ainda mais especiais quando perceberem claramente o espírito de produção deste texto conforme exposto acima.




Um modelo constitucional ainda construído com os olhos no passado
Flagrante como medida cautelar

A EC 35 de 2001 foi fruto de um trabalho legislativo que buscava, em parte, destravar o modelo persecutório estabelecido na CR das amarras da autorização da Casa Legislativa para que a própria investigação tivesse início, não se preocupando, assim, com discussões próprias da técnica processual que viriam, anos depois, a se tornar essenciais para a escorreita apreciação do caso concreto.

Talvez por isso a reforma descurou cogitar que a formalização jurídica do estado de flagrância, que se dá com o auto de prisão em flagrante, devesse ser considerada como uma precautela. A consequência é que, ao assumir o flagrante a natureza precautelar passa-se a exigir, de imediato, a apreciação judicial da presença dos requisitos cautelares para manter-se a pessoa presa, não podendo subsistir a constrição durante toda a relação processual a título da prisão decorrente do estado de flagrância. .

Essa discussão não é nova – malgrado as fontes históricas nem sempre sejam devidamente reconhecidas - sendo que muito antes da atual Constituição e da entrada em vigor da Convenção Americana de Direitos do Homem voz autorizada apontava, observando a estrutura constitucional e infraconstitucional então existente, que

"Ainda levando em conta o momento processual em que se realiza a medida, muitas vezes antecedendo a própria formação da relação processual, costuma a doutrina emprestar-lhe a denominação de precautela ou cautela de primeiro e segundo grau. Tal ocorre com a prisão em flagrante, em relação às cautelas de natureza pessoal, uma vez que depois de efetuada deve ser comunicada à autoridade judiciária competente (Constituição Federal, art. 153, § 12, última parte), rendendo ensejo a uma verdadeira cognição cautelar, por isso que essa autoridade deverá relaxar a prisão, se esta não for legal. O mesmo ocorre com a apreensão de coisas pela polícia judiciária (art. 6.º, n. II, do CPP), providência esta que também pode ser examinada, em momento posterior pelo juiz competente, atento ao procedimento previsto no art. 120 e seus §§ do CPP." A ênfase na cautelaridade penal da prisão em flagrante permaneceu mesmo após a Constituição de 1988 e apenas progressivamente passou a assumir, parte da doutrina, o perfil precautelar dessa forma de prisão.

Assim, a redação atual da CR perpetuou um modelo já em descrédito mesmo em parte da doutrina anterior à reconstrução democrática, enfatizando a possibilidade da manutenção da prisão de alguém a título exclusivo flagrancial. Tal norma constitucional, se já era distante do melhor encaminhamento em 2001, passou a ficar isolada com o advento da Lei 12.403/11 que evoluiu no sentido da precautelaridade do flagrante.

Disso advém que eventuais afirmações sobre a impossibilidade de prender-se um Parlamentar com fundamento cautelar estarão inevitavelmente atreladas a um modelo infraconstitucional já superado. Se na normativa anterior era possível que um Parlamentar permanecesse preso todo o processo exclusivamente a título de sua prisão em flagrante – o que era, isso sim, um absurdo – hoje essa normativa evoluiu para considerar que só permanecerá preso quem estiver numa situação de concreta necessidade cautelar.

Num futuro provavelmente considerado implausível quando a EC entrou em vigor, aquela amarra teórica viria a se tornar um dos mais tormentosos problemas diante do ineditismo da sua operação prática. Outra amarra, contudo, de igual relevo, serviria para analisar a correta extensão do alcance do texto constitucional: a inafiançabilidade.

Inafiançabilidade como critério determinante

As mesmas matrizes históricas que foram destacadas no tópico anterior alimentaram o apego ao critério da inafiançabilidade na reforma constitucional (EC 35), que acabou surgindo como um critério qualificador ao ato da formalização em flagrante, a dizer, somente se confirma a prisão em flagrante quando o crime for inafiançável.

E isto remete a um outro ponto da própria CR posto que o regime de concessão de fiança tem base constitucional específica na medida em que ali estão peremptoriamente previstos crimes aos quais não se poderá conceder fiança, mas não se limita o julgador infraconstitucional àquelas hipóteses.

Quando entrou em vigor, em 1988, a CR se sobrepunha a um modelo legal – o do CPP – que reconhecia, desde sua origem, a fiança como um instrumento relevante na estrutura prisão/liberdade, malgrado reforças legislativas – sobretudo a de 1977 como se verá – tenham modificado aspectos relevantes do texto original.

E com a Lei 9099/95 a importância desse instrumento praticamente desapareceu posto que larga parte dos crimes que poderiam ser alvo da fiança passou a obedecer um regime jurídico onde a prisão em flagrante e a preventiva não mais operariam como regra em nome de uma idílica promessa de consensualidade manifestada em transações penais.

Nada obstante, na reforma trazida com a Lei 12.403/11 a fiança ressurge para "assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial"

A base do tratamento do tema está no renovado art. 322, que dispõe que "A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. " Após esse limite a fiança passa a ser possível apenas por determinação judicial e, na roupagem da nova lei, pode vir acompanhada ou não de outras medidas alternativas à prisão.

E esse tratamento revigorou uma discussão sobre a "natureza" da fiança que oscilava entre cautela ou contracautela. Sobre o tema, já no início de vigência do texto constitucional, Scarance Fernandes afirmava que,

"aquela posição anterior, que via a fiança como contra-cautela, era, de certa forma, resquício da premissa de a regra ser a prisão durante o processo, principalmente se se tratasse de manter detido o agente pilhado em flagrante", e que "O raciocínio deve ser outro. O pressuposto inicial é de que o réu, presumido inocente, deve ficar em liberdade durante o processo, só se admitindo a prisão em situações excepcionais. Assim, se antes a regra devia ser a permanência do réu em custódia provisória, hoje, em razão da presunção inicial de inocência, a regra deve ser a sua liberdade, que será cerceada em maior ou menor grau em consonância com critérios expressamente definidos pelo legislador, e em hipóteses taxativamente previstas" para concluir que "A fiança tem, portanto, natureza cautelar. Figura ela em uma escala de possíveis medidas cautelares, que substituem a prisão em flagrante, restringindo a liberdade. Impõem-se ao réu, para que fique ou permaneça livre, o pagamento de determinada importância em dinheiro e outros ônus processuais"


Como se verá em tópico na sequência, no mesmo ambiente do modelo constitucional de 1988 - como o da reforma da EC 35/2001 – convivia um modelo infraconstitucional que, por labiríntico na sua estrutura continha (e contém!) uma norma – art. 324, IV do CPP - que torna inafiançável toda conduta típica que esteja revestida dos fundamentos do art. 312 do mesmo diploma legal, a dizer, os fundamentos da prisão preventiva.

Esse critério seria reavivado no caso concreto e se tornaria um dos aspectos fundamentais da decisão histórica inédita, colocando em destaque uma discussão essencial: a inafiançabilidade é (a) um conceito definido aprioristicamente a partir da CR e se dirige apenas ao legislador que se vê na impossibilidade de construir casos de concessão de fiança para os crimes estabelecidos na matriz constitucional –mas não em outros - ou (b) um conceito que pode ser construído também empiricamente a partir do disposto no art. 324 acima mencionado e que criaria um duplo modelo de inafiançabilidade: o normativo, dirigido ao Legislador e o empírico, dirigido ao Julgador. Esse segundo entendimento tem amparo em prestigiosa doutrina contemporânea .

Controle da prisão na Casa Parlamentar

A Constituição da República (CR) determina ao Supremo Tribunal Federal que julgue, nas infrações penais comuns: o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República.

Prevê, ainda, que nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade julgará: os Ministros de Estado e os Comandantes das Forças Armadas, ressalvado o disposto no art. 52, I; os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e 
os chefes de missão diplomática de caráter permanente

Já o Superior Tribunal de Justiça tem competência originária nas infrações penais comuns os crimes cometidos pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal
e, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade as seguintes autoridades: os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal; os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho; os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

Essa disciplina constitucional é a base primária do desencadeamento do denominado foro por prerrogativa de função, sendo certo que,

O Procedimento a ser observado nos crimes da competência originaria dos Tribunais reveste-se de certa complexidade, oriundas das fontes normativas de que promana a "prerrogativa de função", como também do próprio conceito que a doutrina e o entendimento da jurisprudência emprestam a forma de determinação da competência ratione personae que, no entanto, situa-se no amplo campo da distribuição do poder de julgar na divisão relativa a compet8ncia funcional. O exame dessa função jurisdicional exige, desde logo, a apreciação dos motivos que inspiraram essa forma de determinação da competência"

Dessa complexidade faz parte o controle judicial da prisão nos moldes do art. 53 da CR que, como já mencionado, modificado pela EC 35/2001 determina: § 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. Criou-se, assim, uma hipótese de prisão cujo controle dá-se pelo Legislativo, e não pelo Judiciário.

Talvez seja então um bom momento para que se adense a discussão sobre o exato teor do disposto na CADH ao dispor que "Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais" (Art. 7, inciso 4) e entender-se que essa apresentação não é apenas da pessoa presa em flagrante, mas da pessoa presa a qualquer título, dado que a CADH não faz essa distinção que, por tal motivo não é encampada pela jurisprudência da Corte, da mesma forma que não basta a mera comunicação da ratificação da prisão pela casa legislativa, por ofício.

O ineditismo da tarefa hermenêutica no isolado caso concreto

O caso concreto é inédito na história política e jurídica brasileiras. Por essa fundamental razão dá azo a discussões por ângulos aparentemente inéditos entre os operadores do sistema jurídico e, em particular, os do sistema penal.

Assim, do desenvolvimento dos fatos que geraram o pronunciamento judicial é de se destacar: a) o emprego do art. 324, IV, do CPP e sua relação com a estrutura contemporânea da precautelaridade e cautelaridade; b) a extensão do conceito de permanência e a legislação versada sobre a macrocriminalidade; c) obtenção de elementos informativos que alimentam as bases fático-jurídicas empregadas na situação específica. Inicia-se com os temas próprios do modelo brasileiro de cautelaridade pessoal no processo penal.

A flagrância e a apreciação da necessidade cautelar
A estrita legalidade da formalização da prisão em flagrante

A conduta atribuída à pessoa submetida à persecução no caso concreto ensejou a determinação da prisão o que implica dizer, a verificação de um estado de flagrância ao qual se segue a formalização dessa prisão.

Mesmo com toda a particularidade do caso concreto, o regime jurídico é aquele estabelecido pelo CPP onde a concreta verificação fático-jurídica do estado de flagrância é tarefa que, do ponto de vista operativo, cabe nos casos comuns precipuamente à autoridade policial que formará sua convicção acerca da providências jurídicas a serem tomadas tendo como fundamento as hipóteses previstas no artigo 302 do CPP e que não podem ser ampliadas na atuação policial.

Esse artigo rege a prisão em flagrante em qualquer sede de competência quando se observa que ele define que se encontra em estado de flagrância quem "está cometendo a infração penal" e, no inciso II, a situação em que a pessoa "acaba de cometê-la" referindo-se, portanto, ao próprio momento em que a infração está em execução e nele se dá a prisão do agente. Ambas situações compõem o denominado "flagrante pr prio" e não exigem, como era do sistema jurídico anterior à unificação legislativa processual penal, a presença do chamado "clamor público" para sua caracterização.

Dessas situações se distingue aquela prevista no inciso III do mesmo artigo que dispõe que se considera em estado de flagrancia quem é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração e que se denomina de " flagrante presumido".

A redação acarreta um importante problema interpretativo dado o emprego da expressão "logo após", que parece ser resolvido apenas de forma casuísta e não a uma construção empírica logicamente desenvolvida.

Assim, já se entendeu que "a expressão "logo após", não significa minutos depois, podendo ser definida como "tempo razoável" entre a ocorrência do fato criminoso e a perseguição ininterrupta do acusado" e nesse lapso de razoabilidade está a situação na qual foi a "Prisão efetuada três horas após a ocorrência do fato delituoso em circunstâncias que configuram a chamada quase flagrância prevista no art. 302, inc. III, do CPP" , ou período ainda mais longo, como aquele em que houve a prisão "mesmo passadas vinte e quatro horas entre o crime e a prisão, uma vez que, logo após a ciência do fato delituoso, a autoridade policial diligenciou, sem qualquer solução de continuidade, no sentido de localizá-la e prendê-la"-.

Em suma, "o inciso III ("e perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido, ou por qualquer pessoa") deve ser entendido normativamente. O dado cronológico passa para plano secundário. Assim, se uma pessoa, em tempo razoável, a perseguir, por si mesma, o agente do delito, preferiu, porque mais eficaz, buscar o auxílio do policial, normativamente, está havendo a perseguição. O tempo não se mede no relógio; necessário socorrer-se do juízo de razoabilidade" .

Se a hipótese anterior já tratava de uma determinada presunção, o inciso IV (é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração) fala, na verdade, de uma ficção, reconhecendo-se que "a doutrina e a jurisprudência vêm concedendo uma interpretação mais elástica à expressão "logo depois" contida no inciso IV, do artigo 302, da Lei Instrumental Penal, mais até do que a prevista no inciso anterior ("logo após")".

Sob determinado enfoque, "Não é necessário no caso que haja perseguição, mas sim que a pessoa seja encontrada logo depois da prática do ilícito com coisas que traduzem um veemente indício da autoria ou participação no crime. Nessa hipótese, a pessoa não é 'perseguida', mas 'encontrada', pouco importando se por puro acaso, ou se foi procurada após rápidas investigações. Para a configuração da flagrância presumida nada mais se exige do que estar o presumível delinqüente na posse de coisas que indicam ser ele o autor do delito acabado de cometer"....".

Esta, pois, uma das dificuldades de interpretação deste inciso, a de delimitar alguma diferenciação entre as locuções "logo depois" (inciso IV) e "logo após" (inciso III) do art. 302 sendo que parte da doutrina já ponderou que "Embora as expressões dos incisos III e IV sejam sinônimas, cremos que a situação de fato admite um elastério maior ao juiz na apreciação do último, pois não se trata de fuga e perseguição, mas de crime e encontro, sendo a conexão temporal daquelas muito mais estreita ou íntima.", enquanto autores de igual nomeada se posicionam enfatizando que "Na hipótese do inciso IV, menor é o arbítrio na apreciação do elemento cronológico, precisamente porque falta a circunstância objetiva, concreta, visível, da perseguição. Essa hipótese é muito mais delicada que a do inciso III. Muito mais perigosa. Muito mais sujeita a arbitrariedade e a ampliações desmedidas de que tornem seus limites sem contornos."

A conduta permanente e o estado de flagrância.

Contudo, a situação fática que especificamente se analisa resvala na ocorrência do flagrante nos chamados crimes permanentes que, conforme disposto no art. 303 do CPP, "Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência" e de longa data a doutrina trabalha a conceituação do crime permanente, cujo resultado prático, para fins processuais penais, é o de perpetuar o estado de flagrância.

Com a expansão penal e a criação cada vez mais frequente de tipos penais com pluralidade de condutas surgem, na prática, inúmeros questionamentos, como o da legalidade da ação policial nas hipóteses de invasão domiciliar sem mandado judicial que acabam sendo justificadas sob o pretexto do encontro da constatação da prática de condutas criminosas permanentes. A preocupação com essa expansão coincidentemente foi alvo de julgamento no STF dias antes da prisão do parlamentar e gerou discussões no mundo jurídico posto que traria demasiada amplidão à violabilidade do domicílio.

A expansão da permanência exigirá do hermeneuta um aprofundado estudo da pertinência do verbo empregado no tipo àquela categoria, sob risco de vulgarizar a garantia da inviolabilidade do domicílio e deturpar a tipicidade processual penal das hipóteses flagranciais.

Portanto, toda essa dinâmica se compõe das seguintes etapas: a) verificação do estado de flagrância; b) voz de prisão em flagrante; c) formalização da prisão em flagrante com a lavratura do auto; d) controle judicial da prisão com a apreciação da necessidade cautelar que, seguindo o encaminhamento exposto na sequencia se satisfaz com medidas alternativas à prisão ou, como última medida, a prisão cautelar.

O estabelecimento da necessidade cautelar
.
Impende considerar que a lei 12.403/11 inovou ao sistematizar algum tipo de "teoria geral de cautela penal", atrelando a imposição das medidas aos critérios de necessidade e adequação, os quais orientarão os provimentos jurisdicionais na espécie, iniciativa que já se fazia presente nos trabalhos iniciais da Comissão Grinover mas com redação distinta daquela que viria a ser aprovada ao final

De alguma maneira essa nova sistematização buscou conferir racionalidade a um modelo que se assentava basicamente nos ditames do art. 312 do CPP, mas que deixava larga margem de discricionariedade quanto ao conteúdo de cada um dos fundamentos ali presentes.

Sem que se possa aproximar exageradamente os dois modelos, há algum aporte na atual legislação brasileira de algo presente na legislação alemã onde, para a decretação da prisão preventiva a previsão legal "distribui-se em dois tipos de pressupostos: os materiais, assim denominados porque situados fora do campo processual, no próprio crime ou no agente, e os formais, referentes ao processo, ou seja, à forma de efetivação da prisão."

Anota-se que "Os pressupostos materiais são: 1.º) a forte suspeita de cometimento do delito (dringend Verdach); 2.º) o motivo da prisão (Haftgrund), que se divide em quatro motivos possíveis: a) fuga ou perigo de fuga (Flucht oder Fluchtverdach); b) perigo de obscurecimento da prova (Verdunkelungsgefahr); c) gravidade do fato (Schwerer der Tat); d) perigo de cometimento de novos crimes (Wiederholungsgefahr)."

Como apontado em estudo comparado sobre o assunto, "Submetida ao princípio da proporcionalidade (die Verhältnismässigkeitsprinzip), esta forma de prisão não subsiste se não houver a reunião de todas as hipóteses mencionadas, ou quando a prisão for desproporcional ao caso e à pena que dele se espera (§ 120, StPO). Ela termina, também, por requerimento do Ministério Público (ao qual o juiz atenderá, lembrando-se que a fase investigativa é dirigida pelo Ministério Público), ou a requerimento do detido por meio de um pedido de liberdade (dier Haftprüfungsantrag, § 117, StPO) ou por um recurso (die haftbeschwerde), perante um tribunal regional (ou para o tribunal superior, em caso de rejeição: § 310, StPO)."

Malgrado não tenha havido a adoção explicita da nomenclatura "proporcionalidade" como sugerido na literatura internacional o seu conteúdo encontra-se presente (ao menos parcialmente) no presente texto.

Com efeito, "A subdivisão da regra da proporcionalidade em três subregras, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito" se faz presente na doutrina pátria carecendo observar que essa ordem não é aleatória, pois "Se simplesmente as enumeramos, independentemente de qualquer ordem, pode-se ter a impressão de que tanto faz, por exemplo, se a necessidade do ato estatal é, no caso concreto, questionada antes ou depois da análise da adequação ou da proporcionalidade em sentido estrito. Não é o caso. A análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito"

Caso seja assumida essa posição teórica para cotejar com a legislação renovada é de ser concluído que não houve a adoção da proporcionalidade porquanto na ordem nova legal a adequação, enquanto critério, é posterior à necessidade e, rigorosamente falando, a legislação não estabeleceu a proporcionalidade em sentido estrito como item decomposto da proporcionalidade em sentido lato.

Quanto à necessidade, deve ser confinada (sob o risco de, não o fazendo, todas as prisões serem concebidas como necessárias) desde que se compreenda que "Um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido." Nesse ponto visualizar o objetivo da persecução penal passa a ser de nodal importância para dar contornos ao emprego do critério "necessidade", assim como para aquele da adequação.

A somatória dessas condicionantes aponta, quando resultado positivo, que uma determinada medida cautelar é necessária e, na lógica processual penal a partir da CR, a prisão aparecerá como a última das medidas, apenas empregável quando das insuficiências daquelas que lhe são anteriores.

Necessidade cautelar e o art. 312

Já tivemos a oportunidade de destacar que a Lei 12403/11 teve, ao lado de alguns méritos, inúmeros problemas, dado que manteve em pontos centrais de sua redação - desde o anteprojeto da Comissão que o concebeu – estruturas que reproduziam a lógica operacional e a cultura do modelo anterior que alegadamente se queria superar.

As permanências do regime Varguista são sensíveis nos fundamentos da prisão (a ordem pública e sua eterna presença), no método de apuração cautelar (escrito e, portanto, avesso à oralidade) e a lógica da prisão como mecanismo primeiro (artigo 321 "reformado")

Mas, para além de tudo quanto já exposto em outros momentos, o caso concreto tornou a evidenciar que a reforma da Lei 12403/2011 manteve uma regra instituída pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977 que, por sua vez, introduzira inciso no art. 324, também com o número IV, que viria a ser literalmente preservado em 2011.

Aquela reforma, tida como modernizadora do sistema de penas, incursionou também por searas do processo penal e o texto original do projeto, nascido no Executivo, teve apenas uma manifestação contrária parlamentar, assim rebatida pela relatoria da Comissão Mista que apreciava a matéria:

A Emenda n.0 49, do Deputado José Bonifácio Neto, busca a supressão do inciso IV que se pretende acrescentar ao art. 324 do Código de Processo Penal. Alega o autor que a proposição atenta contra "a liberdade individual das pessoas", além de "contrariar o próprio espirita da alteração legislativa". Cremos ter examinado suficientemente a matéria, na apreciação das emendas anteriores, pertinentes à concessão da fiança pela autoridade Judicial. Insistimos em que o Projeto amplia consideravelmente os casos de fianças e que em razão mesma de sua liberalidade acabou por impor uma cautela. Essas, reservando ao Juiz a faculdade de negar a fiança qu3.ndo presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, não desnatura o espírito da proposição, sabidamente liberal. Somos por estas razões, contrários à aprovação da emenda.


Ou seja, o artigo concebido no âmbito de uma reforma "liberal" em pleno momento de estado de exceção foi tido como excessivamente permissivo e foi propositalmente manejado como um mecanismo refreador do emprego do mecanismo da fiança. As permanências culturais fazem com que não se surpreenda que em 2011, depois de 11 anos de tramitação de processo legislativo tendente a reformar a estrutura cautelar essa norma tenha sido mantida em sua literalidade.

O resultado prático é que a necessidade cautelar se encontra duplamente assentada no art. 312: como seu fundamento e como impeditivo da concessão da fiança. E assim se vai até uma nova "reforma" ou até que se proceda uma limpeza hermenêutica constitucional com supressão de texto, tarefa que caberia ao STF em último plano.

O controle na Casa Legislativa da prisão de Parlamentar

Tomando como base toda a compreensão teórica atrás apontada é de ser destacado que, quando a situação envolve membro do Congresso Nacional pode ocorrer o estado de flagrância (Parlamentar comete a conduta na forma disposta no art. 302) e se lhe dá a voz de prisão para, na sequência, lavrar-se o respectivo auto de prisão em flagrante. E assim é porque o art. 53, §2º da CR afirma que o controle da Casa Parlamentar, no caso o Senado, se dá em até 24 horas quando o auto deverá lhe ser enviado para a análise.

E o conteúdo dessa análise é outro aspecto de evidente relevância para se delimitar se seria uma verificação jurídica ou política da prisão. Nesse ponto, embora seja reservado ao Senado excepcional papel judicante nos termos do art. 52, I, da CR isso somente se dá para os crimes de responsabilidade. Portanto, em sentido contrário, a verificação da manutenção ou não da prisão se dá no contexto de uma avaliação política e não jurídica. E tanto assim é que essa votação, na forma regimental, poderia ser "fechada" e "imotivada" o que não seria possível numa apreciação de caráter jurisdicional.

Se o trabalho da Casa Parlamentar é político e não jurídico, e sendo o momento da prisão em flagrante distinto da apreciação da necessidade cautelar (primeiro os requisitos da precautela; depois as apreciações cautelares) deve-se indagar se haveria a possibilidade da análise conjunta dessas condicionantes e requisitos num único ato jurisdicional.

Conversão da prisão em flagrante em medida cautelar

No normal da aplicação da Lei 12403/2011 a conversão se dá por ato jurisdicional seguido ao recebimento da informação da ocorrência da prisão ou, no marco do Projeto Audiência de Custodia do CNJ, nesse ato, ocasião em que se verifica a necessidade cautelar e como essa necessidade deve ser satisfeita, se com a aplicação das medidas alternativas ou com a constrição da liberdade, necessariamente nessa ordem lógica.

Seriam, pois momentos distintos no tempo e com fundamentos jurídicos que não se confundem pois não se pode mesclar a tipicidade precautelar (flagrante) com os fundamentos cautelares (art. 312, 313 e 282, I e II, todos do CP). No caso concreto toda essa lógica é normativamente desvirtuada pois a Casa Parlamentar não tem poderes jurisdicionais de conversão da prisão de flagrante em cautelar, mas, apenas, "pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. " (Art. 53, §2º da CR) numa análise, como já visto, política.

Assim, em se tratando de competência originária do STF o modelo jurídico tende a centralizar nessa única Corte os poderes de reconhecer a flagrância e analisar a possibilidade de impor outras medidas antes da prisão, dentre elas a concessão de fiança ou, como visto acima, tornar inafiançáveis determinadas condutas porque presentes os ditames do art. 312 em conjunto com o art. 324, IV, ambos do CPP.

Nesse contexto, determinadas formas típicas trazem consigo uma potencial vocação para se tornarem, pela avaliação judicial, inafiançáveis e insuscetíveis de medidas diversas da prisão diante da presença dos requisitos do art. 312 do CPP. É o caso da Lei 12.850 de 2013 que buscando acompanhar os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil deu vida a novos tipos penais que, no seu conjunto, além de propiciarem uma nova disciplina de métodos investigativos já existentes – e de praticidade tímida dada a forma como eram anteriormente concebidos – também viria a reproduzir a discussão sobre o caráter de permanência de algumas de suas condutas.

Os crimes dos arts. 1º e 2º, "caput" e §1º da Lei 12.850/2013

Que o verbo associar-se tem caráter permanente isto não é novo e assim é entendido em todas as interpretações judiciais em que ele é empregado pelo legislador. Nesse ponto, no caso concreto, a solução para considerar a conduta como permanente foi atrelá-la ao art. 2º entendendo que a pessoa a ser submetida à constrição integra organização criminosa.

É certo que se assim não fosse problemas insuperáveis existiriam para caracterizar a permanência e justificar a prisão em flagrante. Exemplo disso seria a fundamentação exclusiva com a norma prevista no §1 º do art. 2º que pune aquele que "impede ou, de qualquer forma, embaraça" investigação criminal.

Analisando o artigo em questão, GOMES e SILVA depois de criticarem a posição tópica da norma que se destina à proteção da administração da Justiça - enquanto outros analistas assim não o fazem - e de apontarem que se trata de texto nascido dos já mencionados compromissos assumidos pelo Brasil definem a conduta como "crime de atentado" que, pela sua natureza, não admite tentativa e, rigorosamente falando, não se trata de conduta permanente.

A sustentação indiciária dos fatos apontados como geradores do estado de flagrância

Aspecto de singular relevância é a procedência das informações que desencadearam a provocação, pelo PGR, do STF. Trata-se, ao que consta, de gravação ambiental entre presentes realizada por um deles sem o conhecimento dos demais.

Trata-se, na verdade, de caso clássico de discussão sobre a licitude desse meio de informação – e não prova no sentido técnico formal – que se apresenta na doutrina e jurisprudência pátrias de há muito e merecedora de apreciação pelo mesmo STF de apreciação em sede de recurso repetitivo com o seguinte resultado:

O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral no tema objeto de recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Comarca do Estado do Rio de Janeiro, reafirmou a jurisprudência da Corte acerca da admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, e deu provimento ao apelo extremo da Defensoria Pública, para anular o processo desde o indeferimento da prova admissível e ora admitida. Vencido o Min. Março Aurélio que desprovia o recurso, ao fundamento de que essa gravação, que seria camuflada, não se coadunaria com os ares constitucionais, considerada a prova e também a boa-fé que deveria haver nas relações humanas. Alguns precedentes citados : RE 402717/ RP ;(DJE de 13.2.2009) AI 578858 AgR/RS (DJE de 28.8.2009); AP 447/RS (DJE de 28.5.2009); AI 503617 AgR/PR (DJU de 4.3.2005); HC 75338/RJ (DJU de 25.9.98); Inq 657/DF (DJU de 19.11.93); RE 212081/RO (DJU de 27.3.98). RE 583937 QO/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19.11.2009. (RE-583937)

E esse entendimento condensava casos que mereceram, pela mesma Corte, as seguintes soluções em períodos diferentes da história do STF:

A gravação de conversa entre dois interlocutores, feita por um deles, sem conhecimento do outro, com a finalidade de documentá-la, futuramente, em caso de negativa, nada tem de ilícita, principalmente quando constitui exercício de defesa. ... (AI 503617 AgR / PR - Relator: Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 01/02/2005) (grifos nossos)

Captação, por meio de fita magnética, de conversa entre presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítima de concussão, sem o conhecimento dos demais. Ilicitude da prova excluída por caracterizar-se o exercício de legítima defesa de quem a produziu. Precedentes do Supremo Tribunal HC 74.678, DJ de 15-8- 97 e HC 75.261, sessão de 24-6-97, ambos da Primeira Turma. (RE 212081 / RO - Relator: Min. OCTAVIO GALLOTTI - Julgamento: 05/12/1997)


A título de alguma conclusão parcial

Os entendimentos esposados pelos intervenientes judiciais no caso concreto podem não se coadunar, para alguns, como os melhores possíveis.

Mas, sem julgar os críticos e os criticados, buscou-se demonstrar quais os caminhos escolhidos entre os entendimentos possíveis e, na locução do Min. Relator nos autos da AC4039,

"...d) à excepcionalidade do quadro há de corresponder a excepcionalidade da forma de interpretar e aplicar os princípios e regras do sistema constitucional, não permitindo que para prestigiar uma regra - mais ainda, de exceção e de proibição e aplicada a pessoas para que atuem em benefício da sociedade - se transmute pelo seu isolamento de todas as outras do sistema e, assim, produza efeitos opostos aos quais se dá e para o que foi criada e compreendida no ordenamento"

O quadro fático e histórico é, realmente, excepcional. Mas, talvez não sejam, quando calmamente analisados, os fundamentos empregados na decisão. A desilusão pode vir para aqueles que porventura acreditavam que as deformações do processo penal brasileiro nunca seriam empregadas em searas tão distantes daquelas que povoam o sistema criminal ordinário.




Pós doutor pela Universidade de Coimbra (2013) . Doutor (1999) e Mestre (1994) em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especializado em Direitos Humanos pela Universidade de Oxford – New College (1996). Especializado em Direito Processual Penal pela Universidade Castilla La Mancha – Espanha (2007). Promotor de Justiça no Estado de São Paulo.
Por todos, SILVA, Danielle Souza de Andrade. A investigação preliminar nos delitos de competência originária de tribunais. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2012.
LOPES JÚNIOR, Aury . Crimes hediondos e a prisão em flagrante como medida pré-cautelar. Revista de Estudos Criminais. n. 3, 2001. p. 73-83

CAMPOS BARROS, Romeu Pires. O Processo Penal Cautelar REPRO 2/220. Esse mesmo doutrinador em outra obra de invulgar relevância na literatura brasileira sobre o tema apontava, em 1982, que "Assim, a prisão em flagrante representa pela sua instrumentalidade pré-cautela em relação à prisão preventiva..." Processo Penal Cautelar. SP:Forense, 1.982, p. 124.
LOPES JÚNIOR, Aury . Crimes hediondos e a prisão em flagrante como medida pré-cautelar. Revista de Estudos Criminais. n. 3, 2001. p. 73-83.
CR, art. 5º XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

SCARANCE FERNANDES, Antonio. "A fiança criminal e a constituição federal", in Justitia 155-1991

SANGUINÉ, Odone. "Prisão cautelar, medidas alternativas e direitos fundamentais.". RJ, Forense 2014, p. 786.
Art. 102, I, "b" e "c"
CR art. 105, I, "a".
DE CAMPOS BARROS, Romeu Pires. O procedimento nos crimes da competência originária dos tribunais. Revista de Direito PGE-GO, v. 16, 2013
Entre vários precedentes, Caso Acosta Calderón Vs. Equador. Sentença de 24/06/2005: Tal y como lo ha señalado en otros casos, este Tribunal estima necesario realizar garantía establecida en el artículo 7.5 de la Convención son claros en cuanto a que la persona detenida debe ser llevada sin demora ante un juez o autoridad judicial competente, conforme a los principios de control judicial e inmediación procesal. Esto es esencial para la protección del derecho a la libertad personal y para otorgar protección a otros derechos, como la vida y la integridad personal. El simple conocimiento por parte de un juez de que una persona está detenida no satisface esa garantía, ya que el detenido debe comparecer personalmente y rendir su declaración ante el juez o autoridad competente.

Merece destacar, igualmente, que nesse particular ambiente do estado de flagrância, o legislador optou por ampliar o leque de intervenientes surgindo daí a divisão da prisão em flagrante (rectius: da voz em prisão em flagrante) em "obrigatório" ou "facultativo" que leva em conta os que têm a obrigação legal de fazê-lo (funcionários) e aos particulares, que detêm a faculdade de "dar voz de prisão" e seu fundamento legal está no art. 301 do CPP que dispõe que "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito."
DELMANTO Junior, Roberto. As modalidade de Prisão Provisória e seu prazo de duração. 2° ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.p. 100.
"O chamado flagrante impróprio (quase flagrante) deixa ao judicioso alvedrio do Magistrado a interpretação do lapso de tempo entre o fato delituoso e a captura do infrator" (art. 302, inc. III, do CPP) (STJ – Quinta Turma – Rel. Gilson Dipp – 13/10/1998).
STJ – Quinta Turma – Rel. Jorge Scartezzini – 18/11/2002
STJ – Quinta Turma – Rel. José Arnaldo da Fonseca – 16/08/1999
TRF – Quarta Região – Segunda Turma – Rel. Juiz Vilson Darós – 01/03/1995
As situações apontadas pela jurisprudência destoam, de certa maneira, de certas posições doutrinárias, dentre elas a de Frederico Marques (Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: BookSeller, 1997, vol. IV, p.78) para quem seria possível considerar-se a persistência do estado de flagrante sem que houvesse ocorrido qualquer interrupção na perseguição mas até certo ponto no tempo posto que, a partir dai, mesmo com a perseguição não haveria mais o estado de flagrância. Da mesma maneira as posições restritivas de RANGEL (R., Paulo. Direito Processual Penal . 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009., p. 689)
STJ – Sexta Turma – Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro – 16/09/1996
STJ – Sexta Turma – Rel. Paulo Medina – 04/08/2003
STF - HC nº 85.020 - 1ª T. - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJU de 25.02.2005. p. 29). (TJ/PR, HABEAS CORPUS Crime 0296544-2, Comarca: Curitiba, Órgão Julgador: 3ª Câmara Criminal, Relator: Rogério Kanayama, Julgamento: 02/06/2005, Publicação: DJ: 6892 17/02/2005
NORONHA, Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 19ª edição, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 160.
DELMANTO Junior, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. p. 104
Neste sentido tem-se como compreensão dominante a constante no seguinte julgado: "A alegação dos impetrantes de que prisão em flagrante do paciente seria ilegal, ante a falta de mandado de busca e apreensão para adentrar na residência deste, improcede, pois o delito no qual o paciente está incurso é crime de natureza permanente, estando, assim, sujeito à verificação de flagrância a qualquer tempo, conforme reza o art. 303, do Código de Processo Penal, sendo dispensável o mandado judicial para adentrar no local onde está sendo cometido o crime. Seguindo o comentário do ilustre tratadista penal Júlio Fabbrini Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado, 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994, pág. 356/7: "(...) nessa espécie de crime, a consumação se prolonga no tempo, dependendo da conduta do agente. (...) Não se contesta a situação de flagrância inclusive nos crimes de (...) depósito de substância entorpecente (art. 12 da Lei n. 6.368 de 21-10-76). Tratando-se de situação de flagrância nessas hipóteses, é evidente dispensável, mesmo durante a noite, que o autor da prisão porte mandado judicial para invadir a casa onde o crime está sendo praticado." A Magna Carta de República, em seu art. 5º, zeloso dispositivo assegurador dos principais direitos e garantias individuais do cidadão, é expressa, no seu inciso XI, em excepcionar a garantia à inviolabilidade do lar. Uma destas exceções é, justamente, o caso de flagrante delito, o qual se vislumbra presente, sem dúvida, na hipótese em testilha. E nesta direção segue a jurisprudência pátria, como se vê da seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entre outros: "Tratando-se de crime permanente ou contínuo, em que a atividade delituosa se protrai no tempo, justificando a verificação de flagrância a qualquer tempo, jurídico e legal é a lavratura do auto de prisão em flagrante, após seqüência de sucessivas e ininterruptas diligências, desde o momento da suspeição até o da comprovação final do crime" (RT 546/394) Também as decisões deste egrégio Tribunal de Justiça sinalizam na direção apontada: "habeas corpus. Narcotraficância. Prisão em flagrância procedida na residência da paciente. Aventada ilegalidade, porquanto realizada sem o necessário mandato judicial. Crime considerado permanente. Desnecessidade de mandado. Inteligência do art. 5º, xi, da constituição federal. Licitude da prisão. Constrangimento ilegal não configurado. Writ denegado" (Habeas Corpus n. 12.488, da Capital, deste Relator, j. em 23.10.95) – TJSC - HC 96.003609-1 – Rel. Jorge Mussi. J. em 18.06.1996)

RE 603616/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, 4 e 5.11.2015. (RE-603616)
Art. 320 – As medidas cautelares previstas neste Capítulo serão aplicadas com base nos seguintes critérios: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal, e, nos casos de internação provisória e suspensão de função ou atividade, para evitar a prática de novas infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do investigado, suspeito ou acusado. A diferença fica por conta que no critério "necessidade", a prisão para evitar a reiteração da prática criminosa estava vinculada especificamente aos casos de internação provisória e suspensão da atividade.

BENETTI, S. Prisão provisória: Direitos alemão e brasileiro. São Paulo. RT 669. P. 267 e seguintes. Julho de 1991. Disponível em www.revistasrtonline.com.br
BENETTI, op. loc. Cit.
"Direito Alemão". In Processos Penais da Europa. (Delmas-Marty, Mireille e Spencer, John. Orgs). Tradução para o português de Fauzi H. Choukr com a colaboração de Ana Cláudia Ferigato Choukr. RJ: Lúmen Júris, 2005.
Idem ibidem.
A propósito veja-se BINDER Alberto M. Tensiones Político-Criminales En El Proceso Penal Ponencia presentada en el XXVIII Congreso Colombiano de Derecho Procesal, realizado en Bogota, 5 al 7 de Septiembre del 2007, organizado por el Instituto Colombiano de Derecho Procesal. Disponível em http://www.cejamericas.org/portal/index.php/es/biblioteca/biblioteca-virtual/doc_details/5349-tensiones-politico-criminales-en-el-proceso-penal
Na sequência de nossa reflexão sobre a matéria: CHOUKR, F. H.; AMBOS, K. A Reforma do Processo Penal ? No Brasil e na América Latina. São Paulo: Editora Método, 2001.; CHOUKR, F. H. . Medidas Cautelares E Prisão Processual - Comentários À Lei n. 12.403, de 4 de maio de 2011. 01. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Ltda., 2011. v. 01. 144p .; CHOUKR, F. H. . Prisão e liberdade na etapa investigativa. 2015; Tema: Prisão e liberdade na etapa investigativa. (Site).
Aqui no sentido empregado por MARTINS, Rui Cunha. "Democracia, Ditadura e Mudança Política: o argumento da historicidade (o caso do Portugal contemporâneo)." Cercles: revista d'història cultural 14 (2011): 141-151. Também CHOUKR, F. H. . Reformas e continuismos no processo penal brasileiro. Pensamento Jurídico, v. 1, p. 79-100,
2012.
CHOUKR, F. H. . As medidas cautelares pessoais no processo penal brasileiro: panorama dos três anos da Lei 12403/11. 2014. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra). Belo Horizonte, nov. 2014.
A esse respeito o lapidar acórdão do STJ - Rogério Schietti Machado Cruz - Relator. . 6.ª Turma HC 282.509 j. 19.11.2013 - public.22.11.2013.
MIOTTO, Armida Bergamini. A reforma do sistema de penas : a lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977 : circunstâncias e fatores que influíram para a sua gênese e na sua elaboração : outras considerações . Revista de informação legislativa, v. 14, n. 54, p. 153-316, abr./jun. 1977, 04/1977
I - Processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)
Como, por exemplo, na associação para o tráfico: STJ - HC: 229648 RS 2011/0311867-2, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 10/12/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014; STJ - RHC: 38492 SP 2013/0184840-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 01/10/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/10/2013.
Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. § 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
GOMES, Luiz Flávio e SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação – questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Ssalvador. Jus Podivm, 2015, p. 162/163.
Op cit., fls. 161 para as posições discordantes.

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