(IN) POSSIBILIDADE JURÍDICA DE ALTERAÇÃO DA PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA POR MEIO DE REGRAS PROCESSUAIS

September 29, 2017 | Autor: A. F. de Souza Jr | Categoria: Direito Tributário (Tax Law), Direito Tributário
Share Embed


Descrição do Produto

(IN) POSSIBILIDADE JURÍDICA DE ALTERAÇÃO DA PRESCRIÇÃO TRIBUTÁRIA POR MEIO DE REGRAS PROCESSUAIS

Antonio Carlos Ferreira de Souza Júnior1 Luiz Henrique Gomes Ferraz Filho2

SUMÁRIO: Introdução. 1. Os conceitos jurídico-positivos e os lógicojurídicos. 2. Prescrição: um conceito positivado pelo sistema jurídico. 3. Prescrição no direito civil e no direito tributário: uma analise comparativa. 4. (In) Possibilidade jurídica de alteração da prescrição tributária por meio de regras processuais. 4.1 – Aplicação do parágrafo 1º do art. 219 do Código de Processo Civil e o entendimento firmado no Recurso Especial nº 1.120.295. 4.2 – Inaplicabilidade do enunciado nº 106 da Súmula do STJ. 4.3 – Prescrição Intercorrente na Lei de Execução Fiscal. Conclusão

Introdução A Ciência busca desvendar o mundo que nos cerca, permitindo que o homem compreenda a realidade sob uma perspectiva racionalizada. Não que a forma científica seja a única maneira de se que dispõe para a apropriação do mundo, mas tem ela a peculiaridade de ser regida pela racionalidade que lhe é própria.3

1

Advogado. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Tributário pelo IBET-SP. Professor do curso de Especialização em Direito Tributário do IBET/IPET. 2 Advogado. Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET. 3 MIRANDA, Áurea Correia de, in notas sobre a importância metodológica dos conceitos, Ensaios FEE, Porto Alegre, 9ª Ed., 1988, p. 122.

Assim, a conceituação serve de instrumento fundamental à percepção científica, na medida em que permite a compreensão da estrutura do objeto, através da redução da realidade a um status cientificamente cognoscível4. Noutras palavras, pode-se dizer que é através da conceituação que a multiplicidade do real é convertida numa forma lógica e racionalmente apreensível pela mente humana, permitindo a análise científica de um evento.5 Nesse particular, pode-se dizer que o próprio Direito e seus institutos são, inteiramente, suscetíveis à conceituação, notadamente considerando-se sua natureza de objeto cultural, fruto da criação humana para reger as relações intersubjetivas. Isso porque, sendo objeto do gênio humano, é todo ele redutível a linguagem, o que evidencia sua predisposição a ser apreendido cientificamente – já que esta pressupõe a redução conceitual.6 E, dentro da perspectiva da Ciência do Direito, desenvolver-se-á esse breve estudo, trazendo para o campo jurídico – ainda que de forma sucinta e sem qualquer pretensão de esgotar o tema – aspectos relevantes sobre o instituto da “prescrição”, considerando-a como conceito inserto no âmbito do Direito Positivo. Para tanto, parte-se da distinção entre conceitos lógico-jurídicos e jurídicopositivos para indicar a que categoria pertence o instituto da prescrição. Em seguida, demonstraremos a existências de várias prescrições existentes no ordenamento jurídico brasileiro, momento que será analisado comparativamente a prescrição nos subsistemas do direito civil e tributário. Após construídas as premissas sobre o instituto da prescrição, como também estabelecidos as diferenças jurídicas entre a prescrição civil e tributária, passa-se a examinar a possibilidade de aplicação de regras prescricionais estabelecida na legislação processual e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e seu alcance para alteração ou modificação de prazos e marcos normativos para contagem da prescrição tributária.

4

Compartilha dessa visão, KOSIK, Karel. Dialética do concreto, 1976, Rio de janeiro, Editora Paz e Terra, p. 14, afirmando: “(...) o conceito da coisa é a compreensão da coisa, e compreender a coisa significa conhecer-lhe a estrutura”. 5 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de Direito, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília; AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1, p. 14. 6 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de Direito, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília; AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1, p. 5.

1. Os conceitos jurídico-positivos e os lógico-jurídicos Antes de enveredar pela análise do instituto da prescrição propriamente dito, investigando as suas singularidades dentro dos subsistemas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, por se mostrar relevante ao objetivo do presente trabalho, faz-se mister destacar uma distinção acertadamente realizada entre duas diferentes espécies de conceitos. Não se pode ignorar a existência de conceitos jurídicos particulares a cada sistema de direito individualmente considerado (conceitos jurídico-positivos) e outros, que, por sua vez, têm pretensão de validade universal, aplicando-se indistintamente a qualquer ordenamento (conceitos lógico-jurídicos).7 Os primeiros, que têm validade restrita a um específico sistema ou subsistema, são noções contingentes, denominadas de “conceitos jurídico-positivos”. Eles dizem respeito aos conteúdos das diversas normas existentes dentro de um dado ordenamento, ou seja, denotam a estrutura particular de cada sistema jurídico, individualizando cada realidade jurídico-positiva e, justamente por isso, são alvo do estudo da dogmática do Direito.8 Trata-se de conceitos adjacentes, variáveis segundo o âmbito de validade de cada sistema de direito positivo em que estão imersos. A esfera de validade deles é, por conseguinte, precisamente determinada no espaço e no tempo histórico9. Não possuem uma essência que se possa identificar, para que se construa uma teoria geral aplicável para fora das delimitações e restrições impostas pelo próprio direito positivo. Os conceitos jurídico-positivos são, pois, construídos dentro de uma realidade normativa que os modela, dá-lhe os contornos, limitando-os à própria abrangência daquele sistema jurídico que os instituiu. Não por acaso, diz-se que são noções obtidas a posteriori, isto é, somente conhecidas empiricamente, após a análise do direito positivo que as estabeleceu e dentro do qual elas têm pertinência.10

7

Sobre a diferenciação entre conceitos lógico-jurídicos e jurídico-positivos, ver: Juan Manuel Téran, Filosofia del Derecho, México, Porrúa, 1977, p. 81-83. 8 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária, 2ª edição, ed. Malheiros, p. 33. 9 TÉRAN, Juan Manuel. Filosofia Del Derecho, 7ª edição, Cidade do México, Porrúa, 1977, p. 81 10 BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário, 2ª edição, São Paulo, Malheiros, 1999, p. 94.

Justamente por refletirem uma realidade positivamente implementada, ficando suscetíveis às transformações de cada sistema de direito positivo, não se verificam, nessa espécie de conceito, elementos invariáveis, integrantes da “essência” dos objetos descritos.11 Isso significa dizer que não há como construir uma teoria geral que se pretenda aplicável aos conceitos jurídico-positivos, justamente porque eles são produto da experiência positivada no sistema, são criações do direito posto e, como tais, apenas nos limites dele têm validade. Os

conceitos

jurídico-positivos

revelam

uma

construção

linguística

eminentemente retórica, em detrimento daquela chamada ontológica, pois se prestam não à descrição da razão de ser de um dado instituto, mas sim de sua pertinência para com um dado sistema jurídico. Por outro lado, os conceitos lógico-jurídicos – também denominados jurídicofundamentais, formais, supremos ou conceitos jurídicos próprios12 – possuem pretensão de validez universal. São dotados da capacidade de auxiliar na compreensão do fenômeno jurídico onde quer que ele se verifique, não se restringindo a um sistema de direito positivo identificado. Não por acaso, diz-se que qualquer contato científico com o direito não prescinde da análise desses conceitos fundamentais, porquanto eles integram a própria estrutura da ciência jurídica.13 São objeto de estudo da Teoria Geral do Direito, que observa o fenômeno jurídico sob um ângulo estritamente formal, abstraindo as figuras jurídicas comuns a qualquer ordenamento, o que permite a invariabilidade conceitual perseguida, a identificação dos conceitos universais.14 Assim, o conceito jurídico-fundamental é obtido a priori, independentemente da avaliação de qualquer realidade jurídica instituída. Consiste em verdadeiro pressuposto do conhecimento da Ciência do Direito, já que a observação científica parte dele, para,

11

DIDIER JR, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, Essa Desconhecida, 1ª edição, jus podvm, 2012, p. 40 12 DIDIER JR, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, Essa Desconhecida, 1ª edição, jus podvm, 2012, p. 42 13 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de Direito, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília; AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1, p. 10. 14 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária, 2ª edição, ed. Malheiros, p. 31.

só então, alcançar o próprio objeto do estudo científico, o ordenamento jurídico positivado.15 Isso porque os conceitos lógico-jurídicos são, precisamente, os responsáveis pelo corte epistemológico a que já se aludiu. Exatamente a partir deles, o pensamento jurídico-científico se organiza, fazendo com que a Ciência do Direito ignore determinados aspectos do “real”, para apenas se ocupar daquilo em que consiste o objeto específico do Direito. A esse respeito, merece transcrição literal a irretorquível lição de Lourival Villanova: Para fins deste trabalho, importa assinalar que o conceito supremo ou fundamental de cada sistema científico funciona logicamente como um pressuposto do conhecimento. Efetivamente, é ele que delimita o campo do real – para nos referimos às ciências reais – dentro do qual a experiência se verifica. O conceito fundamental tem a função lógica de um a priori. É, com efeito, um esquema prévio, um ponto de vista anterior, munido do qual o pensamento se dirige à realidade, desprezando seus vários setores, fixando aquele que corresponde às linhas ideais delineadas pelo conceito. Sem conceito fundamental, como a história, a sociologia, o direito e a biologia podem extrair do real seus objetos específicos? Para se investigar onde se encontra o direito, fato social e o fenômeno biológico ou histórico, é necessária a constituição prévia de um conceito supremo para cada setor. Supremo ou fundamental, porquanto não é obtido de outros, nem se deixa reduzir a outros conceitos. E é anterior à experiência, uma vez que, sem a prévia determinação do conceito, não seria possível o conhecimento.16

Nessa senda, os conceitos jurídicos próprios funcionam tais quais préconcepções investigativas, restringindo o âmbito de influência do Direito, servindo como uma espécie de molde dentro do qual se desenvolve a observação jurídicocientífica, ao mesmo tempo em que, por vias oblíquas, acaba contribuindo para a identificação daquilo que é extrajurídico. Dito isso, identifica-se que ele não é parte do Sistema Jurídico, mas funciona quase que como uma condicionante do próprio ordenamento, pondo fora dele aquilo que não é abarcado pelos delineamentos do conceito. Evidentemente, apesar da referida natureza apriorística, os conceitos lógicojurídicos não se põem a salvo da investigação empírica, já que a própria ciência jurídica

15

BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário, 2ª edição, São Paulo, Malheiros, 1999, p. 94. VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de Direito, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília; AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1, p. 17. 16

se alimenta da ordem normativa constituída. Noutras palavras, mesmo sendo conhecidos previamente à análise do direito positivo, eles não podem ser alheios aos sistemas jurídicos, pois, do contrário, perderiam a utilidade, junto com a própria pretensão de validez indiscriminada. Sendo certo afirmar, então, que todo conceito ligado ao Direito – no que se incluem os lógico-jurídicos – deve, de certa forma, guardar associação ao sistema de direito instituído, sendo inevitável a confrontação com o objeto, para que haja a confirmação do enunciado lógico, com seu correlato ontológico. Até porque, nas palavras de José Souto Maior Borges, “a categoria formal somente será teoricamente legítima e idônea na medida em que os testes de sua transposição para uma ordem jurídica particular lhe revelem aptidão para solucionar problemas de interpretação do direito positivo17”. Frise-se que essa conclusão não é contraditória, pois como ensina Lourival Villanova: “nem tudo, que vem da experiência tem somente validez a posteriori. Logicamente pode ser a priori, o que significa: provir da experiência, mas ser, quanto ao valor, independente da mesma.18 ”. Tanto os conceitos lógico-jurídicos sofrem influência do direito positivado, que a Teoria Geral do Direito os constrói através do método de tentativas e erros (trials and errors), consistente na confrontação dos conceitos formais com os diversos sistemas de direito. Só assim é possível selecionar o que há de constante ou variável, cindir aquilo que existe de semelhante em todos os sistemas (conceitos lógico-jurídicos) daquilo que é particular a alguns deles (conceitos jurídico-positivos), já que apenas as categorias formais se mostram descompromissadas com a experiência jurídica instituída.19 Então, através do teste empírico, tais conceitos podem ser provisoriamente confirmados ou até infirmados e, uma vez ilididos, estão, inclusive, sujeitos a serem dados por superados pela Teoria Geral do Direito, já que – como já afirmado – eles se

17

BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária, 2ª edição, ed. Malheiros, p. 35. No mesmo caminho, Villanova: “a consistência científica de uma teoria depende da correspondência entre a construção formal e a base objetiva sobre a qual tem assento essa construção (VILLANOVA, Lourival. O problema do objeto da Teoria Geral do Estado, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília, AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1, p. 83) 18 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de Direito, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília; AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1, p. 17. 19 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária, 2ª edição, ed. Malheiros, p. 34.

prestam à compreensão do direito, de modo que, acaso se tornem obsoletos e deixem de enquadrar fenômenos jurídicos, devem ser reconstruídos. Os conceitos jurídicos, então, relacionam-se diretamente com a realidade jurídica, pois, em alguns casos, são produtos diretos dela (conceitos jurídico-positivos), noutros, servem para explicá-la, devendo, pois, encontrar correspondência na experiência jurídica (conceitos lógico-jurídicos).

Conceitos e fatos, assim, estão

imbricados. Ocorre que os conceitos jurídicos não se correlacionam somente com os sistemas positivos. Eles estabelecem ligações entre si. Isto é, os conceitos se implicam, segundo nexos lógicos específicos, dispondo-se ordenadamente, dentro de um padrão de unidade. Nas precisas palavras de Lourival Villanova: Da mesma maneira que os fatos se elevam de um puro caos empírico à categoria de ordem, graças às leis, assim, igualmente, os conceitos não se dispõe desordenadamente, mas alcançam o plano da unidade sistemática devido àqueles referidos princípios. São estes princípios que relacionam os conceitos pelos nexos de fundamento e consequência e os dispõem em formas de coordenação e subordinação, de universalidade e particularidade, de generalidade e individualidade.20

Nessa trilha, os conceitos fundamentais se relacionam com os positivos de tal modo que há, entre eles, interações recíprocas. Enquanto o conceito lógico-jurídico possibilita o entendimento do jurídico-positivo com o qual mantém contato, o conceito jurídico-positivo pode ser mais bem compreendido através da utilização dos conceitos formais, na análise das normas que integram cada ordem jurídica particular21. Nesse caminho, não é demasiado afirmar que os conceitos jurídico-positivos são especificações dos fundamentais, havendo entre eles uma relação de dependência.22 Vê-se, então, que os conceitos se relacionam mediante nexos-lógicos específicos, na mesma proporção com que se inter-relacionam os fatos, pois, nem uns nem outros existem isoladamente. Apresentadas, de forma concisa, essas noções, adentrar-se-á no estudo do instituto jurídico da prescrição, visto como um conceito construído por cada sistema ou 20

VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de Direito, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília; AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1, p. 4. 21 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária, 2ª edição, ed. Malheiros, p. 35 22 DIDIER JR, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, Essa Desconhecida, 1ª edição, jus podvm, 2012, p. 50

subsistema de direito individualmente considerado, o qual abstrai aspectos relevantes de um fato do mundo, permitindo, assim, a constituição do fato jurídico da prescrição, para, então, atribuir-lhe todos os efeitos caducificantes que determinar o ordenamento jurídico-positivo.

2. Prescrição: um conceito positivado pelo sistema jurídico O direito positivo é, pragmaticamente, um instrumento cuja finalidade é, em última análise, concretizar valores que a sociedade reivindica, através da regulação das condutas intersubjetivas. Justamente em razão dessa característica eminentemente reguladora, a observação dos sistemas jurídicos demonstra que eles não têm função meramente descritiva da realidade. Ao revés, a natureza prescritiva prepondera nos enunciados que compõe os diversos ordenamentos, verificando-se neles, invariavelmente, um dever-ser, modalizado com os functores “obrigatório”, “permitido”, “proibido”, ou não.23 E, sem dúvidas, um dos valores perseguidos pela quase totalidade dos ordenamentos jurídicos modernos é a segurança das relações jurídicas, que, na maioria dos sistemas de direito, constitui preceito prescritivo expressamente positivado.24 Dentro da ideia de segurança jurídica como anseio dos ordenamentos positivos, surge a necessidade de que o sistema promova a cristalização das situações jurídicas. Isso porque, o ordenamento que tem a segurança jurídica como um de seus pilares não pode conviver com controvérsias jurídicas irresolvíveis.25 23

CARVALHO, Paulo de Barro, Direito Tributário Linguagem e método, Ed. Noeses, 4ª edição, 2011, p.423 24 Embora a Constituição brasileira não trate expressamente da segurança jurídica, não há duvidas de que ela constitui um dos mais caros princípios do nosso ordenamento, pois o fato de não haver referencia constitucional expressa em nada diminui sua positividade, já que, como ensina Souto Maior Borges, “o princípio implícito não difere se não formalmente do expresso. Têm ambos o mesmo grau de positividade, não há positividade forte (a expressa) e outra fraca (a implícita)” (BORGES, José Souto Maior. O princípio da segurança jurídica criação e aplicação do tributo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, Dialética nº 22, jul 1997, p. 25 ) 25 Sobre a matéria, interessante a observação de Leandro Paulsen: “o direito como instrumento de organização da vida em sociedade, surge para a afirmação da segurança. A segurança constitui assim traço imanente do Direito, tanto nas relações entre indivíduos, como nas destes com o Estado. (...) Daí porque a expressão segurança jurídica é considerada quase que como uma tautologia ou uma redundância, conforme afirma Cármem Lúcia Antunes Rocha: ‘Seguranca juridica poderia parecer mesmo tautologia. Direito e segurança andam juntos. Claro: o direito põe-se para dar segurança, pois, para se ter insegurança, o direito não é necessário”. (PALSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação: a concretização da certeza quanto à instituição de tributos através das garantias da

Nessa conjuntura muitos sistemas de direito positivo estabelecem mecanismos jurídicos que buscam promover a estabilização social, através da consolidação das próprias relações jurídicas, dentre os quais se destaca – inclusive na experiência jurídica nacional – a “prescrição”, um conceito jurídico-positivo construído pelos diversos sistemas e subsistemas que integram o ordenamento jurídico brasileiro.26 Diz-se, então, que a prescrição é produto do ordenamento jurídico-positivo e, como tal, tem validade restrita ao âmbito do sistema que a institui. Apercebeu-se dessa particularidade, Eurico de Santi, o qual enxerga na prescrição um conceito jurídicopositivo, e que, como tal, deve ser tratado. Merece transcrição literal suas palavras: A dificuldade, sempre presente, nas tentativas de distinguir prescrição e decadência assenta-se muito mais na ausência de humildade cognoscitiva da doutrina do direito em descrevê-la, como categorias jurídico-positivas que são, do que na real complexidade dos fenômenos subjacentes a esses conceitos. Essa problemática decorre, em parte, do enleio que a doutrina do direito civil faz entre “ciência” e “direito”. A aparente confusão entre prescrição e decadência não é identificada pela doutrina civilista, que exara sua coerência sobre o direito positivo, reconduzindo esses conceitos ao reino de sua razão. Mas essa intromissão tem um preço, implica automática transfiguração do direito como objeto: doutrina não é fonte do direito e, quando pretende sê-lo, ao constituí-lo, simplesmente, o desconstitui. Assim, o que se verifica no estudo da prescrição e da decadencia no direito civil são proposições sem base empírica, mais referenciais criativos do que genuinamente descritivos, que se legitimam simplesmente pela afirmação de que tempus fugit e jus non sucurit dormientibus. No entanto, decadência e prescrição são, como diz PONTES DE MIRANDA, conceitos jurídicos positivos. Portanto, não podem reduzir-se ou explicar-se por plexos circunstâncias do mundo real e social, como inexorável fluir do tempo ou a inércia daqueles que não exercem seus direitos (o que, aliás, também é um direito). (...) Ambos são mecanismos do sistema jurídico para absorção de incertezas, limites impostos pelo próprio ordenamento à sua positivação, seja mediante o exercício do próprio direito, decadência, ou o exercício da ação, prescrição.27

Seguindo-se essa premissa, prescrição não é matéria a ser estudada pela Teoria Geral do Direito, porquanto não possa, nem numa primeira análise, desprezar as particularidades do sistema em que está inserido o conceito. legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 2223). 26 Cf. AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar ações imprescritíveis. Revistas dos Tribunais, 300/7. 27

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Max Limonad, 2000, p. 37-38.

A atividade empírica pode confirmar essa noção. Por exemplo, no Código Civil português se verifica preceito que institui, como regra, a inaplicabilidade da prescrição no que se refere a direitos indisponíveis, ao passo que o mesmo fenômeno não se vislumbra no Brasil28. Isso demonstra que a prescrição não passa pelo teste de trials and erros29, pois encontra delineamento próprio em cada sistema de direito. Nesse momento, para que se dê a exata impressão da mensagem que se pretende transmitir, incumbe frisar que, tal qual quaisquer conceitos adjacentes, a prescrição pode encontrar diferenciação também dentro de um mesmo ordenamento jurídico. Isto é, cada subsistema componente de um mesmo sistema de direito positivo pode dar tratamento especifico ao instituto da prescrição, como sói acontecer. No direito brasileiro, por exemplo, temos a prescrição no direito civil, direito penal, direito tributário, entre outros subsistemas. Porém, em função dos estritos limites do presente trabalho, tratar-se-á apenas da prescrição nos subsistemas do direito civil e direito tributário. Perpassadas essas premissas, passe-se a abordar um comparativo entre os diferentes contornos jurídicos da prescrição nos subsistemas do direito civil e direito tributário, de maneira a demonstrar, sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, a existência de diferenciações entre os institutos em cada subsistema. Registre-se, ainda, que – por se tratar de um breve estudo – não se abordará profundamente os meandros do instituto da prescrição em cada um dos referidos subsistemas, limitar-se-á o texto a tecer breves considerações acerca do problema, de modo suficiente à que o leitor possa perceber que há, em verdade, diferentes “prescrições” dentro do ordenamento pátrio.

28

PORTUGAL. Código Civil. “Art. 298, 1: Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”. Disponível em: http://www.confap.pt/docs/codcivil.PDF 29 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária, 2ª edição, ed. Malheiros, p. 34.

3. Prescrição no direito civil e no direito tributário: uma analise comparativa O transcurso do tempo é, em muitos casos, fator relevante para o Direito, porquanto o sistema jurídico eleja situações nas quais ele, isolado ou associado a outros fatores, produza, modifique ou extinga relações jurídicas.30 E, no subsistema de direito civil brasileiro, não foi diferente. O legislador relacionou a passagem do tempo à inércia do titular de um direito para criar, no plano geral e abstrato, uma figura jurídica capaz de encobrir à pretensão que resguardaria aquela ação não exercitada concretamente. A prescrição, dentro do subsistema civil, corresponde à “exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação”31. Ou seja, é uma exceção prescrita no ordenamento positivo, capaz de limitar a eficácia temporal das pretensões e ações (direito material). Esmiuçando as raízes do instituto no direito civil, a prescrição deve ser entendida como decorrente de um “ato-fato lícito caducificante, em cujo suporte fático se encontra (a) a titularidade de um direito, de uma pretensão (e, eventualmente, de uma ação de direito material), (b) a inação do titular e (c) a passagem do tempo”32 prescrito na norma jurídica. A partir deste ato-fato, nasce a exceção (que é a própria prescrição), assim entendida como uma situação jurídica que, quando exercida pelo titular, produz o “encobrimento da eficácia da pretensão, ou da pretensão, ou da ação de direito material”33, tornando-o o direito inexigível. Nesse campo, o prazo prescricional tem início com o surgimento da pretensão (direito ou uma ação de direito material), que é decorrência direta da exigibilidade do

30

Nesse sentido, Orlando Gomes preceitua que “dentre os acontecimentos naturais ordinários, o decurso do tempo é dos que maior influência exerce nas relações jurídicas. A lei atribui-lhe efeitos, seja isoladamente, seja em concurso com outros fatores” (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 507) 31 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo VI. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970. p. 100. 32 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de . Três problemas sobre a prescrição no direito brasileiro: primeiro esboço. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; CAMPOS, Alyson Rodrigo Correia. (Org.). Do direito civil I. 1ed.Recife: Nossa Livraria, 2013, v. 1, p. 817-835. p. 819. 33 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de . Op. Cit. p. 820.

direito subjetivo, de forma que, a noção de prescrição dentro do subsistema de direito civil passa pela ideia de inércia do titular da ação em exercer a sua titularidade.34 E se estar-se tratando da “prescrição” sob um enfoque essencialmente dogmático, abordado o instituto no seio do subsistema em que reside, faz-se mister verter os olhares sob a experiência jurídica positivada, que, como assentado, modela o fenômeno jurídico. Entre nós, a prescrição civil encontra previsão entre os artigos 189 a 206 do Código Civil, bem como em artigos mais esparsos dentro do Código de Processo Civil que, não obstante figurar em um diploma processual, constituem regras de direito material. Essa informação já traduz algo de relevante no que concerne à organização sistemática do tratamento da prescrição civil, que é o fato de ela, dentro do conjunto de normas a que pertence, ser tratada por lei de natureza ordinária. Tal fato decorre da competência legislativa outorgada privativamente a União, pelo inciso I, do artigo 22 da Constituição Federal. Nesse momento, é importante abrir um pequeno parêntese para destacar um aspecto relevante a respeito da distribuição constitucional dos campos de abrangência entre as espécies normativas elencadas no art. 59 da Carta Política, particularmente, dentre as leis ordinárias e complementares. Abstraindo-se toda a acirrada discussão doutrinária35 que permeia a matéria, incumbe destacar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, responsável por dar a ultima palavra em matéria constitucional, por ocasião dos julgamentos dos Recursos Extraordinários nº 377.457 e 381.964, já se pronunciou assentando a inexistência de hierarquia entre as leis ordinárias e complementares. Definiu o Tribunal que a distinção entre essas espécies normativas residiria apenas no fato de a Constituição reservar ao campo de atividade da Lei Complementar o tratamento de certas matérias expressamente elencadas no texto constitucional, como,

34

Nesse sentido, Enunciado nº 14 da 1ª Jornada de Direito Civil – Conselho da Justiça Federal: ... 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo; 2) o art. 189 diz respeito a casos em que a pretensão nasce imediatamente após a violação do direito absoluto ou da obrigação de não fazer. 35 Cf. BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975.

por exemplo, fez nos artigos 7º, I; 14, § 9º; 18, §2º, § 3º; 22, parágrafo único; 23, parágrafo único, dentre outros.36 Aqui, fecha-se o parêntese aberto alhures, destacando que não há no sistema constitucional preceito normativo que guarde à lei complementar o tratamento da “prescrição” dentro do subsistema civil, razão pela qual o instituto é inteiramente abordado sob a égide da lei ordinária, exatamente o oposto ao que ocorre com a prescrição no subsistema do direito tributário, conforme se tratará em momento oportuno. A lei ordinária, então, versará acerca da prescrição civil em todos os seus termos. É nela que se encontrarão os prazos prescricionais (artigos 205 e 206 do Código Civil). Fica igualmente restrita ao campo da lei ordinária a possibilidade ou não de interrupção e suspensão desses prazos e os casos em que haverá interrupção ou suspensão, caso o sistema assim preveja. Poderia o sistema jurídico, a priori, estabelecer algo totalmente distinto do que hoje existe. Seria possível que o subsistema de direito civil determinasse que a prescrição não se suspende ou interrompe, elastecer ou reduzir os prazos existentes ou, até mesmo, eliminar definitivamente a prescrição. Nesse campo, a criatividade legislativa encontra limites, apenas, dentro do próprio sistema jurídico. Vale dizer, enquanto obra do direito positivo, a construção do instituto jurídico da prescrição em cada subsistema do ordenamento jurídico brasileiro deve observância unicamente às normas de superior hierarquia que integram o sistema. Assim, por exemplo, a liberdade do legislador ordinário quando trata da prescrição civil esbarra nas normas em que a própria lei civil retira fundamento de validade. Por assim dizer, a prescrição na órbita civil pode ser manuseada da forma como melhor aprouver ao legislador, desde que não confronte com preceitos insertos na Constituição da República, que é fundamento de validade último do sistema de direito.37 Por outro lado, a prescrição tributária é, tal qual a civil, produto direto de um subsistema particular que compõe o ordenamento jurídico nacional, no caso: o

36

Elucidativo o excerto do voto do Ministro Gilmar Mendes no RE nº 377.457-3/PR, do qual foi relator: “ É tradicional a jurisprudência desta Corte na proclamação da inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, espécies normativas formalmente distintas exclusivamente tendo em vista a matéria eventualmente reservada àquela (lei complementar) pela própria Carta”.

37

CF. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. Tradução de João Batista Machado. Coimbra: Armênio Armado Editor, 1984.

microssistema de normas relativas à regulação de condutas intersubjetivas na seara do direito tributário. Aqui, valem as mesmas observações feitas à prescrição civil, pois a prescrição, enquanto instituto jurídico de direito tributário, somente existe em função do sistema de normas que a criou. Qualquer tentativa de teorizar a prescrição tributária, para além das disposições do subsistema de normas tributárias, redundará necessariamente na deturpação do instituto, carecendo, pois, de base jurídica38. Conceitualmente, a prescrição tributária deve ser considerada como uma hipótese de perecimento do crédito tributário (crédito e obrigação tributária) em virtude da inação do sujeito ativo em exercer a pretensão e/ou ação para cobrança do crédito tributário no marco temporal estabelecido pela lei complementar. Isto é, diferentemente do direito civil em que a prescrição é uma exceção que, quando exercida, produz o encobrimento da eficácia de uma pretensão ou ação de direito material, a prescrição tributária foi configurada, positivamente, como uma hipótese de extinção do crédito tributário, ex vi artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, a qual se opera independentemente do exercício do sujeito passivo e desconstitui, por completo, o crédito e a obrigação tributária. Por isso, no âmbito tributário, é inadmissível o pagamento de crédito tributário prescrito, ainda que efetuado espontaneamente pelo sujeito passivo, pois, sendo prescrição uma hipótese de extinção da obrigação, o sujeito passivo (Estado) estaria enriquecendo ilicitamente39. As diferenças entre as “prescrições” civil e tributária, no entanto, não terminam por aqui.

38

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Max Limonad, 2000, p. 37-38. 39 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.210.340. Segunda Turma. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. DJe:10/11/2010. Ementa: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PARCELAMENTO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO EXTINTO NA FORMA DO ART. 156, V, DO CTN. PRECEDENTES. (...) 2. A prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional. (...)

O subsistema tributário deu à prescrição tributária tratamento próprio e diverso do civil, em razão das particularidades das relações a que pretende normatizar. Nessa trilha, o instituto da prescrição em direito tributário é também conceito lógico-jurídico, só que imerso no seu próprio universo normativo, justamente o subsistema de direito tributário, que em muito difere do civil. Uma das mais relevantes diferenças se encontra ainda no âmbito constitucional. Isso porque, a Carta Política, no art. 146, III, “b”, ao repartir os âmbitos de abrangência entre as espécies normativas, fez a clara opção de dotar à lei complementar nacional a atribuição de estabelecer normas gerais no que se refere à prescrição em matéria tributária. O sistema jurídico-constitucional, então, criou uma limitação formal à construção do conceito jurídico-positivo da prescrição, dentro do subsistema tributário, no sentido de que apenas o veículo normativo da lei complementar é idôneo para dar arcabouço jurídico à prescrição dessa espécie. Há, pois, uma norma superior que restringe a liberdade legislativa, no que concerne à prescrição no domínio do direito tributário. Uma restrição intrasistemática que não pode ser desconsiderada pelo legislador infraconstitucional, tampouco por aqueles responsáveis por aplicar o direito. Tal limitação tem razão de ser. Como já se destacou alhures, o primado da segurança jurídica – que é princípio implicitamente positivado na Constituição da República – aponta para a necessidade de que certos institutos relevantes, como o da prescrição tributária, sejam uniformemente aplicados em todo o território nacional. No Brasil, a competência tributária foi repartida entre os entes políticos de modo que cada um possui a prerrogativa de instituir os tributos, cuja competência foi outorgada pela Constituição Federal. É importante lembrar que o Estado Federativo brasileiro é integrado por mais de 5.500 Municípios, além de 26 Estados, o Distrito Federal e a União. Parece induvidoso que, se cada um desses entes políticos tivesse liberdade para versar sobre prescrição tributária, instalar-se-ia um verdadeiro caos jurídico e institucional, prejudicando, inclusive, a estabilidade do sistema federativo.

A reserva da matéria à lei complementar nacional é, assim, fundamental para impedir que as ordens jurídicas parciais ponham em risco a harmonia da Federação, concretizando a realização do valor segurança jurídica. Paulo de Barros Carvalho anota com precisão esse aspecto, ressaltando a importância da construção do instituto da prescrição tributária ficar a cargo de lei complementar nacional, de observância compulsória por todas as ordens jurídicas parciais: Decadência e prescrição tributárias, por exemplo, são matérias que o constituinte considerou especiais e merecedoras de maior vigilância, demandado disciplina mais rigorosa a ser introduzida no ordenamento mediante veículo normativo de posição intercalar, em decorrência de seu procedimento legislativo mais complexo (...). Está-se diante de um típico exemplo de ajuste reservado à legislação complementar, para garantir a harmonia que o sistema requer. Seria um verdadeiro caos se cada ente político pudesse, a seu bel-prazer, fixar as normas que disciplinam, por exemplo, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, surgimento e extinção das obrigações tributárias.40

Aqui, é relevante destacar que o artigo 146, inciso III, da Constituição, quando emprega o termo ‘normas gerais’, quer significar que cabe à lei complementar nacional desenhar todo o contorno normativo do instituto da prescrição tributária. Nesse sentido, a lei complementar é responsável por construir abstratamente tanto a hipótese, quanto o consequente das regras de prescrição. Desta sorte, ficam ao talante da lei complementar, por exemplo, a criação e estipulação de prazos prescricionais41, demarcação do dies a quo para início desses

40

CARVALHO, Paulo de Barros. Marketing de incentivo e seus aspectos tributários. Revista de Direito Tributário, Malheiros, no 96, p. 39. 41

Em sentido contrário, Roque Antônio Carraza admite a possibilidade de cada ente político estabelecer prazos prescricionais por meio de lei ordinária: “A fixação dos prazos prescricionais e decadências depende de lei da própria entidade tributante. (...) Nesse sentido, os artigos 173 d 174 do código tributário nacional, enquanto fixam prazos decadências e prescricionais, tratam de matéria de reservada à lei ordinária de cada pessoa política (...). Portanto, nada impede que uma lei ordinária federal fixe novos prazos prescricionais e decadências para um tipo de tributo federal. No caso, para as ‘contribuições previdenciárias’ (...). Falando de modo mais exato, entendemos que os prazos de decadência e prescrição das contribuições previdenciárias são, agora, de 10 (dez) anos, a teor, respectivamente, dos artigos 45 e 46 de lei n.8.212/91, que, segundo procuramos demonstrar, passam pelo teste de constitucionalidade.” (CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004 P. 816-817)

prazos, bem a determinação de circunstâncias suspensivas ou interruptivas da prescrição. Raciocínio contrário, no sentido de permitir que lei ordinária versasse acerca de prazos

prescricionais,

representaria

inadmissível

rompimento

da

estrutura

intranormativa das regras de prescrição, que passariam a ter consequentes normativos previstos em leis complementares e antecedentes calcados em leis ordinárias. Para Eurico De Santi: Do plexo de dispositivos expressos e princípios resulta o pacto federativo positivo firmado na Constituição Federal de 1988 e surge a expressa competência constitucional para, mediante lei complementar, disciplinar sobre as matérias de decadência e prescrição em direito tributário. Portanto, o legislador complementar que tratar de decadência e prescrições tributárias deve dirigir essas regras igualmente à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, pois a garantia do princípio federativo e da autonomia dos Municípios está jungida à generalidade dos destinatários, realizando também o primado da isonomia das pessoas políticas. Diante dessa premissa, não é possível aceitar a interpretação de que o termo gerais da expressão constitucional “normas gerais em matéria de legislação tributária” designa apenas diretrizes genéricas, deixando o prazo formativo da decadência e da prescrição sujeito à competência ordinária de cada ente político. O prazo da decadência e da prescrição é o fato jurídico abstrato que conforma a hipótese dessas regras. Se a consequência do fluxo desses prazos fosse mesmo regulada por lei complementar, enquanto o pressuposta dessa consequência seria regulado por lei ordinária, haveria uma inaceitável cisão na estrutura dessas normas jurídicas. (...) significa outorgar à lei complementar a possibilidade de esboçar a hipótese e o consequente das regras de decadência e da prescrição (...). Em suma, estabelecer normas gerais sobre decadência e prescrição em lei complementar implica definir nesse veiculo normativo a hipótese (determinando o prazo, seu termo inicial e eventuais circunstâncias suspensivas e interruptivas que conformam esse fato temporal) e o consequente (extinção do direito de lançar, do crédito ou do direito de ação) das regras de decadência e prescrição do direito do fisco e da decadência e prescrição do direito do contribuinte, aplicáveis, indiscriminadamente, à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.42

O leitor menos incauto questionaria a interpretação aqui defendida, sustentando que a locução “normas gerais” utilizada pela Constituição, não retira a totalmente a

42

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Max Limonad, 2000, p. 88-90.

viabilidade dos demais entes políticos versarem sobre prescrição tributária por meio de lei ordinária, porquanto pressuporia a existência de uma competência própria deles. Noutras palavras, poder-se-ia entender que se a Constituição usa o vocábulo “normas gerais” para definir a atribuição da lei complementar nacional sobre a questão, implicitamente abre espaço para que as ordens jurídicas parciais regulamentem a matéria através de “normas específicas” relacionadas aos interesses particulares dessas próprias ordens parciais. Essa não é a melhor exegese, porquanto despreze todo o contexto históricolegislativo relacionado à matéria, bem como redunde na diminuição da força normativa da Constituição, tornando mesmo sem sentido o art. 146 do texto.43 Isso porque, quando do advento do Código Tributário Nacional, vigia a Constituição de 1946, que não contemplava a figura da lei complementar. Na ocasião, o CTN se dividia em dois livros, sendo o primeiro deles sobre o “Sistema Tributário Nacional” e o outro, “Normas Gerais em Direito Tributário”. Tais expressões foram, em seguida, incorporadas à Constituição de 1967, a qual criou a figura jurídica da lei complementar, através da destinação de matérias específicas para esse veículo normativo, dentre as quais se destaca a prescrição tributária. Nessa vereda, ao instituir o veículo da lei complementar como fonte legítima para versar acerca de normas gerais sobre prescrição tributária, a Carta de 1967 recepcionou o CTN com status de lei complementar, haja vista o fato de o Código tratar da matéria desde antes da promulgação do texto constitucional, tal qual o fez a Carta de 1988, que manteve a exigência de lei complementar para matéria. A Constituição de 1967, no que foi seguida pela atual, apesar de não definir claramente o alcance da expressão “normas gerais em direito tributário” reproduziu a expressão contida no CTN, que, como é cediço, já vigorava muito antes da ordem constitucional pretérita. Disso resulta a compreensão de que o constituinte de 1967 (e também o de 1988) albergou inteiramente a disciplina do CTN sobre o assunto, que sempre foi no sentido

43

Eurico De Santi, transcrevendo as palavras de Lênio Luiz Streck: “no discurso dogmático a lei não pode ser vista como ‘sendo uma lei-em-si’, abstraída das condições de (de produção) que a engendraram, como se sua condição de lei fosse uma propriedade ‘natural’” (SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Max Limonad, 2000, p. 83).

de que tudo aquilo que se referisse à prescrição tributária ficaria sob o manto da regulação por lei complementar. Ademais, como já foi dantes mencionado, o objetivo da Constituição ao reservar à lei complementar a construção da matéria é assegurar segurança jurídica e uniformização na aplicação do instituto em todo o território nacional, o que restaria fragilizado por entendimento diverso. Outrossim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, a quem o sistema jurídico confere a prerrogativa de dar a última interpretação em matéria constitucional, através do julgamento do Recurso Extraordinário nº 560.625/RS, alberga o entendimento aqui esposado, rechaçando a possibilidade de que qualquer aspecto relativo à prescrição tributária seja veiculada por outro meio, que não a lei complementar nacional.44 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/991 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, §1º da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê a disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação do tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e decadência tributárias. III. NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza jurídica tributária e se submentem ao regime jurídico-tributário previsto na constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da lei 8.212/91, por violação ao art. 146, III, b da Constituição de 1988 e doParágrafo único do art. 5º do DecretoLei 1.569/77, em face do §1º do art. 18 da Constituição de 1967/69 V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos

44

No mesmo sentido: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI nº 124-8. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Dje: 17/04/2009.

nos arts 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data da conclusão deste julgamento.

Entendimento que restou cristalizado no enunciado nº 8 da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, de modo que, hoje, o entendimento passou a ter reprodução compulsória pelos demais órgãos do Poder Judiciário., não havendo espaço para divergência.45 Portanto, tratando-se de prescrição tributária, o ordenamento jurídico brasileiro não permite que prazos, termos iniciais, hipóteses de suspensão e interrupção sejam tratados por outro veículo normativo diverso na lei complementar. 4. (In) Possibilidade jurídica de alteração da prescrição tributária por meio de regras processuais 4.1 – Aplicação do parágrafo 1º do art. 219 do Código de Processo Civil e o entendimento firmado no Recurso Especial nº 1.120.295 O subsistema de direito civil sofreu significativa alteração pela lei nº 8.952/94, que promoveu mudanças no Código de Processo Civil, com o objetivo de modernizar esse específico universo normativo, garantindo maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, no que se refere às relações jurídicas de direito material que sofrem influência desse específico sistema normativo. No bojo dessa microreforma das normas processuais, o legislador ordinário inclui o parágrafo primeiro no art. 219 do CPC, remodelando o conceito jurídicopositivo da prescrição civil, de maneira que a interrupção do fluxo da prescrição, através da citação válida, passaria a retroagir efeitos à data da propositura da demanda. Nesse ponto – seguindo-se as premissas já eleitas no desenrolar deste estudo – percebe-se que a alteração na legislação processual civil em nada poderia modificar o tratamento dado à prescrição tributária, pela simples razão de que o instituto da prescrição no subsistema tributário, por imposição constitucional, está inteiramente destacado à lei complementar.

45

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Súmula Vinculante nº 8 - Sessão Plenária de 12/06/2008 - DJe nº 112/2008, p. 1, em 20/6/2008 - DO de 20/6/2008, p. 1 Constitucionalidade - Prescrição e Decadência de Crédito Tributário: São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário.

Como já se assentou, a liberdade legislativa para versar sobre elementos construídos pelo sistema de direito positivo, caso da prescrição tributária, termina no ponto em que o próprio sistema jurídico impõe. E a ordem jurídica brasileira não admite a regulação da prescrição tributária por intermédio de lei ordinária, conforme orientação já firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Essas constatações, que poderiam parecer singelas à primeira vista, ganharam um novo rumo, após o julgamento do polêmico Recurso Especial nº 1.120.295/SP, o qual, ao ser submetido a uma interpretação açodada, tem gerado sucessivos equívocos na prestação da atividade jurisdicional, como um verdadeiro “efeito dominó” no entendimento das Cortes judiciais. O próprio Superior Tribunal de Justiça tem se equivocado na interpretação do conteúdo jurídico da aludida decisão, conferindo a ela eficácia mais extensa do que a que pretendia ter, em detrimento do ordenamento jurídico constitucional, conforme pode ser observado em diversos julgados proferidos após a edição do mencionado precedente. 46 Para que melhor se possa compreender os termos da controvérsia, passa-se à análise da decisão. Em 21 de maio de 2010, foi publicado o acórdão que julgou o Recurso Especial nº 1.120.29547, o qual contém a seguinte ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS). PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA. PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE 46

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 280.549. Segunda Turma. Relator: Min. Herman Benjamin. Dje: 12/06/2013. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Embargos Declaratórios no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.337.133. Segunda Turma. Relator: Min. Eliana Calmon. Dje: 19/06/2013. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 32391. Primeira Turma. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Dje: 09/05/2013. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental nos Embargos de Divergencia em Recurso Especial nº 1277881. Primeira Seção. Relator: Ministro Sérgio Kukina. Dje: 15/04/2013. 47 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.120.295. Primeira Seção. Relator. Min. Luiz Fux. Dje: 21/05/2010.

NÃO PREVÊ DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO. (...) 13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN). 14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional. 15. A doutrina abalizada é no sentido de que: "Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição. Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil: 'Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição. § 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.' Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação. Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação, é desqualificado pelo exercício da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição." (Eurico Marcos Diniz de Santi, in "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Ed. Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 232/233) 16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN. 17. Outrossim, é certo que "incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário" (artigo 219, § 2º, do CPC). 18. Consequentemente, tendo em vista que o exercício do direito de ação deu-se em 05.03.2002, antes de escoado o lapso quinquenal (30.04.2002), iniciado com a entrega da declaração de rendimentos (30.04.1997), não se revela

prescrita a pretensão executiva fiscal, ainda que o despacho inicial e a citação do devedor tenham sobrevindo em junho de 2002. 19. Recurso especial provido, determinando-se o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

A partir da leitura da ementa transcrita acima, o leitor menos cuidadoso poderia chegar à conclusão de que toda a matéria ora tratada foi analisada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos. Ilação que pode, inclusive, induzir a erro as demais Cortes judiciais. No entanto, a partir da análise detalhada do Recurso Especial nº 1.120.295 e do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, constata-se que a matéria, em verdade, não foi submetida ao rito previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil. O primeiro ponto que merece consideração é a delimitação da matéria que foi afetada à Primeira Seção para julgamento sob o rito do recurso repetitivo. Compulsando as decisões anteriores ao precedente, verifica-se a existência de decisão monocrática, publicada no Diário de Justiça eletrônico em 23 de março de 2010, na qual se delimita a matéria a ser examinada com base no regime previsto no art. 543-C do CPC. Vejamos: A presente insurgência especial versa sobre o termo inicial do prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança judicial dos créditos tributários declarados pelo contribuinte (mediante DCTF ou GIA, entre outros), mas não pagos. Deveras, há multiplicidade de recursos especiais a respeito dessa matéria, por isso que submeto o seu julgamento como "recurso representativo da controvérsia", sujeito ao procedimento do artigo 543-C, do CPC, afetando-o à Primeira Seção (artigo 2º, § 1º, da Resolução n.º 08, de 07.08.2008, do STJ).

Observa-se, com base na leitura da decisão monocrática, que a matéria afetada à Primeira Seção do STJ, restringe-se tão somente a verificação do termo inicial do prazo prescricional dos créditos tributários declarados pelo contribuinte, mas não pagos. Desta feita, somente este tema foi objeto de apreciação com base no regime dos recursos repetitivos e, por isso, somente este tema transcende os limites subjetivos da causa julgada no Recurso Especial nº 1.120.295. Essa verificação já escancara o equivoco que muitos tribunais e o próprio STJ vêm fazendo do alcance do conteúdo decisório inserto neste importante precedente.

A controvérsia jurídica pacificada sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo foi, apenas, o termo inicial do prazo prescricional no caso em que especificava. Até porque uma modificação no subsistema processual civil, por meio de lei ordinária, não tem o condão de alterar a disciplina do instituto da prescrição em sede de execuções fiscais de créditos tributários. O veículo próprio para a regulamentação da prescrição tributária é a lei complementar. A aplicação do art. 219, §1º do CPC à prescrição tributária não foi decidida em sede de recurso representativo da controvérsia, por ocasião do Recurso Especial nº 1.120.295, e merece uma nova reflexão por parte do Superior Tribunal de Justiça. Inclusive porque, antes desse específico julgamento, já havia se manifestado em sentido diametralmente oposto, de modo que essa suposta conclusão não só inexiste, como não representava a visão do Tribunal acerca da matéria.48 Ademais, recentemente, a lei complementar nº 118/2005 modificou substancialmente o disciplinamento da prescrição tributária e não fez constar preceito semelhante àquele incorporado ao parágrafo primeiro do art. 219 do CPC, sendo razoável concluir que não há mesmo, sequer, a intenção do legislador em reproduzir, em execuções fiscais tributárias, o tratamento dado especificamente à interrupção da prescrição civil. A conclusão de que o Recurso Especial nº 1.120.295 sedimentou o entendimento de que o §1º do art. 219 do CPC se aplica à prescrição tributária é, pois, 48

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PRAZO PRESCRICIONAL – INTERRUPÇÃO – CITAÇÃO VÁLIDA – REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 174, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CTN – ERRO MATERIAL – OCORRÊNCIA – ANÁLISE DE MATÉRIA ESTRANHA AOS AUTOS – POSSIBILIDADE DE EFEITOS INFRINGENTES – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. (...) 3. A prescrição do crédito tributário vem disciplinada no CTN e, por exigência constitucional, somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, não se aplica a regra do art. 219, § 1º, do CPC, segundo o qual a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, se a citação for válida. Aplica-se o disposto no art. 174, parágrafo único, I, do CTN. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para sanar o erro material e negar provimento ao recurso especial da FAZENDA NACIONAL. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Embargos de Declaração no Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1038753. Segunda Turma. Relator: Ministro Humberto Martins. Dje: 28/11/2008)

equivocada e decorre da compreensão inadequada do fenômeno jurídico construído por cada um dos subsistemas normativos que integram o ordenamento jurídico positivo brasileiro.

4.2 – Inaplicabilidade do enunciado nº 106 da Súmula do STJ Para compreender a fundo as razões da fixação do entendimento jurisprudencial encartado no enunciado nº 106 da súmula do Superior Tribunal de Justiça49, mister se faz investigar a origem do discurso jurídico que a motivou, haja vista que o enunciado sumulado representa a síntese de um entendimento esboçado sobre matéria em anteriores precedentes do Poder Judiciário. A procedência do entendimento reproduzido na súmula 106 do STJ remonta a um tempo anterior ao próprio surgimento do Tribunal. Isso porque, o referido enunciado sumular consiste na repetição da visão que tinha sobre a matéria o extinto Tribunal Federal de Recursos, que se encontrava no enunciado nº 78 da súmula do TFR.50 Se é certo que já o Tribunal Federal de Recursos aplicava esse entendimento para as relações jurídicas de direito privado, é igualmente correto que o Superior Tribunal Justiça editou o enunciado nº 106 contemplado a realidade normativa que conforma o subsistema de direito civil. Tanto assim que o enunciado nº 106 foi publicado no Dje de 03/06/1194, contemplando como referências legislativas os artigos 219 e 220 do CPC, que, seguindo a mesma linha das observações, em nada se aproveita à prescrição tributária. O que se verifica é que o Superior Tribunal de Justiça – ao aplicar o enunciado nº 106 de sua súmula às execuções fiscais de crédito tributário – deu ao enunciado “vida

49

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula nº 106 – sessão de 26/05/1994 – Dje:03/06/1994. Ação no Prazo - Demora na Citação - Argüição de Prescrição ou Decadência: Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência. 50 TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS. Súmula nº 78 – sessão de 19/03/1981 – DJ: 07/04/81 Ação no Prazo - Demora na Citação Inerente ao Mecanismo da Justiça - Argüição de Prescrição: Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição.

própria”, absolutamente divorciada do contexto histórico e normativo que levou à consolidação do entendimento nele cristalizado.51 Se nem mesmo a própria lei ordinária poderia intervir em aspectos da prescrição tributária, muito menos o pode fazer o preceito sumular que surgiu através da interpretação e aplicação de dispositivos do CPC, pelo que se reforçam as críticas à postura do Superior Tribunal de Justiça no tratamento da questão. 4.3 – Prescrição Intercorrente na Lei de Execução Fiscal A Lei ordinária nº 11.051/04 incluiu o parágrafo quarto no artigo 40 da lei 6.830/80, inaugurando a figura da prescrição intercorrente. Esse dispositivo tem causado bastante perplexidade, por entre os estudiosos do Direito, que viram nele a criação de um novo marco interruptivo da prescrição tributária através de lei ordinária, em desprestígio do que estatuído pelo CTN. Discussão que teve a repercussão geral reconhecida pelo E. Supremo Tribunal Federal, no âmbito de Recurso Extraordinário nº 635.562/SC.52 Pensa-se descabida essa discussão. Partindo das premissas metodológicas previamente eleitas, há de se concordar com a corrente que aponta a impossibilidade de a lei de execuções fiscais criar nova hipótese de interrupção da prescrição tributária. Já foi exaustivamente comentado que a prescrição tributária é instituto diverso da civil. Essa é produto de uma normatividade própria, sendo exigência do sistema jurídico constitucional o tratamento por intermédio de lei complementar. A lei de execuções fiscais, nesse particular, versaria apenas sobre a prescrição civil, aplicável a créditos não tributários. De fato, gozando do status lei ordinária, a lei de execuções fiscais, conforme se pensa, não teria o condão de interromper o fluxo prescrição tributária. Mas se pode ir 51

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 895399. Segunda Turma. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Dje:29/04/2010. 52 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 635.562. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO – ADMINISTRATIVO - FINANCEIRO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MARCO INICIAL. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR DE NORMAS GERAIS PARA DISPOR SOBRE PRESCRIÇÃO. SUPREMACIA DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL POR FORÇA DA CONSTITUIÇÃO. ART. 173 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. ART. 40, § 4º DA LEI 6.830/1980 (REDAÇÃO DA LEI 11.051/2004). ART, 146, III, B DA CONSTITUIÇÃO. Possui repercussão geral a discussão sobre o marco inicial da contagem do prazo de que dispõe a Fazenda Pública para localizar bens do executado, nos termos do art. 40, § 4º da Lei 6.830/1980. Repercussão geral no STF sobre inicio do prazo prescrição

mais além, afirmando-se a inaplicabilidade total do §4º do artigo 40 da Lei 6.830/80 às relações jurídicas submetidas à égide do subsistema de direito tributário. Admitir, como sustentam os contribuintes, a aplicação parcial da lei de execuções fiscais no ponto é tratar com medidas diferentes o mesmo fenômeno jurídico. Se e lei de execuções fiscais, por não ser complementar, não pode criar marco interruptivo prescricional que afete as relações jurídico-tributárias, a própria prescrição intercorrente não pode ser aplicada às execuções fiscais de créditos tributários, porque é criação da mesma lei ordinária. A prescrição é, consoante asseverado, conceito jurídico-positivo, somente existindo dentro dos limites do direito posto. Nesse contexto, a “prescrição intercorrente” nada mais do que uma nova criação do sistema de direito, não se confundido com a prescrição tributária, a não ser, parcialmente, em função pelo nomen iuris do instituto. Seria arbitrário aplicar à prescrição intercorrente tratamento que o direito positivo que a criou não deu, de modo que o fenômeno jurídico deve ser observado em função do sistema que integra. E é o próprio sistema jurídico brasileiro que, pensa-se, aponta no sentido da inaplicabilidade da prescrição intercorrente às execuções fiscais de créditos tributários, pois apenas é dado à lei complementar dispor sobre prescrição tributária. Prescrição intercorrente traduz nova hipótese de aplicação da prescrição civil às execuções fiscais de créditos não tributários, no curso do processo executivo. Antes da lei 11.051/04, já exercida a pretensão, não havia cabimento para prescrição na litispendência processual. Após o advento dela, modificou-se o sistema jurídico, estabelecendo uma possibilidade de consumação da prescrição civil na execução onde antes não havia. Parece contraditório o tratamento jurisprudencial dado à matéria. Ao mesmo tempo em que, historicamente, o Superior Tribunal de Justiça – sob o argumento da necessária reserva de lei complementar – afirmava a inaplicabilidade da lei de execuções fiscais às relações jurídicas tributárias, quando versasse sobre prescrição53, 53

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DESPACHO DE CITAÇÃO. INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA. INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ARTS. 2º, § 3º, E 8º, § 2º, DA LEI Nº 6.830/80. ART. 174 DO CTN. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. "Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para

aplica às relações jurídicas dessa mesma natureza um caso de prescrição tratado exclusivamente na Lei 6.830/80, que é a prescrição intercorrente54. Há, assim, uma impropriedade na aplicação da prescrição intercorrente à execução de créditos tributários, o que gera um problema de constitucionalidade que somente será ilidido quando o Poder Judiciário repensar o assunto, notadamente quando o Supremo Tribunal Federal proferir a última palavra sobre o tema.

apresentação de embargos" (Súmula 196/STJ), o que não veda a argüição de prescrição por meio de exceção de pré-executividade, desde que não se demande dilação probatória. 2. Na redação do art. 174 do CTN, norma que deve prevalecer sobre o disposto no art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/80, por ter estatura de lei complementar, somente a citação pessoal produz o efeito de interromper a prescrição. Pela mesma razão, não prevalece a suspensão do lustro prescricional em virtude da inscrição do débito na dívida ativa, prevista no art. 2º, § 3º, da Lei 6.830/80. 3. "Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente" (Súmula 314/STJ). 4. "Não se opera a prescrição intercorrente quando a credora não deu causa à paralisação do feito" (REsp 34.752/RS, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 3.11.1998). Entretanto, se o aresto recorrido firmou a premissa de que a Fazenda Pública dera causa à paralisação do processo executivo, ou nada disse a respeito, conclusão diversa levaria ao reexame do conjunto de fatos e provas contido nos autos, o que é vedado em recurso especial em decorrência da Súmula 7/STJ. 5. É cabível a condenação em honorários advocatícios no acolhimento da exceção de pré-executividade. Precedentes. 6. Não sendo desarrazoados os honorários, a aferição dos parâmetros elencados nas alíneas do § 3º do art. 20 do CPC importa, necessariamente, o revolvimento dos aspectos fáticos do caso, o que é defeso no âmbito do apelo nobre. Ante o teor da Súmula 7/STJ, "a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 7. Recurso especial conhecido em parte e improvido (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 785921. Segunda Turma. Relator: Ministro Castro Meira. Dje: 27/02/2007) 54 TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – CRÉDITO TRIBUTÁRIO – CITAÇÃO DO EXECUTADO ART. 40 DA LEF – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – OCORRÊNCIA. Constituído o crédito tributário, tem a Fazenda Pública cinco anos para obter a citação do executado, sob pena de prescrição. A suspensão do feito pelo prazo de um ano é cabível após interrompida a prescrição, com a citação pessoal. Não havendo bens a penhorar, o exeqüente vale-se do art. 40 da LEF, restando suspenso o processo e, conseqüentemente, o prazo prescricional por um ano, ao término do qual recomeça a fluir a contagem até que se complete cinco anos. Agravo regimental improvido. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 730480. Segunda Turma. Relator: Ministro Humberto Martins. Dje: 28/08/2006)

Conclusão

A prescrição é produto do ordenamento jurídico-positivo e, como tal, tem validade restrita ao âmbito do sistema que a institui. Logo, como quaisquer conceitos adjacentes, a prescrição pode encontrar diferenciação também dentro de um mesmo ordenamento jurídico. Isto é, cada subsistema componente de um mesmo sistema de direito positivo pode dar tratamento especifico ao instituto da prescrição. A prescrição tributária deve ser considerada como uma hipótese de perecimento do crédito tributário (crédito e obrigação tributária) em virtude da inação do sujeito ativo em exercer a pretensão e/ou ação para cobrança do crédito tributário no marco temporal estabelecido pela lei complementar. Isto é, diferentemente do direito civil em que a prescrição é uma exceção que, quando exercida, produz o encobrimento da eficácia de uma pretensão ou ação de direito material, a prescrição tributária foi configurada, positivamente, como uma hipótese de extinção do crédito tributário, ex vi artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, a qual se opera independentemente do exercício do sujeito passivo e desconstitui, por completo, o crédito e a obrigação tributária. E mais, o sistema jurídico-constitucional, então, criou uma limitação formal à construção do conceito jurídico-positivo da prescrição, dentro do subsistema tributário, no sentido de que apenas o veículo normativo da lei complementar é idôneo para dar arcabouço jurídico à prescrição dessa espécie. Portanto, tratando-se de prescrição tributária, o ordenamento jurídico brasileiro não permite prazos, termos iniciais, hipóteses de suspensão e interrupção sejam tratados por outro veículo normativo diverso na lei complementar. Assim, normas processuais veiculadas por lei ordinária ou súmula de tribunal superior não possui o condão de modificar o arcabouço jurídico positivo da prescrição tributária. Daí porque é inaplicável a utilização de regras processuais para definir os contornos da prescrição tributária no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, conclui-se pela impossibilidade de aplicação do parágrafo 1º do art. 209 do Código de Processo Civil e enunciado nº 106 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, bem como o parágrafo 4º do art. 40 da Lei nº 6.830/80, haja vista que são

normas veiculadas por lei ordinária e, por isso, não podem regular a prescrição tributária em virtude vedação constitucional.

REFERÊNCIAS

AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar ações imprescritíveis. Revistas dos Tribunais, 300/7. ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de . Três problemas sobre a prescrição no direito brasileiro: primeiro esboço. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; CAMPOS, Alyson Rodrigo Correia. (Org.). Do direito civil I. 1ed.Recife: Nossa Livraria, 2013, v. 1, p. 817-835. BORGES, José Souto Maior. Lançamento Tributário, 2ª edição, São Paulo, Malheiros, 1999. ________. Obrigação Tributária, 2ª edição, ed. Malheiros. ________. Lançamento Tributário, 2ª edição, São Paulo, Malheiros, 1999. ________. O princípio da segurança jurídica criação e aplicação do tributo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, Dialética nº 22, jul. 1997 ________. Lei complementar tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. CARVALHO, Paulo de Barros. Marketing de incentivo e seus aspectos tributários. Revista de Direito Tributário, Malheiros, no 96.. ________. Direito Tributário Linguagem e método, Ed. Noeses, 4ª edição, 2011 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004. DIDIER JR, Fredie. Sobre a Teoria Geral do Processo, Essa Desconhecida, 1ª edição, jus podvm, 2012. KOSIK, Karel. Dialética do concreto, 1976, Rio de janeiro, Editora Paz e Terra, p. 14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. Tradução de João Batista Machado. Coimbra: Armênio Armado Editor, 1984. MIRANDA, Áurea Correia de, in notas sobre a importância metodológica dos conceitos, Ensaios FEE, Porto Alegre, 9ª Ed., 1988. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo VI. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970.

PALSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação: a concretização da certeza quanto à instituição de tributos através das garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. Max Limonad, 2000. TÉRAN, Juan Manuel. Filosofia Del Derecho, 7ª edição, Cidade do México, Porrúa, 1977. VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de Direito, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília; AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1. ________. O problema do objeto da Teoria Geral do Estado, escritos jurídicos e filosóficos. Brasília, AxisMvndi/IBET, 2003, v. 1.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.