Incertezas e complexidade em organizações: um quadro conceitual para pesquisa em gestão de erros na indústria de petróleo e gás

June 3, 2017 | Autor: Fabio Bento | Categoria: Organizational Learning, Complexity Theory, Complexity, Oil and Gas Management
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Incertezas e complexidade em organizações: um quadro conceitual para pesquisa em gestão de erros na indústria de petróleo e gás Fabio Bento, Professor Adjunto, Rudolf Steiner University College, Oslo, Noruega [email protected]

Capítulo publicado em livro. Referência: Bento, F. (2015). Incertezas e complexidade em organizações: um quadro conceitual para pesquisa em gestão de erros na indústria de petróleo e gás. (Uncertainty and complexity in organizations: a conceptual framework to the study of error management in the oil and gas industry). In I. Taveira, F. Maciel, R. Soares Jr. & H. Souza (Eds.), Justiça e Gestão no Campo de Petróleo e Gás (Justice and Management in the Oil and Gas Industry). Curitiba: CRV. Resumo A gestão de erros é uma área emergente em estudos organizacionais que mesmo alcançando um importante impacto em setores como aviação e saúde, tem sido relativamente pouco conceitualizada na indústria de petróleo e gás. Nesta área de estudo, erros são normalmente entendidos como desvios não-intencionais de planos e metas que podem ter consequências tanto negativas quanto positivas em organizações. Tais consequências variam desde acidentes e ineficiências até a emergência de aprendizado e inovação tecnológica. Este artigo tem um caráter conceitual cujo objetivo é apresentar uma metodologia de pesquisa organizacional para esta área baseada em conceitos de aprendizado em sistemas complexos e estudos de narrativas. A contribuição deste artigo consiste portanto em apresentar um quadro teórico e conceitual a ser usado futuramente para investigação empírica de gestão de erros e suas implicações para o ambiente de complexidade de operações na indústria de petróleo e gás. A metodologia aqui apresentada se baseia em emergência e complexidade como princípios ontológicos, colocando incertezas e interações como elementos centrais em processos de aprendizado na indústria de petróleo e gás. Neste contexto, estudos de narrativas enfatizando temporalidade e contextualidade representam uma trilha promissora para um entendimento de gestão de erros e processos de aprendizado na indústria. Palavras-chave: gestão de erros, complexidade, aprendizado em organizações, sistemas complexos, processos responsivos complexos

Error management is an emergent area in organizational studies which has already an important impact in sectors such as aviation and health. However, relatively little has done been in order to conceptualize error management in the oil and gas industry. In this emerging research field, errors are usually understood as non-intentional deviations from plans and goals, potentially bringing negative and positive outcomes. Such outcomes range from major accidents to the emergence learning and technological innovation in organizations. This chapter has a conceptual character aiming at conceptualizing error management and discussing its implications for the environment of complexity in operations in the oil and gas industry. In this context, emergency and complexity 1

are presented as ontological principles highlighting uncertainty and interactions as central elements of learning processes. As an outcome of this discussion, I present a research methodology deriving from concepts of learning in complex systems and narrative studies. It is argued that a narrative approach focusing on temporality and contextuality represents a promising track in order to understand error management and learning processes in the oil and gas industry. Keywords: error management, complexity, learning in organizations, complex systems, complex responsive processes 1. Introdução O presente capítulo tem como objetivo uma discussão sobre gestão de erros na indústria de petróleo e gás sob uma perspectiva de pesquisa organizacional. O estudo de processos organizacionais tem sido caracterizado pela proliferação de contribuições práticas e teóricas que apresentam uma ambição implícita ou explícita em identificar “soluções” normalmente gerando modelos de gestão, liderança e comportamento que podem ser associados ao que diferentes agentes entendem por sucesso organizacional (SIMS, 2010). No entanto, erros continuam sendo parte da nossa vida em organizações (CIGULAROV et al., 2010; GOODMAN et al., 2011; VAN DYCK et al., 2005). A gestão de erros é uma área relativamente nova em estudos organizacionais. A emergência de novas áreas de pesquisa proporciona contextos em que podemos refletir sobre contribuições e limitações de diferentes perspectivas teóricas e metodológicas. Desta forma, este artigo inicia com uma apresentação da gestão de erro e sua contextualização no campo de estudos organizacionais. Um pressuposto básico deste capítulo é o reconhecimento de que erros podem ser entendidos como fenômenos organizacionais que demandam uma abordagem muito além de limitações em atividades puramente individuais (GOODMAN et al., 2011). Em um segundo momento, proponho uma reflexão sobre as implicações deste tema para o ambiente de complexidade característica de operações na indústria de petróleo e gás. No entanto, mais que uma característica exclusiva desta atividade industrial, complexidade é apresentada como uma visão de mundo que coloca emergência e temporalidade como seus princípios ontológicos reconhecendo incerteza com características inerentes de processos organizacionais. Esta é uma visão própria de mundo que permeia o quadro conceitual que apresento na quarta parte deste capítulo e operacionalizo como um método de pesquisa focando em narrativas em organizações. Assim como alegado por Tsoukas e Hatch (2006), o método narrativo tem como enfoque contextualidade, temporalidade e a expressão de propósitos e motivos que são importantes características de processo ligados a gestão de erros em sistemas adaptativos complexos. Em diferentes formas, estudos sobre gestão de erros e demais questões organizacionais na indústria de petróleo e gás enfatizam complexidade e aprendizado. Desta forma, surge a necessidade de abordagens de pesquisa que contribuam para uma conceitualização tanto de complexidade quanto de aprendizado na indústria. Neste capítulo, espero contribuir de duas formas. Primeiro, espero contribuir para o debate acadêmico sobre aprendizado e inovação em organizações. Segundo, espero que as reflexões aqui apresentadas contribuam para a busca de um conhecimento empírico sobre possibilidades e desafios para a consolidação de uma cultura de gestão de erros na indústria de petróleo e gás. É justamente a diferença conceitual entre gestão e prevenção que será o tema central da próxima seção.

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2. “Error Management” como uma área de estudo No âmbito deste capítulo, a definição de erros organizacionais proposta por Goodman et al. oferece um ponto de partida promissor: “erros são essencialmente desvios não-intencionais de regras e procedimentos que podem potencialmente resultar em conseqüências organizacionais adversas” (GOODMAN et al., 2011, p. 152, minha tradução, FB). Esta é uma definição que implicitamente engloba noções tais como não-intencionalidade, incerteza e temporalidade que são temas centrais nesse área de estudo. Além disso, erros numa perspectiva organizacional diferem de erros puramente individuais no que involvem a ação de múltiplos agentes e relações de interdependência. Entretanto, ao mesmo tempo que esta definição aponta para aspectos importantes, também deixa em aberto a discussão sobre o que pode ser considerado como consequência de erros. Serão estas exclusivamente e inevitelmente negativas? Keith e Frese (2011) alegam que erros são a matéria prima principal de três efeitos: catástrofes; exploração e inovação; e aprendizado. Partindo do reconhecimento de que toda organização é confrontada com erros, van Dyck et al. (2005) oferecem uma discussão sobre consequências negativas e positivas que aponta para as limitações de uma visão organizational voltada exclusivamente para prevenção. Conseqüências negativas tais como ineficiências, atrasos, produtos defeituosos e em casos mais extremos acidentes tais como a explosão da plataforma Deepwater Horizon no Golfo do México em 2010 são bem conhecidos. O interesse científico em efeitos negativos de erros e compreensivelmente muito mais desenvolvido do que o de efeitos potencialmente positivos. A maior parte dos estudos desenvolvidos na área de psicologia cognitiva e teoria das organizações sobre acidentes, assim como idéias mais popularizadas sobre o assunto tem conceitualizado erros essencialmente em termos de efeitos negativos (VAN DYCK et al., 2005). Esta abordagem tem apoiado o conceito de prevenção ao erro. Este parece ser o caso na indústria de petróleo e gás na qual a maioria dos estudos organizacionais explora “safety climate” e prevenção de riscos (HØYVIK et al,, 2009; RASMUSSEN e THARALDSEN, 2012). Por outro lado, consequências positivas tais como aprendizado, inovação e resiliência são bem menos claras. Frequentemente, relatos de aprendizado e mudanças positivas decorrentes de erros em organizações assumem uma forma anedótica e folclórica e poucas vezes são analisadas de forma conceitual. Desta forma, a gestão de erros não busca substituir a prevenção mas sugere uma atenção a diferentes formas de lidar com a incerteza em organizações abrindo para novas formas de pensar a respeito da emergência de aprendizado e novas formas de comportamento. Antes de abordar a dimensão filosófica desta questão, é importante entender diferentes formas em que a gestão de erros tem sido operacionalizada. Em outras palavras, como este conceito abstrato pode ser colocado em prática? Existem pelo menos duas abordagens a esta questão que são de fato complementares. Uma perspectiva mais instrumental parte do reconhecimento de que uma inevitabilidade total de erros não é possível. A partir deste pressuposto prático, é ressaltada a importância de informações confiáveis sobre erros permitindo uma gestão caracterizada por iniciativas sistemáticas para reduzir a incidência e severidade de efeitos negativos (HELMREICH, 2000). No entanto, na última década tem havido em crescente interesse numa dimensão mais subjetiva da questão enfatizando a importância da consolidação de uma cultura de gestão de erros em organizações (GOODMAN et al., 2011; KEITH e FRESE, 2011; VAN DYCK et al., 2005). Van Dyck et al. (2005, p. 1230) não se aprofundam numa discussão sobre o significado de conceito de cultura em organizações mas listam uma série de práticas relacionadas a uma cultura de gestão de erros:

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Comunicação sobre erros Compartilhamento de conhecimento sobre erros Auxílio em situações de erros Rápida detecção de erros e controle de danos Análise de erros Coordenação de administração de erros Administração efetiva de erros

Todas estas práticas estão ligadas a uma percepção desenvolvida pelos autores de uma relação entre cultura de gestão de erros, aprendizado e performance organizacional. No entanto, é importante observar que tanto o conceito de cultura quanto o de aprendizado não são problematizados pelos autores. Nesse capítulo, trabalho com o conceito de cultura entendido como uma rede valores e pressupostos que são compartilhados por membros de uma organização e que operam muitas vezes de forma inconsciente constituindo-se em contextos que tornam ações humanas inteligíveis (STACEY, 2012). Desta forma, o conceito de cultura é entendido não como algo estático mas como uma relação dinâmica com o ambiente e que ao mesmo tempo permeia e é permeado por práticas, planos e estratégias. Em tais contextos, modelos e técnicas de gestão se tornam artefatos sociais que precisam ser entendidos em processos complexos de interações e interdependências (STACEY, 2010; 2012). A partir deste entendimento, normas (escritas ou não) e valores evoluem em processos de interações formando aquilo que nós normalmente entendemos como relações de poder que são muitas vezes expressos através de mecanismos de controle, culpa e resistência a mudanças. Este entendimento de cultura numa dimensão temporal é um pressuposto central do modelo teórico que apresento para discussão de desafios organizacionais na indústria de petróleo e gás. 3. Aprendizado e inovação na indústria de petróleo e gás A gestão de erros é um conceito pouco discutido na indústria energética apesar de já ter sido amplamente conceitualizado e empiricamente investigado nas áreas de aviacão e medicina (HELMREICH, 2000). No entanto, a discussão sobre gestão de erros em organizações está ligada a aprendizado e inovação remontando a gestão do conhecimento. Está é uma área de pesquisa que foca em processos nos quais conhecimento é desenvolvido, compartilhado e usado em organizações. Grant (2013) oferece um relato histórico interessante sobre como a gestão do conhecimento ganhou importância na indústria de óleo e gás principalmente nas duas últimas décadas. Esse desenvolvimento está ligado a mudanças tecnológicas e mercadológicas. Dentre estas, é possível destacar a crescente necessidade de explorar novos campos (especialmente em águas profundas) e a pressão por uma maior responsabilidade ambiental demandando também novas tecnologias. Rápidos avanços em tecnologia de comunicações tem possibilitado a coleta e processamento de quantidades sem precedentes de informações criando situações em que profissionais situados em diferentes partes do mundo se comunicam e colaboram de forma mais direta através de operações integradas. Além disso, Grant (2013) identifica uma mudança significativa na lógica dominante na maioria das empresas neste setor nas últimas duas décadas: um maior reconhecimento de dinâmicas da economia do conhecimento com suas incertezas e constante mudanças, ao invés de uma visão organizacional focada exclusivamente em insumos (financeiros, tecnológicos, humanos) e ativos 4

materiais (petróleo e gás) transformados em produtos através de sistemas verticalmente integrados. Todas essas mudanças contribuem para um crescente interesse em aprendizado e inovação na indústria. Outros fatores caracterizam um ambiente de complexidade em operações na indústria de petróleo e gás. Entre estes está a complexidade interorganizacional em que múltiplas organizações cooperam principalmente em operações offshore constituindo situações em que erros podem acarretar sérios riscos (MILCH, 2013). Uma determinada percepção de complexidade de operações na indústria e interesse pela prevenção de erros leva a uma crecente implementação de sistemas de automação com o objetivo de reduzir erros humanos (GRESSGÅRD et al., 2013). Automação significa o uso de sistemas de controle e tecnologias de informação com o objetivo de aumentar produtividade e segurança. Entretanto, o crescente uso de sistemas de automação levanta uma discussão sobre efeitos organizacionais de uma diminuição do espaço para requerimentos sensoriais humanos. O estudo de Grant (2013) descreve diferentes estratégias para gestão do conhecimento adotadas por multinacionais na indústria de petróleo e gás. Entre os principais desafios, o autor ressalta a dificuldade em “traduzir” conhecimento tácito em conhecimento explícito, e o desenvolvimento de formas de gestão combinando iniciativas bottom-up como apoio top-down. No entanto, Grant não tem como objetivo problematizar ou conceitualizar a própria idéia de aprendizado em organizações. Da mesma forma, a maioria dos estudos sobre gestão de erros apontam para aprendizado como um dos seus efeitos potencialmente positivos mas sem conceitualizar ou discurtir de forma mais concreta como aprendizado acontece em organizações. A própria idéia de incerteza inerente a processos de aprendizado e inovação é ressaltada por van Dyck et al. (2005, p. 1230, minha tradução FB): “uma cultura de gestão de erros pode estimular inovação organizacional. Inovações são inerentemente incertas e, dessa forma, erros normalmente ocorrem”. Portanto, uma discussão sobre gestão de erros e aprendizado envolve incertezas, temporalidade e relações complexas de cultura. Surge então a necessidade de discutir tais pressupostos centrais que sustentam o conceito de gestão de erros e que abrem espaço para formulação de um quadro teórico que nos permita entender aprendizado em diferentes desafios encontrados na indústria de petróleo e gás. 4. Formulacão de um quadro teórico: aprendizado em organizações vistas como sistemas complexos De uma forma ou de outra, a maioria dos estudos sobre gestão de erros faz referência a complexidade em organizações (CIGULAROV et al., 2010; GOODMAN et al., 2011; HOFMANN e FRESE, 2011; VAN DYCK et al., 2005). A própria definição de erros como desvios nãointencionais de metas e planos e o pressuposto de que erros podem levar a aprendizado abrem espaço para uma discussão sobre propósitos, incerteza, não-linearidade e temporalidade em organizações. Sendo assim, a própria noção de complexidade pode ser articulada de forma que constitua a base de um abordagem conceitual para pesquisa de gestão de erros na indústria. É possível elaborar uma abordagem teórica partindo dos conceitos de emergência (OSBERG E BIESTA, 2007) e sistemas adaptativos complexos (BYRNE, 1998; CHIA, 2006; DENT, 1999; HATCH e CUNLIFFE, 2006; LIANG, 2010; MCINTYRE, 1997; MITTLETON-KELLY, 2003; STACEY, 2006, 2010; URRY, 2005; WALDROP, 1993) para discutir a emergência de aprendizado e inovação em organizações. Na verdade, o que nós conhecemos como teoria da 5

complexidade não é uma teoria em si mas um conjunto de desenvolvimentos em diferentes áreas da ciência que ao enfatizar processos que não podem ser entendidos de forma puramente linear, constituem uma visão própria de mundo (DENT, 1999; PASCALE, 2006). O conceito de emergência ligado a complexidade traz uma crítica ao determinismo ao descrever processos em que inovações e novas formas de comportamento emergem de interrelações complexas numa dimensão temporal e não podem ser diretamente dedutíveis de formas anteriores. Na seção anterior, apresentei diversos desafios organizacionais encarados pela indústria de petróleo e gás e como estes são normalmente rotulados como complexos. Entretanto, complexidade pode ser tanto uma característica dos sistemas que investigamos quanto uma forma de entender o mundo a nossa volta trazendo implicações epistemológicas que formam a base da abordagem narrativa que proponho aqui. Isto é que é chamado de segunda ordem de complexidade (TSOUKAS e HATCH, 2006). Na verdade, a complexidade é primeiramente um reconhecimento da incerteza em atividades humanas e da nossa vida em organizações. Ao invés de eliminar tais incertezas, esta visão de mundo demanda uma reflexão sobre como queremos viver num mundo cujos processos nem sempre podemos prever ou controlar mas que podemos e devemos aprender a influenciar de forma positiva. E dessa forma, a complexidade demanda novas formas de pensar que reconheçam a incerteza. Além disso, fica evidenciada uma dimensão interpretativa de complexidade que pode ser operacionalizada do ponto de vista metodológico através da análise de narrativas que contamos de nossa realidade organizacional. 4.1 Aprendizado em gestão de erros: aprendizado como uma atividade de pessoas interdependentes A análise de organizações como sistemas complexos implica que as vemos em termos de redes de interações entre diferentes agentes interdependentes conectados através de uma dinâmica que envolve objetivos, perspectivas e/ou necessidades comuns. A partir desta perspectiva, o foco analítico é sempre em processos de interações entre diferentes indivíduos e entre diferentes fatores. O objetivo é entender as propriedades destas dinâmicas de interações e seus potenciais de mudança e adaptação. Tais sistemas são complexos porque não podem ser explicados de forma puramente linear e são (ou precisam ser) adaptativos porque precisam interagir com o seu ambiente social e físico. Em sistemas de organização humana, esta capacidade de adaptação é normalmente ligada a idéia de processos de aprendizado. O próprio uso da palavra processo nesse contexto merece atenção já que ressalta uma idéia de temporalidade. Processos são acima de tudo movimentos no tempo. Dentro desta perspectiva temporal, é provavelmente mais pertinente falar sobre “organizando” numa perspectiva de tempo do que “organização” numa conotação espacial. O conceito de gestão de erro envolve comunicação e compartilhamento de informações (VAN DYCK et al., 2005). Portanto, está implicito nesse conceito a idéia de que gestão de erros está relacionada a dinâmicas involvendo processos de comunicação em organizações. O primeiro passo portanto é colocar tais processos de interações como um foco analítico. O conceito de processos responsivos complexos apresentado por Stacey (2010; 2012) traz importantes implicações para gestão do conhecimento que podem ser usadas para operacionalizar uma metodologia de pesquisa em organizações. Dentre várias abordagens existentes a complexidade, a idéia de processos responsivos complexos parte de uma perspectiva de construtivismo social. De acordo com o conceito de processos responsivos complexos, organizações são vistas como padrões de interações comunicativas entre diferentes indivíduos. O conhecimento que é buscado aqui não é aquele que emana de processos cognitivos puramente individuais mas um conhecimento que emerge de 6

processos de construção em que diferentes agentes estão continuamente se comunicando e respondendo às atitudes uns dos outros. Processos responsivos complexos são descritos por Stacey da seguinte forma: “quando pessoas interagem, padrões coerentes de significados e conhecimentos são perpetuamente iterados. Estes padrões que emergem continuamente assumem formas temáticas, tanto narrativas quanto propositais, tanto conscientes quanto inconscientes, e organizam a experiência de estar em sociedade (STACEY, 2006, p. 243, minha tradução FB, p. 243). É nesses processos de interação em que estamos constantemente limitando e dando possibilidades as ações de uns aos outros, que relações de poder emergem. Conhecimentos são continuamente iterados no sentido em que são constantemente reconstruídos. Em sistemas de organização humana, tais relações estão relacionadas a assimetrias já que diferentes indivíduos podem ter mais poder e visibilidade que outros devido a posições hierárquicas ou outros fatores. No entanto, mesmo indivíduos em posições formais de poder interagem com outros indivíduos e também estão inseridos numa realidade de incertezas marcada por processos que não podem ser totalmente controlados ou previstos. Sendo assim, o conceito de processo responsivos complexos sugere um entendimento de organizações em termos de processos de comunicação numa pespectiva temporal. Mas quais são as implicações desta perspectiva para aprendizado e inovação? A primeira implicação é o questionamento de dois tipos de reducionismo que marcam um pensamento dominante em estudos de aprendizado organizacionais. Num primeiro momento, questiona o reducionismo das partes que entende aprendizado em organizações em termos de processos puramente individuais. Outra forma, é um certo reducionismo das estruturas tais como o conceito de organizações de aprendizado apresentado por Senge (2006). De acordo com este conceito, organizações são vistas como organismos ou estruturas que precisam desenvolver uma capacidade de aprender e assim alcançar vantagens competitivas. Mesmo que de forma metafórica, ao elevar aprendizado ao nível de organizações vistas de forma orgânica, este conceito leva a uma reificação de processos de aprendizado e de certa forma abstrai da realidade de conflitos, paradoxos e incertezas que marcam a vida em organizações. Ao meu ver, afirmar que pessoas aprendem em processos de interações e interdependências é radicalmente diferente de postular que organizações aprendem. Uma outra implicação de processos responsivos complexos é que a própria incerteza de tais processos normalmente gera ansiedade e está ligada a mecanismos de culpas e resistências a mudanças. Isso é provavelmente o caso de operações na indústria de petróleo e gás que envolvem enormes investimentos financeiros mas acima de tudo riscos humanos e ambientais. Uma abordagem de aprendizado na indústria de petróleo e gás demanda o reconhecimento das dinâmicas de tais mecanismos. Como discutido por Tsoukas e Hatch (2006), o enfoque em narrativas nutre um conhecimento de processos dinâmicos, imprevisibilidade e emergência de novas formas de comportamento que assumem um papel de centralidade numa perspectiva complexa. 4.2 Uma abordagem narrativa para o estudo de gestão de erros O fato de gestão de erros não estar formalmente articulada no planejamento estratégico de organizações não garante por si só que não existam dinâmicas internas de interações nas quais erros são geridos. Planos, metas e estratégias podem ser analisados como artefatos sociais em organizações cujos efeitos só podem ser entendidos no contexto de interrelações envolvendo processos das quais cultura e poder emergem (STACEY, 2010). Isso leva a uma reflexão sobre a dimensão interpretativa de complexidade. Uma forma de entender formas de comportamento em 7

sistemas complexos de organização humana é explorar a própria complexidade de nossas percepções e narrativas. A dimensão temporal de processos de aprendizado pode ser investigada através de estórias que diferentes atores contam de sua experiência de erros e suas consequências em organizações. Como discutido por Snowden (2004), estórias contadas em organizações normalmente revelam culturas, identidades, entendimentos e padrões de comportamento. Tais narrativas têm o pontencial de ilustrar percepções de normas não-escritas que tanto podem consolidar como dificultar a consolidação de uma cultura de gestão de erros na indústria de petróleo e gás. Narrativas também expressam entendimentos da realidade organizacional em termos de relações de poder, culpas e resistência a mudanças (GABRIEL, 2008). Dessa forma, a metodologia que sugiro neste capítulo foca em narrativas contadas por indivíduos que passam pela experiência de erros e processos de aprendizado decorrentes destes na indústria de petróleo e gás. Normalmente em estudos qualitativos fenomenológicos, o foco analítico é em percepções expressas por participantes de sua realidade social. Em tais estudos, participantes eventualmente narram episódios que ilustram suas percepções. Como argumentado por Riessman (2008), em estudos de narrativas essa relação é inversa: as estórias contadas por participantes são o principal “dado” a ser analisado. Estudos de narrativas têm uma história de pelo menos quarenta anos em estudos organizacionais (CZARNIAWSKA, 2007). E possível constatar pelo menos duas mudanças fundamentais nesse período. A primeira destas mudanças está ligada a dimensão epistemológica de tais estudos com um movimento de ruptura uma com concepção inicial intrinsicamente positivista, para uma outra mais construtivista, ou ainda mais recentemente, para uma dimensão de realismo crítico. Essa mudança é explicada por Spector-Mersel (2010) como um rompimento de visão inicial que buscava usar narrativas para obter acesso a um “mundo real”, para uma ambição em entender processos de construções de nossa realidade social e como tais construções impactam o mundo a nossa volta. Uma outra mudança em estudos de narrativas é uma menor ênfase em aspectos linguísticos para um foco maior no próprio conteúdo e propósitos de tais narrativas (SPECTOR-MERSEL, 2010). Normalmente narrativas são coletadas através de entrevistas não-estruturadas dando espaço para que o participante conte sua estória muitas vezes apresentando fatores ou pontos de bifurcação que não poderiam ser previamente antecipados pelo entrevistador (RIESSMAN, 2008). A análise de narrativas assume uma ênfase em contextualidade, reflexividade, sensibilidade temporal e expressão de propósitos e motivos. Um processo de investigação focando nestas três dimensões tem o potencial de contribuir para dois níveis interligados de análise. Num primeiro momento, podemos pensar em quais processos levam a erros e como esses são ou não geridos na indústria de petróleo e gás. Posteriormente, podemos analisar processos de aprendizado decorrentes de erros e como estes estão relacionados a emergência de inovação e novas formas de comportamento na indústria. O argumento que apresento aqui é que o foco em tais dimensões de narrativas contadas por indivíduos atuando na indústria de petróleo e gás tem o potencial de ilustrar diferentes possibilidades e desafios ligados a consolidação de uma cultura de gestão de erros. 4.2.1 Contextualidade Narrativas apresentam um enredo constituído por uma sequência de eventos que acontecem em um determinado contexto. Para Spector-Mersel (2010), narrativas são enraizadas por três esferas de contextos: a intersubjetividade relativa da relações nas quais elas são produzidas, a coletividade social em que elas evolvem e as meta-narrativas culturais que dão sentido a narrativa. Por exemplo, narrativas de interrelações nas operações na indústria de petróleo e gás representam suas 8

particularidades em termos de subjetividade do narrador e meta-narrativas que ilustram culturas organizacionais. No entanto, a noção de contextualidade tem um valor mais central em estudos de narrativas do que em outros métodos. O objetivo não é alcançar generalizações no sentido estatístico da palavra mas entender processos complexos de interação na suas dimensões históricas e específicas. Desta forma, contextos em que nossos processos de interação acontecem não são apenas contingências nas quais testamos explicações gerais mas se tornam situações e circumstâncias que levam a uma relação de causalidade não-linear e transformativa (TSOUKAS e HATCH, 2006). Na verdade, esta forma de entender contextualidade é perfeitamente compatível como uma visão de complexidade que demanda uma análise de processos como intricadas relações entre vários agentes e fatores. 4.2.2 Propósitos e motivos A definição de erros como desvios não-intencionais implica na idéia de propósitos iniciais não alcançados. Uma consequência diferente do que foi inicialmente almejado nem sempre é algo negativo. Mas de qualquer forma, a idéia de que comportamento em organizações é motivado por propósitos está implícita nesta definição. Narrativas também expressam uma determinada forma de intencionalidade que por sua vez evidencia agência humana (HOFMANN e FRESE, 2011). Ou seja, a sequência de eventos que constituem uma narrativa transmite uma determinada forma de causalidade não-linear que expressa motivos por parte do narrador. Isso acontece de duas formas. Quando narramos estórias estruturamos uma determinada mensagem que queremos transmitir (TSOUKAS e HATCH, 2006). Além disso, motivos expressados em narrativas ilustram interpretações de nossas razões para agir (CZARNIAWSKA, 2007). Sendo assim, podemos focar na própria subjetividade do narrador em processos responsivos complexos de interação e pensar em intencionalidades além daquelas formalmente expressas em documentos estratégicos. Esta é uma consideração compatível com o conceito de emergência e a dimensão interpretativa de complexidade que representa o quadro conceitual apresentado aqui. 4.2.3 Temporalidade Tanto a definição de erros quanto a de processos responsivos complexos implicam numa perspectiva temporal. É nessa perspectiva temporal de processos organizacionais emergentes que causalidade pode ser entendida. Assim como descrito por Polkinghorne (1988, p. 36, minha tradução, FB), “o esquema narrativo serve como lentes através das quais elementos aparentemente independentes e desconectados são vistos como partes relacionadas de um todo”. O próprio enredo apresentado pelo narrador dá significado e conexões que de outra forma não existiriam. Percepções de erros na indústria de petróleo e gás podem ser entendidas como perturbações ou rupturas com condições iniciais num determinado sistema complexo representando o começo de um processo (enredo) que pode levar a direções inesperadas.

5. Consideracões finais 9

Uma revisão histórica da área de estudos organizacionais mostra como diferentes temas emergem e mais adiante desaparecem muitas vezes sem ter o impacto esperado tanto em termos de práticas inovadoras, quanto em termos de desenvolvimentos teóricos. No debate acadêmico internacional, tais temas são conhecidos como “management fads” (COLLINS, 2013) ou seja, “modismos de gestão”. A gestão de erros surgiu nas últimas décadas como um conceito que tem alegadamente o potencial de contribuir para aprendizado e inovações em organizações. No entanto, para que esse conceito alcance realmente algum tipo de contribuição, é necessário que venha acompanhado de uma reflexão sobre aprendizado e complexidade em organizações. A própria idéia de complexidade passa por um reconhecimento de incertezas no ambiente organizacional. Nesse sentido, a indústria de petróleo e gás se torna um caso fascinante a ser investigado. Isso se dá pela sua importância para a economia mundial, as incertezas inerentes as suas operações, o constante aprendizado que seus desafios implicam, e a própria complexidade da sua relação com um mundo que demanda responsabilidade social e sustentabilidade. Surge então a necessidade de abordagens de pesquisa que nos permitam entender melhor quais as possibilidades e desafios para gestão de erros na indústria. Neste artigo, desenvolvo o argumento de que uma conceitualização de aprendizado em processos responsivos complexos e estudos narrativos constitue uma trilha promissora.

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